PETROBRAS

PETROBRAS

A Petróleo Brasileiro S.A., que usa a sigla Petrobras, é uma sociedade de economia mista na conceituação do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967 — “entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertencem em sua maioria à União ou à entidade da administração indireta”.

A Lei nº 2.004, de 3 de outubro de 1953, que criou a Petrobras, lhe atribuiu a execução do monopólio estatal do petróleo definido no artigo 1º: “Constituem monopólio da União: I — a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e outros hidrocarbonetos fluidos e gases raros existentes no território nacional; II — a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; III — o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados de petróleo produzidos no país, e bem assim o transporte, por meio de condutos, de petróleo bruto e seus derivados, assim como gases raros de qualquer origem.” O objeto social da empresa, definido no artigo 6º, é bem mais amplo: “A Petróleo Brasileiro S.A. terá por objeto a pesquisa, a lavra, a refinação, o comércio e o transporte do petróleo — proveniente de poço ou de xisto — de seus derivados, bem como de quaisquer atividades correlatas ou afins.” O Decreto nº 40.845, de 28 de janeiro de 1957, e a Portaria nº 235, de 17 de fevereiro de 1977, do Ministério das Minas e Energia, vieram regular as relações entre a empresa e o Conselho Nacional do Petróleo (CNP), a quem a Lei nº 2.004 atribuiu a orientação e a fiscalização do monopólio da União. Além disso, a Lei nº 2.004 revigorou a competência do CNP para superintender o abastecimento nacional do petróleo, definindo-o nos mesmos termos dos diplomas legais de 1938, pelos quais foi criado e organizado o conselho: “A produção, a importação, a exportação, a refinação, o transporte, a distribuição e o comércio de petróleo bruto, de poço ou de xisto, assim como de seus derivados” (art. 30, §1º da Lei nº 2.004).

Estatuto e organização

Em 24 de Março de 1999, foi aprovado o novo estatuto social da Petrobrás de modo a se adequar a lei das sociedades anônimas e à nova regulamentação das atividades do setor petróleo, instituídas com a promulgação da Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997.  O Capital Social era de 78.966.690.660,00 (setenta e oito bilhões, novecentos e sessenta e seis milhões, seiscentos e noventa mil e seiscentos e sessenta reais), dividido em 8.774.076.740 (oito bilhões, setecentos e setenta e quatro milhões, setenta e seis mil e setecentos e quarenta) ações sem valor nominal, sendo 5.073.347.344 (cinco bilhões, setenta e três milhões, trezentos e quarenta e sete mil trezentos e quarenta e quatro) ações ordinárias e 3.700.729.396 (três bilhões, setecentos milhões, setecentos e vinte e nove mil e trezentos e noventa e seis) ações preferenciais. A Companhia estava autorizada a aumentar o capital social, independentemente de reforma estatutária, por deliberação do Conselho de Administração, em até R$ 60.000.000.000,00 (sessenta bilhões de reais), mediante a emissão de ações preferenciais e até o limite quantitativo de 200.000.000 (duzentos milhões) de ações, para integralização: a) em moeda; b) em bens, observada a prévia deliberação da Assembléia Geral para avaliação destes (inciso IV do art. 122 da Lei da Sociedades por Ações); c) mediante capitalização de crédito.

A Petrobras é dirigida por um Conselho de Administração, com funções deliberativas, e uma Diretoria Executiva. O Conselho de Administração é composto por, no mínimo, cinco membros até nove membros eleitos pela Assembléia Geral dos Acionistas, a qual designará dentre eles o Presidente do Conselho, todos com prazo de gestão que não poderá ser superior a 1 (um) ano, admitida a reeleição. A Diretoria Executiva é composta de um Presidente, escolhido dentre os membros do Conselho de Administração, e até seis Diretores, eleitos pelo Conselho de Administração, dentre brasileiros residentes no País, com prazo de gestão que não poderá ser superior a 3 (três) anos, permitida a reeleição, podendo ser destituídos a qualquer tempo.

A Diretoria Executiva é formada pelo Presidente da empresa e seis diretores. As diretorias da Petrobrás são: Diretoria Financeira, Diretoria de exploração e produção, Diretoria de abastecimento, Diretoria de Gás e Energia, Diretoria Internacional, Diretoria de Serviços.

 

Importância para a economia do país

A Petrobras é a maior empresa brasileira de acordo com os parâmetros usados pelas publicações econômico-financeiras, como a Conjuntura Econômica, da FGV, e outras, para classificar as empresas pela sua magnitude: patrimônio líquido, ativo fixo operacional, faturamento, lucro líquido, número de empregados etc.

A importância da Petrobras na economia nacional pode ser avaliada por três fatores principais: 1) seu papel na geração da renda nacional, ou seja, o valor adicionado à renda ou produto nacional; 2) a liberação ou economia de divisas proporcionada pelas suas atividades, calculando-se o valor do consumo do petróleo e derivados a preços de importação; 3) o valor dos investimentos que realiza, e que representam notável impulso à indústria nacional, pelo efeito multiplicador que significam as compras da empresa estatal.

Em 1979, o valor adicionado pela empresa à economia nacional foi de 80 bilhões de cruzeiros, representando 1,6% do produto interno bruto (PIB). Mesmo em anos em que o crescimento desse produto foi excepcionalmente alto, como no triênio 1971-1973, as atividades da Petrobras representaram extraordinária contribuição para o desenvolvimento da economia nacional, atingindo o valor por elas adicionado um ritmo de aumento bem superior ao do PIB. O relatório de atividades da Petrobras relativo ao ano de 1979 diz que a liberação de divisas proporcionada pela indústria nacional do petróleo naquele ano estava estimada em 7,5 bilhões de dólares, cabendo à produção de hidrocarbonetos 1,2 bilhão; à refinação 6,15 bilhões, dos quais 6,07 bilhões se referiam à Petrobras; e 155 milhões ao transporte marítimo.

As atividades da Petrobras se estendem praticamente a todo o território nacional, embora estejam concentradas no Centro-Sul e no Nordeste. A partir de 1970-1971, a empresa passou a operar no exterior, primeiramente de modo direto e, depois, através da subsidiária que criou para operações fora do país, a Braspetro. A Interbrás, que é uma trading, é um desdobramento dessa subsidiária. Nos últimos anos, em resposta à urgência de encontrar novas jazidas de petróleo, e de pôr em produção as jazidas já descobertas, a Petrobras intensificou de modo expressivo seus investimentos que alcançaram, em 1979, 51,1 bilhões de cruzeiros, sendo que mais da metade desse total foi absorvida pela exploração e a produção. O valor das compras da Petrobras no mercado interno atingiu 14,5 bilhões de cruzeiros, devendo ter constituído altíssima percentagem das aquisições totais da empresa. Em 1978, as compras da Petrobras no mercado interno, incluindo as aquisições de suas subsidiárias, atingiram 78% do valor total de 11,1 bilhões de cruzeiros. Difícil de ser mensurado, mas de importância decisiva, é o ativo que constitui para o país os quadros técnicos que a empresa tem formado e desenvolvido, e dos quais muito deve ser esperado na superação dos graves problemas da crise energética atual.

O sistema Petrobras

O surgimento de subsidiárias a partir de 1968, com a criação da Petrobras Química S.A. (Petroquisa), e o desenvolvimento que apresentaram fizeram com que a Petrobras se tenha transformado, direta ou indiretamente, na empresa-mater ou dita holding de um grande número de empresas. Além das empresas controladas, que no conceito da Lei das Sociedades Anônimas são sociedades nas quais a controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direito de sócio que lhe assegure, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores, existem as coligadas, que são as empresas nas quais a participação de uma no capital da outra é de 10% ou maior, desde que não atinja o controle (51%). Na descrição dos documentos oficiais ou oficiosos da Petrobras, não só as empresas controladas, mas igualmente as coligadas constituem o “sistema Petrobras”.

A expressão “sistema” não tem amparo legal. A Lei das Sociedades por Ações se refere a grupo que, entretanto, precisa ser constituído formalmente de acordo com as exigências do capítulo XXI, que não é o caso da Petrobras e suas subsidiárias. A verificação mais importante sobre o denominado “sistema Petrobras” é que ele foge à concepção da Lei nº 2.004, que fala em “a sociedade e suas subsidiárias” para executar basicamente o monopólio estatal. A interpretação jurídica de que cada subsidiária precisa ter um conselho de administração próprio, como realmente exige a Lei das Sociedades Anônimas vigente, parece preferir uma ficção — o conselho é o mesmo, da Petrobras, para cada uma das subsidiárias — à disposição do estatuto anterior pelo qual “o conselho de administração (da Petrobras) é o órgão de orientação e direção superior da sociedade e suas subsidiárias”, sem dúvida mais de acordo com o espírito da Lei nº 2.004.

Até os anos 80 a Petrobrás possuía as seguintes subsidiárias: Petrobras Química S.A. (Petroquisa); Petrobras Distribuidora S.A. (BR); Petrobras Internacional S.A. (Braspetro); Petrobras Comércio Internacional S.A. (Interbrás); Petrobras Fertilizantes S.A. (Petrofértil), e Petrobras Mineração S.A. (Petromisa). A Petroquisa participava de sociedades que objetivam a fabricação, comércio, distribuição, transporte, importação e exportação de produtos das indústrias químicas e petroquímicas, e prestava serviços técnicos e administrativos relacionados com as referidas atividades. A Distribuidora opera na área de distribuição, comercialização e industrialização de produtos e derivados de petróleo e de outros combustíveis. A Braspetro exercia no exterior as atividades de pesquisa, lavra, industrialização, comércio, transporte, armazenamento, importação e exportação de petróleo, de outros hidrocarbonetos líquidos e gasosos e derivados. A Interbrás exercia, no país e no exterior, as atividades de comércio, exportação e importação, ditas de trading, de transporte e armazenamento de bens e mercadorias. A Petrofértil participava de sociedade que objetivava a produção e comercialização de fertilizantes, suas matérias-primas e produtos correlatos e das respectivas importação e exportação. A Petromisa, anteriormente designada pela sigla Petromin, se destinava à pesquisa e à lavra de jazidas de substâncias minerais em áreas sedimentares e ao beneficiamento, industrialização, transporte, distribuição, importação e comércio dessas substâncias.

Com a privatização de parte do setor petroquímico e mudanças que ocorreram na estrutura administrativa da Petrobrás nos últimos vinte anos, esse cenário se modificou, e atualmente o grupo Petrobrás conta com as seguintes empresas: Petrobras Energía Participaciones S.A.; trata-se de uma companhia petrolífera atuando na Argentina que foi adquirida pela Petrobrás em 2002; a já citada Petroquisa; Gaspetro, que substituiu a Petrofértil; Transpetro, responsável pelo transporte e logística de todo o sistema; Downstream Participações, trata-se de uma holding criada a partir da associação da Petrobrás com a Repsol em 2000 e basicamente administra a distribuição e venda de combustíveis; Petrobras International Finance Company, é a representante da Petrobras no comércio internacional de Petróleo e derivados atuando basicamente na importação dos mesmos.

