Ao tornar-se independente, o Brasil tinha configurado seu território com base no princípio do uti possidetis, com o perfil que lhe haviam dado os tratados de Madri (1750) e de Santo Ildefonso (1777) e as correções decorrentes do Tratado de Badajoz (1801). A ocupação da província Cisplatina era contestada pelas autoridades de Buenos Aires. Considerados insubsistentes pelo Brasil os dois primeiros tratados e havendo divergências quanto à interpretação do terceiro, o novo Estado independente não tinha lindes claramente definidos e internacionalmente aceitos.

A diplomacia do Império tratou como objetivo prioritário delinear os limites de seu vasto território, mediante longas negociações com os países vizinhos. Entretanto, muitos dos acordos negociados não foram ratificados e, a despeito da competência de seus diplomatas, ao ser proclamada a República, o Brasil tinha acordos de limites vigentes apenas com o Uruguai, Paraguai, Venezuela, Peru e Bolívia; com os dois últimos, perduravam grandes dificuldades em virtude do pouco conhecimento das regiões fronteiriças. Havia questões a serem dirimidas com a Argentina, Bolívia, Peru, Colômbia, Guianas Inglesa, Holandesa e Francesa.

Tocou, portanto, aos governos republicanos a tarefa de ultimar a definição de nossos limites, cabendo – como é sabido – ao barão do Rio Branco a maior responsabilidade e os méritos pelo êxito dessas negociações. Como plenipotenciário do Brasil, nos processos arbitrais sobre o território de Palmas e sobre a fronteira com a Guiana Francesa, e como ministro de Estado no período de 1902 a 1912, nas negociações com a Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela e com as metrópoles dos territórios coloniais das Guianas inglesa e holandesa, foi Rio Branco o grande artífice dessa política, obtendo o reconhecimento internacional de nossos direitos sobre cerca de 900 mil quilômetros quadrados de território objeto de litígio.

Em duas décadas, a diplomacia republicana traçou os limites do Estado brasileiro, obtendo, na maior parte dos casos, o reconhecimento dos títulos que legitimavam nossa soberania.

 

LIMITES COM A ARGENTINA. A QUESTÃO DE PALMAS

Durante o Império, Brasil e Argentina não haviam podido chegar a um acordo sobre a linha de limites no trecho da fronteira entre o rio Uruguai e o Iguaçu. A 7 de setembro de 1889, Brasil e Argentina assinaram um acordo, pelo qual concordaram em submeter o litígio fronteiriço à arbitragem do presidente dos Estados Unidos da América. Proclamada a República, o ministro das Relações Exteriores, Quintino Bocaiúva, viajou ao Prata e, movido por um impulso de solidariedade americana e sintonia republicana, assinou a 25 de janeiro de 1890, em Montevidéu, com o chanceler argentino Estanislao Zeballos, um acordo que dividia o território litigioso entre os dois países signatários. O tratado foi mal recebido pela opinião pública brasileira. Submetido à apreciação do Congresso, foi por ele recusado a 10 de agosto de 1891. Entendeu-se que, permanecendo válido o acordo de setembro do ano anterior, impunha-se o recurso à arbitragem pelo presidente Grover Cleveland.

O barão do Rio Branco, que exercia até então as funções de cônsul-geral em Liverpool, foi designado ministro plenipotenciário em missão especial em Washington, incumbido de defender os interesses do Brasil ante o árbitro. Surpreendeu a indicação, por Floriano Peixoto, de uma pessoa tão identificada com a monarquia, mas a alta reputação do escolhido, sua reconhecida competência, sua erudição, seu profundo conhecimento das questões históricas envolvidas no pleito se sobrepuseram a considerações de natureza ideológica.

Pretendia a Argentina que a fronteira corresse pelos rios Chapecó e Chopim, sustentando o Brasil que a linha de limites deveria fazer-se pelos rios Peperi-Guaçu e Santo Antônio. Rio Branco dedicou-se a reunir toda a documentação histórica e cartográfica sobre a região litigiosa, valendo-se dos documentos existentes no Brasil, mas recorrendo, sobretudo, a arquivos europeus – especialmente portugueses e espanhóis – e, fundado no princípio do uti possidetis da época da independência, comprovou não somente a presença brasileira na região até os rios Peperi-Guaçu e Santo Antônio desde o século XVII, como a correta interpretação do mapa de 1749 e das instruções especiais dadas aos comissários demarcadores da fronteira estabelecida pelo Tratado de Madri, invocados pelo representante argentino, o mesmo Estanislao Zeballos que assinara o tratado com Quintino Bocaiúva.

