INSTITUTO SUPERIOR DE ESTUDOS BRASILEIROS (ISEB)

INSTITUTO SUPERIOR DE ESTUDOS BRASILEIROS (ISEB)

 

Instituição cultural criada pelo Decreto nº 37.608, de 14 de julho de 1955, como órgão do Ministério da Educação e Cultura. Gozando de autonomia administrativa e de plena liberdade de pesquisa, de opinião e de cátedra, destinava-se ao estudo, ao ensino e à divulgação das ciências sociais, cujos dados e categorias seriam aplicados à análise e à compreensão crítica da realidade brasileira e à elaboração de instrumentos teóricos que permitissem o incentivo e a promoção do desenvolvimento nacional. Desapareceu em 1964.

 

Antecedentes

A industrialização no Brasil durante o período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial se caracterizou por um desenvolvimento rápido, passando o país a produzir toda uma gama de produtos manufaturados que até então eram importados. Com a substituição crescente das importações, o setor industrial se transformou no pólo dinâmico da economia, em detrimento do setor agrário. As mudanças que se operavam na estrutura econômica, aliadas à fase de redemocratização política após a queda da ditadura de Getúlio Vargas, favoreceram por sua vez o aparecimento de correntes de pensamento que tentaram definir uma orientação para o desenvolvimento econômico brasileiro.

Uma primeira corrente, liderada pelo economista Eugênio Gudin, considerava que o Brasil deveria continuar a ter como principal motor de desenvolvimento o setor agrícola, importando os produtos industriais que não produzia. Essa corrente era contrária ao incentivo do Estado à indústria nacional e se mostrava favorável à entrada no país de capitais estrangeiros que se interessassem em investir na indústria. Os seguidores de Gudin não aceitavam a utilização de técnicas de planejamento econômico que envolvessem a participação do Estado.

Uma outra corrente, liderada pelo industrial Roberto Simonsen, era favorável à aceleração do desenvolvimento econômico do Brasil através de um maior incentivo à industrialização. Esse incentivo seria feito com base na planificação, através da maior intervenção do Estado na economia.

A partir da década de 1950, as divergências ampliaram-se. Mudanças significativas ocorreram na sociedade brasileira, fundamentalmente nas condições estruturais do desenvolvimento. A dinâmica do processo de substituição de importações determinou a maior diversificação da atividade produtiva, em especial da indústria, colocando o problema do suprimento de bens intermediários e de bens de capital. Nessa fase, a própria continuação desse processo passou a exigir uma grande acumulação de capitais e novas técnicas de produção, conduzindo também a um realinhamento das posições ideológicas relativas à política de desenvolvimento. A participação de capitais e de tecnologia estrangeiros no desenvolvimento nacional tornou-se o centro dos debates.

Entre as posições divergentes destacaram-se, grosso modo, duas vertentes: a primeira, defensora de uma posição nacionalista, e a segunda, favorável ao capital e à tecnologia estrangeiros. A primeira corrente pregava, basicamente, uma forte participação do Estado na economia, tanto nos setores de infra-estrutura como nos setores em que o capital privado não tinha possibilidades de se lançar por falta de recursos ou de tecnologia. Para os nacionalistas, a questão-chave era a quebra dos obstáculos à industrialização, obstáculos esses identificados com a ação desenvolvida pelos grupos estrangeiros e seus aliados nacionais. A outra vertente, ao contrário, defendia uma posição favorável à participação dos capitais e da tecnologia estrangeiros no desenvolvimento como o único meio possível de o Brasil acelerar o seu processo de industrialização e ultrapassar rapidamente seu estágio de subdesenvolvimento.

Durante o segundo governo Vargas (1951-1954), foram feitas tentativas no sentido de enfrentar os obstáculos que se vinham impondo ao desenvolvimento industrial. Foram elaborados um plano de desenvolvimento energético, o Plano do Carvão Nacional e o Plano de Eletrificação, e foi criada a Petrobras, empresa estatal de exploração do petróleo. A luta que se travou em torno do petróleo brasileiro levantou um amplo debate sobre seus aspectos estratégicos, técnicos e políticos, debate esse do qual participaram militares, estudantes, intelectuais, a imprensa, o Congresso e os sindicatos.

