REVOLTA COMUNISTA DE 1935

REVOLTA COMUNISTA DE 1935

 

Movimento armado, também conhecido como Intentona Comunista. Esta última designação foi cunhada pelos meios oficiais com uma intenção depreciativa, já que o termo intentona significa “intento louco, plano insensato”. O movimento foi deflagrado a 23 de novembro de 1935 em Natal pelos sargentos, cabos e soldados do 21º Batalhão de Caçadores. No dia 24 de novembro, sublevou-se o 29º Batalhão de Caçadores, sediado na Vila Militar de Socorro, a 18km de Recife. No dia 27, a revolta eclodiu no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, no 3º Regimento de Infantaria, da Praia Vermelha, e na Escola de Aviação Militar do Campo dos Afonsos. Todos esses levantes foram promovidos em nome de uma revolução popular e da Aliança Nacional Libertadora (ANL).

 

Antecedentes

Em março de 1935, foi criada a ANL, movimento político que reuniu representantes de várias correntes de pensamento e de diferentes tendências políticas sob a liderança do Partido Comunista Brasileiro (PCB), formando uma frente ampla para lutar contra o imperialismo, o latifúndio e as leis de opressão às liberdades democráticas.

A discussão sobre a formação de uma frente única popular internacional contra o fascismo havia-se iniciado em Moscou já em 1934. A idéia era defendida por Georgi Dimitrov, membro do comitê executivo do Komintern, mas encontrava resistências, principalmente por parte de Dmitri Manuilski, presidente do mesmo órgão. Enquanto Dimitrov defendia a extensão global das frentes populares, Manuilski era favorável, em determinados países, à insurreição armada e à tomada do poder pelas forças populares sob a chefia dos partidos comunistas.

De toda forma, durante as conferências do Congresso Latino-Americano realizado em Moscou, ficou decidido que seria preparado um levante armado no Brasil sob a chefia de Luís Carlos Prestes, do ex-deputado comunista alemão Artur Ernst Ewert, do argentino Rodolfo Ghioldi, do ucraniano Pavel Stuchevski que ficou conhecido como o belga Léon Valée e do norte-americano Victor Baron.

Luís Carlos Prestes voltou ao Brasil em abril de 1935, quando já era intensa a ação da ANL. Como presidente de honra da organização, iniciou então os preparativos para a tomada do poder e a instalação de um governo popular- revolucionário, democrático-burguês e antiimperialista, que prepararia a etapa seguinte — a do regime socialista. Em sua proclamação de 5 de julho de 1935, Prestes afirmou que “a situação é de guerra e cada um precisa ocupar o seu posto”. As massas deveriam “organizar a defesa de suas reuniões” e preparar-se “ativamente para o momento do assalto”. “A idéia do assalto amadurece na consciência das grandes massas, cabe ao seu chefe organizá-las e dirigi-las.” O discurso terminava com as palavras de ordem: “Abaixo o fascismo! Abaixo o governo odioso de Vargas! Por um governo popular nacional revolucionário! Todo o poder à ANL!”

Após essa proclamação de Prestes, o governo utilizou-se da Lei de Segurança Nacional para fechar a ANL, a 11 de julho de 1935.

A posição assumida por Prestes, orientando a ANL para uma ação mais radical, levou vários de seus membros a se afastarem do movimento. Também dentro do PCB manifestaram-se discordâncias: Cristiano Cordeiro era contrário a uma insurreição no Nordeste por considerá-la prematura, Heitor Ferreira Lima temia que o PCB se envolvesse numa quartelada e João Batista Barreto Leite Filho, um dos dirigentes da União de Trabalhadores em Livros e Jornais, considerava que o partido cometia erros de aventurismo, desprezando uma melhor preparação teórica na pressa de tomar o poder.

Outros membros do PCB, como Febus Gikovate, e os irmãos Augusto, Marino e Lídia Besouchet, apoiavam a posição de Barreto Leite Filho. Esse grupo, junto com os líderes bancários, enviou documentos ao comitê central do partido comunicando sua posição contrária à política adotada para a tomada do poder. Mais tarde, a 26 de outubro de 1935, Barreto Leite Filho enviaria carta a Prestes analisando e criticando a orientação imprimida ao PCB, atitude essa que lhe valeria a expulsão das fileiras do partido.

