Expressão criada para designar a campanha de Rui Barbosa nas eleições presidenciais de 1910. Mais do que lembrar o fato de que Rui era um jurista, a expressão deixava claro que Rui representava a opção civil à candidatura militar do marechal Hermes da Fonseca.

 

HISTÓRIA DA CAMPANHA

Em 1908, o presidente Afonso Pena (1906-1909) indicou seu ministro da Fazenda, Davi Campista, como candidato à sua sucessão na disputa eleitoral de 1910. A proposta do presidente não encontrou respaldo, apesar de não ser estranha ao jogo político, uma vez que o próprio Afonso Pena havia sido indicado por seu antecessor. As diversas facções que atuavam na cena política da Primeira República entraram então em choque, entrincheirando-se nos dois maiores partidos da época, o Partido Republicano Paulista (PRP) e o Partido Republicano Mineiro (PRM), ou seguiram a gravitar em torno de líderes até certo ponto independentes, como o senador gaúcho Pinheiro Machado. Após alguns meses de incerteza, foi lançada a candidatura do marechal Hermes da Fonseca, ministro da Guerra, na esperança de um consenso jamais atingido. Enquanto o PRM decidiu apoiar o marechal, o PRP, descontente, referendou o nome de Rui Barbosa. O rompimento entre os dois partidos, que não ocorria desde 1894, foi assim confirmado.

Até então, o temor de um retorno à turbulência das duas décadas anteriores havia levado os partidos a uma busca de conciliação nacional, de modo a afastar das campanhas presidenciais a disputa política exacerbada e o despertar de paixões. Estavam bem vivos na memória os embates de rua, as revoltas, o perigo da restauração monárquica, os fanatismos religiosos e jacobinos, tudo, enfim, que se opunha ao ideal positivista de racionalidade política. Todavia, a política dos governadores – modelo no qual as duas principais oligarquias, paulista e mineira, se alternavam no poder – acabou por se mostrar insustentável. Entre a fratura que se abriu com a crise, o nome de Rui Barbosa, cujo prestígio político era indiscutível, surgiu quase como alternativa natural. O próprio marechal Hermes chegou a cogitar condicionar sua candidatura a um consenso em que houvesse a adesão de Rui Barbosa e do barão do Rio Branco, também ele sondado para a sucessão.    

A campanha presidencial para as eleições de 1910 girou, portanto, em torno dessas duas personalidades: de um lado, o marechal Hermes da Fonseca, ministro da Guerra, representante da República da Espada, herdeiro de uma tradição familiar ligada ao Exército em que figurava o nome de Deodoro da Fonseca, e, de outro, o jurista Rui Barbosa, a Águia de Haia, representante da República dos Bacharéis, com inúmeros serviços prestados ao país no campo do direito, cujo discurso se pautava pela defesa da ética e do equilíbrio.

Rui Barbosa aproveitou para explorar ao máximo a polarização que as duas campanhas sugeriam, ciente de que sua candidatura não contava com o apoio da maioria dos presidentes de estado e dependia apenas de São Paulo e Bahia. Para o jurista baiano, o país atravessava uma crise política, mas de conteúdo eminentemente civil. Portanto, não era possível aceitar a indicação do ministro da Guerra para a disputa presidencial, ou mesmo, dizia ele da tribuna do Senado, reconhecer a necessidade de “passarmos da medicação normal à medicação heróica”. Era o risco de um retorno àquela indesejada turbulência nos negócios públicos que marcara a passagem dos militares pelo comando da República recém- inaugurada.

A Campanha Civilista trouxe a público um projeto apoiado num amplo programa de reformas, que iam da proposta de revisão constitucional, passando por medidas no campo financeiro, de ampliação do crédito, e chegavam à edição de um Código Civil e à reorganização do aparelho burocrático estatal, com a adoção do concurso para o ingresso no funcionalismo. Além dessas medidas, Rui Barbosa imaginava poder elaborar uma avultada reforma eleitoral para substituir, nos municípios, o processo de alistamento por uma espécie de registro civil eleitoral. Rui defendia, também, o pleito secreto e o controle do Poder Judiciário no processo eleitoral.

O conteúdo reformador das propostas atendia aos interesses das camadas médias urbanas, mas desagradava às oligarquias políticas, cuja força dependia do funcionamento do sistema, que se apoiava na política dos governadores, no voto aberto e no clientelismo. Apesar da votação expressiva, Rui Barbosa foi derrotado pelo marechal Hermes da Fonseca, no pleito presidencial de março de 1910.

 

Eduardo Junqueira

 

 

FONTES: BARBOSA, R. Discursos; CARONE, E. República; CARVALHO, J. Forças (v.2); CARVALHO, J. Rui Barbosa (v.43).