No momento em que os debates extrapolaram os círculos fechados e os pequenos grupos, alguns intelectuais e técnicos da administração pública decidiram reunir-se com a finalidade de estudar os problemas que a sociedade brasileira enfrentava e de formular respostas para essas questões. Assim, durante o ano de 1952, no último fim de semana de cada mês esse grupo promovia reuniões no Parque Nacional de Itatiaia. Do “grupo Itatiaia”, como ficou conhecido, participavam, entre outros, Hélio Jaguaribe, Roland Corbisier, Rômulo de Almeida, Cândido Mendes de Almeida, Inácio Rangel e Evaldo Correia Lima.

Em 1953, o grupo Itatiaia decidiu organizar-se formalmente, criando a entidade privada denominada Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política (IBESP). O IBESP editou a revista Cadernos do Nosso Tempo e organizou cursos e conferências em nível de extensão universitária.

Em 1955, os integrantes do IBESP decidiram ampliar sua ação e criar um órgão através do qual pudessem influenciar as decisões do poder relativas à orientação do desenvolvimento brasileiro. Foi então criado o ISEB.

 

Organização

O ISEB era inicialmente dirigido por um conselho curador constituído de oito membros com mandato de quatro anos, designados pelo ministro da Educação e Cultura. Entre as atribuições desse conselho destacavam-se a designação do diretor executivo do instituto, a programação dos trabalhos e a escolha dos professores e especialistas encarregados de dar execução ao programa. O conselho curador tinha a assistência de um conselho consultivo formado por 50 membros com mandato de dois anos, igualmente designados pelo ministro da Educação.

A presidência do conselho curador e do conselho consultivo era exercida pelo ministro da Educação. Quando da criação do ISEB, foram nomeados membros do conselho curador Adroaldo Junqueira Aires, Anísio Teixeira, Ernesto Luís de Oliveira Júnior, Hélio Cabal, Hélio Jaguaribe, Roberto Campos, Roland Corbisier e Temístocles Cavalcanti. Esse conselho indicou para o cargo de diretor executivo Roland Corbisier.

Para alcançar seus objetivos, o ISEB instituiu um curso regular com a duração de um ano letivo, ministrado a alunos indicados por órgãos do serviço público, do Poder Judiciário, das casas do Congresso e das forças armadas, por autarquias e fundações, órgãos paraestatais, institutos universitários e entidades culturais, sindicatos e associações de classe, partidos políticos e imprensa, além de alunos representantes dos estados da Federação. Para ser aceito nesse curso, o candidato deveria ocupar uma posição no serviço público ou no setor privado que implicasse sua participação no estudo dos problemas nacionais e no planejamento ou na execução das respectivas soluções.

O curso regular compreendia os departamentos de economia, sociologia, política, filosofia e história. Além do curso regular, eram também ministrados cursos extraordinários.

 

Ideologia

O ISEB foi um dos núcleos mais importantes de elaboração da ideologia “nacional-desenvolvimentista” que impregnou todo o sistema político brasileiro desde a morte de Getúlio Vargas, em 1954, até a queda de João Goulart, em 1964. A difusão dessa ideologia — formulada principalmente por Hélio Jaguaribe, Cândido Mendes de Almeida, Guerreiro Ramos, Álvaro Vieira Pinto, Roland Corbisier e Nélson Werneck Sodré — foi feita não só através de cursos e conferências, como através da publicação de livros por uma editora própria.

A despeito da heterogeneidade das posições pessoais, os intelectuais que integravam o ISEB procuraram formular um projeto de desenvolvimento capitalista para o Brasil.