O laudo do presidente Cleveland, tornado público a 5 de fevereiro de 1895, deu total ganho de causa ao Brasil e foi seguido pelo tratado firmado no Rio de Janeiro a 6 de outubro de 1898 pelos governos dos dois países.

 

LIMITES COM A GUIANA FRANCESA. A QUESTÃO DO AMAPÁ

Os limites entre os domínios dos reis de Portugal e de França na região da Guiana foram fixados pelo Tratado de Utrecht, assinado naquela cidade dos Países Baixos em 1713, ao final da Guerra de Sucessão Espanhola. Vigente o tratado, a França reabriu a questão a partir de 1725, sustentando que o rio Japoc, limite reconhecido por aquele acordo, correria mais ao sul, estendendo os domínios franceses na direção do vale do Amazonas. A partir da Revolução Francesa, as pretensões de Paris ganharam novo fôlego, renovado sob o Consulado e o Império, buscando deslocar a fronteira para o sul. Todas essas ambições e os acordos que as buscavam legitimar foram invalidados pelo manifesto de 1º de maio de 1808, pelo qual dom João VI, já no Rio de Janeiro, declarou guerra ao Império francês. Ato contínuo, tropas portuguesas ocuparam Caiena, restituída em 1817 à França de Luís XVIII. As pretensões francesas não estavam, entretanto, sepultadas. Em 1835, tropas francesas ocuparam parte do atual estado do Amapá, havendo sido frustradas todas as tentativas negociadoras da diplomacia imperial para chegar a um acordo com o governo de Paris.

Em 1841, os dois governos chegam ao chamado “arranjo para a neutralização do Amapá”: um entendimento que equivalia ao reconhecimento do statu quo no território litigioso. Incidentes, controvérsias e penosas negociações se sucederam até que, pelo tratado assinado no Rio de Janeiro a 10 de abril de 1897, acordou-se que a questão seria submetida à arbitragem do Conselho Federal Suíço.

A defesa dos direitos do Brasil foi confiada ao barão do Rio Branco que, ainda em Paris, redigiu a primeira Memória. Com seus anexos, inclusive a reedição da obra De l’Oyapok à l’Amazone, de Joaquim Caetano da Silva, tinha cinco volumes, que foram entregues ao presidente da Confederação Suíça a 5 de abril de 1899. Uma segunda Memória, datada de 5 de dezembro do mesmo ano e composta de seis volumes, o primeiro de exposição e os outros cinco com mapas e documentos, contestava as razões apresentadas pela França. A defesa de Rio Branco unia a competência do historiador à habilidade do advogado. Constituía um trabalho notável pelo conhecimento histórico, geográfico e jurídico, e pela abundância e pertinência da documentação apresentada.

Em 1º de dezembro de 1900, o presidente do Conselho Federal Suíço, Walter Heuser, proclamou que “conforme o sentido preciso do artigo 8 do Tratado de Utrecht, o rio Yapoc ou Vicente Pinsão é o Oiapoque, que se lança no oceano imediatamente a oeste do Cabo Orange”, reconhecendo assim o fundamento das alegações do Brasil.

 

LIMITES COM A BOLÍVIA. A QUESTÃO DO ACRE

Os limites entre o Brasil e a Bolívia foram fixados pelo tratado firmado em La Paz a 27 de março de 1867. O desconhecimento da região, notadamente a indeterminação das nascentes do rio Javari, provocou numerosas dificuldades à demarcação da fronteira. O problema foi agravado pela infiltração de seringueiros brasileiros na região do Acre e pelaa concessão a uma empresa estrangeira, feita pelo governo boliviano, dos direitos de ocupação e jurisdição sobre aquela área. O litígio, objeto de longas e complexas negociações que envolveram o Brasil, a Bolívia e os Estados Unidos da América, sede do Bolivian Syndicate, empresa concessionária dos direitos cedidos pelo governo boliviano, foi solucionado mediante o pagamento de uma indenização de 114 mil libras esterlinas aos capitalistas investidores na concessionária e, à Bolívia, de uma indenização monetária de dois milhões de libras esterlinas; o compromisso da construção da ferrovia Madeira-Mamoré, e a cessão de uma parcela do território, cabendo ao Brasil a área do atual estado do Acre, já povoado por brasileiros. O Tratado de Petrópolis, que deu solução ao litígio, foi assinado naquela cidade fluminense a 17 de novembro de 1903. A 25 de dezembro de 1928 foi assinado no Rio de Janeiro um tratado destinado a completar a definição de alguns pontos da fronteira comum.

