REDE GLOBO

REDE GLOBO

 

Rede de emissoras de televisão criada a partir da inauguração da TV Globo do Rio de Janeiro, em 26 de abril de 1965. É composta de cinco emissoras geradoras em rede — o número máximo permitido pelo Código Nacional de Telecomunicações para um único proprietário — e mais de cem estações afiliadas em todo o país. Pertence ao empresário Roberto Marinho, sendo parte do maior complexo de comunicações sociais do país, as Organizações Globo, que incluem o jornal O Globo, o Sistema Globo de Rádio, com 70 emissoras entre próprias e afiliadas, uma agência de notícias, uma editora, um parque gráfico e uma gravadora. No início da década de 1990, a Rede Globo de Televisão era a quarta do mundo em porte e detinha cerca de 75% do total de verbas publicitárias destinadas à televisão no país.

O acordo Time-Life

Em 30 de dezembro de 1957, o presidente Juscelino Kubitschek outorgou à Rádio Globo S.A. a concessão de uma estação de radiotelevisão no Rio de Janeiro, a então capital federal. O primeiro prédio da emissora começou a ser construído em 1961 e a empresa contou a partir de 1962 com financiamento de cerca de seis milhões de dólares do grupo multinacional Time-Life. O acordo, embora irregular — uma vez que a Constituição de 1946 proibia grupos estrangeiros de auferirem lucro e interferirem na orientação de empresas de comunicação — custeou a construção do prédio no bairro carioca do Jardim Botânico e do equipamento de última geração com que a TV Globo ingressou no mercado, dando-lhe vantagem significativa sobre as concorrentes. A TV Tupi do Rio de Janeiro, por exemplo, fora montada com apenas trezentos mil dólares.

Em 1964, um folheto promocional anunciava “um novo conceito de televisão comercial” no país e definia a TV Globo como “a mais moderna emissora de televisão do Brasil e uma das mais bem equipadas do mundo”. No dia 26 de abril de 1965, a primeira imagem veiculada pelo novo canal foi a de seu diretor-presidente, Roberto Marinho. “A nova emissora será mais uma emissora de O Globo. O que significa dizer que ela herdará as tradições do jornal, seu amor à causa pública, sua permanente luta em defesa da iniciativa privada, das liberdades públicas e da causa da democracia”, declarou Marinho no discurso inaugural. Em contraste com a improvisação que até então caracterizava a televisão brasileira, a equipe da TV Globo teve o cuidado de simular a inauguração no dia anterior à estréia.

Durante os primeiros oito meses, no entanto, a emissora parecia destinada ao fracasso, faturando em torno de 180 mil dólares e gastando cerca de setecentos mil. Em 1966, a emissora passou a ser dirigida por profissionais de propaganda e marketing, como Válter Clark, anteriormente da TV Rio, o americano Joseph Wallach, que, ligado à Time-Life, tinha experiência em gerência de emissoras nos Estados Unidos, e José Ulisses Arce para a área de vendas, introduzindo uma nova concepção empresarial. Veículo publicitário por excelência, a programação das televisões era, até a década de 1960, decidida e produzida pelos próprios anunciantes. O script do noticiário noturno da emissora, o Ultra notícias, por exemplo, patrocinado pela Ultragás, era lido e aprovado, antes de ir ao ar, pelo representante da agência de publicidade.

A partir de 1966, a TV Globo passou a controlar integralmente sua produção, inaugurando a programação horizontalizada e a rotatividade dos anúncios, passando a negociar pacotes que obrigavam o anunciante a comprar, junto com o horário nobre, também espaços publicitários menos valorizados, de manhã e à tarde. A programação era pensada para atrair o telespectador para a grade completa de programas, que se sucediam ligados por vinhetas e anúncios. Levando a luta pela audiência de programas isolados para o conjunto da programação, a Globo também procurou contratar artistas e programas que faziam sucesso nas outras emissoras, como a TV Rio, Tupi, Excelsior e Record.

A redução do custo dos televisores que marcou a década de 1960 teve como resultado uma programação de televisão popular, apoiada nas novelas, programas de auditório, seriados e filmes americanos, comprados a baixo custo pelas emissoras. A TV Globo transmitia nessa época suas primeiras novelas, e programas como o do Chacrinha, o Casamento na TV, com Raul Longras, e o Consultório sentimental, com Derci Gonçalves, misturavam concursos de calouros e brincadeiras, apelando muitas vezes para efeitos de gosto duvidoso. Em 1966, com a compra da TV Paulista, incorporou o programa que Sílvio Santos tinha naquela emissora, que passou a se chamar Música e alegria, com quatro horas de duração.

No início de 1966, teve grande repercussão a cobertura televisiva das enchentes que atingiram o Rio de Janeiro, marcando um momento decisivo na conquista da audiência pela emissora, que durante três dias transmitiu os acontecimentos ao vivo e organizou o recolhimento de doações para os desabrigados. Nesse mesmo ano, a Copa do Mundo de Futebol, na Inglaterra, foi transmitida ao vivo pela primeira vez.

No jornalismo, o Ultra notícias foi substituído em 1966 pelo Jornal da Globo, sem mais vínculo direto com o nome e a ingerência do patrocinador. O novo noticiário era caracterizado por uma maior mobilidade das câmeras e uma linguagem calcada no jornalismo americano, procurando compatibilizar texto e imagem de modo que um reforçasse o outro, ganhando em clareza através da redundância. A preocupação com a qualidade técnica, da abertura e trilha sonora ao uso de som direto e do plano americano, contribuiu para um novo modelo de telejornal.

Além da modernização administrativa e publicitária, a Globo renovou sua apresentação e programação, a começar pela logomarca e passando por uma série de demissões que reformularam o quadro de pessoal. Indicando o acerto da nova fórmula, a audiência média da Globo no Rio de Janeiro passou de 28% em 1965 para 49% em 1968, ano em que nove de seus programas estavam entre os dez mais assistidos e em que a emissora começava, finalmente, a dar lucro. Os diretores, que se orgulhavam de trabalhar sem interferência de Roberto Marinho, passaram a ter também uma participação nos lucros da empresa.

A sociedade milionária com o grupo Time-Life, no entanto, acabou provocando uma campanha negativa de grande repercussão. Já em 1965, o deputado Eurico de Oliveira havia solicitado um inquérito; também Carlos Lacerda fez, na época, denúncias ao ministro da Justiça sobre o acordo com a multinacional. Em 1966, a investigação do caso virou compromisso da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), cujo presidente, João Calmon — um dos condôminos-proprietários dos Diários e Emissoras Associadas, a que pertencia a concorrente TV Tupi —, levou a Câmara dos Deputados a instalar uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar o acordo.

O inquérito apurou que a Globo associara-se ao grupo norte-americano em 1962, na forma de uma sociedade por cotas. Por esse contrato, a Time-Life tinha direito a 30% dos lucros líquidos da TV Globo. Em caso de intervenção governamental, a multinacional poderia rescindir o contrato ou transferir seus 30% de capital para um testa-de-ferro brasileiro. Em setembro de 1966, a CPI Time-Life/Globo concluía que os contratos secretos entre as duas empresas feriam a Constituição, que proibia grupos estrangeiros de interferir na orientação de uma empresa de comunicação. A investigação, no entanto, não teve conseqüências legais para a emissora e, em março de 1967, o governo Castelo Branco declarou infundadas as acusações sobre o caso e arquivou o inquérito. O acordo com a Time-Life foi desfeito em 1969, quando a empresa americana propôs a venda de sua parte na TV Globo. Com um financiamento do Banco do Estado da Guanabara, Roberto Marinho comprou as ações, tornando-se o único proprietário da empresa, que passou então a se chamar Rede Globo.

Em 1966 ainda, Roberto Marinho comprava da Organização Vítor Costa a segunda emissora do grupo, a TV Paulista, que começou a produzir programas também em São Paulo. Com a aquisição de emissoras em Belo Horizonte, em 1968, Brasília, inaugurada em 1971, e Recife, em 1972, a Globo alcançava em pouco tempo uma estrutura de rede.