O período 1930-1938

É sabido que as preocupações governamentais com o problema do petróleo no Brasil e, especialmente, com a necessidade de uma legislação capaz de preservar o futuro aproveitamento das jazidas em benefício da nação, colocando-o a salvo dos interesses internacionais predominantes, não podem ser datadas de 1930. Com o apoio do presidente Washington Luís e dos militares, Ildefonso Simões Lopes, deputado federal e ex-ministro da Agricultura, apresentou em 1927 um projeto de lei no qual o ponto-chave, segundo o próprio autor, era o artigo que dizia: “As jazidas de petróleo não podem pertencer a estrangeiros, nem ser por eles exploradas.” Relatórios oficiais americanos, citava Simões Lopes na justificativa do seu anteprojeto, mostravam que aquele país visava o controle das jazidas de petróleo da América do Sul, e, por isso, era preciso agir, com a intervenção estatal no setor e a nacionalização das jazidas.

O que foi novo a partir de 1930, com a revolução, foi a tendência de o governo federal legislar em nome dos interesses da União sobre a exploração das riquezas minerais em geral, e chamar a si o planejamento e a execução dos serviços correspondentes. Pouco antes da revolução, o estado do Amazonas havia concedido a três grupos internacionais o direito de exploração de toda a área sedimentária de seu território, mais de um milhão de quilômetros quadrados. Juarez Távora, ministro da Agricultura (1933-1934) e autor dos códigos de Minas e de Águas, em discurso perante a Assembléia Nacional Constituinte, falou da necessidade de distinguir os interesses nacionais e estaduais. Os primeiros teriam de prevalecer sobre estes últimos. O anteprojeto do Código de Minas, afirmou Juarez, “vai traçar [a] diferença entre o que se chama uma mina e uma jazida mineral, reconhecendo o domínio sobre a mina ao proprietário que nela dispendeu energias e inverteu capitais, e reservando as jazidas, de maneira definitiva e inalterável, ao patrimônio da coletividade, para que constituam, em poder da União, um instrumento de compensação às desigualdades econômico-financeiras dos estados”. A tal disposição, o ministro Távora preferia chamar socializar as riquezas, onde a preocupação era a compensação federativa entre estados mais dotados e estados menos dotados de recursos minerais.

Quanto à política de petróleo propriamente dita, é claro que ela iria ser influenciada pelo rumo geral da política mineral, e mais, pela reestruturação dos serviços administrativos, passando o comando das iniciativas na pesquisa de petróleo ao Departamento Nacional da Produção Mineral, criado em março de 1934. Contudo, até 1936, pelo menos, as diretrizes do governo federal no assunto foram ambíguas. A demonstração mais cabal dessa ambigüidade está na exposição do problema feita pelo ministro da Agricultura Odilon Braga ao presidente da República, em março de 1936, posteriormente publicada sob o nome de Bases para o inquérito sobre o petróleo. A preocupação básica era defender a atuação oficial, “a fim de que a nação pudesse compreender mais de pronto os motivos que animam a atuação do Departamento Nacional da Produção Mineral e se preparar, desde já, para os tropeços que terá de remover quando tiver a grata notícia da descoberta de suas jazidas petrolíferas”.

Procurava-se mostrar que não tinham fundamento as acusações de Monteiro Lobato, para quem o departamento e o governo federal só faziam favorecer a ação dos trustes petrolíferos, que queriam reservar o mercado e não estavam interessados em pesquisar, porque a conjuntura era de superprodução. Neste ponto, concordava com ele o ministro Odilon Braga, que, entretanto, vislumbrava no desenvolvimento do mercado o meio de interessar as grandes companhias na pesquisa do petróleo brasileiro: “Examinado o quadro de consumo mundial dos produtos petrolíferos, constante da folha anexa, verifica-se que, embora o Brasil não figure, por enquanto, entre os clientes de maior interesse para a Standard Oil e para o Royal Dutch, visto não queimar senão 4.524.000 barris, ou seja, apenas a quarta parte do que queima a Argentina, acha-se em condições de quadruplicar, de seu turno, o dispêndio dos combustíveis líquidos.” Esse dado de que o Brasil estava “queimando” quatro milhões e meio de barris de petróleo, embora internacionalmente não fosse significativo (1/4 do que consumia a Argentina, assinalava o ministro Odilon Braga), quando comparado com o de 1938, nos mostra a necessidade que havia na época de definições sobre a política a ser adotada em relação a um produto que começava a pesar de modo ponderável no balanço de pagamentos de um país praticamente monoexportador de café.

Em 1932 consumíamos pouco mais de 12 mil barris/dia e em 1938, o consumo exigia a importação de 38 mil barris diários. O governo federal não poderia se limitar a se defender das acusações dos particulares, como Monteiro Lobato, que pleiteavam subvenções, à base da incompetência governamental para a pesquisa, tendo como intermediários ou defensores de sua causa os governos estaduais. Era sobre isso que essencialmente crismava a atenção o general Júlio Caetano Horta Barbosa quando, em data anterior à das Bases do ministro Odilon Braga, se dirigiu ao titular da pasta da Guerra na qualidade de diretor de Engenharia do Exército, em memorial de 30 de janeiro de 1936. “A não serem tímidas explorações, nada de positivo se tem feito em nosso país consoante a obtenção desse precioso combustível. A repartição especializada no assunto [Departamento Nacional da Produção Mineral] e alguns engenheiros apressam-se em proclamar a não existência do petróleo em nosso território. O governo, a seu turno, e apesar das declarações de tais técnicos, tem autorizado o funcionamento de companhias que buscam o petróleo! Surge, então, a dúvida.” Por isso, o Exército precisava intervir, para que os nomes da Standard Oil, Dutch and Shell, Anglo-Mexican fossem substituídos por nomes brasileiros. “Cheios de fé nutrimos fundadas esperanças de que tal substituição ocorrerá tanto mais cedo quando maior for a eficácia da cooperação do Exército nas pesquisas para localização das fontes daquele combustível.”

Em 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas promulgou uma nova Constituição, na qual se acrescentava à exigência da Constituição de 1934 de autorização federal para o aproveitamento de jazidas minerais a de que a concessão só se daria “a brasileiros, ou empresas constituídas por acionistas brasileiros” (art. 143, §5º). Era um reforço nacionalista ao dispositivo constitucional de 1934 que, estabelecendo pela primeira vez nas cartas magnas brasileiras a distinção entre propriedade do solo e das riquezas minerais do subsolo, falava, porém, em sociedades organizadas no Brasil, sem nenhuma restrição quanto à nacionalidade dos acionistas.

Em conferência realizada no Clube Militar quase dez anos depois, em 6 de agosto de 1947, o general Horta Barbosa descreveu as diretrizes e as decisões que levaram à criação do Conselho Nacional do Petróleo, em 1938: “A política do petróleo adotada pelo Brasil orientou-se no sentido de satisfazer do melhor modo aos imperativos da defesa nacional — militar e econômica. A legislação correspondente foi reclamada em fevereiro de 1938, pelo Estado-Maior do Exército, chefiado pelo general Pedro Aurélio de Góis Monteiro, sob a alegação da necessidade de salvaguardar nossa soberania. Propôs o órgão militar a nacionalização da indústria do óleo cru ou o seu monopólio pelo Estado. O assunto foi encaminhado pelo Conselho Superior de Segurança Nacional ao Conselho Federal do Comércio Exterior. Após exaustiva e minuciosa análise do problema, foi promulgado o Decreto-Lei nº 395, de 1938, que declarou de utilidade pública o abastecimento nacional do petróleo, e ainda estabeleceu que as empresas de refinação do óleo só poderiam ser formadas por capitais constituídos por brasileiros natos. Deste modo, deixou o Brasil de fazer exceção à diretriz nacionalista que, em todos os povos cultos, vinha norteando a política do combustível líquido. Foi este, sem dúvida, o primeiro passo no sentido da instauração de uma política adequada a tornar o país livre da tutela dos trustes no suprimento do petróleo.”

O Decreto-Lei nº 395, de 29 de abril de 1938, citado pelo general Horta Barbosa no trecho de sua conferência acima transcrito, declarava de utilidade pública no artigo 1º o abastecimento nacional do petróleo, por ele definido no parágrafo único do mesmo artigo, e criava o Conselho Nacional do Petróleo (CNP). A ele se seguiu o Decreto-Lei nº 538, de 7 de julho de 1938, que organizou o novo órgão. É importante mencionar que anteriormente à promulgação do decreto-lei que declarou de utilidade pública o abastecimento de petróleo, o governo federal, através do Decreto-Lei nº 366, de 11 de abril de 1938, proclamara não reconhecer o domínio privado de particulares, como instituído sobre jazidas de petróleo e gases naturais (art. 96). O Decreto-Lei nº 366 criou no Código de Minas o título VIII, com um capítulo único, “Das jazidas de petróleo e gases naturais”. Estas jazidas, quando descobertas, passariam ao domínio dos estados em terreno de seu domínio privado ou de reserva de domínio, ou da União, em todos os demais casos. O Decreto-Lei nº 3.236, de 7 de maio de 1941, modificou o de nº 366 em dois pontos fundamentais: a) quanto à propriedade das jazidas de petróleo e gases naturais, que, sem exceção, passaram a pertencer à União, ao contrário do Decreto-Lei nº 366, que atribuía aos estados as jazidas que se achassem em terras de seu domínio privado, conforme referido acima; b) quanto aos manifestos e registros das jazidas, que foram anulados, mesmo quando não efetuados fraudulentamente.

O período 1938-1945

O primeiro presidente do CNP foi o general Júlio Caetano Horta Barbosa, e o vice-presidente, o engenheiro Domingos Fleury da Rocha, antigo chefe do Serviço Geológico do Ministério da Agricultura, depois diretor-geral do Departamento Nacional da Produção Mineral e um dos autores do Código de Minas. Fleury da Rocha foi o relator do anteprojeto do CNP nas reuniões do Conselho Federal do Comércio Exterior.

Tem-se dito sobre a legislação de 1938 que ela era mais uma “estratégia” do que instrumento de uma política. Sem dúvida. A afirmação se encontra em relatório oficial, do Conselho Federal do Comércio Exterior, que expõe os dois principais motivos diretos que inspiraram o governo a adotar essas providências legais: a proximidade da guerra e a expansão da rede rodoviária. Entretanto, há uma pedra angular de toda a concepção das leis de 1938 que é necessário colocar em destaque, para que se entenda melhor o desenvolvimento de fatos posteriores de importância decisiva na política do petróleo. É a importância que se dava à refinação na legislação de 1938, consoante o pensamento do general Horta Barbosa: “Alicerce da independência econômica de um povo, a indústria da refinação deve ser criada, com a descoberta ou não das jazidas de petróleo.” O general Ibá Jobim Meireles, que foi dos principais assessores do general Horta, diria em trabalho publicado em maio de 1951: “Na elaboração do Decreto-Lei nº 395, o governo partiu do princípio que a chave da indústria do petróleo está na refinação, exista ou não petróleo nacional; que somente quem refina está em condições de fixar os preços dos derivados; que o mercado de óleo bruto é livre no mundo; que a indústria de refino deve preceder a descoberta do óleo.”

