COMITÊ BRASILEIRO PELA ANISTIA (CBA)

COMITÊ BRASILEIRO PELA ANISTIA (CBA)

 

Sociedade civil independente formada a partir de 1978 em vários estados do país — e em uma cidade no exterior, Paris — por advogados, amigos e parentes de presos políticos, com o objetivo de coordenar os esforços em prol do movimento pela anistia ampla, geral e irrestrita dos atingidos pelos atos de exceção praticados pelo regime militar instaurado no país em abril de 1964. Depois da decretação da Lei da Anistia (Lei nº 6.683), em 28 de agosto de 1979, os CBAs foram diminuindo suas atividades, até se dissolverem em entidades de defesa dos direitos humanos no início da década de 1980.

 

Antecedentes

O movimento político-militar de 31 de março de 1964, que depôs o presidente João Goulart, iniciou um período de perseguição política no país. No dia 10 deste mês, a junta militar que assumiu o poder divulgou a primeira lista dos atingidos pelo Ato Institucional nº 1 (AI-1), composta de 102 nomes. Foram cassados os mandatos de 41 deputados federais e suspensos os direitos políticos de várias personalidades de destaque na vida nacional.

Aproveitando-se das poucas brechas ainda existentes para a participação política, alguns segmentos da sociedade civil, sobretudo o movimento estudantil, ainda conseguiam atuar, promovendo manifestações contrárias ao regime. A resposta do governo à mobilização popular veio em 13 de dezembro de 1968, com a decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), que autorizou o presidente da República, independente de qualquer apreciação judicial, a decretar o recesso do Congresso Nacional e de outros órgãos legislativos, a intervir nos estados e municípios sem as limitações previstas na Constituição, a cassar mandatos eletivos e a suspender por dez anos os direitos políticos de qualquer cidadão, a decretar o confisco de “bens de todos quantos tenham enriquecido ilicitamente” e a suspender a garantia de habeas-corpus. Novamente, várias pessoas, entre parlamentares, juízes, professores universitários, estudantes e sindicalistas, foram cassadas, aposentadas compulsoriamente ou tiveram suspensos seus direitos políticos.

Em 1972, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição ao regime militar, decidiu incluir em seu programa a luta pela paz nacional (Constituinte, anistia, eleições livres). Era o primeiro passo importante do movimento de anistia e claro de democracia. Em março de 1974 o general Ernesto Geisel assumiu a presidência da República e iniciou o processo de abertura “lenta, gradual e segura”, possibilitando um espaço maior para o debate sobre a anistia. Em março de 1975 foi criado em São Paulo, sob a liderança de Teresinha Zerbini, o Movimento Feminino pela Anistia (MFPA) após a realização do Congresso Mundial da Mulher, no México, onde se decidiu que aquele seria o Ano Internacional da Luta pela Anistia. Ainda este ano, passaram a ser criados comitês pró-anistia em vários estados e em países que possuíam brasileiros exilados.

A partir de 1976 intensificaram-se as manifestações em favor da anistia. Em março foi publicado um dossiê pelo Comitê Pró-Anistia Geral no Brasil, de Lisboa, e em julho, moção pela anistia foi entusiasticamente aplaudida e aprovada durante a 28ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Brasília. Em 1977, a palavra de ordem pela anistia ganhava as ruas, através do movimento estudantil e dos movimentos populares, destacando-se o Movimento contra a Carestia. A pressão internacional também aumentou, e, em março, um relatório do governo do presidente norte-americano Jimmy Carter denunciou violações dos direitos humanos no Brasil. Em junho foi criada em São Paulo a Comissão de Mães em Defesa dos Direitos Humanos-SP.

 

A criação dos CBAs

Em 1978, estavam dadas as condições para o nascimento do movimento pela anistia ampla, geral e irrestrita. Pretendendo coordenar os esforços em prol do movimento, foram criados os comitês brasileiros pela Anistia (CBAs). Em 14 de fevereiro foi fundado o CBA do Rio de Janeiro e em 12 de maio o de São Paulo. Rapidamente foram criados CBAs no Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e no Distrito Federal, compostos por personalidades, cidadãos e entidades da sociedade civil e com a decisiva participação dos familiares de presos, perseguidos e desaparecidos políticos. Por esta época, exilados brasileiros constituíram um CBA em Paris.