Folhetins e festivais

A maior parte da programação da Globo foi, desde o início, dedicada ao entretenimento. Procurando garantir a fidelidade do espectador, a emissora optou por investir em novelas diárias. A primeira foi Ilusões perdidas, em 1965. Nos primeiros anos, eram comuns as adaptações de clássicos da literatura e melodramas como os da cubana Glória Magadan, Eu compro essa mulher e O sheik de Agadir, dois sucessos de 1966. Para chefiar a produção da emissora, foi contratado em 1967 José Bonifácio de Oliveira, o Boni, egresso da TV Tupi. Além de continuar a linha dos programas humorísticos, com Chico Anísio, Bibi Ferreira e Moacir Franco, Boni promoveu uma mudança nas novelas, contratando Janete Clair para escrever Sangue e areia. O sucesso da nova autora e a rivalidade criada entre ela e Glória Magadan acabaram levando à demissão da última.

Na esteira do sucesso obtido pela TV Record com seus festivais de música, a Globo criou o Festival Internacional da Canção (FIC), cuja primeira edição foi em 1967. O mais lembrado, contudo, foi o segundo, em 1968, quando o general Sizeno Sarmento avisou à direção da emissora que duas canções inscritas — Para não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré, e América, América, de César Roldão Vieira — não poderiam ganhar, apesar de já terem obtido certificado de censura. Segundo Válter Clark, a Globo decidira não interferir na escolha do júri. Este, não obstante a pressão do público, que torcia por Para não dizer que não falei das flores — que acabou se transformando em um dos hinos contra o regime militar —, declarou vencedora Sabiá, de Tom Jobim e Chico Buarque, cantada pelo Quarteto em Cy sob vaias do público, num Maracanãzinho lotado por 25 mil pessoas. Sofrendo uma vigilância cada vez mais rígida, o festival perdeu prestígio até sua última edição em 1971, quando vários artistas se retiraram do FIC em protesto contra a censura.

Em termos administrativos, a TV Globo sempre caracterizou-se por altas taxas de reinvestimento. Durante os primeiros 14 anos, este chegou a 100% dos lucros, segundo Roberto Marinho. Também se mantinha em dia com o avanço tecnológico, importando todas as novidades do mercado internacional. Tratava-se da empresa mais moderna no ramo das telecomunicações, vertical e centralizada, enquanto as emissoras mais familiares e artesanais enfrentavam dificuldades.

A Globo paulista, no entanto, era motivo de preocupação. Além do desnível técnico em relação à matriz carioca, a programação produzida pelo canal 5 era, segundo os diretores cariocas, “paulista” demais. Atrações como O homem do sapato branco, em que Jacinto Figueira Júnior apresentava conflitos e situações constrangedoras, prejudicavam a imagem que a Globo tentava construir, de um padrão de qualidade insuperável. Em razão da demissão do diretor Roberto Montoro e da transferência do departamento comercial para São Paulo, a segunda emissora voltou a passar por bons momentos, com o sucesso dos programas ao vivo de Derci Gonçalves e Chacrinha e com novelas comoA grande mentira, primeira a atingir altos níveis de audiência em São Paulo. A Globo passava a disputar, também na capital paulista, a liderança da audiência. A cabana do pai Tomás, programada para ser a primeira novela gravada integralmente em São Paulo, foi mais um investimento no mercado local.

Um incêndio nas instalações da Globo em São Paulo, em 1969, iria mudar esses planos. O fogo atingiu os estúdios no mesmo dia de outros dois incêndios, na Record e na Bandeirantes, o que levou Válter Clark a atribuí-lo — em sua autobiografia, publicada em 1991 — a um atentado terrorista, versão que não teria sido divulgada na época para garantir o recebimento do seguro, que excluía a eventualidade de sabotagem. A destruição dos estúdios, contudo, teve seu lado positivo: com o dinheiro pago pelo seguro, quase sete milhões de dólares, a Globo pôde comprar o equipamento de que precisava para completar sua modernização e diminuir a resistência da equipe paulista à centralização definitiva das produções da emissora no Rio de Janeiro. Em São Paulo, permaneceu apenas o Programa Sílvio Santos, que este, como produtor independente, apresentava aos domingos na Globo e às quintas-feiras na Tupi. A audiência do programa de Sílvio Santos era tanta que em 20 de julho de 1969, quando a nave Apolo 11 pousou na Lua, a Globo foi a última emissora a entrar em cadeia com a televisão americana, para não cortar o programa de auditório do apresentador.

A criação do Jornal nacional

A Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel), criada em 1965, começava no fim da década de 1960 a operar via satélite; em 1970, as principais cidades brasileiras foram interligadas por uma rede nacional de microondas, parte do projeto militar de “integração nacional”. Ao todo, os governos militares gastaram cerca de 14 bilhões de dólares integrando o Brasil através das telecomunicações. Antes disso, as “redes” de televisão brasileiras funcionavam recorrendo ao envio de videoteipes para as emissoras filiadas. A TV Globo foi pioneira na instalação de microondas de segunda mão — importadas a baixo custo dos Estados Unidos, onde já estavam sendo substituídas por uma tecnologia mais avançada — para ligar em rede as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

Depois do incêndio em São Paulo, a Globo passou a contratar os serviços da Embratel, cinco vezes mais caros que as microondas de segunda mão, porém mais confiáveis. Para arcar com os custos da rede, a solução foi aumentar os preços da tabela de publicidade, o que determinou, por sua vez, a política expansionista adotada pela Rede Globo de procurar agregar cada vez mais estações afiliadas, que significavam mais audiência para atrair anunciantes. Desse modo, telespectadores de todo o país puderam assistir ao vivo, via satélite, o homem pousando na Lua em 1969. A Copa do Mundo de Futebol de 1970, no México, também foi transmitida ao vivo em rede nacional. A novela Irmãos Coragem, no entanto, no dia seguinte à transmissão da final, uma segunda-feira, cativou audiência maior. A partir de 1969, a Globo seria campeã incontestada da audiência.

No dia 1º de setembro de 1969 foi ao ar o primeiro programa diário de televisão a atingir praticamente todo o território brasileiro: o Jornal nacional. Estrategicamente programado entre duas novelas de grande audiência, com imagens diretas do Rio, São Paulo, Porto Alegre e Curitiba, foi fundamental na política de expansão da emissora, como principal produto e chamariz da rede nacional.

O Jornal nacional marcou uma revolução tecnológica que já tinha sido iniciada pelo Jornal da Globo, com câmeras portáteis que permitiam maior agilidade e uma nova linguagem, inspirada no telejornalismo americano, em que ganhavam espaço o formato, a parte visual e o esmero técnico. Quanto ao conteúdo, a emissora vivia a realidade da censura. Anunciado em sua estréia como “um serviço de notícias integrando um Brasil novo”, o telejornal só pôde mencionar a doença do presidente Costa e Silva — que o levou à morte pouco depois — para dizer que o presidente estava melhor e “se alimentando bem” e anunciar a posse da junta militar que assumira o governo no dia anterior.

No início da década de 1970, o presidente Emílio Garrastazu Médici declarou: “Sinto-me feliz, todas as noites, quando ligo a televisão para assistir ao Jornal [nacional]. Enquanto as notícias dão conta de greves, agitações, atentados e conflitos em várias partes do mundo, o Brasil marcha em paz, rumo ao desenvolvimento. É como tomar um calmante após um dia de trabalho.” De acordo com Armando Nogueira, o recurso ao noticiário internacional era uma maneira de dar informação atualizada e “transparente”, não censurada, ao público, uma vez que em relação aos assuntos brasileiros o Jornal nacional recebia instruções precisas sobre o que deveria ou não sair, e como.