Segundo Pedro de Moura e Felisberto Carneiro, desde 1936 a Standard Oil vinha propondo a barganha de construir uma grande refinaria em Niterói em troca de concessões na Amazônia e Paraná, “em bases legais estáveis”, embora as quantias que ela garantia investir na exploração fossem pouco satisfatórias. Em resumo, a empresa teria garantido, com a refinação, o capital de risco e o lucro que a proteção fiscal lhe daria. A opinião do general Horta, ainda segundo Moura e Carneiro, foi de que “era preferível graduar modestamente o programa do CNP e adiar para depois da guerra a intensificação das prospecções”. O general Eurico Dutra teria realmente salvo o país, opondo-se à aceitação da “barganha” desigual proposta pela Standard Oil.

A luta de Horta Barbosa pela refinação (em 10 de julho de 1941, o CNP propôs o monopólio estatal da atividade) acompanhou a sua batalha não menos árdua pela produção. Uma exposição do engenheiro Irnack Carvalho do Amaral sobre a situação de pesquisa de petróleo no Brasil, datada de 6 de setembro de 1938, portanto pouco depois da publicação do decreto que organizou o conselho, em julho, e antes da descoberta do poço de Lobato, mostra o quadro de dificuldades e precariedade em que o CNP iniciou o seu trabalho. Se a ele forem adicionados os inúmeros embaraços para a importação de equipamentos e a contratação de técnicos, pode-se ter um quadro aproximado da problemática, em grande parte sem solução em virtude da guerra, enfrentada pelo CNP no início de suas atividades. O CNP foi herdeiro de uma repartição, o Departamento Nacional de Produção Mineral, explica Irnack nesse trabalho, que pertencia a um ministério, que “sempre primou pelas suas pequenas verbas e ausência de recursos e onde, conseqüentemente, menos possibilidade tinha para se desenvolver uma organização que carecia, pelo seu caráter, de grandes verbas para se aparelhar e manter seus técnicos em permanente contato com os centros mais adiantados do mundo”.

Moura e Carneiro descrevem o drama vivido pelo CNP e o país do meio para o fim da guerra: “Quadro agonizante aquele de 1942-1944, em que a guerra nos castigava com um doloroso racionamento de combustíveis, arremedados pelos gasogênios nos carros; em que até o desenvolvimento nas áreas petrolíferas, descobertas havia pouco, estava ameaçado de ‘quase completa paralisação’ por inadimplemento das encomendas de material colocadas pela administração Horta Barbosa nos EUA em montante superior a um milhão de dólares, incluindo três sondas e peças de reposição, ‘sem que se houvesse logrado resultado satisfatório, ante as dificuldades para se obter autorização de licenças de exportação e posterior prioridade de embarque’, lastimava o relatório/1944 do CNP; em que a opinião pública, desinformada a este e outros respeitos, vendo rolar meses e anos, era aluída por desencanto, ceticismo e ansiedade em face do anda-e-pára, num trânsito permanentemente engarrafado, por falta de ‘combustível’ entre a buraqueira escavada pelas sondas.”

Em 30 de julho de 1943, o general Horta Barbosa se afastou magoado da presidência do conselho, conforme explicou mais tarde, em conferência realizada no Instituto de Engenharia de São Paulo em 16 de outubro de 1947: “A guerra, pareceres de órgãos não especializados, a falta de uma política nacional de energia, a campanha de zombaria contra o órgão oficial, às vezes inconscientemente feita por brasileiros altamente colocados na administração pública, as solertes investidas dos trustes, e, sobretudo, uma opinião pública não preparada, impediram que o conselho, até 1943, quando o deixei para ter a honra de comandar a Região Militar de São Paulo, visse realizada a sua idéia [o monopólio de Estado].”

Em 2 de setembro de 1943, o coronel João Carlos Barreto assumiu a presidência do CNP. Em 1945, pouco antes da deposição do presidente Getúlio Vargas, o CNP iria propor a revisão da legislação do petróleo para que fosse admitida a participação de capitais estrangeiros na indústria (exposição de motivos de 10 de maio de 1945, de nº 2.558). E, mais importante, em 1º de outubro do mesmo ano, o conselho adotou a Resolução nº 1/45, pela qual decidiu permitir a instalação e a exploração de refinarias no país por companhias nacionais privadas, utilizando inicialmente o petróleo importado. A resolução foi publicada no Diário Oficial de 30 de outubro, no dia seguinte, portanto, ao da deposição do presidente Vargas. Em 18 de janeiro de 1946, no governo José Linhares, o CNP emitiu sua Resolução nº 2/46, na qual anunciava o resultado da concorrência e fixava as condições para a realização dos trabalhos de instalação das refinarias.

O período 1946-1953

A partir de 1946 iria se travar em relação à política do petróleo o que se pode denominar “o grande debate” entre nacionalistas e partidários da interdependência. Este debate iria influir na condução dos problemas pelo governo. A sua atitude de rever a legislação nacionalista de 1938 culminou na apresentação do projeto do Estatuto do Petróleo, em fevereiro de 1948, para finalmente desistir dele, e pedir ao Congresso verbas para a construção de refinarias estatais. O governo não voltou atrás na decisão de permitir a refinação de grupos privados nacionais, dando-lhes, inclusive, apoio financeiro pelo Banco do Brasil, mas sem dúvida se mostrou sensível à necessidade da iniciativa estatal no setor, voltando-se assim ao aspecto essencial das diretrizes de 1938 para cuja implementação tanto lutara o general Horta Barbosa. E, agora, para que fosse alcançado tal resultado, a sua atuação foi decisiva, enfrentando a tese patrocinada por Juarez Távora, que atuava no sentido de resguardar o interesse nacional de acordo com o que lhe parecia uma realidade inapelável — a incapacidade brasileira de conduzir a solução do problema do petróleo por meios próprios.

Em toda a fase de preparação do anteprojeto e de discussão no Congresso do projeto do Estatuto do Petróleo, que teve a colaboração decisiva de Juarez, os dois generais, este e Horta Barbosa, passaram a ser as figuras centrais de um debate verdadeiramente empolgante, porque novo, transvazando-se para as salas de conferência e para os comícios populares a discussão que há bem pouco era privativa de gabinetes ou, de qualquer modo, de âmbito e interesse restritos. A campanha “O petróleo é nosso” ganhou as ruas sob a liderança do Centro de Estudos e Defesa do Petróleo, instalado solenemente no dia 21 de abril de 1948, na sede do Automóvel Clube do Rio, tendo a presidência de honra do ex-presidente Artur Bernardes e dos generais Horta Barbosa e José Pessoa. O ex-presidente Artur Bernardes destacou a expressão nacional do movimento, sobretudo pela rapidez com que se propagou, superior a da Abolição, da Guerra do Paraguai e da própria Independência. Em 20 de abril de 1949, Osvaldo Aranha escreveu a Matos Pimenta, diretor do Jornal de Debates, o grande órgão da causa nacionalista, em resposta à indagação deste sobre sua posição no debate, e se definiu de modo claro e insofismável: “Não entro no exame dos múltiplos e complexos problemas da exploração petrolífera em nosso país, porque, não admitindo a concessão, resta para mim, unicamente, má ou péssima, a sua exploração pelo Estado.”

A verdade, porém, é que nem mesmo o clima de festa que se teve com o início do funcionamento da refinaria de Mataripe em 1950, com 2.500 barris por dia de operação, primeira etapa de um plano para levá-la a refinar cinco mil barris diários em outubro de 1959, pôde esconder o muito pouco que isso significava em face das necessidades que se agigantavam e ainda mais das que se projetavam para o futuro. A partir de 1945, o consumo de derivados de petróleo disparara. Em 1950, praticamente triplicara: em 1945, o Brasil consumia 34 mil barris diários de derivados de petróleo; em 1950, estava consumindo cem mil barris diários. O índice de evolução do comércio por vias internas estava demonstrando que o país iria depender em escala crescente de rodovias para integrar e expandir a sua economia. De 1939 a 1950 o comércio por vias internas havia quase duplicado, enquanto o que se processava pela cabotagem aumentava de apenas uma vez e meia.

Colocava-se assim claramente a necessidade do planejamento nacional da indústria do petróleo, uma vez vitoriosas as teses nacionalistas. E, nessa reformulação que os fatos estavam exigindo, pareceu que o conselho tinha de se especializar, ser órgão normativo e fiscalizador, e deixar a execução a uma empresa que, incorporando o seu acervo de realizações, pudesse executar os planos com a flexibilidade que não poderia ter uma repartição pública. Foi essa a orientação básica do projeto da Petrobras submetido à consideração do Congresso Nacional pelo presidente Getúlio Vargas em 6 de dezembro de 1951 (Mensagem nº 469/51, acompanhada da de nº 470/51, que submetia o projeto que vinculou pela primeira vez a receita do imposto único sobre combustíveis e lubrificantes ao programa do petróleo).

Mais tarde, Jesus Soares Pereira, que foi a figura mais destacada da assessoria do presidente Vargas no estudo e na preparação do projeto, iria explicar que a não existência da legislação contrária à de 1938, que, assim, continuava em vigor, fora considerada suficiente para neutralizar o texto constitucional de 1946, saudado, como se sabe, pela Comissão Brasileiro-Americana (Missão Abbink) por ter abandonado a perspectiva nacionalista surgida na Constituição de 1934 e fortalecida na de 1937. A propósito, é importante assinalar os termos em que se referiu o presidente Eurico Dutra à legislação nacionalista do petróleo, quando em fevereiro de 1948 submeteu ao Congresso Nacional o projeto do Estatuto do Petróleo: “É fora de dúvida que a legislação ainda em vigor, resultante de princípios exageradamente contrários ao capital estrangeiro contidos na Lei Magna de 1937, tem sido o grande obstáculo a antepor-se ao desenvolvimento da indústria de refinados no Brasil, por isso que não permite a colaboração desse capital em atividades dessa natureza. Tal é, com efeito, o sentido do Decreto-Lei nº 395, de 29 de abril de 1938.”

Por isso, parecia se impor uma definição clara e insofismável sobre a validade de diplomas legais expedidos em regime de exceção. Entretanto, o projeto da Petrobras, que tomou o nº 1.516/51 na Câmara dos Deputados, não revalidava expressamente a legislação de 1938. O projeto autorizava a criação da empresa; definia seu objeto social: “a pesquisa, a lavra, a refinação, o comércio e o transporte de petróleo e seus derivados, inclusive o de xisto betuminoso, bem como quaisquer atividades correlatas ou afins”; estabelecia o valor do capital inicial (quatro bilhões de cruzeiros) e o capital mínimo a ser atingido em 1956, quando se iniciaria o novo período presidencial (dez bilhões); dispunha sobre a aplicação dos recursos provenientes da arrecadação do imposto único (40% pertencentes à União na integralização de ações e obrigações da sociedade, 60% pertencentes aos estados e municípios com a mesma destinação); destinava à subscrição de ações receitas de impostos já existentes; destinava ao mesmo fim as contribuições para pesquisa de petróleo a que se obrigaram as empresas permissionárias de refino de acordo com os títulos da autorização que lhes foram outorgados pelo CNP; instituía empréstimo compulsório para os proprietários de veículos automóveis até o exercício de 1956, mediante certificados permutáveis por ações ou obrigações da sociedade; dispunha sobre quem podia ser acionista da sociedade, permitindo que o fossem pessoas jurídicas de direito privado até o limite de 20 mil ações ordinárias sem as restrições do Decreto-Lei nº 4.071, de 12 de maio de 1939; “Prova de que os acionistas são brasileiros natos, solteiros ou casados com brasileiros natos, ou, se casados com estrangeiros, de que não o são sob o regime de comunhão de bens”; dispunha sobre a direção da sociedade e o provimento dos cargos de diretores (nomeação do presidente da República) para quatro, e eleição para outros, proporcionalmente à participação das pessoas jurídicas de direito público fora da União, e das pessoas físicas e privadas de direito privado; dispunha sobre a distribuição de dividendos, para efeito de fixação de participação de lucros; dispunha que a reinversão de dividendos da União era obrigatória; dispunha que poderia ter subsidiárias com o mínimo de 51% das ações, sujeitas à aprovação do CNP; estabelecia isenção fiscal para o funcionamento da empresa; dispunha que a empresa teria o direito de desapropriação; dispunha que a União poderia incumbir a sociedade de serviços condizentes com sua finalidade, proporcionando-lhe recursos financeiros especiais; dispunha que as relações entre a empresa e o CNP seriam objeto de ato do Executivo, regulamentando-as; dispunha que os direitos relativos a concessões e autorizações referentes às jazidas de óleo mineral, refinarias de oleodutos que a sociedade recebesse da União, seriam inalienáveis.

