Após a derrubada da monarquia e a proclamação da República em 15 de novembro de 1889, o grupo encabeçado pelo marechal Deodoro da Fonseca prontamente institucionalizou o novo regime republicano por meio de sucessivos decretos, os quais, entre outras medidas, determinaram que a forma de governo da nação seria a República Federativa; trataram da adoção de uma nova bandeira; decidiram que as antigas províncias compunham, dali em diante, os Estados Unidos do Brasil; dissolveram e extinguiram as assembleias legislativas provinciais, as duas casas da Assembleia Geral e o Conselho de Estado; expandiram a condição de eleitor a todos os cidadãos alfabetizados; e estabeleceram um governo provisório destinado a reger o país até que se procedesse à eleição de um Congresso Constituinte.

O Decreto nº 29, de 3 de dezembro de 1889, nomeou uma comissão incumbida de preparar um projeto de Constituição, formada por Joaquim Saldanha Marinho, Américo Brasiliense de Almeida Melo, Antônio Luís dos Santos Werneck, Francisco Rangel Pestana e José Antônio Pedreira de Magalhães Castro, os quais foram céleres no cumprimento da tarefa, pois, assim como alguns dos próprios membros do governo provisório e dos partidários de uma República liberal, temiam as tendências autoritárias e ditatoriais de Deodoro da Fonseca. A realização do pleito eleitoral para a escolha dos constituintes foi marcada para o dia 15 de setembro de 1890. Já a Assembleia Nacional Constituinte, de acordo com o Decreto nº 78 B, de 21 de dezembro de 1889, deveria ser instalada em 15 de novembro de 1890.

O projeto foi encaminhado ao governo provisório, tendo sido discutido em virtude das discordâncias entre o marechal, o então vice-chefe do governo provisório, Rui Barbosa, e os membros da comissão em torno de alguns trechos concernentes às atribuições legislativas e executivas: ao passo que Deodoro da Fonseca desejava um governo centralizado, em detrimento do federalismo, e um Poder Executivo mais forte que o Legislativo – como a possibilidade de o presidente da República dissolver o Congresso –, Rui Barbosa e os redatores do projeto defendiam a maior autonomia dos estados e a independência dos poderes. Em seguida à revisão e às alterações efetuadas por Rui Barbosa, o projeto foi encaminhado à Assembleia Constituinte, a qual, após a discussão e votação dos artigos, bem como a aprovação das emendas, promulgou o texto no dia 24 de fevereiro de 1891. 

 

CARACTERÍSTICAS GERAIS

 

Organizada em 91 artigos e mais oito Disposições Transitórias, a Constituição Federal de 1891 se inspirava, em menor medida, nas disposições constitucionais suíças e argentinas, e, nomeadamente, na Constituição dos Estados Unidos da América. Consagrava como forma de governo a República Federativa liberal, sob o regime representativo (art. 1º). O Poder Moderador e o Conselho de Estado foram suprimidos, e o parlamentarismo foi substituído pelo presidencialismo. Estabeleceram-se também os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, “independentes e harmônicos entre si” (art. 15).

O Poder Executivo seria exercido pelo presidente da República, eleito por sufrágio direto e maioria absoluta de votos para um mandato de quatro anos, sendo vedada a reeleição para o mandato seguinte (art. 43). A ele competia, ente outras atribuições: sancionar, promulgar e fazer publicar as leis e resoluções do Congresso; expedir decretos, instruções e regulamentos para sua fiel execução; indicar magistrados federais, mediante proposta do Supremo Tribunal Federal (STF); nomear e demitir livremente os ministros de Estado; prover cargos civis e militares de caráter federal; e escolher os membros do STF, devendo a nomeação ser sujeitada à aprovação do Senado (art. 48). Para concorrer aos cargos de presidente e vice-presidente, exigia-se que o candidato contasse mais de 35 anos, fosse brasileiro nato e estivesse no exercício dos direitos políticos (art. 41, § 3º).