De modo geral, a Globo procurava agradar o governo, prestigiando eventos militares como o Sesquicentenário da Independência e as paradas de 7 de setembro. Também divulgava projetos do governo, como a campanha institucional da Assessoria Especial de Relações Públicas (AERP) da Presidência e a campanha “Diga não à inflação”, com Delfim Neto e Hélio Beltrão. Programas como Amaral Neto, o repórter, que exibia reportagens sobre o Brasil em tom grandioso e nacionalista, procuravam manter o clima sereno entre a emissora e Brasília.

Roberto Marinho, embora favorável ao regime, protegia da ditadura seus funcionários. Antes da proclamação do Ato Institucional nº 2 (AI-2), em 1965, o então ministro da Justiça, Juraci Magalhães, convocou os diretores de jornal e televisão para pedir que expulsassem de suas redações os comunistas. O diretor da Globo declarou que não demitiria nenhum de seus funcionários, garantindo assim o emprego a vários jornalistas de esquerda.

Armando Nogueira, diretor de jornalismo da emissora desde 1967, procurava evitar atritos com os militares. Segundo Nogueira, os noticiosos da emissora, devido a seu alcance, enfrentavam grandes pressões. Por prudência, a Globo contratou dois “assessores militares”, Edgardo Ericsen e o coronel Paiva Chaves, além de outros cinco funcionários em tempo integral, para estabelecer uma ponte e contornar os eventuais problemas com o regime. Assim foi possível, muitas vezes, antecipar-se à censura, especialmente no caso dos telejornais. O cuidado com a censura estendia-se às novelas. Para ler os capítulos que iriam ao ar e identificar os trechos passíveis de censura, a Globo contratou em 1968 um especialista no assunto: José Leite Otati, que fora chefe do Serviço de Censura Pública do Rio de Janeiro durante 25 anos.

Em 1971, mais um incêndio ocorreu nas instalações da emissora, dessa vez no Teatro Globo. Com o dinheiro do seguro, a Globo comprou o Teatro Fênix, com capacidade para 1.500 pessoas e ar-condicionado. No mesmo ano, a empresa entrou também no mercado de discos, criando uma gravadora e editora, a Sigla. Entre seus selos estava a Som Livre, que passou a lançar as trilhas sonoras das novelas, até então gravadas pela Philips. Cinco anos depois, graças ao sucesso das novelas da Globo, a Sigla já respondia por 20% do mercado total de vendas de discos no Brasil.

Em 1971, foi a primeira emissora a criar um departamento de análise e pesquisa para investigar os hábitos e tendências do espectador brasileiro, dirigido pelo sociólogo panamenho Homero Icaza Sanchez. A Globo passou a realizar cerca de dez milhões de entrevistas por ano. Em função dessas pesquisas, a partir de então algumas fórmulas foram rejeitadas — como, durante muito tempo, as minisséries —, novelas foram modificadas e galãs confirmados. Tendo como modelo a bem-sucedida novela Beto Rockefeller, escrita por Bráulio Pedroso para a TV Tupi, a Globo modernizou e abrasileirou as novelas, contratando, entre outros, o próprio Pedroso. Com Selva de pedra, novela de Janete Clair, a Globo atingiu pela primeira vez, em 1972, a marca de 100% de audiência.

A década de 1970 marcou uma mudança na estrutura de programação da emissora. Com o crescimento de uma nova classe média, setores do governo e da imprensa acirraram o volume de críticas aos “baixos níveis” da televisão brasileira. O alvo eram programas populares, como os do Chacrinha e Sílvio Santos. O episódio que destacou o auge das reclamações foi o aparecimento, no fim de 1971, do curandeiro Seu Sete da Lira, que transformou o auditório de Flávio Cavalcanti, na TV Tupi, numa sessão de macumba ao vivo, levando a audiência a disparar. Ainda no mesmo dia, Seu Sete repetiu a dose no programa concorrente, do Chacrinha. Imprensa escrita e governo se uniram numa campanha contra o que se considerou como baixeza dos programas de auditório. Com a pressão, e em busca de uma audiência com maior poder aquisitivo, a Globo começou a “despopularizar” sua programação. Entre outras mudanças, caracterizaram a nova fase o fim dos programas de Chacrinha, Derci Gonçalves e Raul Longras e a opção por novelas mais naturalistas e modernas.

Em 1972, a tecnologia da televisão em cores chegava ao Brasil, inaugurada oficialmente pelo presidente Médici no aniversário do golpe militar, no dia 21 de abril, na Festa da Uva, em Caxias do Sul (RS). Para as emissoras de televisão, a implantação da cor significou um alto investimento em novos equipamentos e no aprendizado das novas técnicas de filmagem. Em 1973, a TV Globo veiculou a primeira novela brasileira colorida: O bem-amado, de Dias Gomes. Para financiar a custosa produção, que incluiu a montagem de uma cidade cenográfica em barra de Guaratiba, a Globo conseguiu o patrocínio da Associação Brasileira da Indústria Nacional Eletro-Eletrônica (ABINEE), interessada na venda dos novos televisores. Em 1973, como parte da programação em cores, estreou também o Fantástico, programa de maior orçamento da emissora. O restante da programação foi, aos poucos, se tornando colorida: depois das novelas das 22 horas, foi a vez, já em 1975, das outras novelas e do telejornalismo. Em 1977, toda a programação era exibida em cores.

O resultado desses investimentos foi, mais uma vez, a aprovação por parte do governo. Em 1973, o ministro das Comunicações afirmava, em pronunciamento, que a Globo havia sido a única emissora a cumprir até então as exigências do governo federal: “A transmissão eletrônica de recreação, informação e educação nas mãos da iniciativa privada, alicerçada numa sólida estrutura de empresa moderna.”

A Globo introduziu pioneiramente na televisão, com a novela Cavalo de aço, de 1973, o uso de merchandising, ou seja, publicidade indireta inserida no próprio programa, e não no intervalo comercial. Na distribuição da verba publicitária gasta no Brasil nessa época, a televisão detinha 53%, os jornais 20%, as revistas 15%, as rádios 8%, outdoors respondiam por 3% dos anúncios e o cinema por 1% de um total de 740 milhões de dólares, o que colocava o mercado nacional de publicidade como o sétimo ou oitavo do mundo. Nesse mercado, a Globo faturava mais do que todas as outras emissoras juntas. Era líder absoluta de audiência, com cinco estações próprias, 16 afiliadas e 13 retransmissoras, veiculando os programas produzidos no Rio de Janeiro. Liderança que começou a preocupar algumas autoridades federais como o ministro das Comunicações Euclides Quandt de Oliveira, que afirmou que um monopólio ensejaria “distorções violentas, e é campo aberto para o abuso do poder econômico”.

Em 1975, estreava a primeira programação totalmente nacional, a mesma para todas as emissoras afiliadas, acabando com a prática de programas específicos para cada região. Além das novelas e noticiários, marcaram a produção da emissora na década de 1970 programas humorísticos como Faça humor, não faça a guerra, de 1974, o Planeta dos homens e Os trapalhões, ambos de 1976.

É ainda no fim dessa década que a Rede Globo começa a investir em serviços de utilidade pública, de cunho social. Criada em 1977, a Fundação Roberto Marinho, entidade de benemerência sem fins lucrativos, passou desde então a atuar principalmente na área da educação, com iniciativas como os telecursos de primeiro e segundo graus, e outros projetos que usam o vídeo e a televisão. “Ciranda da ciência”, que distribui kits de laboratório, e “Nossa biblioteca”, que já arrecadou mais de um milhão de livros para bibliotecas públicas, são outros projetos da Fundação. Também passou a atuar, em parceria com o governo federal ou estadual, em programas como o de Preservação do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional, em sintonia com o Plano Nacional de Cultura do então presidente Ernesto Geisel, colaborando com projetos de restauração e preservação do patrimônio arquitetônico em diversas cidades históricas do Rio e Minas. Programas como o Globo ciência e o Globo ecologia também fizeram parte das iniciativas de utilidade pública da emissora. Em 1978, começou a ser veiculado por 39 emissoras da Globo e TVs educativas, atingindo todos os estados brasileiros, seu produto mais popular: o Telecurso 2º grau, um programa educativo audiovisual produzido conjuntamente pela Fundação Roberto Marinho e Fundação Padre Anchieta. Eram aulas de 15 minutos, em um formato atualizado no fim da década de 1990 como Telecurso 2000.