Nesse projeto, o desenvolvimento era entendido como a condição de superação da estrutura colonial ou subdesenvolvida, alcançável somente através da industrialização crescente do país. A política de desenvolvimento só comportaria uma opção, a nacionalista, única capaz de conduzir à emancipação e à plena soberania. A política de desenvolvimento nacionalista introduziria mudanças no sistema político, determinando a substituição das antigas elites dirigentes do país. A estrutura econômica desenvolvida teria que se apoiar numa nova liderança política, representada pela burguesia industrial nacional. A superação do subdesenvolvimento através da industrialização seria uma aspiração não só da burguesia industrial nacional, como também do proletariado, dos grupos técnicos e administrativos e da intelligentsia. Os interesses desses grupos estariam em oposição aos interesses dos grupos ligados à economia de exportação de bens primários, cuja aspiração seria manter o status quo e reviver a importância política que haviam detido até a Revolução de 1930. Os desenvolvimentistas seriam favoráveis a uma política econômica liberal, destinada a reforçar o setor primário da economia.

O ISEB considerava assim a burguesia latifundiária mercantil, aliada a ampla parcela da classe média, chamada de “setor terciário parasitário”, como um obstáculo ao pleno desenvolvimento industrial brasileiro.

O investimento de capitais e da técnica estrangeiros era considerado outro obstáculo ao desenvolvimento industrial autônomo, já que o capital estrangeiro não estaria interessado nos setores industriais, e sim apenas nos setores extrativos e de serviços. Em decorrência disso, estaria aliado à burguesia latifundiária mercantil na luta contra o desenvolvimento industrial. Mesmo quando alguns dos intelectuais do ISEB reconheciam que os investimentos estrangeiros já vinham sendo orientados para setores industriais, esses investimentos eram denunciados como inconvenientes, na medida em que poderiam significar a perda do controle e da autonomia dos grupos nacionais e agravar a dependência econômica do Brasil em relação aos países centrais.

A partir da identificação de dois grupos defendendo interesses divergentes, o ISEB propunha a formação de uma “frente única” integrada pela burguesia industrial, o proletariado, grupos técnicos da administração e intelectuais, ou seja, aqueles que buscavam uma solução para o subdesenvolvimento através de uma política de desenvolvimento industrial autônomo. Essa frente única seria formada para lutar contra os oponentes à industrialização do país, representados pela burguesia latifundiária mercantil e pelo imperialismo. A luta seria travada, finalmente, entre nacionalistas e “entreguistas” — aqueles que tendiam a vincular o desenvolvimento do Brasil à potência hegemônica do capitalismo.

 

Atuação

O ISEB iniciou suas atividades no momento em que Juscelino Kubitschek assumia a presidência da República e começava a se acelerar o processo de industrialização do país, com a ampliação dos investimentos privados nacionais e estrangeiros, além do investimento estatal. Os membros do ISEB apoiaram a política de desenvolvimento de Kubitschek por considerá-la muito próxima das idéias que eles próprios vinham formulando.

Nos primeiros anos de funcionamento, não houve uma clivagem nítida de posições dentro do instituto, sendo a heterogeneidade de pensamento do grupo uma de suas características principais. A partir de 1958, porém, com a publicação do livro O nacionalismo na atualidade brasileira, de Hélio Jaguaribe, as divergências acirraram-se, resultando numa crise que provocou alterações profundas na orientação das atividades do ISEB. As idéias lançadas por Jaguaribe desencadearam uma forte reação dentro e fora do instituto, formando-se duas facções opostas não só em torno do livro, como também em relação à orientação que deveria ser imprimida ao ISEB. Os opositores de Jaguaribe, representados principalmente por Guerreiro Ramos, Álvaro Vieira Pinto e Roland Corbisier, consideravam que a instituição deveria ser menos acadêmica e mais engajada politicamente. Fora o ISEB, as críticas ao livro de Jaguaribe partiram principalmente da União Nacional de Estudantes (UNE) e dos jornais que davam cobertura às suas atividades, ou seja, O Semanário, O Nacional e Última Hora. Esses grupos passaram a exercer pressão no sentido de afastar Jaguaribe do conselho curador do ISEB.