No mês de agosto de 1935, durante o VII Congresso Mundial do Komintern realizado em Moscou, Fernando Lacerda apresentou um relatório sobre a situação política brasileira e a ação da ANL indicando as possibilidades de sucesso de uma revolução popular no país. Na mesma ocasião, Prestes foi eleito membro do comitê executivo do Komintern. Em outubro, Prestes foi admitido no comitê central e no politburo do PCB.

A partir do mês de agosto, no Brasil, foram intensificados os preparativos para o movimento revolucionário, que previa numa primeira etapa a instalação de um governo nacional revolucionário sob a chefia de Luís Carlos Prestes, e, numa segunda etapa, a organização de um governo soviético de operários e camponeses.

O movimento seria iniciado com levantes militares em várias regiões do país, e deveria contar com o apoio da massa proletária, que desencadearia greves em todo o território nacional.

 

A revolta em Natal

O PCB dera ordens aos chefes revolucionários para que aguardassem o sinal para o início do movimento armado. Entretanto, a eclosão do movimento em Natal foi antecipada, não se sabe se por falsas informações ou por precipitação, permitindo ao governo central o controle imediato da situação ao eclodirem os levantes em outros estados da Federação.

No dia 23 de novembro, em Natal, sargentos, cabos e soldados, com o apoio de operários e funcionários públicos, deflagraram o levante, apossando-se do quartel do 21º Batalhão de Caçadores. O movimento não só aglutinava interesses aliancistas, mas era também motivado pelo descontentamento contra a redução dos efetivos do Exército e a proibição do reengajamento dos praças. Um outro fator que muito contribuiu para sua eclosão foram as disputas entre as facções que vinham conturbando a política do estado. No Rio Grande do Norte, a eleição para governador fora realizada em meio a uma disputa violenta entre o interventor Mário Câmara e os elementos tradicionais da política local, chefiados por José Augusto Bezerra de Medeiros. A vitória coubera a Rafael Fernandes Gurjão, da facção de Bezerra de Medeiros. Ao assumir o cargo, Gurjão havia procurado afastar dos postos de governo todos os seus adversários.

A revolta teve início num sábado, quando o comandante e os oficiais já haviam deixado o quartel e este se encontrava praticamente nas mãos de sargentos, cabos e soldados. Os revoltosos prenderam o oficial de dia, e o sargento Eliziel Dinis Henriques assumiu o comando da guarnição federal, enquanto o cabo Estêvão assumiu o comando do 21º Batalhão de Caçadores.

O governador e outras autoridades refugiaram-se inicialmente na casa do cônsul chileno, e em seguida numa embarcação da companhia Latecoère, sob a bandeira francesa.

O coronel José Otaviano Pinto Soares, juntamente com o major Luís Júlio, organizou a resistência no quartel da Força Pública. Por falta de munição, a oficialidade legalista se rendeu, sendo presa e transportada para dois navios de guerra mexicanos que estavam ancorados no porto.

Após dominarem a situação, os revoltosos instalaram o Comitê Popular Revolucionário, também chamado Governo Revolucionário Popular.

Além de Natal, foram ocupadas outras cidades do Rio Grande do Norte, como Ceará-Mirim, Baixa Verde, São José de Mipibu, Santa Cruz e Canguaretama. Os rebeldes organizaram uma coluna que deveria partir em direção a Recife, outra em direção a Moçoró e outra em direção a Caicó. Mais já no dia 27 de novembro as tropas do Exército e as polícias dos estados vizinhos retomaram o poder das mãos dos revoltosos, entregando-o ao governador Rafael Fernandes Gurjão. Iniciou-se então a prisão dos revoltosos e de todos os opositores do governador, entre os quais figuravam os chefes políticos João Café Filho e Kerginaldo Cavalcanti.

 

A revolta em Recife

Nos meses que antecederam a revolta de novembro, Recife apresentava um quadro político agitado, com numerosas greves, principalmente entre os trabalhadores da ferrovia Great Western, e insatisfação entre sargentos, cabos e soldados devido aos problemas da redução dos efetivos do Exército e da restrição ao reengajamento dos praças.

No momento da eclosão da revolta em Pernambuco, no dia 24 de novembro, as principais autoridades do governo e da região militar encontravam-se ausentes. O governador Carlos de Lima Cavalcanti estava na Europa, o general Manuel Rabelo viajara para o Rio de Janeiro para tratar de assuntos ligados à construção de quartéis, e o capitão Jurandir de Bizarria Mamede, comandante da Brigada Militar de Pernambuco, fora ao Rio Grande do Sul participar das comemorações da Revolução Farroupilha.