 

LIMITES COM A GUIANA INGLESA

Durante o século XIX, os ingleses, partindo do seu estabelecimento da Guiana, conquistado aos holandeses, se expandiram para o sul, procurando atingir a bacia amazônica e penetrando em regiões já exploradas pelos brasileiros que se deslocavam na direção norte, na bacia do rio Branco, onde haviam estabelecido destacamentos militares. Chegaram os ingleses pela primeira vez ao alto Essequibo e ao Rupunumi em 1811, entrando em contato com o forte de São Joaquim e com um posto militar no rio Pirara. Em 1835/1836, Robert Schomburgk, alemão naturalizado inglês, foi comissionado pela Royal Geographical Society para explorar o interior da Guiana Inglesa e avançou na região do rio Pirara, sobre a qual a Inglaterra viria a invocar direitos em virtude de uma pretensa existência, no passado, de um posto holandês na região do Essequibo. As expedições de Schomburgk se renovaram e deram origem a uma missão anglicana na região, fonte de atritos com as autoridades brasileiras. Em 1840, Schomburgk publicou A Description of British Guiana, em que reivindicava a fronteira pelos rios Cotingo e Tacutu e pela serra de Acaraí.

No ano seguinte, o encarregado de negócios britânico no Brasil informou o governo brasileiro de que Schomburgk havia sido encarregado de fazer a exploração e demarcação das fronteiras entre o Brasil e Guiana. Por troca de notas, datadas do Rio de Janeiro de 29 de agosto e 3 de setembro de 1842, Brasil e Grã-Bretanha acordaram neutralizar o território litigioso. A República encontrou a questão nesse estágio, havendo finalmente acordado com o governo inglês, pelo tratado de 6 de novembro de 1901, confiar a solução do litígio à arbitragem do rei da Itália.

A defesa do Brasil foi confiada – pelo barão do Rio Branco, já ministro das Relações Exteriores – a Joaquim Nabuco, que produziu trabalho notável, em três Memórias, perfazendo um conjunto de 18 volumes. Entretanto, o rei Vitório Emanuel III, ignorando as razões aduzidas pelas partes, optou, em seu laudo arbitral, dado a público em 6 de junho de 1904, por uma solução de partilha da região litigiosa, concedendo ao Brasil menos do que lhe fora oferecido pelo governo inglês nas negociações bilaterais.

A 22 de abril de 1926 foi assinada em Londres uma convenção especial e complementar de limites e um Tratado Geral de Limites, que condensou as disposições dos atos anteriores.

 

LIMITES COM O EQUADOR

Em virtude da falta de uma clara definição dos limites entre os territórios peruano, equatoriano e boliviano, as negociações entre o Brasil e a Bolívia estavam em parte condicionadas pela definição da fronteira peruano-boliviana, o mesmo acontecendo no tocante à fronteira brasileiro-peruana, condicionada aos limites acordados entre Peru e Bolívia e entre Peru e Colômbia. A argúcia de Rio Branco levou-o a negociar um tratado de limites com o Equador, aplicável caso a soberania equatoriana se estendesse até a fronteira do território brasileiro. O tratado de limites, assinado no Rio de Janeiro a 6 de maio de 1904, constituía um precedente valioso para as negociações com o Peru, na medida em que reconhecia a posse pacífica pelo Brasil de territórios por nós pretendidos. As posteriores negociações entre o Peru e o Equador fizeram com que as terras lindeiras com o Brasil fossem reconhecidas como peruanas, deixando o Equador de ter fronteira com o Brasil.

 

LIMITES COM O SURINAME

Os limites com o Suriname foram fixados pelo tratado assinado no Rio de Janeiro a 5 de maio de 1906 entre os governos do Brasil e dos Países Baixos, que então detinham a soberania sobre a chamada Guiana Holandesa.

 

LIMITES COM A COLÔMBIA

A não ratificação pelo Senado da Nova Granada do tratado de limites de 25 de julho de 1853 deixara em aberto a questão das fronteiras entre os dois países. Designado em 9 de março de 1867 enviado extraordinário e ministro plenipotenciário em missão especial junto ao governo colombiano, o conselheiro Joaquim Maria Nascentes de Azambuja tentou, por mais de dois anos, chegar a um acordo com o governo de Bogotá, que não arredava pé da doutrina do uti possidetis juris e do tratado de Santo Ildefonso. Deixou Bogotá em janeiro de 1870 sem ver coroados os seus esforços por um entendimento.

