Revolta também conhecida como Quebra-Lampiões, irrompida no Rio de Janeiro, então capital federal, em novembro de 1904, em protesto contra a obrigatoriedade então decretada da vacinação contra a varíola.

Durante o governo do presidente Rodrigues Alves (1902-1906), o Rio de Janeiro passou por uma profunda remodelação urbana, destinada a tornar a cidade o reflexo do Brasil republicano moderno. Além da desapropriação e da demolição de cortiços para a abertura de novos espaços, intervenções conhecidas como “o Bota-Abaixo”, foram tomadas importantes medidas de higienização. O prefeito Pereira Passos, que teria seu nome historicamente associado à reforma, era engenheiro e liderou uma série de obras públicas na área portuária da cidade. Outra comissão, liderada pelo também engenheiro Paulo de Frontin, comandou as obras de abertura da avenida Central (atual Rio Branco), da avenida do Cais (atual Rodrigues Alves) e do canal do Mangue.

Para auxiliá-lo em seu projeto modernizador, em 1903 Pereira Passos nomeou Oswaldo Cruz, sanitarista renomado que trazia no currículo passagem pelo Instituto Pasteur, na França, diretor geral de Saúde Pública. Oswaldo Cruz tinha problemas graves a enfrentar: a febre amarela, a peste bubônica e a varíola. Para combater essas doenças, agiu no sentido de exterminar seus vetores, o mosquito, no caso da febre amarela, e os ratos, no caso da peste. Para o combate ao mosquito transmissor da febre, foram postos em ação guardas “mata-mosquitos” que visitavam as casas em várias regiões da cidade, muitas vezes acompanhados por soldados da polícia. O combate aos ratos foi associado à intensificação da limpeza pública. Para o controle da varíola, foi aprovada uma lei que, visando à vacinação em massa da população, tornou a vacina obrigatória.

 

O PROJETO DE LEI

Em 29 de junho de 1904 o governo enviou ao Senado um anteprojeto de lei que estabelecia a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola para todas as pessoas. A vacina, desenvolvida pelo médico e naturalista francês Edward Jenner no século XVIII, já existia no Brasil desde o início do século XIX. Entusiasta do novo processo, dom João VI mandara vacinar seus filhos e criara a Junta da Instituição Vacínica em abril de 1811. O Código de Posturas do Município do Rio de Janeiro, datado de 1832, já estabelecia a obrigatoriedade da vacinação de crianças de “qualquer cor” e previa a aplicação de uma multa em caso de desobediência. Ainda assim, a medida preventiva não se popularizou.

O projeto enviado ao Congresso em 1904 foi aprovado no Senado em 20 de julho e na Câmara no fim de outubro, tornando-se lei no dia 31 desse mês. Enfrentou a oposição liderada por Lauro Sodré no Senado e pelos deputados Barbosa Lima e Alfredo Varela na Câmara. O Apostolado Positivista do Brasil também se opôs ao projeto de lei.

 

A REVOLTA POPULAR E A REVOLTA MILITAR

A lei da vacinação foi na verdade usada como pretexto pela a oposição para se rebelar contra o presidente Rodrigues Alves. O motivo real da rebeldia eram disputas políticas anteriores que envolviam o Partido Republicano Federal (PRF) e o Partido Conservador (PC). Lauro Sodré, figura-chave na incitação ao movimento, tanto no âmbito popular quanto no militar, era também líder do PRF, que reunia as oposições de todos os estados à política dos governadores mantida com apoio do PC, liderado por Pinheiro Machado.

Para combater a lei, a oposição apelou ao imaginário popular com a ameaça representada pela entrada de pessoas estranhas nos lares para desinfecção e limpeza dos ambientes, bem como para tocar nas esposas e filhas das famílias, no caso da vacinação. Somado a isso, jornais e políticos incitavam a oposição à lei, vista como despótica. Foi o caso, por exemplo, do jornal O Comércio do Brasil, de propriedade de Alfredo Varela, deputado federal pelo Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), que publicava uma coluna diária intitulada “Direito à resistência”. Para Varela a lei era inconstitucional, ilegal, e feria os princípios da liberdade e da propriedade privada. Contestava-se também a exigência do atestado de vacina em várias situações, como busca de emprego, matrícula em escolas, casamento etc.

No dia 5 de novembro de 1904, houve um encontro no Centro das Classes Operárias, próximo à praça Tiradentes, presidido pelo senador Lauro Sodré, no qual foi fundada a Liga Contra a Vacina Obrigatória. Nos dias 10 e 11, no largo de São Francisco, houve reuniões de grupos contrários à lei, em sua maioria formados por estudantes. Houve embates com a polícia, distúrbios urbanos e prisões. O mesmo se repetiu nos dias 12 e 13, com ocorrência de manifestações na praça Tiradentes e proximidades. No dia 13, o povo aguardava os resultados de uma reunião que examinaria a lei, quando o conflito se espalhou pelas proximidades e avançou noite adentro. Mais de 20 bondes da Companhia Carris Urbanos e muitos lampiões da iluminação pública foram destruídos, o que explica o apelido “Quebra-Lampiões” atribuído à revolta.

