Confronto ocorrido em 1914 entre o governo federal e as oligarquias cearenses, envolvendo o Padre Cícero Romão Batista.

 

A NOVA JERUSALÉM

O vale do Cariri, no Ceará, sempre fora pródigo em garantir os votos necessários à manutenção da política dos governadores adotada pelo governo do presidente Hermes da Fonseca (1910-1914). Municípios como Barbalha, Missão Velha, Milagres e Aurora e, principalmente, Crato, eram polos importantes do coronelismo consolidado após o pacto oligárquico. Além disso, sob iniciativa de Padre Cícero Romão Batista, a região conheceu grande desenvolvimento econômico com a produção de algodão e de maniçoba destinada ao mercado internacional.

Desde o final do século XIX, Juazeiro, a Nova Jerusalém, despontava como uma cidade sagrada para onde se dirigiam milhares de fiéis, em busca de melhores condições de vida e do conselho do Padre Cícero. Para lá confluíam pessoas das mais diversas classes e com interesses diferenciados: comerciantes, bandidos, desabrigados e miseráveis assolados pela fome e pela violência, provenientes de diversos estados, em sua maioria do Nordeste. A todos, Cícero abrigava, dava conselhos e, muitas vezes, garantia lar e comida. Ao trabalho na lavoura também eram encaminhados muitos fiéis, embora com mão de obra subvalorizada.

O crescimento populacional e comercial de Juazeiro, além da ambição religiosa do Padre Cícero, fez com que a cidade reivindicasse sua autonomia política do município ao qual estava ligada: o Crato. As negociações para uma separação pacífica não foram bem-sucedidas e o tema dividiu os coronéis dos municípios vizinhos. No entanto, articulações políticas de Floro Bartolomeu, médico baiano e antigo jornalista que se instalou na região e conquistou a confiança de Padre Cícero, conferiu a Juazeiro o reconhecimento político almejado. Em outubro de 1911, Bartolomeu conseguiu articular uma aliança entre os políticos do vale do Cariri, o chamado Pacto dos Coronéis. Entre as cláusulas constava: a) a decisão dos integrantes de não apoiar deposições na região; b) o desejo de fortalecer laços pessoais e políticos entre os participantes; e c) manter a lealdade incondicional a Antônio Nogueira Acióli, presidente do estado e líder da família que dominava a política no Ceará desde o final do século XIX. Graças a essa iniciativa, Juazeiro foi elevado à categoria de vila, sede de município.

De dezembro de 1911 a janeiro de 1912, houve intensa campanha contrária aos planos de Acióli manter-se na liderança da política cearense. O movimento que levou mais de 20 mil pessoas às ruas de Fortaleza contou com a adesão de comerciantes da capital do Ceará, de profissionais liberais e de soldados e oficiais do Exército. A reação violenta de Acióli, ao colocar soldados e jagunços contra os manifestantes contrários à sua política, aumentou a oposição a seu governo. Em 24 de janeiro de 1912, o oligarca foi obrigado a deixar Fortaleza e exilar-se na capital federal, de onde passou a conspirar para reassumir a liderança da política cearense. O fato beneficiou o candidato de oposição ao governo, coronel Franco Rabelo. Em sintonia com a política das salvações capitaneada pelo general Dantas Barreto, mais uma oligarquia era derrubada no Nordeste, a exemplo do que ocorrera com Rosa e Silva em Pernambuco em 1911.

A eleição do coronel Franco Rabelo para presidente do Ceará em meados do ano de 1912 fez ruir as bases do pacto de 1911 firmado no Cariri. Ciente dos laços que ligavam os coronéis da região ao antigo líder da oligarquia Acióli, Rabelo iniciou uma campanha de desestabilização da política oposicionista no Ceará. Com o pretexto de acabar com o banditismo representado pelo fenômeno do cangaceirismo no Nordeste, enviou para o Crato 200 homens da Polícia Estadual.

Seguindo ordens do presidente eleito, os policiais estacionados no Crato prenderam alguns jagunços acusados de banditismo, todos ligados a coronéis de oposição ao político de farda. Além disso, Franco Rabelo entrou em confronto direto com Padre Cícero ao destituir homens de sua confiança de cargos públicos e acusá-lo de abrigar bandidos em Juazeiro.

Para piorar a relação de Rabelo com o líder religioso, uma viagem feita por Floro Bartolomeu ao Rio de Janeiro (agosto de 1913) para se encontrar com Antônio Nogueira Acióli e com o senador Pinheiro Machado foi pressentida como sinal de uma conspiração contra seu governo sob as bênçãos de Padre Cícero. Diante disso, Rabelo não hesitou em intensificar as ações contra Juazeiro. De fato, ao retornar a Nova Jerusalém, em novembro de 1913, Bartolomeu tinha um plano com o aval do senador gaúcho para destituir o coronel do poder.

 

O CONFRONTO

No dia 12 dezembro de 1913 reuniu-se em Juazeiro uma assembleia dissidente composta por deputados oposicionistas, e declarou-se a ilegalidade do governo de Franco Rabelo. Nomeou-se nessa ocasião um governo paralelo, tendo Floro Bartolomeu como presidente provisório.

A resposta de Rabelo foi rápida. No dia 15 de dezembro, as tropas estaduais estacionadas no Crato, sob o comando do coronel Ladislau Lourenço, deram início às operações de invasão a Juazeiro. No dia 20, a cidade santa foi ocupada pelas tropas do governo, tendo à frente o coronel Alípio Lopes, escolhido pessoalmente por Rabelo para dar fim à sedição.

Embora as investidas oficiais tenham provocado muita tensão em Juazeiro, a resistência dos fiéis de Padre Cícero, aliada ao ataque dos cangaceiros reunidos por Floro Bartolomeu, conseguiu vencer as forças oficiais. Cercada por tropas rabelistas, a cidade santa enfrentou a fome e a falta de munição. Apesar das dificuldades, o moral da tropa que entoava cânticos em louvor de Padre Cícero conseguiu resistir e contra-atacar. Graças a essa ofensiva, no dia 24 de janeiro de 1914 Crato foi ocupada por homens comandados por Bartolomeu. Seguiu-se a tomada de Barbalha. As cidades foram pilhadas, e com o espólio Juazeiro pôde se recompor da escassez de víveres e de munição em que se encontrava desde os ataques das forças rabelistas. Em marcha a pé e via estrada de ferro, os sediciosos de Juazeiro, tal como eram denominados, ocuparam Miguel Calmon, Senador Pompeu, Quixeramobim até marchar sobre Fortaleza, a 19 de março de 1914.

Conforme plano firmado pelo governo sob a liderança do senador Pinheiro Machado, seguiu para a capital cearense uma tropa federal para apoiar os revoltosos. Foi decretado o estado de sítio no Ceará, e o general Fernando Setembrino de Carvalho foi nomeado interventor no estado. Franco Rabelo deixou o governo e rumou para o Rio de Janeiro no dia 24 de março de 1914.

Estava concluída a revolução de Juazeiro. Como troféu, a Nova Jerusalém foi elevada à categoria de cidade a 23 de julho do mesmo ano, e Padre Cícero Romão Batista foi consagrado como um dos mais proeminentes coronéis da política republicana do país.

 

Rogério Rosa

 

FONTES: CAMURÇA, M. Marretas; CARONE, E. Republica; CARVALHO, F. Memórias;  DELLA CAVA, R. Milagre; FACÓ, R. Cangaceiros.