Entre a data de apresentação do projeto ao Congresso, em 6 de dezembro de 1951, e a promulgação da Lei nº 2.004, em 3 de outubro de 1953, decorreram, portanto, quase 22 meses, e modificações substanciais apareceram como resultado da tramitação legislativa. Como é conhecido, a principal foi a instituição do monopólio estatal, que, oriunda de um substitutivo do deputado Eusébio Rocha, tomou forma final com a redação do artigo 1º da lei, que define os setores da indústria monopolizadora, e a do artigo 2º, sobre o exercício do monopólio, a cargo da Petrobras (execução) e do CNP (orientação e fiscalização). Mantêm coerência com a instituição do monopólio estatal a redação do artigo 18 — que, ao contrário do projeto, veda a participação de acionistas que a exemplo do disposto no item seguinte não se enquadram nas exigências do artigo 9º, alínea b, do decreto nº 4.071, de 12 de maio de 1939 —, e as redações dos artigos 43 e 47, que tratam de ressalvar os títulos de autorização das refinarias particulares e os navios-tanques de propriedade particular e, mais importante, a proibição de ampliação da capacidade de refinação já autorizada às empresas permissionárias pelo CNP.

O período 1954-1960

Em depoimento que escreveu para as Edições Tempo Brasileiro, apresentando uma coletânea de pronunciamentos do presidente Getúlio Vargas sobre a política do petróleo, assinalou Soares Pereira: “Instalou-se a nova empresa estatal no dia 10 de maio de 1954 solenemente. Os serviços até então dirigidos pelo Conselho Nacional do Petróleo e que deveriam passar à sua responsabilidade foram-lhe sendo transferidos conforme cronograma que se cumpriu, de tudo, em 1º de agosto daquele ano: nessa data, as unidades de pesquisa e produção da Bahia saíram da órbita administrativa do CNP para se incorporarem à da Petrobras. Relatei esse acontecimento a Getúlio Vargas então; já na fase aguda da crise política, relatei-lhe, ainda, as providências adotadas, pela diretoria da empresa, no sentido de se iniciarem imediatamente as perfurações submarinas, na baía de Todos os Santos; comuniquei-lhe o que sabia a respeito dessas providências no último despacho para o qual me convocou, em 22 de agosto. Na madrugada de 24 do mesmo mês o presidente era deposto e punha fim à própria vida.”

A citação, ao mesmo tempo que nos comove pelo empenho pessoal do presidente Vargas em todo o assunto até o último instante, nos faz lembrar o clima de alta dramaticidade política em que a empresa começou a funcionar. Em 1954 o tempo era de receber o acervo, criar a organização, fazer planos. Do ponto de vista imediato, o mais importante era pôr em funcionamento a refinaria de Cubatão, a primeira refinaria de grande porte do Brasil. Na parte da pesquisa, a preocupação era organizar um departamento de padrão técnico igual ao das grandes companhias internacionais, para o que se contrataram por cinco anos os serviços de Walter Link, que acabava de se aposentar como geólogo-chefe da Standard Oil de Nova Jersey.

O tom do relatório da companhia a respeito de 1955 era otimista: a produção de petróleo na Bahia mais que dobrara, dando para suprir com folga a refinaria de Mataripe, funcionando, agora, com cinco mil barris diários; em 30 de janeiro, a refinaria de Cubatão havia entrado em operação. As apreensões se referiam à reforma cambial, não definida em virtude do momento de transição política. Realçava o relatório que no Brasil a política sempre fora de estimular o consumo de derivados de petróleo, ao contrário da orientação adotada em relação a outras matérias-primas, não tendo havido restrições ao consumo, a não ser no período de guerra por motivos óbvios, e destacava finalmente que era necessária uma política de preços que permitisse o autofinanciamento da indústria.

Essa política só seria definida em fins de 1956, para surtir seus efeitos no ano seguinte, com a Lei nº 2.975, de 27 de novembro daquele ano, que estabeleceu pela primeira vez no país um sistema de proteção fiscal para a indústria de refinação de petróleo, baseando-se o cálculo do imposto no custo médio das importações realizadas. A diferença de incidência do imposto único sobre o produto importado e o produto nacional continuava a mesma da lei anterior, que vinha da legislação que instituíra o tributo em 1940. Se os recursos se mostravam adequados, o planejamento se tornava altamente problemático, cheio de indeterminações próprias da indústria, como era o caso da pesquisa, que agora se orientava maciçamente para a Amazônia, onde em 1955 foi descoberto o poço pioneiro de Nova Olinda, e, na parte que nos diz respeito, prejudicado pelos desenvolvimentos da política que lhe comprometiam a execução e até a definição dos programas.

Nesse sentido, três fatos merecem ser destacados, embora sejam partes de um contexto de crise que redundou, em fins de 1958, na demissão conjunta do presidente da Petrobras e do CNP. O primeiro fato a destacar é a pressão das refinarias particulares para processarem petróleo além da capacidade mencionada nos seus títulos de autorização. Complicava-se a questão do momento em que o país ainda importava refinados, não se justificando que não se utilizasse a capacidade de refino excedente aqui instalada. Por isso, o governo resolveu pôr um ponto final na pendência originada pelo pedido de reconhecimento da capacidade da refinaria de Capuava, em São Paulo, de 31 mil barris diários, 11 mil além da constante do seu título, com a promulgação do Decreto nº 41.652, de 4 de junho de 1957. O decreto confirmava a Lei nº 2.004, declarando que não seria dada autorização às refinarias para ampliação de sua capacidade, e criava a figura da “justa remuneração” a ser paga pela Petrobras para a utilização da capacidade excedente autorizada pelo CNP, no interesse do abastecimento. O interesse da definição em torno da capacidade das refinarias particulares era o da reserva do mercado para a Petrobras, já que nisto repousava o autofinanciamento da indústria.

O segundo fato, que se pode denominar “a questão de Roboré”, diz respeito também à reserva de mercado. As notas reversais de Roboré, localidade da Bolívia perto da fronteira do Brasil onde se realizaram as conversações decisivas, modificavam o Tratado de Saída e Aproveitamento do Petróleo firmado entre o Brasil e a Bolívia em 1938, “para promover a curto prazo a pesquisa e a lavra do petróleo a que se refer(ia) o tratado”. Do ponto de vista da Petrobras, de um lado era inaceitável seu afastamento da exploração, uma vez que a nova área, desdobramento da original, só poderia ser pesquisada por “empresas privadas de capitais brasileiros”, estando vedada pelo Código de Petróleo da Bolívia então vigente a participação da empresa estatal brasileira, e, de outro lado, lhe criava problemas a reserva de mercado para o petróleo oriundo daquela área, de cem mil barris diários, metade do consumo do Brasil em 1958.

O terceiro fato, o da indeterminação da política e dos programas de refinação da Petrobras, é conseqüência dos efeitos perturbadores já mencionados e, especialmente, das reivindicações de construções das refinarias de Belo Horizonte e de Porto Alegre. Tais reivindicações faziam “tábua rasa” da possibilidade de se conseguir maior economicidade no abastecimento, objetivando a minimização dos custos de transferência a partir da operação de unidades de refinação de grande porte, nas quais se teriam os ganhos de escala. A pendência transformou o assunto, de planejamento da indústria de petróleo a cargo do CNP e da Petrobras, em questão de preferência política. E, pressionado por essa realidade, o presidente Juscelino Kubitschek se dirigiu ao novo presidente da Petrobras, coronel Idálio Sardenberg, recomendando-lhe o pleito gaúcho de uma refinaria no Rio Grande do Sul porque, escreveu o presidente, “desejo outorgar (essa realização) ao nobre povo gaúcho”. Tratava-se, na realidade, de um compromisso, em vista da denúncia de que os estudos estavam sendo orientados para o fim de ser cumprida uma promessa eleitoral do ainda candidato Juscelino Kubitschek, versão narrada pelo deputado Paulo Brossard em declarações à imprensa carioca, e que se iniciava com a frase que não deixava de ser pitoresca tratando-se de problema grave e que mexia com o futuro da indústria do petróleo entre nós. Dizia Brossard: “A coisa [o programa de refinarias da Petrobras] foi encomendada.”

Em fins de 1959, o CNP apreciou o “Plano de Refinarias da Petrobras”, que tinha o objetivo de alcançar a auto-suficiência do país em refinados dois anos depois, isto é, em 1961. Essa auto-suficiência estaria alcançada com a capacidade existente e projetada (novas refinarias em construção ou ampliações), de modo que o problema real era o estudo de nova capacidade de refinação para enfrentar o “déficit” previsível a partir de 1961. As aprovações das refinarias de Belo Horizonte e de Porto Alegre, embora tivessem sido adiadas, condicionaram todo o processo do Plano de Refinarias da Petrobras, e, em janeiro de 1961, às vésperas da mudança do governo, finalmente o conselho aprovou as proposições que consagraram a construção das refinarias e dos oleodutos, na realidade projetos integrados: terminais marítimos, refinaria, oleodutos de suprimento e de distribuição. Só o oleoduto Rio-Belo Horizonte foi orçado na época em seis bilhões de cruzeiros, quando as finanças do governo federal eram oneradas, com um enorme déficit na operação da Rede Ferroviária Federal S.A., que se habilitara ao transporte do óleo cru para o suprimento da refinaria de Minas Gerais.

Havia certamente dificuldades de coordenar os planos e, em vista da política geral e das próprias pressões do mercado em expansão, quando a Petrobras os enviou formalmente ao conselho, já se encontravam em fase adiantada de execução. Ao se processar a transição do governo, de 1960 a 1961, a Petrobras tinha ampla frente de obras, que se concentravam na área de Duque de Caxias ou adjacências no estado do Rio: construção da refinaria de 90 mil barris diários e construção da primeira fase da Fábrica de Borracha Sintética, cujo projeto foi aprovado em 1958 pelo CNP, em concorrência com empresas particulares, inclusive internacionais. Em fins de 1960, estavam em fase de conclusão o Terminal da Guanabara, para permitir a atracação de navios petroleiros de até 105 mil toneladas deadweight, os maiores no tráfego internacional da época, e a ampliação da refinaria Presidente Bernardes (110 mil barris dop) e Landulfo Alves, em Mataripe (42 mil barris dop).

