PLANO VERÃO

PLANO VERÃO

 

Conjunto de medidas econômicas destinadas a controlar a inflação lançadas em 14 de janeiro de 1989 pelo então ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega. O Plano Verão foi a terceira tentativa de combate à inflação empreendida pelo governo José Sarney (1985-1990). As duas primeiras, os planos Cruzado (1986) e Bresser (1987), fracassaram por atacar exclusivamente os mecanismos de propagação da inflação, sem obter apoio político para enfrentar o problema do déficit público.

O Plano Cruzado baseara-se na concepção de que a inflação brasileira era inercial, e não causada pelo financiamento do déficit público através de expansão monetária. Este diagnóstico revelou-se um equívoco, decorrente de uma confusão entre os conceitos de inércia inflacionária e inflação inercial. O fenômeno da inércia inflacionária caracteriza-se pela tendência da velocidade de elevação dos preços a perpetuar-se, em virtude de mecanismos de indexação que corrigem automaticamente diversos preços — como salários, tarifas públicas e taxa de câmbio — com base na taxa de inflação passada. Em todo processo inflacionário há um certo grau de inércia que, freqüentemente, mantém a inflação em nível superior ao necessário para financiar o déficit público; mas o que caracteriza uma inflação como (puramente) inercial é a permanência de inflação na ausência de desequilíbrio fiscal.

Tanto no momento do lançamento do Plano Cruzado quando do Plano Bresser, a inércia inflacionária era certamente um componente substancial da inflação; mas não se tratavam de situações de inflação inercial, pois, no lançamento de ambos os planos, não apenas o déficit público não fora previamente eliminado, como nada indicava que o seria no futuro. Baseado na experiência do Cruzado, o Plano Bresser vislumbrava uma preocupação com o descontrole fiscal que, entretanto, não se transformou em austeridade de fato. O fracasso do Plano Bresser mostrou que para se eliminar a inflação não bastariam apenas medidas destinadas a eliminar a indexação generalizada da economia, mas uma solução definitiva para o recorrente déficit público.

Ao final de 1987, após dois planos fracassados pelo descontrole fiscal e diante do espectro do seu agravamento, o governo Sarney não conseguia sequer atrair nomes de vulto para ocupar as principais pastas ministeriais. Os tradicionalmente cobiçados ministérios do Planejamento e Fazenda foram entregues a João Batista de Abreu e Maílson da Nóbrega, conceituados funcionários de carreira. Ao tomar posse em 18 de dezembro de 1987, Maílson anunciou uma estratégia que pode ser resumida em uma palavra: prudência. A meta não era mais reduzir a inflação, que atingira 14% naquele mês, mas impedir que ela continuasse a subir, contendo-a abaixo de 20%. Ao invés de choques heterodoxos, planejava-se uma redução gradual do déficit público, com recomposição das tarifas públicas; manter a taxa de câmbio em nível realista, em vez de congelá-la. Em 3 de janeiro foi declarado o fim da moratória dos juros da dívida externa. Por rejeitar inovações e surpresas, a nova política econômica ficou conhecida como a “política do feijão-com-arroz”.

Embora o fracasso recente dos dois planos anteriores tivesse mostrado que a solução do problema fiscal era fundamental para combater a inflação, a perspectiva de uma melhora nesta área tornava-se cada vez mais remota. No curto prazo, a austeridade fiscal estava comprometida pela atuação do próprio presidente da República, empenhado em assegurar para si um mandato presidencial de cinco anos, e não de quatro como a Constituinte fixara para os futuros presidentes; no longo prazo, o desajuste fiscal era agravado pelas decisões tomadas na Assembléia Nacional Constituinte, onde se criavam novas despesas sem contrapartida de receitas. Neste quadro adverso, a política do feijão-com-arroz não conseguiu sequer impedir a gradual elevação da inflação, que alcançou 24% em julho. Apesar de um acordo celebrado em novembro entre governo, empresários e trabalhadores para conter a escalada de preços e salários, a taxa mensal de inflação chegou a 28,8% em dezembro de 1988.