A divisão de projetos especiais da Globo também foi responsável por diversas campanhas públicas, como “Nordestinos”, em apoio aos flagelados da seca, e “Criança esperança”, lançada pela primeira vez em 1978, anual a partir de 1985, que já ajudou a arrecadar mais de 28 milhões de dólares para o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) aplicar no Brasil.

Da censura à abertura

Como todos os veículos jornalísticos sob a ditadura, os noticiários da Globo ressentiam-se da presença ativa da censura. Notícias sobre eventos considerados delicados pelo governo, como a morte de Carlos Lamarca, provocavam a presença ostensiva de oficiais do Serviço Nacional de Informação (SNI) ou do chefe da polícia, avaliando a cobertura a ser transmitida, e a Globo chegou a ser tirada do ar durante algumas horas, como punição pela leitura de uma nota, no programa de Ibrahim Sued, às 23 horas, sobre a doença do presidente Costa e Silva, um assunto proibido. Na ocasião da morte de Juscelino Kubitschek em 1976, por exemplo, após uma edição extra de três minutos, à tarde, Armando Nogueira recebeu telefonemas da direção da emissora, que transmitia a recomendação das autoridades: no Jornal nacional, a notícia da morte de Juscelino deveria ser dada com menos emoção. O SNI censurava imagens de impacto como as do incêndio do edifício Joelma, em São Paulo, e procurava plantar matérias, como a que teria sido encomendada sobre o filho de um deputado da oposição, em Brasília, preso com uma trouxinha de maconha. Nesse caso específico, Armando Nogueira, diretor do jornal, resistiu à imposição e não deu a notícia.

A censura não se limitava às notícias, mas entrava também no campo do entretenimento. O caso mais sério foi a proibição, a dois dias da estréia, da novela Roque Santeiro, em 1975. Escrita por Dias Gomes, a novela era uma versão televisiva de O berço do herói, uma peça do autor já censurada, sem, no entanto, as referências ao Exército que causaram sua proibição no teatro. Motivados pelo estágio avançado da produção, pois já haviam sido gravados 20 capítulos, com custo de quinhentos mil dólares, 40 artistas e produtores da novela foram até Brasília tentar reverter o veto, mas não obtiveram sucesso; Janete Clair escreveu às pressas Pecado capital, e Roque Santeiro só foi ao ar, com novo elenco, dez anos depois.

Outras novelas censuradas foram Fogo sobre terra, que contava a história de uma cidade destruída por uma represa, e Despedida de casado, cujo tema era o divórcio. A censura também proibiu que os personagens Odorico Paraguaçu e Zeca Diabo, da novela O bem-amado, fossem chamados de “coronel” e de “capitão”. O horário das 22 horas, de temática “adulta”, era o mais visado pela censura. Várias novelas, como Dona Flor e seus dois maridos e A vida como ela é, não saíram da sinopse, proibidas pelos censores.

Em 1976, a Globo transmitia quatro novelas por dia, com 35 minutos cada uma, entre as 18 horas e as 23 horas. Nessa época, 85% do faturamento da Rede Globo provinham dos 60 minutos de anúncios relativos ao horário nobre das novelas e do Jornal nacional, o programa de maior audiência da televisão brasileira, visto por 25 milhões de pessoas, em 35% do território nacional. Eram 2.300 os municípios alcançados pela emissora, 58% dos municípios brasileiros. As novelas eram cuidadosamente testadas, antes e durante a exibição, por pesquisas que sondavam a opinião do público quanto ao argumento e ao destino a ser dado aos personagens. Com o sucesso das novelas, a Globo tornara-se uma grande produtora, responsável por 70% da programação nacional exibida.

No dia 4 de junho de 1976, mais um incêndio na sede da emissora no Rio inutilizou dois dos três andares do prédio, causando prejuízo estimado entre 50 e 80 milhões de cruzeiros. A empresa manteve a estação no ar sem interrupções, gerando de São Paulo, e em 30 horas já conseguira montar uma miniestação geradora na sala antes ocupada por uma filmoteca. O interesse pelo incêndio, que coincidiu com o último capítulo da novela Pecado capital, elevou o índice de audiência da emissora para 90,3%. Totalmente coberta por seguro, a empresa não teve prejuízo.

Desgastado por atritos com Boni e Armando Nogueira, Válter Clark, diretor-geral com carta branca desde 1966, foi demitido em 1977, quando era o executivo mais bem pago da América Latina.

A partir da década de 1970, a Globo ingressou progressivamente no mercado internacional, em que se firmaria como bem-sucedida vendedora de novelas para todo o mundo. Seus primeiros compradores foram a Rádio e Televisão Portuguesa (RTP) e países da América Latina, que adquiriam os programas dublados para o espanhol. Em 1977, a Globo faturou trezentos mil dólares em vendas para o exterior; seis anos depois, já multiplicara essa cifra por 20. Com o sucesso das novelas, a maior parte das produções passou a ser nacional, e a emissora diminuiu gradualmente suas compras de programas importados. Em 1979, ela vendia para 45 países, e seus maiores consumidores eram Iugoslávia e Itália. No início da década de 1990, novelas como Escrava Isaura já eram veiculadas em 52 países.

A Globo continuava procurando adaptar-se ao gosto do “brasileiro nacional”, ou seja, produzir uma programação que fizesse sucesso de um extremo ao outro do país. O caráter cada vez mais nacional das novelas dessa fase foi uma das conseqüências, bem como a experimentação em todos os setores da dramaturgia. Em 1979, começou a produzir e transmitir as “Séries brasileiras”, episódios de 55 minutos que procuravam se aproximar da realidade brasileira por meio de temas escolhidos depois de um ano de pesquisa junto aos telespectadores. Entraram no horário noturno das 22 horas, abordando assuntos como inundações, posseiros e prostituição, em Carga pesada; feminismo, separação e aborto, em Malu mulher; e crimes, jornalistas e policiais em Plantão de polícia.

No final da década de 1970, a censura interna da Globo já era maior que a oficial. Greves, por exemplo, ficavam relegadas aos jornais locais, de menor peso político. O movimento sindicalista que surgiu entre os metalúrgicos de São Paulo, liderado por Luís Inácio Lula da Silva, foi fortemente censurado. O departamento de telejornalismo da emissora seguia a recomendação do governo militar de fazer uma cobertura leve e sem som ambiente. Segundo Armando Nogueira, então diretor de jornalismo, só podiam ser entrevistados os líderes patronais; os líderes sindicais não iam ao ar. Segundo Lula, a Globo divulgava dados errados sobre a greve, omitindo o número real de participantes e as deliberações em curso. Um documentário produzido dentro da emissora sobre os tumultos e os novos sindicatos não chegou nem mesmo a ser submetido à diretoria: foi censurado no nível da chefia de jornalismo.

Em 1980, o governo de João Batista Figueiredo cassou a concessão de todos os canais da TV Tupi, por corrupção financeira e dívidas com a previdência social. Os canais foram distribuídos para duas novas redes de televisão: o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), de Sílvio Santos, e a Rede Manchete, de Adolfo Bloch. Justificando as concessões, Figueiredo admitiu a existência de monopólio na televisão brasileira. Ao citar nominalmente a TV Globo, disse que “Roberto Marinho tem o monopólio não porque deseja, mas porque as outras redes não dispõem de condições para disputar com ele”.