Foi somente na gestão do barão do Rio Branco que o plenipotenciário brasileiro em missão especial, Enéas Martins, pôde negociar, ainda que em condições bastante difíceis, o tratado assinado a 24 de abril de 1907, que estabeleceu os limites entre os dois países, ficando, entretanto, para ser objeto de futuras negociações o trecho ao sul da desembocadura do Apapóris na margem esquerda do rio Japurá ou Caquetá, no aguardo do estabelecimento da fronteira entre o Peru e a Colômbia. Fixada esta pelo tratado de 24 de março de 1922, passou a Colômbia a ter fronteira com o Brasil no trecho entre o Caquetá e o Amazonas. Os potenciais desentendimentos entre os três países levaram seus governos a solicitar os bons ofícios do governo norte-americano. Reunião realizada em Washington a 4 de março de 1925, entre o secretário de Estado, Charles Hughes, e representantes do Brasil, Colômbia e Peru, levou à adoção das seguintes sugestões, acatadas pelas partes interessadas: a) retirada, pelo Brasil, das ponderações feitas ao governo peruano sobre o tratado colombo-peruano; b) ratificação pela Colômbia e pelo Peru do tratado bilateral de limites; c) assinatura pelo Brasil e pela Colômbia de uma convenção que estabelecesse o limite pela linha Apapóris-Tabatinga, concordando o Brasil em estabelecer, à perpetuidade, em favor da Colômbia, a livre navegação do Amazonas e outros rios comuns a ambos os países. Retomadas as negociações bilaterais entre brasileiros e colombianos, firmou-se em 15 de novembro de 1928 o Tratado de Limites e Navegação, que consagrou o limite pela linha geodésica que vai da desembocadura do rio Apapóris no Japurá até Tabatinga.

 

LIMITES COM O PERU

Os limites entre o Brasil e o Peru foram objeto de uma Convenção Especial, concluída e assinada em Lima em 23 de outubro de 1851. Entretanto, o desconhecimento das regiões fronteiriças e a superposição das pretensões daquele país, Bolívia, Equador e Colômbia, não ensejaram uma clara demarcação entre os territórios dos dois países. A situação foi agravada no início do século XX pelas tensões entre brasileiros e peruanos no alto Purus e no alto Juruá. Para tentar solucionar essa situação, os dois países concluíram, a 12 de julho de 1904, um acordo provisório, que abriria caminho para as negociações de um acordo definitivo, o qual tomou a forma do tratado assinado no Rio de Janeiro a 8 de setembro de 1909, “completando a determinação das fronteiras entre os dois países e estabelecendo princípios gerais sobre seu comércio e navegação”.

 

LIMITES COM O URUGUAI NA LAGOA MIRIM E NO RIO JAGUARÃO

O tratado de limites entre o Brasil e o Uruguai, concluído a 15 de maio de 1852, atribuía ao Brasil a integridade das águas do rio Jaguarão e da lagoa Mirim, impondo ao Uruguai uma fronteira seca. Durante o período imperial e no início da República, o Uruguai pleiteou reiteradamente o direito de navegação naquelas águas. Em 30 de outubro de 1909, foi, por iniciativa do Brasil, assinado um tratado que estendia ao Uruguai a soberania até o talvegue do rio Jaguarão e uma linha mediana da lagoa Mirim. Esse acordo, que ia além das reivindicações uruguaias, alinhava-se à prática internacional e revelava aos países americanos a generosa disposição do governo brasileiro para com seus vizinhos.

 

LIMITES COM A VENEZUELA

Os limites entre o Brasil e a Venezuela foram objeto do tratado assinado a 25 de novembro de 1852 pelo plenipotenciário Miguel Maria Lisboa; mas, não ratificado, não entrou em vigor. Um novo tratado, que reconhecia a mesma linha de fronteira, foi concluído em 5 de maio de 1859, sendo Felipe José Pereira Leal o plenipotenciário brasileiro. Os dois governos procederam à demarcação, mas um trecho da fronteira foi demarcado apenas pela comissão brasileira. Para sanar essa irregularidade, em 1905, Manoel de Oliveira Lima, ministro em Caracas, firmou com o governo venezuelano um protocolo que aprovou a demarcação feita da Pedra de Cucuí ao Cerro Cupi, ficando dessa forma finalmente acordada a linha de limites entre os dois países. 

 

Álvaro da Costa Franco

 

FONTES: HERMES, J.; BASTO, M. Limites; LINS, A. Rio Branco; OLIVEIRA, J. Actos; Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo Ministro das Relações Exteriores (1922-1925, 1928);  RIO BRANCO, J. Questões (v.5); SOARES, A. História; VIANA, H. História; VIANA FILHO, L. Vida.