Os comitês eram formados autonomamente em cada estado, sem uma centralização nacional, e de forma livre do ponto de vista de sua organização interna. O CBA-RJ, por exemplo, era formado por pessoas físicas, enquanto o de São Paulo era constituído por representação de entidades, sobretudo sindicais, que formavam núcleos profissionais dentro da organização. O grupo carioca era composto de um presidente, um vice-presidente e dois secretários. Foi elaborado um estatuto, registrado em cartório. Com o crescimento do comitê, foram organizadas várias comissões internas, a saber: comissão de presos, de exilados, de finanças, de mortos e desaparecidos e de divulgação. Os objetivos principais do comitê eram, em primeiro lugar, a anistia ampla, geral, irrestrita; em segundo, o fim da Lei de Segurança Nacional (LSN); em terceiro, o direito de passaporte para os exilados; e por último, o direito de registro civil para os filhos dos exilados.

Em julho de 1978, o CBA-SP divulgou sua carta de princípios e seu programa mínimo de ação. No primeiro documento, destacava os cinco princípios a serem defendidos pela organização: 1) a imediata anistia ampla e irrestrita a todos os presos e perseguidos políticos, não extensiva aos agentes da repressão; 2) a urgente necessidade da mais ampla liberdade de palavra, de imprensa escrita, falada e televisada, de expressão teatral e artística, de manifestação de pensamento; 3) pelo direito de todos à inalienável liberdade de associação e de reunião, à livre organização dos trabalhadores em seus sindicatos e em seus locais de trabalho e residência, e ao direito de greve; 4) liberdade para toda atividade política pela qual os amplos setores da população pudessem expressar seus interesses, apresentar suas propostas ao conjunto da sociedade, e assim, participar do processo de condução da nação brasileira; e, nesse sentido, 5) defesa de ampla liberdade de organização e atuação de partidos políticos, inclusive populares e operários.

No programa mínimo de ação, o CBA-SP se comprometia a encaminhar a sua luta pela consecução dos seguintes objetivos imediatos: 1) fim radical e absoluto das torturas; 2) libertação dos presos políticos e volta dos cassados, aposentados, banidos, exilados e perseguidos políticos; 3) elucidação da situação dos desaparecidos; 4) reconquista do habeas-corpus; 5) fim do tratamento arbitrário e desumano contra os presos políticos; 6) revogação da LSN e fim da repressão e das normas punitivas contra a atividade política; 7) apoio às lutas pelas liberdades democráticas.

No primeiro semestre deste ano, houve a primeira greve de fome nacional dos presos políticos, que reivindicavam a quebra do isolamento dos presos de Itamaracá (PE), Carlos Alberto e Rholine. Na ocasião, o CBA-RJ participou ativamente das negociações, que acabaram bem-sucedidas, tendo os presos conseguido quebrar a incomunicabilidade.

Em setembro de 1978, diversos CBAs participaram do I Encontro Nacional de Movimentos pela Anistia, aprovando a Carta de Salvador, que explicitava os objetivos da anistia ampla, geral e irrestrita, e reivindicava liberdades democráticas e reformas políticas. O encontro também deliberou pela realização, no mês seguinte, do I Congresso Nacional pela Anistia, em São Paulo. Este congresso reafirmou “a necessidade imperiosa de uma anistia política, ampla, geral e irrestrita a todas as vítimas dos atos e leis de exceção, rejeitando as proposições de anistia parcial e de revisão de processos, que pretenderiam excluir do alcance da anistia os que participaram de movimentos armados contra o regime militar”. Recusava também “o ponto de vista de uma anistia ‘recíproca’, por julgar inteiramente imprópria, sem precedentes e extemporânea a utilização do instituto da anistia para quem não fora identificado oficialmente, não sofrera qualquer sanção punitiva, não fora condenado, nem mesmo julgado”. Por fim, considerava que “toda nação deveria tomar conhecimento dos crimes cometidos contra os direitos humanos e identificar seus responsáveis, para que pudesse repeli-los, num quadro de respeito aos direitos inalienáveis”.

Os CBAs recorriam a várias formas de propaganda sobre a anistia, desde cartazes utilizando a mesma fórmula daqueles dos “Procurados” do regime militar, mostrando quem eram os desaparecidos políticos, até a idéia bem-sucedida do CBA-SP, que conseguiu exibir no dia 11 de fevereiro de 1979, no estádio do Morumbi, na capital paulista, durante um jogo de futebol entre Santos e Coríntians, uma grande faixa com os dizeres “Anistia Ampla, Geral e Irrestrita”, no meio da torcida corintiana. A faixa foi levada ao ar pelas emissoras que transmitiram o jogo e, no dia seguinte, estava nas primeiras páginas de todos os principais jornais do país.