No dia 30 de dezembro de 1960, Walter Link, contratado por cinco anos para superintender os serviços de pesquisas da Petrobras retornou à sua pátria, os Estados Unidos. Antes de sua partida, Link deu entrevista à imprensa na qual reafirmava as conclusões do relatório que apresentara à diretoria da empresa em agosto anterior, “verdadeiro balaço de ricochete nas aspirações nacionais ao abastecimento interno do petróleo”, na expressão do seu sucessor na chefia do departamento, Pedro Moura.

O período 1961-1964

No início do seu governo, o presidente Jânio Quadros, num programa de televisão, declarou que havia encontrado a Petrobras falida e de “joelhos”. À declaração do presidente recém-empossado se seguiu um debate aceso que dividiu a opinião pública, e entre os acontecimentos importantes devem ser mencionados: a) a resposta do general Sardenberg, ex-presidente da Petrobras, rebatendo frontalmente as afirmativas do chefe do Executivo e sofrendo, com isso, pena disciplinar; b) a farta publicidade da Petrobras distribuída aos jornais mostrando os benefícios que lhe advieram da Instrução nº 204 (instrução da Superintendência da Moeda e do Crédito — Sumoc, que fez a reforma cambial do governo Jânio); e c) o depoimento do general Sardenberg na comissão parlamentar de inquérito, reiterando suas afirmativas anteriores.

A análise dos técnicos mostrou que o presidente fora mal informado; a Petrobras estava com uma crise de “caixa”, a sua saúde econômica “transpirava” de seus próprios documentos contábeis publicados: balanço geral e conta de resultados. O empréstimo do Banco do Brasil de 1,5 bilhão de cruzeiros se explicava pela imprevidência no planejamento que não evitou o excesso de “imobilizações”. De acordo com um articulista especializado, a situação seria previsível desde o primeiro semestre de 1960. De qualquer modo, no quadro das dificuldades pesou decisivamente o congelamento dos preços no último ano do governo Kubitschek, e a tendência de acelerar as importações que desfrutavam de taxa cambial favorecida.

Com a crise política que se instaurou no país a partir da renúncia de Jânio, a empresa foi seriamente atingida, e pode-se falar de uma crise política e de uma crise empresarial que seguiram juntas e se interpenetraram. O relatório de 1962 da empresa dizia que a queda da produção do petróleo naquele ano, fato que acontecia pela primeira vez desde 1954, se devia principalmente à greve de janeiro, que repercutira desfavoravelmente nos trabalhos de todo o primeiro semestre. Havia um processo acelerado de politização dos sindicatos, que procuravam impor ao governo soluções e até a nomeação e demissão de dirigentes da empresa. Em junho de 1962, o diretor Heitor Lima Rocha foi demitido porque propusera ao primeiro-ministro Tancredo Neves a “internacionalização” da Petrobras. A proposta teria tido o beneplácito do primeiro-ministro, que conseguiu sua aprovação formal em reunião do ministério. O ministro Gabriel Passos, das Minas e Energia, porém, sob o pretexto de que aprovara a proposta colhido de surpresa e sensível à campanha que denunciava o diretor a serviço, o embaixador Roberto Campos, coordenador dos programas econômicos do governo e conhecido pelo seu passado anti-Petrobras, acabou exigindo do presidente João Goulart a saída de Lima Rocha da diretoria da empresa. O episódio mostrou que o governo estava dividido quanto à política do petróleo, e o fato teve reflexos muito sérios sobre a vida da Petrobras.

Às vésperas do movimento político-militar de 31 de março de 1964, a direção da empresa não foi considerada em condições de apurar as graves irregularidades denunciadas por dirigentes destituídos, e o governo nomeou uma comissão do Executivo para investigá-las e definir a orientação em setores básicos das atividades da Petrobras. Às inúmeras comissões de inquérito do Legislativo se somavam agora os esforços do próprio Executivo, pondo sob suspeita a diretoria por ele nomeada. A diretoria da Petrobras pediu oficialmente a desapropriação das ações da refinaria de Capuava, o que lhe daria seu controle, conforme facultado pela Lei nº 2.004, e em 13 de março de 1964, no chamado comício das reformas, o presidente João Goulart anunciou a encampação de todas as refinarias particulares. Em fins de 1963, o governo decretou o monopólio de importação do petróleo, que não constava da Lei nº 2.004, mas que era medida longamente reclamada para fazer valer em benefício do país o poder de “barganha” de grande comprador da Petrobras.

O período 1964-1967

O relatório de atividades da Petrobras relativo ao ano de 1964, redigido, portanto, sob a égide do regime militar instaurado em abril daquele ano, se mostrava sensível aos problemas de planejamento e anunciava que a administração da empresa preparava “novo plano de expansão, o qual se estenderá até 1970 e enquadrará todas as suas atividades dentro dos princípios básicos da política de petróleo do governo”. Ainda em 1964 foram adotadas providências que tiveram influência decisiva para a recuperação econômico-financeira da Petrobras: “a Instrução nº 207 da Sumoc, em que dispositivos sobre petróleo vieram eliminar o congelamento da taxa cambial e dos preços dos derivados do petróleo, antes mantidos fixos, por largos períodos, à custa de subsídios” e “a promulgação da Lei do Imposto Único, [que] reformulou a sistemática da formação de preços” (Lei nº 4.452, de 5 de novembro de 1964).

Fato verdadeiramente auspicioso foi a descoberta do campo de Carmópolis em Sergipe, que abriu novas perspectivas fora da Bahia, onde a produção se manifestava nitidamente estacionária a partir de 1961. O relatório de 1965 não só iria confirmar o êxito de Carmópolis, como iria revelar a descoberta de novos campos no Recôncavo Baiano. Em 1966, o valor da produção da indústria nacional de petróleo conseguiu ultrapassar a metade do valor do consumo medido a preços da importação, apesar de ter havido crescimento de 8% em relação ao ano anterior, e para tal resultado contribuiu ponderavelmente o aumento da produção de petróleo bruto. É importante mencionar que em 1966 foi promulgada nova Lei do Imposto Único e de Preços (Decreto-Lei nº 61, para vigorar a partir de 1º de janeiro de 1967). A lei reforçou notavelmente os recursos da Petrobras, inclusive porque adotou para o cálculo do custo do refino a ser remunerado pelos preços dos derivados, o das refinarias particulares, critério que obviamente favoreceu a Petrobras, possuidora de refinarias de maior capacidade de processamento.

Os êxitos obtidos pela Petrobras na pesquisa e na produção do petróleo ajudaram, sem dúvida, a empresa a se impor diante da orientação geral do governo que lhe era sabidamente contrária. É de justiça ressaltar que para isso muito contribuiu a chefia esclarecida e equilibrada do marechal Ademar de Queirós. Entretanto, a diretriz governamental em favor de uma expansão da iniciativa privada no setor do petróleo, especialmente na indústria petroquímica, levou o governo de Humberto Castelo Branco a promover revisões que enfraqueceram a política do monopólio estatal. O primeiro golpe contra a política do monopólio foi a revogação do decreto de encampação em julho de 1965. Nos consideranda do decreto (Decreto nº 56.570, de 9 de julho de 1965), não se discutia o mérito da medida, citando-se os pronunciamentos favoráveis à revogação datados na quase totalidade de após a vitória do movimento político-militar de 31 de março, inclusive do conselho de administração da Petrobras de 15 de outubro de 1964, e se invocando o “clima de tensão emocional e a pressão de forças demagógicas e ideológicas” sob as quais o decreto de encampação fora expedido para fundamentar a necessidade de revogá-lo. Na mesma data, o Decreto nº 56.571 fixou diretrizes e bases para a expansão da indústria petroquímica, “[por dever] ser estimulada a participação da iniciativa privada na expansão [dessa indústria]” e “[por não incluí-la] a Lei nº 2.004 no monopólio da União”.

A nova Lei do Imposto Único e da formação dos preços dos derivados do petróleo, o Decreto-Lei nº 61/66, acima citado, estabeleceu que poderiam ser livremente comercializados os produtos e subprodutos da refinação do petróleo destinados à indústria petroquímica, e previu que o CNP adotaria estímulos para que essa produção crescesse. O Decreto-Lei nº 208, de 27 de fevereiro de 1967, que se refere à cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e redistribuição do Fundo Rodoviário Nacional, rezava no seu artigo 9º que deveriam ser excluídos os rendimentos das refinarias particulares destinados à indústria petroquímica, não os levando em conta para definir a capacidade de refino excedente vedada pela Lei nº 2.004 e regulamentada pelo Decreto nº 41.652, de 4 de junho de 1957, conforme vimos acima. Certamente de acordo com essa orientação, a Constituição de 1967, promulgada em janeiro daquele ano para entrar em vigor a partir de 15 de março, não incluiu a refinação no monopólio estatal, que se limitou à pesquisa e à lavra. Entre as providências do governo Castelo Branco para estimular a instalação da indústria petroquímica sob a égide da iniciativa privada, deve ser citado o decreto que retirou do monopólio estatal o xisto betuminoso, de acordo com interpretação do consultor-geral da República.

O período 1967-1970

Não deixa de ser irônico o fato de o presidente Artur Duarte Candal Fonseca, da Petrobras, ter declarado em 9 de outubro de 1968 à Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, que a morosidade das obras das refinarias de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul se devia à retração do consumo. “Assim [com a retração do consumo], não teria sentido algum manter os cronogramas de execução das obras programadas, não só porque haveria deficiência de caixa, dada a baixa da receita, como porque não teria objetivo nenhum terminar estas unidades antes que houvesse necessidade de seu funcionamento.” A ironia está em que precisamente no ano em que ele fez essas declarações, o consumo de derivados de petróleo começou a se acelerar num ritmo nunca havido, bastando verificar que de 1967 a 1973 o consumo quase duplicou: consumo médio de 386 mil barris/dia em 1967 e de 724 mil em 1973. Em 1968, mesmo com a entrada em funcionamento das refinarias de Minas e do Rio Grande do Sul, o país precisava importar grande quantidade de derivados. O aumento do consumo de 1968 em relação ao de 1967 foi de 16%, e de acordo com o relatório da Petrobras relativo àquele ano, é conseqüência do “processo de reativação econômica” do país. Em termos de planejamento, porém, a Petrobras não seria surpreendida, como se pode ver pela própria relação das obras que o presidente Candal enumera na citada exposição. Eram elas as ampliações da capacidade de refinação em unidades já existentes, e a construção de uma nova refinaria em Paulínia, São Paulo, com funcionamento previsto para 1972.

