PARTIDO SOCIAL DEMOCRATICO (PSD-1945-1965)

PARTIDO SOCIAL DEMOCRATICO (PSD-1945-1965)

 

Partido político de âmbito nacional fundado em 17 de julho de 1945 pelos interventores nomeados por Getúlio Vargas durante o Estado Novo. Participou da maioria das eleições (proporcionais e majoritárias) realizadas no Brasil entre 1945 e 1965. Na política nacional seu aliado mais constante foi o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), embora tenha realizado inúmeras alianças também com a União Democrática Nacional (UDN), considerada sua tradicional “adversária”. Majoritário na Câmara dos Deputados durante toda a sua história, o PSD elegeu dois presidentes da República (1945 e 1955), contribuiu decisivamente para a eleição de Getúlio Vargas em 1950, conquistou vários governos estaduais e integrou praticamente todos os ministérios do período. Como os demais partidos políticos em funcionamento no país, foi extinto em 27 de outubro de 1965, pelo Ato Institucional nº 2.

 

Origens e fundação

Desde o ano de 1943 os primeiros sinais de exaustão do Estado Novo vinham apontando a redemocratização como saída para o regime autoritário. A partir da primeira manifestação ostensiva de oposição ao regime, traduzida na publicação do Manifesto dos mineiros, e dos sinais evidentes de que a guerra mundial resultaria em vitória dos Aliados e das democracias, o presidente Getúlio Vargas iniciou conversações com os interventores sobre a necessidade da aglutinação das forças que apoiavam o governo. Assim, já em fins de 1944 passaram a se reunir no Rio de Janeiro, no apartamento do interventor Benedito Valadares (MG), os interventores Ernâni Amaral Peixoto (RJ), Fernando Costa (SP), Agamenon Magalhães (PE), Valadares e o prefeito do Distrito Federal, Henrique Dodsworth.

Nas primeiras reuniões, os participantes se dividiram: enquanto Amaral Peixoto, Agamenon e Dodsworth eram favoráveis a partidos nacionais, Fernando Costa e Valadares defendiam a constituição de partidos regionais. Consultado, o presidente da República deu apoio à tese dos partidos nacionais. Em seguida, levado por Agamenon Magalhães, Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho recolheu as idéias do grupo sobre a organização e os fundamentos do partido a ser criado e redigiu o primeiro programa do Partido Social Democrático (PSD). Ainda como produto dessas reuniões saíram alguns esboços de lei eleitoral e propostas para a realização de eleições.

A entrevista de José Américo de Almeida ao Correio da Manhã em 22 de fevereiro de 1945, rompendo a censura à imprensa, e o lançamento do brigadeiro Eduardo Gomes como candidato à presidência da República, numa segunda entrevista do mesmo José Américo a O Globo, apressaram a finalização do projeto do governo. Em 28 de fevereiro foi assinada a Lei Constitucional nº 9 chamada pela imprensa de Ato Adicional prevendo eleições gerais. Em 3 de março Agamenon Magalhães tomou posse no Ministério da Justiça para “coordenar a normalização política do país”.

Para responder à oposição, que já tinha candidato à presidência da República, Valadares foi incumbido pelo presidente Vargas de lançar oficialmente a candidatura do ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra. Valadares fez o lançamento em São Paulo em 13 de março e em Belo Horizonte 14 dias depois.

Nos estados, o PSD começou a ser organizado sob a liderança dos interventores, reunindo prefeitos (todos nomeados pelos interventores), membros da administração estadual e outras forças que apoiavam o governo, como proprietários rurais, industriais, comerciantes, funcionários públicos etc. Em muitos estados, o que decidiu a adesão ou não ao PSD foi a questão regional. Políticos que apoiavam o presidente Vargas mas dissentiam do interventor ficaram na oposição. Antigas desavenças que remontavam à República Velha também influíram na formação do novo partido.

Entretanto, uma vez mais a oposição tomou a dianteira. Em 7 de abril foi oficialmente fundada a União Democrática Nacional (UDN), reunindo todos aqueles que se opunham ao Estado Novo.

O governo, por sua vez, avançava seu projeto político. Em 18 de abril era assinado o Decreto-Lei nº 7.474, que concedia a anistia política, e em 28 de maio o Decreto-Lei nº 7.586, regulamentando a criação de partidos políticos de âmbito nacional e as eleições: número mínimo de dez mil assinaturas para o registro dos partidos, obrigatoriedade de inscrição dos candidatos no partido até 15 dias antes das eleições, voto secreto e obrigatório, sufrágio universal, prazo de 90 dias para desincompatibilização, eleições presidenciais e parlamentares marcadas para 2 de dezembro de 1945 e estaduais para 6 de maio de 1946.