Diante do clima de intensificação das manifestações, foi reforçada a guarda do palácio do Catete. No próprio dia 13 de novembro tornaram-se mais violentos os conflitos diretos entre manifestantes e polícia, espalhando-se para Botafogo, Laranjeiras e bairros da Zona Norte, Praça 11, Tijuca, Gamboa, Rio Comprido e Engenho Novo. No dia 14, as manifestações continuaram também na Cidade Nova e Vila Isabel, chegando até mesmo a Copacabana. No bairro da Saúde, onde as manifestações se estenderam por todo o dia, foram montadas grandes barricadas que receberam o apelido de “Porto Artur”, em alusão à violenta batalha ocorrida na guerra russo-japonesa (1904-1905). Naquela área, Horácio José da Silva, apelidado de Prata Preta, teve forte atuação e ficou conhecido como uma das maiores lideranças da revolta popular. Representantes das forças armadas, alguns deslocados de outras cidades para o Rio de Janeiro, eram remanejados na tentativa de controlar os focos de tensão espalhados pela cidade, que foi repartida em três zonas de policiamento.

Paralelamente à revolta popular, aconteceu um movimento militar que tinha por objetivo derrubar o governo. No dia 17 de outubro – portanto ainda antes da promulgação da lei –, alguns oficiais e muitos alunos da Escola Militar do Brasil, localizada na Praia Vermelha, fizeram uma homenagem ao senador (e também militar) Lauro Sodré, por ocasião de seu aniversário, em sua casa. O levante começou então a ser articulado, com previsão para eclodir no dia 15 de novembro, quando um desfile militar comemoraria o aniversário da Proclamação da República. A situação caótica da cidade fez com que o desfile fosse cancelado. No dia 14, houve uma reunião no Clube Militar da qual participaram os generais Silvestre Travassos e Olímpio da Silveira, Lauro Sodré, Barbosa Lima, o major Gomes de Castro e o capitão Augusto Mendes de Moraes, todos descontentes com as medidas adotadas pelo governo. Os dois últimos foram responsáveis por uma fracassada tentativa de levante na Escola de Tática do Realengo no mesmo dia, sufocada pelo então diretor da instituição, general Hermes da Fonseca. Encarregado de sublevar a Escola Militar do Realengo, o general Travassos destituiu o comandante, general Alípio Costallat, e liderou, durante a noite, a marcha dos alunos em direção ao palácio do Catete com o objetivo de depor o presidente da República.

Ao saber da revolta da Escola Militar, no início da noite o presidente Rodrigues Alves se reuniu com os ministros da Guerra, Francisco de Paula Argollo, da Marinha, Júlio César de Noronha, da Justiça, José Joaquim Seabra, da Fazenda, José Leopoldo de Bulhões Jardim e da Viação, Lauro Severiano Müller. Muitos senadores também estiveram no palácio durante a noite. O Exército, a Marinha, a polícia e os bombeiros foram acionados para fortalecer a segurança do palácio. O general de brigada Francisco Marcelino de Sousa Aguiar marchou até o largo do Machado com os soldados da guarda do palácio. Chegou-se a sugerir que Rodrigues Alves se pusesse a bordo de um navio de guerra, onde lhe poderia ser garantida maior segurança, o que o presidente recusou.

Quando os revoltosos liderados pelo general Travassos chegaram à rua da Passagem, em Botafogo, se chocaram com uma brigada de ataque enviada pelo governo. Em meio à escuridão, houve um tiroteio desorganizado que durou cerca de meia hora, no qual morreram um aluno da Escola Militar, Silvestre Cavalcanti, e um sargento da tropa legalista, chamado Camargo. Ambas as partes recuaram após o tiroteio, cada qual imaginando-se derrotada. O general Travassos, gravemente ferido por tiro, viria a falecer oito dias depois. Lauro Sodré, levemente ferido no tiroteio, fugiu.

Aos poucos a notícia da retirada das tropas sublevadas chegou ao palácio do governo. A Escola Militar foi bombardeada durante a noite por navios de guerra posicionados na boca da barra da baía de Guanabara e, na manhã do dia 15, foi ocupada, sem resistência dos alunos, pelo general Argollo e pelo ministro Lauro Müller. Os alunos foram presos, expulsos da Escola, embarcados em navios e levados para portos da região Sul do país.

Se no dia 15 a revolta da Escola Militar já havia sido controlada, continuava a revolta popular. No dia 16 de novembro foi decretado o estado de sítio e revogada a obrigatoriedade da vacinação. Com isso, o movimento popular também começou a se desarticular.  Houve alguns mortos e centenas de presos, que foram enviados para a ilha das Cobras. Muitos foram deportados para o Norte do país, mas a maior parte não passou por processos formais.

 

Juliana Gagliardi/Celso Castro

 

FONTES: CARVALHO, J. Bestializados; CASTRO, S.  República; CHALHOUB, S. Cidade; Fiocruz. A trajetória de Oswaldo Cruz e sua luta como médico sanitarista no século 19. Disponível em:  <http://www.fiocruz.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1084&sid=194>. Acesso em: 28/9/2010, às 22h;  FRANCO, A. Rodrigues Alves (v.1); LOBATO FILHO, G. Última; PEREIRA, S.; AGOSTINO, G. Epidemia; SEVCENKO, N. Literatura.