Em março deste ano realizou-se o II Encontro Nacional de Movimentos pela Anistia, que tirou a pauta para o Congresso Internacional de Anistia no Brasil, que foi realizado em Roma no final de junho e início de julho seguinte. Este congresso aprovou o manifesto Apelo à nação, pela anistia ampla, geral e irrestrita. Ainda em 1979, os CBAs participaram dos III e IV encontros nacionais de Movimentos pela Anistia, realizados no Rio de Janeiro e em Piracicaba (SP), respectivamente.

Mobilizando-se contra o projeto de anistia do governo, que considerava restritivo, pois não libertava os presos políticos, excluía vários segmentos sociais cassados e anistiava pessoas que haviam participado do aparato de repressão antes mesmo de serem apresentadas à Justiça, o CBA-SP escolheu o dia 8 de agosto de 1979 como Dia Nacional de Repúdio ao Projeto de Anistia do Governo. Além disso, promoveu, no dia 21 deste mês, um grande ato público contra o projeto de anistia do governo na praça da Sé, na cidade de São Paulo, na qual compareceram cerca de dez mil pessoas.

 

A anistia e o fim dos CBAs

A pressão social organizada levou o governo do general João Batista Figueiredo (1979-1985) a se comprometer a revisar a situação dos inquéritos e processos de cassação e condenação de políticos, e, logo depois, admitir encaminhar um projeto de lei de anistia ao Congresso Nacional. O projeto atendia parcialmente aos objetivos da Campanha da Anistia e contrariava um de seus mais fortes princípios — o de que “não poderia existir anistia para os algozes do povo brasileiro”.

A Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, que seria regulamentada pelo Decreto nº 84.143, de 31 de outubro do mesmo ano, decretou a anistia. Os presos começaram a ser libertados, a maioria beneficiada por recursos jurídicos e não pela Lei da Anistia, que, na realidade, não foi ampla nem irrestrita. O último preso político do país, José Sales de Oliveira, só seria libertado em 8 de outubro de 1980.

O CBA-SP decretou o dia 18 de setembro de 1979 como Dia Nacional de Luto, pelos mortos e desaparecidos. No mês seguinte, foi criado o Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos, de iniciativa de Helena Greco, do CBA-MG, aprovado no I Congresso Nacional pela Anistia e executado pela Comissão Mista (Comissão Nacional de Movimentos pela Anistia e Sindicato dos Jornalistas). Em novembro deste ano, foi realizado, em Salvador, o II Congresso Nacional pela Anistia, o único encontro que haveria depois da decretação da Lei da Anistia, que deliberou que os CBAs deveriam se juntar aos movimentos populares exigindo a total redemocratização do país.

O primeiro movimento organizado no Brasil após a anistia surgiu do CBA-RS. Congregava dezenas de entidades representativas da sociedade civil e exigia o fim da LSN. Por iniciativa desta entidade foi publicado pela  primeira vez, pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, o Dossiê dos mortos e desaparecidos, elaborado por familiares das vítimas da ditadura ligados ao CBA-SP, que constituiu um marco histórico dessa luta. Posteriormente, o CBA-RS patrocinou a elaboração de um vídeo sobre Luís Eurico Tejera Lisboa, o primeiro desaparecido político cujo corpo foi localizado. Sua própria mulher, Susana Keniger Lisboa, encontrou seus restos mortais, enterrados como indigente no cemitério de Perus, em São Paulo. Esse caso foi denunciado à opinião pública e amplamente divulgado.

Entre junho e julho de 1980 ocorreram vários atentados promovidos por grupos da “linha dura” do regime militar, como a colocação de bombas em bancas de jornais que vendiam jornais da imprensa alternativa, em sindicatos etc. Neste período, a casa que sediava o CBA-SP, o Partido dos Trabalhadores (PT) e o escritório do advogado Luís Eduardo Greenhalgh, na capital paulista, foi alvo de tiros disparados por estes grupos.

A partir de 1980, os CBAs foram diminuindo suas atividades e apenas a Comissão Nacional dos Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos continuou atuando. De acordo com Iramaia Queirós Benjamin, ex-presidente do CBA-RJ, o “sucessor” do movimento pela anistia seria o grupo Tortura Nunca Mais, criado em 1985 por ex-presos políticos, voluntários e familiares de mortos e desaparecidos, inconformados com o tratamento que o Estado brasileiro dispensava à questão da tortura, morte e desaparecimento dos opositores.

Marcelo Costa

 

FONTES: Anistia. Internet; CBA. Carta; CONG. NAC. ANISTIA, I; ENC. NAC. DE MOVIMENTOS PELA ANISTIA; ENTREV. IRAMAIA BENJAMIN; FUND. PERSEU ABRAMO. Especial 20 anos: Anistia. Internet; GREENHALGH, L., Discurso; MANIF. I CONG. NAC. ANISTIA; SANT’ANNA, V. Histórico.