O 29º Batalhão de Caçadores, sediado na Vila Militar de Socorro, sublevou-se marchando em direção a Recife. As tropas eram comandadas pelo capitão Otacílio Alves de Lima e pelo tenente Lamartine Coutinho Correia de Oliveira.

Ao chegarem ao Largo da Paz, ponto de acesso a Recife, as forças rebeldes foram barradas pela força legalista mobilizada pela Polícia Estadual, ocorrendo forte combate durante quase 24 horas.

O levante, no entanto, não se limitou ao 29º Batalhão de Caçadores, registrando-se dois outros focos revolucionários; o sargento Gregório Bezerra lutou contra os oficiais do quartel-general da 7ª Região Militar, e populares tomaram a cidade de Olinda, sendo derrotados horas depois.

O secretário de Segurança Pública, Malvino Reis Neto, prendeu o secretário de Justiça Nélson Coutinho, tio do tenente rebelde Lamartine Correia de Oliveira. Foi preso também o secretário da Fazenda, que se recusou a liberar verbas para auxiliar a Polícia Estadual enquanto Nélson Coutinho estivesse preso.

O levante foi contido na noite de 25 de novembro com a chegada do 22º Batalhão de Caçadores, de João Pessoa, e do 20º Batalhão, de Maceió. A sublevação provocou a morte de cem pessoas, na maior parte civis que haviam aderido ao movimento. Os principais líderes da revolta foram presos seguindo-se uma violenta repressão, com a prisão de comunistas, aliancistas e simpatizantes.

As tropas legalistas foram em seguida deslocadas para Natal, onde puseram fim ao Governo Revolucionário Popular.

No dia 25 de novembro, quando a revolta em Recife já fora sufocada, o governo central enviou ao Congresso um pedido de autorização para a declaração de estado de sítio em todo o território nacional, pelo prazo de um mês.

 

A revolta do Rio de Janeiro

Quando as primeiras medidas de repressão começavam a ser adotadas pelo governo central, Luís Carlos Prestes, Artur Ernst Ewert e Antônio Maciel Bonfim se reuniram, no dia 25 de novembro, e decidiram deflagrar o movimento armado em outras unidades militares, no Distrito Federal, em Minas Gerais, no Rio Grande do Sul e no estado do Rio, após a meia-noite do dia 26 de novembro. Foi enviado um emissário a Minas Gerais levando uma carta de Prestes a Trifino Correia, para que este iniciasse o movimento naquele estado. Entretanto, a polícia do Distrito Federal apreendeu o documento antes que este chegasse ao destinatário. Os emissários enviados por Prestes ao Rio Grande do Sul e ao estado do Rio também foram impedidos de cumprir sua missão pela polícia carioca.

O emissário enviado na tarde do dia 26 ao 3º Regimento de Infantaria da Praia Vermelha com a ordem do levante era, segundo Agildo Barata, portador de documentos idênticos para as duas outras guarnições militares do Rio. Ao entregar a ordem ao responsável pela revolta no 3º RI, o emissário de Prestes pediu-lhe que encaminhasse os dois outros documentos, pois não tinha condições de fazê-los chegar a seus destinatários. Diante da resposta negativa, sob a alegação de falta de meios, o emissário teria respondido: “Se você puder, que as encaminhe, se não puder, paciência. Pior para vocês, pois pelo menos essas duas unidades, não terão a acompanhá-los.”

Algumas horas depois da decisão de deflagar o movimento no Rio de Janeiro, em 26 de novembro, o embaixador inglês no Brasil, sir Hugh Gurney informava o governo britânico do levante. Dizia a mensagem: “Soube por fonte confidencial que existe a possibilidade de uma tentativa de golpe no Rio de Janeiro dentro das próximas 48 horas por certas seções do Exército que apóiam Prestes com a assistência do prefeito do Rio de Janeiro.”

Do plano do PCB constava a deflagração de greves em todo o país para dar cobertura aos levantes armados. Entretanto, as greves não tiveram a dimensão que delas esperavam os chefes revolucionários.

A revolta no Distrito Federal restringiu-se ao 3º RI da Praia Vermelha e à Escola de Aviação Militar do Campo dos Afonsos, falhando os planos de ampliá-la para a Companhia de Metralhadoras, o Batalhão de Guarda e o Campo de Obuses.

No 3º RI, que tinha um efetivo de cerca de 1.700 homens em sua maioria recrutas recém-incorporados e sem instrução militar, o grupo aliancista contava com aproximadamente 30 homens para a sublevação. Os capitães Agildo Barata, Álvaro Francisco de Sousa e José Leite Brasil foram os líderes do levante.

