Também chamada la dansarina, gripe pneumônica, peste pneumônica ou simplesmente pneumônica, a gripe espanhola foi uma violenta pandemia que atingiu o mundo em 1918-1919, provocando milhões de mortes, especialmente entre os setores jovens da população. Considerada a mais severa pandemia da história da humanidade, foi causada pela virulência incomum de uma estirpe do vírus Influenza A, do subtipo H1N1.

            A denominação “gripe espanhola” foi cunhada devido ao fato de muitas das informações a respeito da doença terem sido transmitidas pela imprensa da Espanha. Os jornais desse país, que se manteve neutro durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), não sofriam censura quanto às notícias sobre a epidemia, o que não era o caso da imprensa dos países beligerantes. Por isso, assim que a gripe chegava a algum país, era logo chamada de “espanhola”.

            Desconhece-se sua origem geográfica, mas sabe-se que o primeiro caso observado verificou-se nos Estados Unidos em março de 1918, no Texas, e uma semana depois, em Nova Iorque. Chegou ao continente europeu em abril, atingindo os exércitos aliados franceses, britânicos e norte-americanos. Em maio foi a vez da  Grécia,  Espanha e   Portugal, em junho, da Dinamarca e da  Noruega, e em agosto da Holanda e da  Suécia. Nesse último mês, encerrou-se a primeira onda da gripe, que, embora extremamente contagiosa, foi considerada mais benigna do que as seguintes por ter causado relativamente poucas mortes.

          Ainda em agosto teve início a segunda onda da gripe, que atingiu seu auge nos meses de setembro a novembro (o outono do hemisfério norte).  Bem mais virulenta do que a primeira, essa fase envolveu, além da Europa e dos Estados Unidos, Índia, Sudeste Asiático, Japão, China, África, Américas Central e do Sul. Em vários países do mundo provocou elevadíssimo número de mortos. A terceira e última onda da gripe espanhola começou em fevereiro de 1919 e terminou em maio seguinte.

Calcula-se que a pandemia afetou, direta ou indiretamente cerca de 50% da população mundial, tendo matado de 20 a 40 milhões de pessoas – mais do que a própria Primeira Guerra (cerca de 15 milhões de vítimas) –, razão pela qual foi qualificada como o mais grave conflito epidêmico de todos os tempos.

 

A GRIPE ESPANHOLA NO BRASIL

            O Brasil acompanhou a doença inicialmente à distância, através dos jornais. A população brasileira não demonstrava grande preocupação com a espanhola, por considerar que ela não se propagaria no território nacional, devido à distância do continente europeu.

Contrariando essas previsões otimistas, a gripe penetrou no país a partir de setembro de 1918, quando a divisão naval enviada pelo Brasil a Dacar, para participar do patrulhamento do Atlântico Sul como parte do esforço de guerra do país ao lado dos Aliados, retornou. Nesse momento inicial, morreram mais de uma centena de marinheiros – o que correspondia ao número de brasileiros mortos em decorrência da participação na Primeira Guerra Mundial.

Em território brasileiro propriamente dito, a disseminação da gripe pode ser atribuída a alguns navios que aportaram em portos do Nordeste, como o inglês Demerara, que esteve em Recife e Salvador naquele mês de setembro. Em pouco tempo a espanhola atingiu várias cidades nordestinas e no final de outubro já atingia quase todas as grandes cidades do país, inclusive Rio de Janeiro e São Paulo. Em novembro chegava à Amazônia. Sua expansão provocou um esvaziamento dos centros urbanos, causado pelo medo de contágio da doença. Desconhecendo medidas terapêuticas para evitar o contágio, as autoridades pediam à população que evitasse as aglomerações.

           Ao longo do período pandêmico, registraram-se mais de 35 mil mortes em todo o Brasil. O Rio de Janeiro, maior núcleo urbano do país, apresentou o número de óbitos mais elevado. Em dois meses faleceram cerca de 12.700 pessoas, cerca de 1/3 do total registrado no país, para uma população de quase um milhão de habitantes. O momento crítico deu-se em meados de outubro, quando a Diretoria Geral de Saúde Pública, através de seu titular Carlos Seidl, admitiu a impossibilidade de a gripe ser controlada. A cidade estava parada. Colégios, quartéis e fábricas interromperam suas atividades. Havia falta de alimentos, de remédios, de leitos e até de caixões. A pedido do presidente da República Venscelau Brás, o médico sanitarista Carlos Chagas liderou o combate à gripe espanhola implantando 27 pontos de atendimento à população na capital federal.

             Em São Paulo, com população estimada em 470 mil habitantes, de outubro a dezembro foram registrados 5.328 óbitos causados pela espanhola. Muitas pessoas buscaram refúgio em áreas afastadas no interior. Só no mês de outubro, morreram 1.250 pessoas em Recife, cuja população chegava então a 218 mil habitantes. Em Porto Alegre – onde se registraram 1.316 óbitos para uma população de cerca de 140 mil habitantes – foi criado um cemitério especialmente para as vítimas da doença. Salvador apresentou o menor percentual de vítimas fatais entre as grandes cidades brasileiras. Numa população estimada de 320 mil pessoas, cerca de 130 mil contraíram a gripe e 386 morreram.

Embora a gripe espanhola tenha efetivamente atravessado toda a pirâmide social, sua feição “democrática” deve ser olhada com atenção, pois a maioria das vítimas provinha das camadas populares e daqueles grupos chamados pelas autoridades de indigentes. De todo modo, a doença vitimou até o presidente eleito,  Rodrigues Alves, que na pôde tomar posse na presidência em 15 de novembro de 1918 e morreu em janeiro de  1919.                                                                          

                                                                Sergio Lamarão/Inoã Carvalho Urbinati

 

[Verbete do Dicionário histórico-biográfico da Primeira República 1889-1930. Coordenação: Alzira Alves de Abreu/FGV]

FONTES: Aventuras na História. Disponível em: <http://historia.abril.com.br/fatos/furia-gripe-espanhola-433549.shtml>. Acesso em: 23/5/2010; GOULART, A. Revisitando (v. 12, p. 101-142); Invivo. Fiocruz. Disponível em: <http://www.invivo.fiocruz.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=815&sid=7>. Acesso em: 22/5/2010; MAR. BRAS. Disponível em: <http://www.mar.mil.br/menu_h/noticias/dphcm/dphcm.htm>. Acesso em: 23/5/2010;  Scielo. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702005000.... Acesso em: 23/5/2010; SOUZA, C. Gripe (v. 12, p. 71-99); Universitário. Disponível em: <http://www.universitario.com.br/noticias/noticias_noticia.php?id_noticia.... Acesso em: 22/5/2010; Veja (5/2003) Disponível em: <http://veja.abril.com.br>. Acesso em:  22/5/2010.