O PSD, que se organizava nos estados e municípios, só realizaria sua convenção nacional em 17 de julho, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Aí foram lançadas as bases nacionais do partido e homologada a candidatura do general Dutra à presidência da República. Formavam a primeira comissão diretora Getúlio Vargas (presidente), Benedito Valadares (primeiro-vice-presidente) e Fernando Costa (segundo-vice-presidente). O primeiro diretório nacional ficou assim composto: Benedito Valadares (MG), Fernando Costa (SP), Agamenon Magalhães (PE), Ernâni Amaral Peixoto (RJ), Renato Onofre Pinto Aleixo (BA), Ismar de Góis Monteiro (AL), Álvaro Maia (AM) e Henrique Dodsworth (DF).

O recrudescimento da campanha popular pela permanência de Getúlio Vargas no governo (“Queremos Getúlio” e “Constituinte com Getúlio”) aumentava as suspeitas da oposição civil e militar de que Vargas pretendia continuar no poder, e a conspiração contra ele começou a se avolumar. A nomeação de Benjamim Vargas, irmão do presidente, para chefe de polícia do Distrito Federal foi considerada pelos generais um sinal evidente de que estava em marcha uma manobra continuísta. Vargas foi deposto em 29 de outubro de 1945, e José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal, assumiu a presidência da República. Nos estados, os interventores, em sua grande maioria, foram substituídos por elementos do Poder Judiciário.

Após a queda de Getúlio, o PSD reforçou seus preparativos para concorrer às eleições de 2 de dezembro. Em 5 de novembro o diretório nacional realizou reunião com os interventores depostos, que decidiram manter o apoio à candidatura Dutra. Em 25 de novembro, instado por seus correligionários, Vargas acabou por enviar do Rio Grande do Sul um manifesto a seus seguidores, pedindo que votassem em Dutra.

Dessa forma, apoiado pelo presidente deposto e firmemente sustentado pela sólida estrutura do PSD, que estava organizado em todos os municípios do Brasil, Eurico Gaspar Dutra foi eleito presidente da República com 55% da votação. Além do presidente, o PSD obteve ainda maioria absoluta na Assembléia Nacional Constituinte, elegendo 151 deputados em 286 e 26 senadores em 42.

 

O governo Dutra 1946-1951

Amplamente vitorioso nas eleições de 1945, o PSD confirmou sua posição de principal suporte do governo, fornecendo dez ministros durante todo o período Dutra: Justiça — Carlos Luz (31/1 a 2/10/1946), Benedito Costa Neto (2/10/1946 a 7/11/1947), Adroaldo Mesquita da Costa (7/11/1947 a 1/4/1950) e José Francisco Bias Fortes (1/4/1950 a 31/1/1951); Relações Exteriores — João Neves da Fontoura (31/1 a 24/7/1946): Fazenda — Gastão Vidigal (1/2 a 15/10/1946); Viação e Obras Públicas — Edmundo de Macedo Soares e Silva (1/2 a 16/10/1946), Clóvis Pestana (25/10/1946 a 30/3/1950); Educação e Saúde — Pedro Calmon (4/8/1950 a 31/1/1951); Trabalho, Indústria e Comércio — Honório Fernandes Monteiro (20/10/1948 a 29/6/1950).

Apoiado em confortável maioria parlamentar, o PSD elegeu o presidente da Assembléia Nacional Constituinte, o senador Fernando Melo Viana (MG). Nereu Ramos (SC), escolhido líder da maioria, foi eleito presidente da Comissão Constitucional, integrada por representantes de todos os partidos e encarregada de elaborar o projeto de Constituição e apreciar as emendas apresentadas.

A participação do partido nos trabalhos da Constituinte foi bastante intensa no capítulo da ordem econômica e social, incluindo tópicos como a participação dos empregados nos lucros das empresas, a intervenção do Estado para coibir abusos do poder econômico, o direito de greve, a confirmação da legislação trabalhista etc.

Além disso, o PSD apoiou firmemente a sugestão de Dutra no sentido de reduzir o mandato do presidente da República, inicialmente fixado em seis anos e finalmente reduzido para cinco pela Constituição promulgada em 18 de setembro de 1946. No dia seguinte, Nereu Ramos foi eleito vice-presidente da República pelo Congresso Nacional, obtendo 178 votos contra 139 dados a José Américo de Almeida, da UDN da Paraíba.