Em 1982, a TV Globo transmitiu com exclusividade o programa semanal O povo e o presidente, com o presidente João Figueiredo. Inicialmente, o programa era exibido às 22:15h de domingo, horário nobre; com as baixas taxas de audiência, o programa acabou sendo transferido para as 23:30h de quarta-feira e, por fim, foi eliminado da programação.

Nas eleições para governador de 1982, no Rio de Janeiro, a TV Globo protagonizou as denúncias de fraude que acabaram determinando a recontagem dos votos. Durante os três primeiros dias da apuração, os dados da Proconsult, empresa de computação contratada pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE), apontavam a vitória do candidato Moreira Franco, do Partido Democrático Social (PDS). As pesquisas divulgadas pela Rede Globo também mostravam Franco na frente. A emissora reproduzia, por medida de economia, os resultados do jornal O Globo, que vinha divulgando mais lentamente os dados e começara pelas urnas do interior; isso explicaria, segundo Armando Nogueira, a discrepância entre estes resultados e as pesquisas de intenção de voto feitas anteriormente por Homero Sanchez, diretor do departamento de pesquisas da emissora, que indicavam a vitória de Leonel Brizola, candidato do Partido Democrático Trabalhista (PDT).

Alertado pelo próprio Sanchez sobre a possibilidade de fraude eleitoral, Brizola denunciou o fato, e conseguiu que fosse feita a recontagem. Em conseqüência, o pedetista foi o último governador diplomado. Seguiu-se a demissão de Sanchez, responsável por interpretar para a direção da emissora os dados do IBOPE. A divisão de pesquisa, que tinha 22 funcionários e chegara a gerir verbas superiores a dois milhões de dólares, foi rebaixada e subordinada ao departamento de mercadologia.

Em 1984, o país viveu o ápice da campanha das diretas, que reivindicava o restabelecimento de eleições diretas para a presidência da República, desencadeada no final do ano anterior. Ignorando-a inicialmente, a Globo dava pouco espaço, nos noticiários, aos grandes comícios e passeatas que impulsionaram a campanha. O comício da praça da Sé de São Paulo, em janeiro, recebeu uma cobertura de poucos flashes que apenas mostrava artistas, caracterizando o evento como uma comemoração do aniversário da cidade e desprezando a presença de dez governadores de estado.

Com o crescimento da adesão popular ao movimento, reforçado por uma pesquisa, encomendada pela própria emissora, que dava conta da insatisfação dos telespectadores com a cobertura, a Globo passou a noticiar todas as manifestações pró-diretas, culminando no comício da Candelária, no Rio de Janeiro. O evento final da campanha recebeu flashes durante todo o dia, desde a chegada dos primeiros manifestantes até o final do comício, e farta cobertura em todos os telejornais. No dia da votação da emenda pelas eleições diretas, apresentada pelo deputado Dante de Oliveira, o governo proibiu os veículos de comunicação de transmitirem a votação. No Jornal da noite da Globo, o humorista Jô Soares, em protesto contra a censura, guardou um minuto de silêncio, transmitido pela emissora para todo o país, num sinal oportuno de rompimento com o regime.

Com a não aprovação da emenda, o noticiário político centrou-se na disputa eleitoral entre Paulo Maluf e Tancredo Neves pela presidência. Candidato moderado da oposição, Tancredo agregou em favor de sua candidatura setores do governo descontentes com a opção do PDS pela candidatura mais conservadora, preterindo Aureliano Chaves e Mário Andreazza. Ainda que a eleição fosse indireta, a campanha da Aliança Democrática, coalizão que lançou Tancredo, mobilizou o apoio maciço dos meios de comunicação, destacando-se a atuação da Rede Globo. A emissora reformulou o Jornal da Globo, em que se concentrou a cobertura política, embora o Jornal nacional também desse amplo espaço aos grandes comícios, que se beneficiaram da mobilização popular iniciada com as diretas. O noticiário das 23 horas, apresentado por jornalistas e recorrendo a comentaristas especializados e humoristas, passou a ser mais opinativo, reforçando a imagem negativa de Maluf e as qualidades do “candidato das diretas”. Alimentando ainda mais a pressão popular sobre o Colégio Eleitoral, a Globo propôs e realizou também o primeiro debate entre candidatos a presidente a ser transmitido ao vivo, nacionalmente.

Tancredo venceu por maioria esmagadora, numa votação transmitida ao vivo e realizada com ampla cobertura em favor do candidato das oposições. Horas depois de sua eleição, Tancredo almoçava com Roberto Marinho e Antônio Carlos Magalhães, que seria seu ministro das Comunicações. Antes de tomar posse, no entanto, Tancredo adoeceu e, em pouco mais de um mês, foi operado duas vezes, piorando gradativamente até morrer, no processo mais noticiado da imprensa brasileira, com equipes de televisão e rádio em plantão permanente e flashes ao vivo durante a programação. O porta-voz do presidente eleito, Antônio Brito Filho, que durante todo o período de doença de Tancredo Neves apareceu diariamente diante das câmeras para informar sobre seu estado de saúde, havia sido nos seis anos anteriores repórter, comentarista político e diretor da TV Globo, iniciando, posteriormente, bem-sucedida carreira política que o levou, inclusive, ao governo do estado do Rio Grande do Sul.

Em lugar de Tancredo Neves, tomou posse seu vice-presidente, José Sarney. Durante o governo Sarney, com Antônio Carlos Magalhães como ministro das Comunicações, a Globo comprou a NEC do Brasil, um dos principais fornecedores de equipamentos de telecomunicações do governo brasileiro. Acusado de desfalque pela matriz japonesa, o proprietário anterior da NEC e da financiadora Brasilinvest, Mário Garnero, viu o governo suspender encomendas e pagamentos e, sem seu principal cliente, acabou vendendo a empresa às Organizações Globo por menos de um milhão de dólares, além de transferências de ações. Com o conseqüente restabelecimento das encomendas e pagamentos por parte do governo, a NEC do Brasil passou a valer, segundo avaliação dos próprios japoneses, 350 milhões de dólares. Na mesma época, Roberto Marinho encerrou o contrato da TV Aratu, que durante 18 anos retransmitira a Globo em Salvador. A TV Bahia, de propriedade de parentes e amigos de Antônio Carlos Magalhães, foi escolhida como nova emissora da Globo.

A Rede Globo comprou também, em 1985, a emissora italiana Telemontecarlo, passando a transmitir no país europeu uma programação de telejornais e esportes com formato semelhante ao da matriz brasileira. Era um dos resultados de uma política de expansão iniciada com a criação em 1980 da divisão internacional. A concorrência na Itália, porém, era acirrada; só no ano de 1987, Sílvio Berlusconi, o maior empresário italiano de telecomunicações, moveu cerca de cem processos contra a Telemontecarlo, que chegou a ter suas transmissões suspensas. Em janeiro de 1994, pouco antes de Berlusconi tornar-se primeiro-ministro do país, a Globo vendeu sua participação de 49% para o principal sócio, o Grupo Ferruzzi, que já controlava 51% do capital. Prejudicada pela queda da receita de publicidade de 140 bilhões de liras italianas para 80 bilhões, pela desvalorização da lira em 50%, pela recessão geral na Europa e pela crise política na Itália, a Telemontecarlo ainda enfrentava a concorrência da Radio Televisione Italiana (RAI), poderosa rede estatal de televisão. Entre 1991 e 1993, sua audiência não passou de 2,5%, e a emissora fechou o ano com prejuízo de 35 milhões de liras.

A partir de 1985, a Rede Globo introduziu em suas novelas o que chamou de “merchandising social”, incluindo nas tramas da ficção informações consideradas de utilidade pública, a respeito de temas como a igualdade de direitos entre os sexos e a relação entre crescimento populacional, desenvolvimento e planejamento familiar. Em 1993, por exemplo, o Plano de Combate à Fome e à Miséria, liderado pelo sociólogo Herbert de Sousa, o Betinho, receberia este tipo de apoio: a novela Renascer incluiria cenas abordando a questão da fome e fazendo referência direta ao projeto de Betinho.