Politicamente, o período 1967-1970 foi marcante pela criação e entrada em funcionamento da primeira subsidiária da Petrobras, designada pela sigla Petroquisa, de Petrobras Química S.A., e concebida para ser uma holding de subsidiárias e de participações financeiras no desenvolvimento da indústria petroquímica. O decreto que autorizou a sua criação (Decreto nº 61.981, de 28 de dezembro de 1967) foi o que fixou as condições da instalação e expansão dessa indústria, na realidade, orientado para as grandes unidades industriais ou pólos petroquímicos, uma vez que o país até então era carente da produção dos denominados produtos básicos, que, por sua vez, eram obtidos a partir de refinados do petróleo. Interpretava-se por decreto a Lei nº 2.004 para se permitir a associação da subsidiária com capitais privados nacionais e estrangeiros, e se deflagrava do ponto de vista institucional o processo que se corporifica hoje no chamado sistema Petrobras, um sistema em que a holding exerce atividades de monopólio, e todas as suas subsidiárias têm objeto social fora desse monopólio. A partir da criação da Petroquisa houve a tendência de se valer da organização e dos recursos da empresa para o desenvolvimento de atividades não-monopolizadas.

O período 1970-1975

A administração Ernesto Geisel na Petrobras se revelou muito dinâmica, concluindo ou dando prosseguimento em prazo relativamente curto a obras já programadas, ou dando início a novos projetos com o fim de enfrentar a nova dimensão do mercado; negociando operações de pesquisa no exterior e criando uma subsidiária para esse fim, ao mesmo tempo que desenvolvia a pesquisa na plataforma submarina, iniciada em 1968 e projetada, em fase de autorização de encomendas de equipamentos, desde 1966. Em 1972 havia três novas subsidiárias, além da Petroquisa: a Petrobras Distribuidora S.A., a Petrobras Internacional S.A. (Braspetro) e a Petrobras da Amazônia (Copam). Naquele ano entraram em operação a Petroquímica União e outras importantes unidades industriais em São Paulo, para o que foi decisiva a atuação da Petroquisa. Criou-se a Copene Ltda. Companhia Petroquímica do Nordeste, empresa piloto para realizar, sob a orientação do Conselho do Desenvolvimento Industrial do Ministério da Indústria e Comércio, e apoio financeiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, o planejamento e a programação de numerosos projetos que iriam integrar o pólo petroquímico do Nordeste, incluindo as indústrias de segunda geração (as que têm por matéria-prima os produtos básicos), e envolvendo investimento global da ordem de quatro bilhões de cruzeiros. Intensificava-se e diversificava-se o consumo do petróleo, tendo por objetivo primordial o desenvolvimento econômico.

Como já vimos, a Braspetro, subsidiária da Petrobras para a pesquisa e outras atividades no exterior, entrou em funcionamento em 1972. Anteriormente, a própria Petrobras iniciou negociações e firmou contratos com esse objetivo. No sentido de simplificar a formalização dessa atuação, foi modificada a Lei nº 2.004, dispensando-se a autorização do presidente da República e do CNP e as restrições quanto à constituição do capital das subsidiárias ou das empresas que se associassem, as mesmas que foram extintas pelo decreto que autorizou a criação da Petroquisa, conforme a Lei nº 5.665, de 21 de junho de 1971, que modificou a redação do artigo 41 da Lei do Monopólio.

No relatório de 1971, se dizia que o objetivo fora poupar as nossas reservas e obter maior segurança no abastecimento, tendo-se a preocupação de esclarecer que não havia esmorecimento no ritmo de exploração de nossas bacias sedimentares terrestres e da plataforma continental, que continuariam a merecer todo esforço. Para muitos, a ressalva procurava afastar qualquer interpretação que aproximasse a finalidade da providência do recomendado pela carta de Walter Link, de 29 de agosto de 1960, à diretoria da Petrobras: “A minha recomendação e conselho é para não continuar a exploração nas bacias paleozóicas no fim deste ano. Se, todavia, a Petrobras deseja permanecer na exploração petrolífera em larga escala, e em base de competição com a indústria petrolífera internacional, e se tem dinheiro para assim o fazer, sugiro que a Petrobras vá a algum outro país, onde podem ser obtidas concessões e onde as possibilidades de encontrar óleo são boas.”

O desenvolvimento econômico baseado no consumo crescente do petróleo começou a enfrentar dificuldades sérias a partir de fins de 1973, com a crise deflagrada a partir do conflito árabe-israelense de outubro daquele ano. As restrições eram ainda muito reduzidas pela preocupação do governo em minimizar os efeitos da alta dos preços internacionais. Dizia o relatório da Petrobras de 1973: “O Conselho Nacional do Petróleo ajustou os preços dos derivados em níveis mínimos, [havendo] aumento do preço médio dos derivados, em relação ao de 1972, de apenas 13,6%, respondendo o custo do petróleo e a taxa cambial por cerca de 70% dessa elevação.” O consumo foi de quase 20% maior que o de 1972. Contudo, em 1974, quando se iniciou a chamada política de racionalização, “especialmente através dos preços das gasolinas automotivas” (relatório da Petrobras de 1974), o crescimento do consumo mostrou uma taxa (7,7%) pouco acima da que parece ter sido a taxa histórica dos últimos 20 anos (7% ao ano).

Em 1975, o produto interno bruto apresentou notável queda no seu ritmo de crescimento; a dívida externa aumentou assustadoramente. Em 9 de outubro desse ano, o presidente Ernesto Geisel, juntamente com outras medidas para corrigir o desequilíbrio do balanço de pagamentos do país, autorizou a realização de contratos de serviços com cláusula de risco na pesquisa do petróleo, dando ênfase à definição sobre o alcance da política do monopólio estatal, conforme a que tivera oportunidade de externar ainda na presidência da Petrobras, e onde “o monopólio que a lei confere [à Petrobras] deve ser entendido como meio para que se possa cumprir a finalidade da empresa, qual a de assegurar, nas melhores condições possíveis, o abastecimento nacional de petróleo”.

A resposta da Petrobras à crise do petróleo: 1975-1985

A autorização para a assinatura dos contratos de risco, em finais de 1975, era um sinal claro que as exigências impostas pelo choque do petróleo não poderiam esperar uma transição lenta da exploração em terra para a pesquisa no mar. Com uma produção declinante até o ano de 1978, a empresa viveria o resto da década sob forte pressão por resultados.

Buscando criar uma alternativa para a crise o governo federal resgatou o velho projeto de se produzir combustíveis a partir da cana-de-açúcar, criando o Proálcool em 1975.  Originalmente esse projeto foi apresentado a primeira vez pelo Instituto do Açúcar e do Álcool ainda durante o primeiro governo Vargas.  Cogitou-se a possibilidade da criação de uma outra empresa estatal para administrar a produção do álcool combustível, o chamado etanol, mas prevaleceu a força política e econômica da Petrobrás de modo que a mesma passou a produzir e distribuir o etanol.

Na bacia de Campos, o grande desafio era representado pelo volume inédito de investimentos necessários para produção no mar, que exigiria inclusive um esforço importante de pesquisa tecnológica. Ambos objetivos foram cumpridos satisfatoriamente. Entre 1975 e 1981, o investimento da empresa em exploração e produção aumentou significativamente, representando, neste último ano, 83% do investimento total da companhia. O desafio para a produção rápida foi cumprido com o desenvolvimento dos chamados sistemas provisórios de produção. Estes sistemas previam a completação submarina dos poços, conectados através de linhas de fluxo em grandes válvulas que conduziam o petróleo para as próprias plataformas de exploração ou navios-sondas equipados para a separação da água, gás e sal, seguindo então para navios-tanque ou sistemas em terra.

Apesar das dificuldades na operação dos sistemas provisórios, a produção na bacia de Campos vai atingindo níveis cada vez maiores. Quando os sistemas definitivos começaram a ser postos em operação nos primeiros anos da década de 1980 — a primeira plataforma fixa foi instalada em 1983 no campo de Namorado —, os índices de produção foram sendo seguidamente superados. Em 1985, o país já produzia metade do petróleo que consumia, muito acima, portanto, dos 14% registrados em 1979.

Paralelamente à expansão de suas atividades, o setor de exploração e produção ia experimentando mudanças administrativas. Em 1978, foi criado o Grupo Executivo da Bacia de Campos — Gecam —, um órgão idealizado para centralizar decisões e controle sobre os grandes projetos em Campos. No ano seguinte, as atividades de exploração e produção voltaram a ser separadas, com a exploração retomando o status de departamento. O Dexpro foi, então, tripartido, sendo criados os Departamentos de Produção e de Exploração e um Serviço de Perfuração. Em 1980, também este último assumiria o status de departamento.

No que se refere à atuação no exterior, a ação da Braspetro pode estender-se bastante além dos limites imaginados. Firmou vários contratos de assistência técnica, obteve áreas para exploração e coordenou até mesmo o nascente comércio entre o Brasil e os países produtores de óleo. Numa primeira fase, a Braspetro operou preferencialmente em associação com empresas estatais locais. Em 1972, foram firmados contratos de exploração com a Colômbia, o Iraque e Madagascar. Nos anos seguintes, passou a operar também no Egito, Irã (associada à Mobil Oil), Líbia e Argélia. Contudo, com exceção do contrato na Colômbia e no Iraque, nenhuma destas iniciativas apresentaram resultados significativos. Seu maior êxito seria, sem dúvida, a descoberta do campo gigante de Majnoon, no Iraque, em 1976. Entretanto, o risco político associado ao conflito Irã-Iraque, que poderia dar razão a uma nacionalização arbitrária, e a competição pelos recursos da Petrobras, que iniciava pesados investimentos em Campos, levou a Braspetro a aceitar um acordo com o governo iraquiano, cedendo o campo em troca de um indenização e garantia de fornecimento.

No que se refere à exploração de petróleo por companhias privadas, nacionais e estrangeiras, sob o regime de contrato de risco, os resultados também foram pouco significativos, apesar do interesse demonstrado pelas empresas internacionais. Sob a administração da Superintendência dos Contratos de Exploração (Supex), ligada à presidência da empresa, criada especialmente para este fim, foram realizadas ofertas de várias áreas em todo o Brasil. Na primeira rodada, em junho de 1976, apenas seis propostas foram apresentadas, mas nas rodadas seguintes, mais de 30 empresas se candidataram à exploração de diversas áreas, dentre elas a British Petroleum em Santos e a Shell e a Elf na bacia amazônica. Entretanto, além de conhecimentos adicionais sobre áreas ainda não exploradas pela Petrobras, 12 anos de contratos de risco deram origem apenas a uma jazida de gás em Santos, explorada pela Pecten, e pequenos campos em terra, descobertos por empresas brasileiras no Rio Grande do Norte.

Em meados dos anos 1980, a solução interna havia se mostrado a mais eficiente. Em 1983, antigas áreas produtoras no Recôncavo retomavam o crescimento da produção, conseguido com novas descobertas e novas técnicas de exploração dos campos. Entre novembro de 1984 e fevereiro de 1985, a empresa anuncia a descoberta dos campos gigantes de Marlim e Albacora. Ainda que situados em lâminas de água jamais exploradas antes, apontavam, pelo volume de reservas, para a auto-suficiência e para novos horizontes exploratórios em toda a plataforma continental. Em 1986, os 30 anos de pesquisa na Amazônia apresentavam finalmente resultados positivos, com a descoberta das reservas de petróleo no rio Urucu, bacia do Solimões. Era a primeira descoberta em bacias paleozóicas. De um só golpe dois mitos ligados à própria criação da empresa — a autosuficiência e o petróleo da Amazônia — poderiam ser superados.