Em janeiro, o Plano Verão foi lançado sob condições ainda mais desfavoráveis do que o Plano Bresser, pois 1989 era um ano eleitoral. O plano pretendia conjugar medidas heterodoxas e ortodoxas, mas dando ênfase a estas últimas. Do lado heterodoxo, adotou-se o congelamento de preços e da taxa de câmbio por prazo indeterminado; criou-se um fator de conversão de créditos aplicável a obrigações e títulos emitidos antes do lançamento do plano com valores nominais prefixados; aboliu-se o uso das obrigações do Tesouro Nacional (OTNs) como indexador oficial. Os salários foram convertidos pela média dos últimos 12 meses, acrescidos da variação da Unidade de Referência de Preços (URP) — indexador criado pelo Plano Bresser — de 26,1% de janeiro, e eliminou-se o mecanismo de correção de salários baseado na URP. A desindexação salarial era mais ambiciosa do que a dos planos anteriores, pois não embutia nenhuma regra de correção futura. Com esta medida, o plano pretendia estimular a livre negociação entre empregados e patrões.

Do lado ortodoxo, desvalorizou-se a taxa de câmbio em 18%, passando um dólar a valer mil cruzados e, em seguida, criou-se uma nova moeda, o cruzado novo, equivalente a mil cruzados; reajustaram-se tarifas públicas (telefonia: 35%, energia elétrica: 14,8%, gasolina: 19,9%); adotou-se uma rígida política monetária, com limitações ao crédito e taxas reais de juros que atingiram cerca de 14% no primeiro mês; prometeu-se um ajuste fiscal amplo com extinção de ministérios, demissão de servidores, privatizações e controle de despesas em regime de caixa.

O período de sucesso do plano foi ainda mais breve que o do Plano Bresser. As elevadíssimas taxas de juros reais em fevereiro e março não foram capazes de impedir um aumento do consumo, indicando comportamento preventivo decorrente de falta de credibilidade da política econômica. Em pleno congelamento, a taxa de inflação em fevereiro e março ficou em 3,6% e 6,1%, respectivamente. Ainda em fevereiro, o Congresso aprovou uma lei de reposição de perdas salariais em três parcelas de 7,5%. Em 14 e 15 de março houve uma greve geral em que os trabalhadores pleiteavam reposição integral das perdas salariais. Em abril foram autorizados os primeiros reajustes de preços e o governo concedeu reposição salarial adicional de até 13,1%, dependendo da categoria profissional.

Em maio, com o ágio no mercado paralelo de dólares atingindo 200% e a inflação em franca ascensão, o governo rendeu-se à impossibilidade de manter o plano em seu formato original. Diante das incertezas causadas pelas eleições gerais de novembro, bem como da entrada em vigor da nova Constituição, só restava ao governo Sarney dedicar seu quinto ano de mandato à administração do convívio com a inflação, deixando para o futuro governo a solução do problema inflacionário. A taxa de câmbio passou a ser desvalorizada de acordo com o Índice Geral de Preços. A taxa de juros nominal passou a incorporar a taxa de ascensão da inflação, de modo a preservar o rendimento real dos títulos públicos, evitando a fuga de poupadores para ativos reais. Naquele mês, aprovou-se a reindexação salarial: salários inferiores a três salários mínimos recebiam correção mensal integral; para a faixa entre três e 20 salários mínimos a reposição era trimestral com antecipações mensais iguais à taxa de inflação que excedesse 5%; para a faixa superior a 20 salários mínimos instituiu-se a livre negociação.

As eleições de novembro realizaram-se sob uma inflação de 45% ao mês. A reversão da tendência crescente da inflação só seria interrompida com o Plano Collor, em março de 1990, quando ela atingiu a inédita taxa mensal de 80%.

Renato Fragelli Cardoso

 

FONTES: MODIANO, E. Ópera; SIMONSEN, M. H. Inércia; SIMONSEN, M. H. Conjuntura.