No final da década de 1980, as freqüências para rádio e televisão no Brasil se encontravam loteadas entre 3.189 emissoras. Somente entre 1985 e 1988, o presidente Sarney outorgou mais de 90 novas concessões de rádio e TV, a maior parte por critérios políticos, com vistas à extensão do mandato presidencial na Assembléia Nacional Constituinte.

Na mesma época, começou a corrida pelas concessões para canais a cabo e por assinatura. Esse novo filão só começou a ser explorado quando o governo Sarney, em fevereiro de 1988, outorgou concessões para 101 empresários, entre os quais Roberto Marinho. Embora o artigo 223 da Constituição estabelecesse que o Congresso deveria apreciar todas as concessões e renovações de “serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens”, o governo considerou os canais a cabo um serviço fechado de natureza privada, e não um serviço público, e outorgou diretamente as concessões.

Durante as décadas de 1970 e 1980, a Globo recebeu vários prêmios internacionais pela qualidade de seus programas. Do International Council da National Academy of Television, Arts and Sciences, dos Estados Unidos, recebeu três prêmios Emmy: em 1976, a Roberto Marinho, como Homem de Destaque da Televisão; em 1981, para o musical infantil Vinícius para crianças: arca de Noé I; e em 1982, para a minissérie Morte e vida severina. Em 1980, a mesma instituição concedeu à Globo o Prêmio Salute, devido à qualidade de seus programas. A novela Dancing days, de 1978, recebeu da crítica italiana o Prêmio Asa de Ouro do Sucesso. O programa infantil Sítio do picapau amarelo, veiculado de 1977 a 1985, foi considerado pela UNESCO em 1979 o melhor programa infantil do mundo. Também receberam prêmios internacionais, entre outros, o especial Lampião e Maria Bonita e o documentário Amazônia, a pátria da água.

A eleição de 1989

A candidatura vitoriosa de Fernando Collor de Melo nas eleições presidenciais de 1989, as primeiras diretas depois do regime militar, derrotando importantes líderes políticos tanto tradicionais quanto progressistas, teve na Rede Globo um de seus aliados de peso. Como governador de Alagoas, Collor, que se apresentava como uma liderança moderna e moralizadora, já obtivera cobertura positiva em boa parte da imprensa escrita. Na Globo, o jovem “caçador de marajás” concedeu entrevistas ao Fantástico antes mesmo de lançar sua candidatura, coroando uma estratégia agressiva de marketing com que o governador vinha promovendo sua imagem. Em abril de 1989, Collor alcançou o topo das pesquisas de intenção de voto.

Como em outras ocasiões, as novelas veiculadas pela Globo no período que antecedeu as eleições trouxeram argumentos e personagens com implicações políticas. Foi o caso, em 1989, de Que rei sou eu, uma comédia sobre um reino corrupto e decadente moralizado por um herói corajoso, e O salvador da pátria, que também satirizava os políticos tradicionais.

Em agosto, Roberto Marinho declarou publicamente seu apoio a Collor, que manteve a liderança e venceu o primeiro turno, sem participar do debate entre os presidenciáveis promovido pela Rede Bandeirantes de Televisão. Entre os dois turnos, a candidatura de seu concorrente, Lula, voltou a ganhar fôlego, ameaçando a liderança de Collor. O último debate do segundo turno, organizado pela Globo no dia 14 de dezembro, foi transmitido ao vivo, à noite, no último prazo permitido para campanha eleitoral na televisão, dois dias antes da eleição. Uma primeira edição do debate apareceu no Jornal hoje do dia seguinte, realizada pela própria equipe do telejornal. A equipe que preparou a matéria que iria ao ar à noite no Jornal nacional, na véspera das eleições, não pôde usar a edição já feita: teve que seguir um roteiro fechado da direção da emissora, determinando os trechos que deveriam aparecer. O resultado final era claramente favorável a Collor, que ganhou um minuto e 12 segundos a mais que Lula e teve mostrados seus melhores momentos. A Globo também optou por não divulgar a última pesquisa do IBOPE, que apontaria uma vantagem de dois pontos percentuais de Lula sobre Collor, gerando protestos de profissionais da própria emissora em frente à sua sede.

Roberto Marinho, em entrevista concedida ao Jornal da Tarde em abril de 1992, reconheceria o favorecimento: “Sim, nós promovemos a eleição do Collor e eu tinha os melhores motivos para um grande entusiasmo e uma grande esperança de que ele faria um governo extraordinário”, afirmou. A parcialidade na cobertura da eleição de 1989 deu origem à lei que obrigou as emissoras, nas eleições seguintes, a darem o mesmo tempo nos noticiários para todos os candidatos.

O comportamento político da Central Globo de Jornalismo, embora chefiado por Armando Nogueira, passara a ser comandado diretamente por Alberico de Sousa Cruz, mais simpático a Collor. Incomodado, Nogueira tentou destituí-lo de algumas funções, como o acabamento do Jornal nacional. Esbarrou na negativa de Roberto Marinho, que o convidou para ser seu assessor pessoal. O jornalista não aceitou, consumando sua transferência para uma diretoria de esportes separada do jornalismo, e a indicação de Sousa Cruz, em abril de 1990, um mês depois da posse de Collor, para a chefia oficial da Central de Jornalismo.

No início da década de 1990, a Globo contava com cerca de 15 mil funcionários, incluindo cerca de quinhentos atores e escritores, tamanho quase equivalente ao da inglesa BBC. Segundo um comercial internacional da emissora, com suas cinco estações e 63 afiliadas, a Globo cobria “99,2% do território brasileiro, atingindo 99,9% dos aparelhos de televisão do país. Nos últimos cinco anos, a audiência da Globo foi de 78%. Produzimos 95% de nossa programação no horário nobre e podemos contar com 75% do orçamento publicitário de mídia nacional”. A TV Globo concentrava, de fato, fatia considerável do mercado publicitário brasileiro, que destinava 50% da verba nacional, o equivalente a dois bilhões de dólares, à propaganda em televisão.

A Globo gastava, nessa época, cerca de 40% de seu orçamento em telejornalismo, com noticiários de manhã, na hora do almoço e à noite, além de um programa semanal de grandes reportagens, o Globo repórter. A emissora tinha sucursais em Londres e Nova Iorque, e cerca de dois mil jornalistas profissionais. As emissoras afiliadas eram obrigadas por lei a produzir um noticiário local. Quanto ao restante da programação, limitavam-se a repetir, geralmente, a emissora carioca.

Em 1991, a empresa recebeu o Prêmio Contribuição Empresarial à Comunidade. Em parceria com o Serviço Social da Indústria (Sesi), a Globo passou a manter, a partir de 1991, a Ação Global, oferecendo às comunidades carentes assistência jurídica, obtenção de documentos e informações sobre saúde. Ainda dentro da linha de utilidade pública, destacava-se o Globo Serviço, um selo permanente para a criação de peças de campanha nas áreas de educação e saúde, com temas como a amamentação ao seio, segurança no trânsito, vacinação, violência familiar e prevenção da AIDS, entre outros.

A liderança da audiência, entretanto, já não era absoluta. A concorrente Rede Manchete conseguiu superá-la pela primeira vez com a cobertura exclusiva do carnaval de 1984 e de novo em 1990, com a novela Pantanal. No fim da década de 1990, os principais concorrentes ao segundo lugar na audiência passaram a ser o SBT e a TV Record.