Diferentemente da Constituição de 1824, a qual, no artigo 99, considerava a pessoa do imperador sagrada e inviolável, não estando sujeita à responsabilidade alguma, a nova Carta, ao estabelecer uma forma de governo sob o regime representativo, obliterava a legitimidade da supremacia e dominação política do imperador fundamentada no direito divino dos reis. Desse modo, o chefe do Poder Executivo poderia ser processado perante o Senado Federal em virtude de crimes de responsabilidade (art. 53), possibilidade decorrente do ideário concernente ao regime republicano, no qual o chefe de Estado, na qualidade de mero representante do povo, e não de agraciado pela providência divina, é o responsável perante os representados pelos atos praticados. Nesse sentido, foi instituído um Tribunal de Contas, com o intuito de liquidar as contas da receita e despesa e verificar sua legalidade, antes de serem prestadas ao Congresso. Seus membros seriam nomeados pelo presidente da República com aprovação do Senado, e somente seriam destituídos por sentença (art. 89).

Assim como ocorrera ao longo do Império, o Poder Legislativo era bicameral, composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal; contudo, os membros deste último não seriam mais nomeados de forma vitalícia pelo imperador. Os deputados e senadores deveriam ser eleitos em seus estados por meio de sufrágio direto para um mandato de, respectivamente, três e nove anos, devendo um terço do Senado ser renovado trienalmente. Tanto uns como outros gozavam de imunidade parlamentar, de maneira que eram invioláveis por suas opiniões e seus votos (art. 19) e não podiam ser presos ou processados criminalmente sem licença de seus pares, excetuados os casos de flagrância em crime inafiançável (art. 20). Estavam, de mais a mais, proibidos de celebrar contratos com o Poder Executivo, de receber deste comissões ou empregos remunerados – excetuadas as missões diplomáticas, as comissões ou comandos militares, os cargos de acesso e as promoções legais (art. 23) –, bem como de ser presidente e fazer parte de diretorias de bancos, companhias ou empresas que gozassem de favores do governo federal definidos em lei (art. 24). Para disputar o pleito eleitoral, os candidatos deveriam estar na posse dos direitos de cidadão brasileiro e ser alistados como eleitores; no caso da Câmara, deveriam ter mais de quatro anos de cidadão brasileiro, e no caso do Senado, mais de seis (art. 26). Extinguia-se, dali em diante, o critério censitário como condição de elegibilidade, estabelecido pela Constituição de 1824, bem como, no caso dos candidatos à Câmara dos Deputados, a obrigatoriedade de ser adepto da religião oficial do Estado e a interdição para aqueles que fossem estrangeiros naturalizados.

Os projetos de lei poderiam ter origem tanto na Câmara quanto no Senado, desde que o projeto adotado em uma das casas fosse submetido à outra. Esta, se o aprovasse, encaminhá-lo-ia ao chefe do Poder Executivo para sanção. Caso fosse vetado, o projeto voltaria ao Congresso, o qual poderia aprová-lo sem a necessidade da assinatura do presidente. Para tanto, eram necessários, em ambas as casas, dois terços de sufrágios favoráveis dos membros presentes à sessão (art. 37).

No mais, ao contrário do artigo 101, § 5º, da Constituição de 1824, a nova Carta, para maior independência do Legislativo, determinou que competia apenas ao Congresso deliberar sobre a prorrogação ou o adiamento das suas sessões (art. 17, § 1º) e excluiu a prerrogativa do chefe do Executivo de dissolver a Câmara dos Deputados. Os ministros de Estado estavam impedidos de comparecer às sessões do Congresso – sendo consentido que se comunicassem com este por escrito ou que conferenciassem pessoalmente com as comissões parlamentares (art. 51) – e de acumular o exercício de outro emprego ou função pública; tampouco poderiam ser eleitos presidente ou vice-presidente da União, deputado ou senador. Se o membro de uma das duas Câmaras do Congresso fosse nomeado para algum ministério, perderia o mandato, e nova eleição seria realizada para preencher o cargo vago, na qual o antigo ocupante não poderia ser votado. Excluía-se assim a possibilidade de alguém ser ao mesmo tempo integrante do Executivo e do Legislativo, presente na Carta Constitucional de 1824 (arts. 29 e 30).   