Enquanto isso, a Braspetro continuava suas operações dando preferência, na década de 1980, a áreas de menor risco exploratório, como o golfo do México ou o mar do Norte, mas sem qualquer descoberta sequer comparável a Majnoon. Pelo lado dos contratos, a polêmica aumentava com a redemocratização do país. Autoridades do próprio governo acusavam a empresa de dificultar a operação das empresas estrangeiras, pressionando por modalidades de contrato mais flexíveis, ao mesmo tempo em que grupos oposicionistas verberavam a herança inaceitável da ditadura. A criação da Paulipetro, pelo governador nomeado de São Paulo, Paulo Maluf, tornara impossível a discussão técnica sobre a matéria. A disputa seria finalmente encerrada com a proibição determinada pela Constituição de 1988.

O ciclo das subsidiárias

A criação de empresas subsidiárias era virtualmente proibida pela legislação de 1953, que visava bloquear qualquer forma de associação possível da empresa com capitais privados. Somente em 1967, uma legislação específica seria editada, suspendendo as disposições originais da Lei nº 2.004. Seu propósito era oferecer um quadro legal para a expansão do setor petroquímico, após o bloqueio, em 1964, da opção puramente estatal, articulada pela Petrobras em conjunto com o BNDES, e do fracasso dos empreendimentos privados, já patente ao final de 1966, conduzidos pela Union Carbide e pela Petroquímica União. O chamado modelo tripartite, consagrado na construção do Polo Petroquímico do Nordeste (1972), tornaria a Petroquisa S.A, criada em 1967, o núcleo de uma associação complexa entre investimentos estatais, capital nacional e empresas multinacionais.

A constituição de subsidiárias, contudo, não se estendeu ao núcleo básico das atividades da Petrobras e seria repetida apenas para dar conta de atividades não-incluídas no monopólio estatal. Em 1972, a infra-estrutura de distribuição de derivados seria incorporada à BR-Distribuidora, uma empresa que já nasceu líder no setor. No mesmo ano, a Braspetro surgia como o braço da Petrobras na exploração fora do país.

Sob o governo Geisel, a criação de subsidiárias da Petrobras já obedecia diretrizes outras que simplesmente a expansão de seus negócios. A Interbrás, criada em 1976, deveria usar a presença comercial da Petrobras nos países exportadores de petróleo para ampliar mercados para produtos brasileiros. No mesmo ano, a criação da Petrofértil, que agrupava várias unidades produtoras da Petrobras e da Petroquisa, obedecia aos imperativos da Política Nacional de Fertilizantes. A Petromisa, criada em 1978 para explorar jazidas de potássio em Sergipe, também se devia mais aos projetos governamentais para a produção mineral do que às estratégias empresariais da Petrobras.

Ao longo das décadas de 1970 e 1980, o balanço das atividades de suas subsidiárias seria bem claro. As atividades ligadas diretamente ao negócio petróleo, geridas pela Petroquisa, Braspetro e BR-Distribuidora mostraram-se empreendimentos lucrativos. A gerência das demais atividades revelaria a contradição entre os meios à disposição da empresa e os objetivos governamentais fixados. A política de preços para os fertilizantes, instrumento predileto de política agrícola, freqüentemente reduzia a lucratividade da Petrofértil. As incertezas econômicas do Brasil e do mundo na conjuntura internacional no início dos anos 1980, tornavam difícil o sucesso de uma trading brasileira e a Interbrás passou rapidamente por várias mudanças de estratégia empresarial. Após uma experiência difícil com operações offshore, na passagem da década, a empresa voltou-se para operações mais seguras. Entre 1982 e 1985, cerca da metade do faturamento da Interbrás era constituída pela exportação de gasolina produzida pela Petrobras para os EUA. No caso da Petromisa, avaliações deficientes da complexidade e do custo do empreendimento atrasaram o início de suas operações comerciais por quase dez anos e sua infra-estrutura terminou custando três vezes mais do que o projetado.

No início dos anos 1990, o esgotamento da utilização das subsidárias da Petrobras como instrumentos para ações de governo era evidente e estas empresas se tornaram alvo preferencial do programa de reforma de Estado do governo Collor de Melo. Petromisa e Interbrás foram extintas em suas primeiras horas, as subsidárias da Petroquisa e a Petrofértil privatizadas nos primeiros anos da década de 1990, permanecendo no organograma da empresa apenas a BR-Distribuidora e a Braspetro.

A redemocratização e a Petrobras: 1985-1990

Ao mesmo em que os êxitos da companhia na exploração reforçavam sua posição empresarial, a culminação do processo democrático, com a eleição do presidente Tancredo Neves e a posse — por motivo de doença e morte do titular — de seu vice, José Sarney, marcaria o início de uma fase de crescentes dificuldades administrativas e econômicas.

No plano administrativo, as mudanças mais importantes ocorreram nas relações com o governo e com os sindicatos de petroleiros. Após décadas de relativo insulamento das pressões políticas, a administração da Petrobras passou a enfrentar uma ingerência mais direta do governo em seus assuntos internos, traduzida, ao longo do governo José Sarney (1985-1990), por grande instabilidade de sua direção. Ao todo, cinco presidentes se sucedem no período — Hélio Beltrão (1985-1986), Osíris Silva (1986-1988), Armando Guedes Coelho (1988-1989), Orlando Galvão (1989) e Carlos Santana (1989-1990) —, com rotatividade semelhante no corpo de diretores. Denúncias de corrupção e irregularidades passam a freqüentar a mídia.

Os sindicatos, por sua vez, viam na fraqueza política do governo, sobretudo após 1987, e no fim da repressão violenta às greves, uma oportunidade preciosa para a luta contra perdas salariais provocadas pela inflação. Pela primeira vez desde 1962, uma greve de petroleiros é deflagrada em 1987. Greves, como a que se estendeu de novembro de 1989 a janeiro de 1990, para a adoção do turno de seis horas de trabalho nas refinarias e plataformas, aprovado pela Constituição de 1988, se tornariam recorrentes daí em diante.

Outros aspectos importantes do relacionamento entre a empresa, a sociedade e o governo, que emergiram ao longo da segunda metade dos anos 1980, foram a preocupação com o impacto ambiental de suas atividades e as disputas com o governo federal por conta do custo da sustentação do Proálcool.

Acidentes, como o derramamento de óleo no terminal de Angra dos Reis, em agosto de 1989, com ampla repercussão na imprensa, trouxeram danos à sua imagem. A Petrobras redefiniu, então, sua política de proteção ao meio ambiente, instalando equipamentos para o controle da poluição atmosférica e dos resíduos líquidos nas refinarias e terminais, além de patrocinar vários programas de preservação.

Por essa mesma época, a queda dos preços internacionais do petróleo e a política de reajustes dos preços de combustíveis tornaram a política oficial de subsídios ao programa do álcool cada vez mais irreal, sendo sua pesada conta assumida pela empresa. O governo, paralisado pela força do lobby do setor no Congresso pouco fez, tornando o segundo semestre de 1989 um momento difícil para a empresa. Em novembro de 1989, era anunciada uma redução de 1,1 bilhão de dólares nos investimentos previstos para 1990, com repercussões inclusive sobre o nível de reservas de petróleo, que sofreria a primeira redução em 15 anos.

A principal fonte de dificuldades para a empresa no período, porém, seria o controle dos seus preços, uma tentação a que sucumbiu o governo, em todas as fases de luta contra a inflação em alta. Em dezembro de 1989, em depoimento a uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) criada para investigar a empresa, seu presidente, Carlos Santana, informava uma perda acumulada de 1,9 bilhão de dólares, provocada pela venda de derivados abaixo do preço internacional. As perdas com o Proálcool, relativas à estocagem, alcançaram 234 milhões de dólares no ano e a empresa estava sendo obrigada a vender nafta para o mercado interno a 92 dólares por tonelada, enquanto comprava no mercado internacional a 160 dólares a tonelada. O relatório final da CPI, divulgado em dezembro de ano seguinte, mencionava perdas de mais de dez bilhões de dólares ao longo do governo Sarney, dos quais cerca de três bilhões de dólares somente pela defasagem dos preços dos derivados.

Nestas condições, o lucro líquido da empresa, anunciado em janeiro de 1990, foi de 160 milhões de dólares, 66% inferior aos 471 milhões de dólares registrados em 1988. Com um déficit de caixa em dezembro de 1,4 bilhão de dólares, a empresa, pela primeira vez em seus 36 anos, não distribuiu dividendos aos portadores de ações ordinárias.

A década de 1990: o fim domonopólio

O ínicio do governo Collor de Melo (1990-1992) demonstrou o interesse em enfrentar o desafio de transformar o relacionamento entre a empresa e o Poder Executivo. A reforma administrativa trouxe consigo, ainda em março de 1990, a extinção do Conselho Nacional do Petróleo e de duas subsidiárias, a Interbrás e a Petromisa. A idéia de concentrar a empresa em sua principal atividade seria completada pela indicação, para sua presidência, de um executivo de prestígio, Luís Otávio da Mota Veiga.

No ano difícil do confisco dos ativos financeiros do Plano Collor, a empresa continuou a bater recordes de produção, chegando, em setembro de 1990, à produção de 682 mil bpd. Os resultados financeiros também foram importantes e, em fevereiro de 1991, foi anunciado um lucro de 577 milhões de dólares para 1990. Em julho de 1991, a Petrobras batia o recorde mundial de profundidade na exploração de petróleo offshore. Com a situação mais estável e definida a privatização do setor petroquímico, a partir de meados de 1991, a própria Presidência da República começou a aventar a hipótese de uma reformulação mais profunda da política para o petróleo, com uma revogação parcial do monopólio estatal.

Entretanto, este curso de normalidade seria interrompido pelas denúncias de corrupção que rapidamente desestabilizariam o governo Collor de Melo, e que teriam um de seus principais focos na administração da Petrobras. Primeiro, com a demissão de Mota Veiga por recusar um contrato de fornecimento privilegiado para a VASP recém-privatizada. Depois, com a revelação de um esquema de corrupção envolvendo a intermediação dos contratos de fornecimento de petróleo e a administração do fundo de pensão dos funcionários, supostamente comandado pelo secretário de Assuntos Estratégicos do governo, Pedro Paulo Leoni Ramos. Mesmo com desmentidos oficiais, no início de 1992, vários funcionários da empresa seriam demitidos e algumas operações imobiliárias da Petros ficariam sob suspeita.

Ao mesmo tempo em que se desdobravam os escândalos de corrupção, velhos problemas retornavam. Com a inflação crescente, o governo voltava a experimentar a tentação de controlar os preços dos derivados, com repercussões imediatas sobre os resultados da empresa e um novo ciclo de crise financeira começa a ser noticiado a partir de junho de 1992. A direção da empresa começa, então, a examinar hipóteses de associação ao capital estrangeiro como uma fonte de recursos para investimentos e como reação às manifestações oficiais pelo fim do monopólio.