A polêmica levantada em torno das idéias apresentadas na obra de Jaguaribe centrava-se fundamentalmente na análise da política do petróleo e da política de capitais estrangeiros, em que o autor deixava clara sua posição favorável à exploração do setor petroquímico pelas empresas privadas. Por outro lado, Jaguaribe considerava vantajosa para o Brasil uma política de investimentos estrangeiros, que permitiria solucionar o problema da falta de capitais e de técnica. Entre os grupos que lhes foram contrários, essas idéias foram consideradas incompatíveis com a posição nacionalista que orientava o ISEB.

Em dezembro de 1958, o instituto promoveu uma reunião com o objetivo de dar solução à crise interna. Nessa ocasião, foram votadas duas propostas, uma do grupo de Jaguaribe — do qual faziam parte Anísio Teixeira, Evaldo Correia Lima, Hélio Cabal e Roberto Campos — e outra do grupo que lhe fazia oposição, saindo vitoriosa a primeira. Guerreiro Ramos, um dos principais opositores de Jaguaribe, demitiu-se em seguida do conselho curador. Não aceitando a derrota, o grupo vencido obteve contudo do presidente Kubitschek uma reforma na organização do ISEB.

Assim, pelo Decreto nº 45.811, de 15 de abril de 1959, foi alterada a estrutura do ISEB, sendo extinto o conselho consultivo e passando o conselho curador a ter atribuições de caráter fiscal. Foi vedado aos membros desse conselho exercer cumulativamente a função de professor responsável pelos departamentos culturais, medida essa que atingiu Jaguaribe, professor de ciência política. Pelo mesmo decreto foi ainda criada uma congregação composta dos professores responsáveis pelos departamentos culturais, encarregada da supervisão das atividades docentes do instituto. Foram também instituídos os serviços de estudo e pesquisas, de cursos e conferências e de publicações e divulgação.

Ao tomar conhecimento dessas modificações, os integrantes do conselho curador que haviam apoiado Hélio Jaguaribe se demitiram da instituição.

A partir dessa crise, foi sendo imposta uma nova orientação às atividades do ISEB. Sua área de ação se estendeu a um público mais amplo. Até então, o objetivo do órgão tinha sido levar suas idéias principalmente à burocracia civil e militar. Após 1959, seus cursos passaram a destinar-se prioritariamente aos estudantes, aos sindicatos e a grupos já identificados com a ideologia nacionalista.

Em 1960, o diretor-geral do ISEB, Roland Corbisier, elegendo-se deputado estadual, afastou-se do cargo. Substituiu-o o professor Álvaro Vieira Pinto, que teve de enfrentar durante sua gestão graves dificuldades financeiras.

Por outro lado, os temas dos cursos sofreram modificações, sendo dada maior ênfase ao estudo e aos debates sobre as reformas de base e as relações do Brasil com os países do chamado Terceiro Mundo. Aumentou consideravelmente o número de cursos extraordinários, muitos deles patrocinados pela associação dos ex-alunos do ISEB.

Nessa fase, o ISEB aderiu à ação de mobilização política, aliando-se a outros grupos nacionalistas, como a Frente Parlamentar Nacionalista, estudantes, sindicatos e o Partido Comunista Brasileiro, numa luta mais agressiva pelo controle dos lucros das empresas estrangeiras, por uma política tendente a uma maior distribuição de renda, pela extensão dos benefícios do desenvolvimento a todas as regiões do país e pela transformação da estrutura agrária.

Os militares que depuseram o governo João Goulart em março de 1964 decretaram a extinção do ISEB em 13 de abril de 1964, pelo Decreto nº 53.884. Em seguida, foi instaurado um Inquérito Policial-Militar na instituição. Foram arrolados nesse processo os presidentes Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart e os ministros da Educação Clóvis Salgado, Paulo de Tarso e Oliveira Brito, além de vários deputados e todos os professores do instituto.

Alzira Alves de Abreu

 

 

FONTES: ABREU, A. Nationalisme; SODRÉ, N. Verdade; TOLEDO, C. ISEB.