 

PRINCÍPIOS LIBERAIS

A Constituição de 1891 assegurou os ideais liberais burgueses concernentes aos direitos e às garantias individuais, declarando o princípio de que todos os indivíduos são iguais perante a lei. Por via de consequência, extinguiu privilégios de nascimento e foros de nobreza, além das ordens honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliárquicos e de conselho (art. 72, § 2º). Aqueles que aceitassem condecorações ou títulos nobiliárquicos estrangeiros perderiam os direitos políticos (art. 72, § 29).  

Também foi concedida maior liberdade religiosa. Se a Constituição de 1824, por um lado, protegia aqueles que não seguissem a religião oficial do Império, afirmando que não poderiam ser perseguidos desde que a respeitassem e não ofendessem a moral pública (art. 179, § 5º), por outro, proibia o culto público das crenças distintas Igreja Católica Apostólica Romana (art. 5º). Já a Nova Carta de 1891 permitiu o livre culto de todas as confissões religiosas (art. 72, § 3º) e estabeleceu que nenhuma religião gozaria de subvenção oficial, nem teria relações de dependência ou aliança com o poder público (art. 72 § 7º). Igreja e Estado, com efeito, passaram a constituir instituições separadas: o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos seria leigo; os cemitérios teriam caráter secular e estariam sob administração da autoridade municipal, ficando disponíveis para a prática de todos os cultos religiosos; e a República reconheceria apenas o casamento civil, cuja celebração seria gratuita. Além do mais, nenhum cidadão brasileiro, em virtude de crença ou função religiosa, poderia ser privado de seus direitos civis e políticos (art. 72, § 28); todavia, era vedado a qualquer indivíduo eximir-se, por motivos de fé religiosa, do cumprimento de deveres cívicos ou de ônus impostos aos cidadãos provenientes das leis da República.

Outra mudança em relação à Carta de 1824 diz respeito à instituição do habeas corpus, sempre que um indivíduo sofresse ou se encontrasse em iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder (art. 72, § 22), bem como a abolição das penas de morte (art. 72, § 21), de galés e de banimento judicial (art. 72, § 20). No mais, a Constituição de 1891 reafirmou liberdades e direitos individuais característicos do constitucionalismo liberal e presentes na Carta outorgada por dom Pedro I, tais como a liberdade de associação e reunião (art. 72, § 8.º), manifestação de pensamento (art. 72, § 12) e exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial (art. 72, § 24), além do direito à privacidade (art. 72, §§ 11 e 18) e à propriedade em sua plenitude, salvo em casos de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia (art. 72, § 17). Contudo, eliminou direitos sociais previstos na Constituição do período imperial, como a obrigatoriedade de o Estado garantir os socorros públicos, bem como a instrução primária e gratuita a todos os cidadãos.

 

CONSTITUIÇÃO AO GOSTO DAS OLIGARQUIAS

Na Assembleia Constituinte da recém-proclamada República, as classes dominantes adeptas do movimento republicano do Centro-Sul do país e pertencentes ao setor agroexportador, nomeadamente àquele associado à cafeicultura, lograram garantir o predomínio de seus interesses políticos e econômicos. O estabelecimento do federalismo como forma de organização da nação e a impossibilidade de proposição de sua abolição (art. 90, § 4º) respondiam à reivindicação de autonomia das antigas províncias feita pelos cafeicultores, condição precípua para a expansão de seus negócios, cujas possibilidades de recrudescimento, no seu entender, eram contidas pela rígida centralização monárquica. Desse modo, a primeira Constituição republicana concedia a tão almejada soberania dos estados na condução de sua administração, consubstanciada na realização de eleições diretas para governador – antes nomeado pelo imperador –, bem como nos direitos de contrair empréstimos no exterior, decretar impostos (art. 9º), ter códigos eleitorais próprios e reger-se por constituições e leis próprias, desde que respeitados os princípios constitucionais da União (art. 63). Essas atribuições favoreceram especialmente o estado de São Paulo, na medida em que a possibilidade de obtenção de empréstimos no exterior era fundamental para que os cafeicultores paulistas no poder pusessem em prática planos de valorização do café