De fato, a profunda instabilidade política e econômica do biênio 1992-1993 não permitiria que a direção da Petrobras tivesse diretrizes claras para sua atuação e tornou mais do que evidente o desgaste no padrão de relacionamento entre a empresa e seu maior acionista, o governo federal. Apenas com a consolidação do governo Itamar Franco (1992-1995), resultante da reforma ministerial de meados de 1993 e a deflagração de um novo plano de controle da inflação, foram criadas condições mais favoráveis para a condução da empresa. Sob Itamar Franco, Joel Mendes Rennó iniciou, em meados de 1993, aquela que seria a primeira gestão continuada da empresa desde o fim do regime militar.

Por parte da empresa, a busca de padrões de relacionamento mais estável com o governo federal deu origem ao contrato de gestão assinado em janeiro de 1994, que sancionava também seus projetos de associação com capitais privados. Contudo, a vitória de Fernando Henrique Cardoso nas eleições de outubro de 1994, implicaria mudanças mais profundas.

O programa de reformas constitucionais do novo governo iniciou-se justamente pela ordem econômica e, em junho de 1995, o Congresso Nacional aprovava a quebra do monopólio estatal do petróleo. Como decorrência, o governo enviou, em março do ano seguinte, o projeto de criação da Agência Nacional do Petróleo, uma agência executiva que deveria regular o funcionamento de todo o setor petróleo, inclusive as concessões para exploração, no ambiente de livre competição criado pela Emenda Constitucional nº 9.

No início de 1995 a Petrobrás passou por uma greve de proporções e conseqüências históricas.  Deflagrada no início de Maio, a greve durou 32 dias e atingiu quase 90% do Petroleiros, paralisando terminais e a maioria das refinarias. Com cerca de dez dias de greves o Tribunal Superior do Trabalho declarou a greve abusiva e a Petrobrás soltou a primeira lista de demitidos, que incluía algumas das lideranças sindicais.  Ficava claro que nem o governo nem a direção da empresa pretendiam negociar com o sindicato.  Com cerca de 20 dias de greve começou a faltar no mercado gás de cozinha e gasolina.  No final do mês de maio o governo federal ordenou ao exército que ocupasse as refinarias da Petrobrás e garantisse seu funcionamento. No dia 03 de Junho a greve foi encerrada sem que nenhuma reivindicação fosse atendida, cerca de 75 petroleiros foram demitidos, mais de 1000 punidos e alguns lideres sindicais tiveram que responder processos baseados na Lei de Segurança Nacional.  O procedimento do governo indicava que o mesmo não pretendia desistir ou sequer adiar seus planos, que incluíam a flexibilização da estabilidade dos petroleiros, em função de pressões sindicais.

Em 1996 a Petrobrás passou a operar na Bolívia em sociedade com a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos, na exploração e beneficiamento do gás.  No mesmo ano iniciou a construção do gasoduto Brasil-Bolívia, com custo orçado em 2 bilhões de dólares.   Por intermédio da Petrobras Bolivia Refinación, durante sete anos a Companhia foi responsável pelas duas maiores refinarias do país: Guillermo Elder Bell (Santa Cruz) e Gualberto Villarroel (Cochabamba). Ambas processam uma média global aproximada de 40.000 bpd, volume que abastece a totalidade da demanda interna de gasolinas Especial e Premium, Combustíveis de Aviação (Gasolina e Querosene) e Querosene, além de atender a 60% do consumo de Diesel.

Dez anos depois do início das grandes operações na Bolívia o governo de Evo Morales nacionalizou todas as reservas de hidrocarbonetos e ocupou as duas refinarias controladas pela Petrobrás no país.  No final de maio de 2009 o governo brasileiro aceitou pagar os preços exigidos pela Bolívia e a Petrobrás pode voltar a operar no refino do petróleo e na produção de gás, mas deixando de ter a propriedade das jazidas.

A lei lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997 quebrou definitivamente o monopólio da Petrobrás abrindo espaço para que várias empresas internacionais pudessem penetrar no mercado brasileiro, tanto na exploração, quanto na distribuição e refino.  Na prática, contudo, as mais bem sucedidas experiências de empresas estrangeiras aconteceram em sociedade com a Petrobrás, como a rede de distribuição ampliada em sociedade com a Repsol, os poços de petróleo no pré-sal descobertos em parceria com a Shell e a Repsol e a construção da refinaria de Pernambuco, parceria da Petrobrás com a PDVSA.

 

O Século XXI – Auto-suficiência e pré-sal

 

No dia 15 de Março de 2001 a Petrobrás viveu talvez o seu maior acidente operacional, o afundamento da plataforma P-36.  Construída na Itália, ao custo de mais de 350 milhões de dólares a P-36 era a maior plataforma flutuante para exploração de petróleo, até a data citada em que após duas explosões em uma de suas colunas a plataforma adernou e depois de cinco dias afundou.  As cerca de 170 pessoas que trabalhavam embarcadas foram resgatadas. As explosões, contudo, fizeram 11 vítimas fatais.  Uma investigação da ANP concluiu que as explosões foram causadas por erros de manutenção de projeto.  O sindicato dos petroleiros, contudo, afirmou que a mão de obra tercerizada da Petrobrás, que aumentou muito durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, não estava sendo adequadamente treinada para operar as funções mais complexas e perigosas.

Como já foi mencionado, desde os anos 80 a Petrobrás perseguia a auto-suficiência no mercado interno.  Isto é, a capacidade de produzir mais óleo do que todo o consumo registrado internamente.  Esta meta foi alcançada provisoriamente no final de 2005, e amplamente divulgada pelo governo.  Contudo, o aumento do consumo a partir de 2006 fez com que novamente a importação aumentasse.  A perspectiva atual em 2009 era  que com o inicio das operações no pré-sal tenhamos um superávit consolidado e crescente, tornando o Brasil, inclusive, um possível exportador de Petróleo.  Uma evidência nesse sentido foi o convite da OPEP (Organização dos países exportadores de Petróleo) feito em 2008 para que o Brasil ingressasse na organização.  Contudo, para zerar a importação não basta produzir uma quantidade de óleo superior ao total bruto consumido.  O Brasil também precisaria aumentar sua capacidade de refino, especialmente de óleos leves.

Com o objetivo de aumentar a capacidade de refino a Petrobrás iniciou em 2007, em sociedade com a PDVSA da Venezuela, a construção da Rnest, Refinaria do Nordeste, ou Refinaria Abreu e Lima, localizada no municipio de Ipojuca, na região metropolitana de Recife. A Rnest será uma refinaria média, com custo aproximado de 4 bilhões de dólares, mas de alta tecnologia, capaz de processar cerca de 200.000 barris de petróleo por dia, produzindo óleo diesel com baixissimo nivel de enxofre e derivados como Nafta, de forma a abastecer o polo petroquímico de Pernambuco que também está sendo ampliado.

Em 2008 a Petrobrás iniciou as obras de um dos seus mais ousados projetos recentes, o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, na cidade de Itaboraí. Trata-se de um complexo de industrias petroquimicas que serão abastecidas por uma refinaria de tamanho semelhante a Rnest, mas com capacidade para refinar uma variedade maior de óleos.  O custo total do projeto está projetado em 9 bilhões de dólares e o inicios das operações previsto para 2012.

Em 2009 a Petrobrás anunciou planos para instalar mais três refinarias no nordeste, dedicadas basicamente à produção de óleo diesel de alta qualidade. Já em processo de licenciamento estariam as refinarias do Maranhão e do Ceará.  A terceira prevista é a refinaria do Rio Grande do Norte.

Mas, talvez o fato mais importante da história recente da Petrobrás e que justifica uma previsão de investimento até 2013 da ordem de 150 bilhões de doláres tenha sido a descoberta de petróleo no pré-sal. Em 2006,  a Petrobrás anunciou a existência de indicios de reservas de petróleo na camada pré-sal, fato que foi confirmado no ano seguinte.  A chamada camada pré-sal é um conjunto de rochas que se estende por baixo de uma extensa camada de sal, que em certas áreas da costa atinge espessuras de até 2.000m. O termo pré é utilizado porque, essa camada se sedimentou antes da camada de sal. A profundidade total dessas rochas, que é a distância entre a superfície do mar e os reservatórios de petróleo abaixo da camada de sal, pode chegar a mais de 7 mil metros. A Petrobrás descobriu potenciais jazidas de petróleo na faixa que vai do litoral de Santa Catarina até o Espírito Santo. Mas, essa formação geológica se encontra numa faixa mais extensa, podendo chegar até o Ceará.  As reservas do pré-sal estão localizadas a uma distância grande da costa, em alguns casos superior a 200 milhas e em média a 6.000 metros de profundidade.

A primeira extração de petróleo do pré-sal foi no campo de Tupi, na bacia de Santos, mas tratou-se de um extração experimental.  O primeiro poço de petróleo operacional no pré-sal está localizado no campo Jubarte na bacia de Campos, mas ainda produz quantidades reduzidas. A Petrobrás acredita que a partir de 2010 esses poços poderão entrar em operação comercial. Outro fator que deve ser destacado é que o petróleo encontrado no pré-sal brasileiro é do tipo leve e bastante puro, portanto, de alta qualidade.  Para termos uma idéia do potencial do pré-sal somente as jazidas encontradas nos campos de Tupi, Iara e Baleias totalizam 15 bilhões de barris, o que corresponde ao total das nossas reservas disponíveis em todos os outros campos.  Portanto, estes três campos já dobrariam nossas reservas estimadas.

Outra iniciativa recente foi a criação da empresa Petrobras Biocombustível, subsidiária responsável pelo desenvolvimento de projetos de produção e gestão de etanol e biodiesel. Os biocombustíveis são combustíveis produzidos a partir de vegetais oleaginosos como a mamona e o dendê.  A produção de biocombustíveis ainda é bastante reduzida, mas tanto a Petrobrás quanto o governo federal apostam nesta nova forma de energia renovável como forma de atender às crescentes demandas por combustíveis limpos, isto é, não prejudiciais ao meio-ambiente.

Em 2009 a Petrobrás continuava sendo a maior empresa do país, tendo alcançou o posto de oitava maior empresa em valor de mercado do mundo. A Petrobrás possuía mais de 100 plataformas de produção, 16 refinarias, 30 mil quilômetros em dutos e mais de seis mil postos de combustíveis.

 

 

 

Raimundo de Araújo Castro Filho/José Luciano Dias/ Sydenham Lourenço Neto

colaboração especial

 

FONTES: AMARAL, I. Sugestões; Cadernos Est. Bras. (1972); CÂM. DEP. Documentos; COHN, G. Petróleo; Correio da Manhã (20/11/60); DIAS, J. L. ; QUAGLINO, M. A. Questão; Estado de S. Paulo (1/11/78); Folha de S.Paulo. Disponível em : <http://www1. folha.uol.com.br/folha/cotidiano/plataforma.shtml>. Acesso em : 26 nov. 2009; Globo (31/12/60); LEMOS, P. Ninguém; LOBATO, M. Escândalo; LOPES, I. Petróleo; MIN. AGRIC. Bases; MOURA, P. Busca; PASSOS, G. Estudo; PETROBRAS. Relatório de atividades; Senhor (8/61); SUAREZ, A. Petroquímica; VIVÁQUA, A. Nova; VÍTOR, M. Batalha; WERNECK, R. F. Empresas.