Entre agosto e setembro de 1992, com o desenrolar da CPI da Corrupção, que iria provar o envolvimento de Collor no esquema montado pelo tesoureiro de sua campanha, Paulo César Farias, a Rede Globo deixou gradativamente de apoiar o presidente. Com uma cobertura tímida do início das denúncias até a leitura do relatório final da CPI, o Jornal nacional passou a cobrir a partir daí todos os detalhes do processo, culminando com a transmissão ao vivo da votação do impedimento presidencial, no dia 29 de setembro de 1992. A minissérie Anos rebeldes — veiculada durante esse período e ambientada durante a luta contra o regime militar, com grandes manifestações da oposição, o movimento estudantil e a luta armada — foi uma das inspirações da grande manifestação dos “caras-pintadas”, promovida pela União Nacional dos Estudantes (UNE) em prol do afastamento do presidente. Os estudantes, pintados de verde e amarelo, entoavam, entre outros hinos, Alegria, alegria, canção de Caetano Veloso de 1968, tema de abertura da minissérie.

Em 1993, as Organizações Globo se associaram ao empresário Antônio Dias Leite e à Rede Brasil Sul de Comunicações (RBS), da família Sirotsky, para criar a NET Brasil, primeira multioperadora de sistemas de TV por assinatura, com grande captação de recursos externos: cerca de setecentos milhões de dólares nos primeiros cinco anos, passando a oferecer compra de programação nacional e estrangeira, equipamentos e assessoria de instalação e operação. O mercado brasileiro de televisão paga, por cabo ou satélite, expandiu-se nesse período para cinco empresas, e 1,5 milhão de domicílios conectados. A GloboSat, criada no mesmo ano, foi a primeira programadora brasileira de TV por assinatura, e já em 1995 contava com 150 mil assinantes e cerca de meio milhão de espectadores em todo o país, exibindo, entre outros, um canal exclusivo de notícias, a GloboNews.

Ainda em 1993, Roberto Marinho interferia junto ao governador Luís Antônio Fleury Filho para que deixasse de ser exibido no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo, o vídeo Brazil: beyond citizen Kane (Brasil: além do cidadão Kane), um documentário exibido na televisão inglesa sobre o poder da Globo no Brasil.

Em abril de 1994, ano de eleições gerais, a Rede Globo aprovava norma interna proibindo “quaisquer referências à campanha eleitoral ou a partidos, bem como entrevistas com candidatos e políticos, nos programas de entretenimento”. No caso de programas ao vivo, a emissora passou a exigir que os convidados não contratados da casa assinassem um documento declarando estarem cientes da proibição. As novelas, no entanto, acompanhavam as mudanças no cenário político brasileiro. A desqualificação dos políticos e do Estado presente na novela Renascer, de 1993, deu lugar à valorização do candidato preparado e com estudo na novela Fera ferida, de 1994, e ao otimismo e confiança no país enfatizados por Pátria minha, também em 1994.

O sucesso do Plano Real, lançado em julho, que logrou estabilizar a moeda e reduzir a inflação a níveis mínimos, foi o grande responsável pela popularidade e eleição de Fernando Henrique Cardoso, ministro da Fazenda responsável pela implementação do real e candidato a presidente na coligação do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) com o Partido da Frente Liberal (PFL). Embora a cobertura dos candidatos em campanha, em termos de tempo, tenha sido relativamente equilibrada, o destaque dado ao Plano Real e suas conseqüências benéficas, presentes diariamente nos noticiários da emissora, eram favoráveis ao candidato Fernando Henrique, que venceu o pleito já no primeiro turno, com ampla margem de votos.

Ainda durante a campanha, em setembro, diálogo informal entre o novo ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, e o jornalista Carlos Monforte, da TV Globo, enquanto aguardavam o início da gravação de uma entrevista do ministro para o Jornal da Globo, vazou acidentalmente, captado por antenas parabólicas. Entre outras coisas, o ministro afirmava não ter escrúpulos de usar eleitoralmente, em favor do ex-ministro e então candidato Fernando Henrique Cardoso, a divulgação de indicadores econômicos favoráveis. “O grande eleitor dele sou eu”, dizia Ricupero, afirmando em seguida que “para a Rede Globo foi um achado: (...) em vez de ter que dar apoio ostensivo a ele, bota a mim no lugar e ninguém pode dizer nada”, no que chamou de “solução indireta”. A repercussão do caso forçou o ministro a pedir demissão. No Jornal nacional, a Globo exibiu trechos editados da conversa, omitindo as referências à própria emissora, e enfatizando as desculpas pedidas logo em seguida pelo ex-ministro.

O aniversário de 30 anos da TV Globo em 1995 foi muito comemorado no meio político. Em abril, tanto a Câmara como o Senado realizaram sessões comemorativas dos 30 anos da Rede Globo. Deputados e senadores de todos os partidos, menos do PDT, ressaltaram o papel da emissora na difusão da cultura brasileira e na consolidação do regime democrático, tecendo elogios a Roberto Marinho. Ao jantar oferecido por Marinho para comemorar a data, em maio, compareceram os senadores José Sarney e Antônio Carlos Magalhães, o governador de Sergipe, Albano Franco, e proprietários, respectivamente, da TV Mirante, TV Bahia e TV Sergipe, afiliadas da Rede Globo.

No mesmo ano, a Globo inaugurou o Projeto Jacarepaguá (Projac), maior centro de produção televisiva da América Latina e o mais moderno do mundo. A emissora gastou 80 milhões de dólares — 60 em instalações e 20 em equipamentos — para montar, em um terreno de 1,3 milhão de metros quadrados, um complexo com cinco estúdios, auditório, fábrica de cenários e figurinos, ilhas de edição e módulos de produção, além das cidades cenográficas que já funcionavam ali.

A Globo voltou a fazer mudanças em sua direção de jornalismo em 1995: saiu Alberico de Sousa Cruz, substituído por Evandro Carlos de Andrade, que para assumir o cargo deixou a direção de redação do jornal O Globo. Segundo Andrade, a intenção da emissora era fazer um jornalismo mais “impessoal”: “A orientação exclusiva era praticar um jornalismo isento, independente, um jornalismo que não levasse em conta nenhum interesse, nem os da Rede Globo, nem pessoais do dr. Roberto.” A direção da emissora declarava-se insatisfeita com o tom oficialista do noticiário, com poucos “furos” jornalísticos. O chefe da sucursal de Brasília, Alexandre Garcia, que segundo a direção ganhara o estigma de “porta-voz do governo”, também mudou de função. Além disso, a Central de Jornalismo passou a ser diretamente subordinada a Roberto Irineu Marinho, vice-presidente executivo, não passando mais pelo controle do vice-presidente de operações, o Boni.

Novelas passadas em diferentes estados do país contaram, em diversas ocasiões, com o apoio financeiro dos governos locais. Foi assim que em 1994 o então governador do Ceará, Ciro Gomes, pagou setecentos mil dólares para que a novela Tropicaliente fosse filmada no estado. Em outubro de 1995, a Globo recebeu 1,2 milhão de reais da prefeitura de São Paulo para organizar e transmitir, durante três horas da programação dominical e em rede nacional, a íntegra da I Maratona Internacional de São Paulo, apresentada como parte da programação esportiva. O trajeto de 42 quilômetros passava junto de nove das principais obras inauguradas pelo então prefeito da cidade, Paulo Maluf.

A série Decadência, escrita por Dias Gomes e veiculada pela Globo em 1995, foi um dos episódios da rivalidade crescente entre a Globo e a Record, emissora controlada desde 1989 por Edir Macedo, bispo da Igreja Universal do Reino de Deus. Contava a história do enriquecimento ilícito do bispo de uma igreja evangélica criada por ele mesmo, que acabava preso. O personagem teria sido inspirado em Macedo; algumas de suas falas eram reproduções textuais de uma entrevista do bispo à revista Veja. Como resposta à série, a Record começou a atacar as organizações de Roberto Marinho em debates entre pastores e ex-funcionários da Globo. A animosidade entre a Globo e Edir Macedo começou em 1990, quando um programa da série Globo repórter mostrou obreiros da Igreja carregando sacos de dinheiro doados pelos fiéis da Universal no Maracanã. Os pastores começaram a aconselhar os fiéis, nos cultos, a não sintonizar a rede “diabólica”. A Globo também exibiu, no Fantástico, um vídeo mostrando o momento em que o pastor convencia os fiéis a entregarem todo seu dinheiro.