Tal forma de independência dos estados, livres do centralismo imperial, acarretou a emergência e a ampla força de oligarcas e coronéis no controle da máquina administrativa em suas regiões. Contudo, vale ressaltar que a autonomia dos entes da Federação não significou o esfacelamento do poder central; afinal, à União, era permitido decretar a intervenção nos estados para repelir invasão estrangeira – ou de um estado por outro –, manter a forma republicana federativa, restabelecer a ordem e a tranqüilidade, e assegurar a execução das leis e sentenças federais (art. 6º). De mais a mais, no tocante à matéria legislativa, a Constituição determinava que competia ao Congresso Nacional legislar sobre o direito civil, comercial e criminal da República, bem como o processual da Justiça Federal (art. 34, § 23º), denotando assim o triunfo daqueles que defendiam a unidade de legislação no país sobre os constituintes defensores de um sistema próximo ao estadunidense e, por conseguinte, da pluralidade de legislação nos estados.

Ao passo que a autonomia de cada ente da Federação foi essencial para os interesses econômicos das oligarquias da região Centro-Sul em seus respectivos estados, o estabelecimento do critério da proporcionalidade de representação na Câmara dos Deputados acabou por consolidar seu domínio no cenário político nacional. O artigo 28, § 1º, determinava que o número de deputados seria fixado por lei em proporção que não excedesse a de um por 70 mil habitantes, não devendo esse número ser inferior a quatro por estado. Tal modo de composição da Câmara dos Deputados beneficiava os estados do Centro-Sul, nomeadamente Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, detentores de maior peso demográfico, de maneira que possuiriam o maior número de cadeiras e, por via de consequência, um considerável poder na condução dos negócios públicos. A nova Carta, com efeito, expressou a supremacia dos estados supracitados, especialmente os dois primeiros, maiores produtores de café e representantes do setor básico da economia brasileira.

Entretanto, um artigo aprovado agradou às oligarquias de todo o país, a saber, o que definia os requisitos que o indivíduo deveria preencher para ser considerado eleitor. A defesa, por parte dos republicanos, baseados nos ideais do liberalismo, do princípio de que a legitimidade do exercício do poder político emanaria do povo, e não mais do direito monárquico, de forma alguma significou a expansão do eleitorado. Pelo contrário, os constituintes, ainda que tenham abolido o voto censitário e instituído a idade mínima de 21 anos para o cidadão ter direito à participação nas eleições, ao aprovar a proibição do alistamento eleitoral (art. 70, § 2º) dos praças de pré, dos membros de ordens religiosas, das mulheres, de mendigos e  de analfabetos – contingente composto pela parcela pobre da sociedade –, reafirmaram a exclusão de grande parte da população brasileira do jogo político existente no período imperial, instaurando um modelo democrático de participação significativamente adstringido e fundamentado na distinção entre sociedade civil e sociedade política, o que permitiu a manutenção da estrutura do poder oligárquico e coronelista.

A Constituição de 1891, assim, embora tenha inovado em alguns pontos, como a separação entre Igreja e Estado e a consequente liberdade de culto, traduziu o liberalismo excludente característico da Primeira República, ocasionando o recrudescimento do poder das oligarquias tanto no âmbito estadual quanto federal e marginalizando os demais grupos sociais do processo político.     

 

Henrique Sugahara

 

[Verbete do Dicionário histórico-biográfico da Primeira República 1889-1930. Coordenação: Alzira Alves de Abreu/FGV]

FONTES: ARRUDA, P. Imperialismo; BALEEIRO, A. Constituições; CARDOSO, F. Governos (v.1); CARONE, E. Primeira; CARONE, E. República velha; CARVALHO, J. Cidadania; CARVALHO, J. Bestializados; FAUSTO, B. História; LEITE, F. 1891; MAXIMILIANO, C. Comentários; MILTON, A. Constituição; SILVA, P. Insígnias; SOUZA, M. Processo; TRINDADE, S. Constituição (v.3).