As ordens enviadas por Prestes instruíam os chefes revolucionários do 3º RI para que assumissem o comando do regimento e, a partir das três horas da manhã, saíssem do quartel com a finalidade de impedir o desembarque de tropas, navais no Arsenal de Marinha, evitassem qualquer ação repressiva da Polícia Especial e da Polícia Militar, e marchassem com um batalhão do regimento para as proximidades do palácio do Catete.

Os revoltosos contaram com a adesão de aproximadamente 2/3 da tropa, assumiram o comando do 3º RI e prenderam toda a oficialidade. O restante do plano não pôde ser cumprido, pois o comandante da 1ª Região Militar, general Eurico Gaspar Dutra, estava com sua tropa de prontidão e mobilizou-a contra os revoltosos. As primeiras tentativas para sair do quartel foram barradas pelas tropas de Dutra. O quartel foi bombardeado por canhões da Marinha de Guerra e pela aviação. Com os pavimentos destruídos e em chamas, a situação dos rebeldes tornou-se insustentável. Por volta do meio-dia de 27 de novembro, quando os rebeldes tentavam enviar parlamentares ao comando legalista, as tropas de Dutra invadiram o quartel, forçando a rendição dos revoltosos. O bombardeio da artilharia terrestre fez cerca de 20 mortes.

A inferioridade numérica dos revoltosos e o fato de não contarem mais com o elemento surpresa — os levantes do Nordeste já tinham eclodido e a polícia de Vargas dispunha de informações inclusive sobre a data do levante no Rio — permitiram que o movimento fosse rapidamente controlado.

O levante da Escola de Aviação Militar do Campo dos Afonsos contou com uma força de 30 homens sobre a chefia dos capitães Sócrates Gonçalves da Silva e Agliberto Vieira de Azevedo. O início do movimento ocorreu um pouco antes das três horas da manhã do dia 27 de novembro. Os revoltosos tomaram imediatamente o comando da Escola, morrendo no embate três oficiais legalistas. Em seguida, passaram a atacar o 1º Regimento de Aviação, que se localizava nas proximidades, e era comandado pelo coronel Eduardo Gomes. Entretanto, a rápida intervenção das tropas legalistas provenientes da Vila Militar determinou a rendição dos revoltosos poucas horas depois, no amanhecer do mesmo dia.

 

Os resultados da Revolta de 1935

O final do ano de 1935 marcou o início de uma violenta repressão do governo central a todos os opositores do regime. Foram feitas milhares de prisões, não somente de comunistas como de simpatizantes e integrantes da ANL, de socialistas, trotskistas e anarquistas. Muitos não haviam participado do movimento revolucionário e nem dele haviam tomado conhecimento. A repressão à revolta de novembro atingiu o prefeito do Distrito Federal, deputados, senadores e simples opositores dos governos estaduais e do regime de Vargas.

A tentativa de derrubada do governo foi utilizada como justificativa para uma maior concentração de poder nas mãos do governo central. O medo do comunismo aglutinou em torno de Vargas forças que até então lhe eram contrárias. Durante o ano de 1936, o Congresso aprovou todas as medidas excepcionais solicitadas pelo Executivo. O estado de sítio foi prorrogado até junho de 1937. Foi criada a Comissão Nacional de Repressão ao Comunismo, encarregada de investigar a participação de funcionários públicos e outras pessoas em atos e crimes contra as instituições políticas e sociais. O atestado de ideologia passou a ser exigido para todos os que exercessem cargos públicos e cargos sindicais. Finalmente, foi instituído o Tribunal de Segurança Nacional, destinado a julgar os implicados na Revolta de 1935. De setembro a dezembro de 1936, o total de sentenciados pelo Tribunal chegou a 1.420 pessoas.

Essas medidas constituíram na verdade os preparativos para o golpe de Estado de 10 de novembro de 1937, que instituiu o Estado Novo.

Desde então, a Revolta de 1935 passou a ser lembrada todos os anos no dia 27 de novembro pelas forças armadas, como um exemplo da ameaça que os comunistas representam para a conservação do regime democrático.

Alzira Alves de Abreu

 

 

FONTES: BARATA, A. Vida; CARONE, E. República nova; DULLES, J. Anarquistas; LEVINE, R. Vargas; PORTO, E. Insurreição; SILVA, H. 1935.