No dia 12 de outubro de 1995, o bispo Sérgio von Helder, da Igreja Universal, apresentador da Record, criticando os católicos por adorarem imagens, chegou a chutar uma imagem de Nossa Senhora da Aparecida. A Globo deu ampla cobertura ao acontecimento, embora a CNBB diminuísse a importância do episódio. Em janeiro de 1996, a Globo transmitiu mais um vídeo, dessa vez flagrando Edir Macedo enquanto ensinava como pedir dinheiro, o que acabou causando a abertura de inquéritos contra a Igreja.

No fim de 1995, a Globo associou-se às americanas News Corporation, TCI2 e à mexicana Televisa para oferecer serviços de televisão por satélite na América Latina, através de um sistema que permitia o recebimento de até cem canais por meio de antenas parabólicas. Outra parceria internacional, no mesmo ano, juntou as Organizações Globo, o Bradesco e a americana AT&T para explorar o mercado de telefonia celular e transmissão de dados sem fio.

A Rede Globo sempre investiu em audiência, procurando descobrir os formatos e programas preferidos do público. As novelas, por exemplo, sempre foram um gênero “interativo”, uma vez que a trama era modificada, e personagens eram eliminados ou tinham sua participação aumentada em função dos resultados de pesquisas de opinião. Em 1993, a emissora modernizou seus métodos de pesquisa, adotando equipamento computadorizado que permitia a cem telespectadores darem sua opinião sobre os assuntos do Fantástico ao mesmo tempo em que assistiam ao programa. Ainda nessa década, o formato do programa Você decide, em que o espectador escolhe por telefone, entre duas ou três opções, o final que prefere para a trama, foi vendido para vários países. A sessão de filmes Intercine, duas vezes por semana, convocava o espectador a escolher, por telefone, entre as opções oferecidas, o filme para a sessão seguinte.

A emissora produzia, em 1996, 4.420 horas anuais de programas, sendo a maior produtora de programas de televisão do mundo. Em 1997, mais uma mudança administrativa: José Bonifácio de Oliveira Sobrinho deixou a vice-presidência de operações da emissora, continuando a assessorá-la, no entanto, como consultor privado. Na prática, isso significou uma concentração de poder ainda maior na figura da superintendente executiva, Marluce Dias da Silva. Em 1998, o sinal da Rede Globo chegava a 99,84% dos 5.043 municípios brasileiros. A maior parte da programação era produzida no Brasil, e exportada a 130 países. De cerca de seus oito mil funcionários, mais de quatro mil estavam diretamente envolvidos na criação e produção dos programas. Além da sede e estúdios no Rio e escritórios em São Paulo, o grupo Globo tinha ainda escritórios em Londres e Nova Iorque.

O padrão asséptico deu a tônica na cobertura política das eleições de 1998, em que o presidente Fernando Henrique Cardoso disputou a reeleição contra Lula. Até a semana que antecedeu as eleições, em 3 de outubro, o Jornal nacional limitou-se a divulgar as pesquisas de intenção de votos realizadas pelo Ibope. Memorando interno denominado “Regras das eleições 98”, assinado por Roberto Irineu Marinho, afirmava que “nossa palavra-chave é a isenção” e que, como muitos ocupantes de cargos executivos eram candidatos à reeleição, as solenidades de inauguração de obras públicas seriam cobertas “com foco exclusivo na importância das obras e reduzindo-se ao mínimo a presença das autoridades”.

A luta das duas segundas colocadas — o SBT de Sílvio Santos e a Record do bispo Macedo — pelos índices de audiência, bem como a migração do público mais sofisticado para o jornalismo dos canais a cabo — entre os quais a própria Globo se destacava com sua Globonews — forçaram a emissora, no final de década de 1990, a popularizar sua programação. O Jornal nacional, que na década de 1980 detinha cerca de 60% da audiência, começou a de 1990 na faixa dos 50 pontos, perdendo público progressivamente até chegar próximo dos 40% em 1998. Para reconquistar público, o noticiário passou a se concentrar em temas amenos, ecológicos, notícias internacionais e tragédias de apelo emocional, dedicando cada vez menos espaço à cobertura explícita da política. Em vez da cobertura “de gabinete”, nos termos do diretor de jornalismo da emissora, Evandro Carlos de Andrade, as novas diretrizes da emissora apontavam, justamente, para a interatividade e o jornalismo de utilidade pública, centrado “não só na presença do povo, mas no contato dele com as autoridades, para que tenha respostas imediatas”. Exemplo dessa nova linha foi o programa Linha direta, estreado em 1999, que apresentava a reconstituição de crimes não resolvidos, com depoimentos das vítimas e explicações das autoridades, divulgando telefone para que os telespectadores pudessem ajudar a resolver o caso.

Apesar do aumento da competição no setor de televisão aberta, tendência que se manteve na primeira década do Século XXI, o prestígio e a influência da Rede Globo de Televisão mantiveram-se em alta. Exemplo disso se deu em dezembro 2008, com a supremacia da rede nas pesquisas sobre prestígio de marca. A Globo manteve seu primeiro lugar entre as emissoras de televisão abertas, com ampla vantagem sobre a segunda colocada, a Rede Record, de acordo com sondagem realizada pela Troiano Consultoria de Marca e pelo Instituto Qualibest.

Em abril de 2009, a Rede Globo apresentou sua nova grade de programação e anunciou a expectativa de crescimento da emissora para aquele ano, em torno de 8%. Ainda em 2009 a novelaCaminho das Índias”, exibida no horário nobre da programação, foi agraciada, na categoria novela, com prêmio inédito do International Emmy Awards, mais prestigiosa premiação do gênero.

Além das empresas ligadas diretamente ao setor de comunicação de massa e produção cultural, os demais empreendimentos da Globo eram geridos através da holding Globo Participações Ltda., Globopar. Entre suas principais empresas, seja com controle integral ou associada a terceiros, destacaram-se a NEC, fabricante de equipamentos de telecomunicações, em associação com a NEC Corporation do Japão, segunda maior indústria de telecomunicações na América Latina; a Victori Comunicações, prestadora de serviços de consultoria, engenharia e transmissão de dados via satélite, em sociedade com a italiana STET, o grupo Bradesco e a Vicom; Roma DTVM, distribuidora de títulos e valores mobiliários; ABC Roma, um banco múltiplo, associado ao Arab Bank Corporation; e a incorporadora São Marcos, administradora de imóveis. A Globopar também era proprietária e administradora de shopping centers e do Hotel Rio Atlântica, no Rio de Janeiro; da Inbasa, indústria de produtos alimentícios; e de fazendas num total de mais de 56 mil hectares.

 

 

 

Alessandra Aldé

FONTES: ALMEIDA FILHO, H. O ópio; ANHAIA MELO, G. Muito além; ARRUDA, L. R. O vôo; CARVALHO, E. Anos 70; CLARK, V. O campeão; DANIEL FILHO. Antes; Estado de S. Paulo; FEDERICO, M. E. B. História; Folha de S. Paulo; GLEISER, L. Além da notícia; Globo; GUIMARÃES, C. & VIEIRA, R. A televisão; HERTZ, D. A história; INF. Armando Nogueira e Evandro Carlos de Andrade; Jornal do Brasil; LIMA, V. & GUAZIMA, L. Política eleitoral; MATOS, S. Um perfil; ORTIZ, R. Telenovela; PORTO, M. Telenovelas; REDE GLOBO. 15 anos; REDE GLOBO. Organizações Globo; REDE GLOBO. Rede Globo 30 anos; SIMÕES, I. Um país no ar; Veja; Portal M&M Online (http://www.mmonline.com.br; acessado em 20/12/2009).