Nas eleições de 19 de janeiro de 1947 o PSD solidificou ainda mais sua posição. Nas eleições complementares para a Câmara e o Senado o partido fez dez deputados, três em coligação com o Partido Republicano (PR), num total de 19 vagas, além de 14 senadores em 21. Completava-se assim o número de três senadores por estado, determinado pela nova Constituição.

Para os governos estaduais, o partido elegeu 11 governadores: Alagoas — Silvestre Péricles de Góis Monteiro; Mato Grosso — Arnaldo Figueiredo; Pará — Luís e Moura Carvalho; Paraná — Moisés Lupion; Pernambuco — Barbosa Lima Sobrinho; Rio Grande do Norte — José Augusto Varela; Rio Grande do Sul — Válter Jobim; Espírito Santo — Carlos Fernando Lindenberg (PSD-UDN); Santa Catarina — Aderbal Ramos da Silva (PSD-PTB); Sergipe — José Rolemberg Leite (PSD-PTB-PR); e Rio de Janeiro — Edmundo de Macedo Soares e Silva (PSD-PTB-UDN). Além disso, o PSD coligou-se com a UDN e com o Partido de Representação Popular (PRP) para eleger o governador da Bahia, o udenista Otávio Mangabeira.

No entanto, nessas mesmas eleições defrontaram-se pela primeira vez duas facções em que se havia dividido o partido logo após o início do governo Dutra: os dutristas e os getulistas. No Maranhão, Vitorino Freire, dutrista, entrou em choque com o presidente do diretório regional, Clodomir Cardoso, e fundou um partido especialmente para disputar as eleições estaduais: o Partido Proletário Brasileiro (PPB). Grande parte do PSD o acompanhou, e o PPB elegeu o governador, Sebastião Archer da Silva, o senador, o próprio Vitorino, e 19 deputados estaduais, num total de 36 contra apenas quatro eleitos pela legenda do PSD. Após o pleito os eleitos pelo PPB retornaram ao PSD, ficando Vitorino Freire em nítida vantagem política sobre o PSD getulista.

Em Minas Gerais, Dutra tentou impor o nome de seu ministro da Justiça Carlos Luz, rejeitado pelos getulistas, liderados por Benedito Valadares, que apoiavam Bias Fortes. Carlos Luz concordou em retirar sua candidatura em favor de um tertius, o ex-presidente da República Venceslau Brás (1914-1918), também apoiado por Dutra. Entretanto, os getulistas preferiram manter o apoio a Bias Fortes, que derrotou Venceslau na convenção regional do partido. Com isso, uma ala do PSD (liderada por Carlos Luz, Gustavo Capanema e Cristiano Machado) aderiu à candidatura (afinal vitoriosa) do udenista Mílton Campos.

No estado do Rio, Edmundo de Macedo Soares e Silva, eleito com o apoio de Amaral Peixoto (presidente do diretório regional e genro de Vargas), rompeu com ele no último ano de governo e aderiu a Dutra.

Mas o símbolo maior da derrota do PSD getulista foi a eleição para vice-governador de São Paulo, em novembro de 1947. O candidato dessa corrente, Carlos Cirilo Júnior, presidente do diretório regional, apoiado pelo próprio Vargas, pelo PTB e pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), foi derrotado por Luís Gonzaga Novelli Júnior, genro de Dutra e candidato do PSD dutrista.

Em janeiro de 1948 o Congresso Nacional cassou o mandato dos parlamentares comunistas, e o PSD manteve uma linha de comportamento bastante ambígua no caso. Embora Nereu Ramos, presidente do partido e do Senado, fosse favorável à medida e o senador Ivo d’Aquino, do PSD de Santa Catarina, fosse o autor do projeto propondo a cassação dos mandatos pelas mesas do Senado e da Câmara, o PSD não fechou questão sobre o assunto. Boa parte de sua bancada votou contra o projeto, apesar do especial interesse do presidente Dutra no fechamento do PCB.

Ainda em janeiro de 1948 celebrou-se o Acordo Interpartidário entre PSD, UDN e PR para apoiar o governo. Um dos principais fiadores do acordo era o governador da Bahia, Otávio Mangabeira (UDN), que contava ser o sucessor de Dutra. Entretanto, o acordo vigorou por pouco tempo, porque já em março de 1949 o presidente da República liberava os partidos para que discutissem internamente a sucessão presidencial.

 

As eleições de 1950

Iniciado o debate sucessório, PSD, UDN e PR tentaram encontrar um consenso em torno de uma candidatura de união nacional. O PSD entendia que, por ser o partido majoritário, cabia-lhe indicar o candidato mas Dutra decidiu interferir diretamente na escolha, vetando inicialmente o nome de Nereu Ramos, vice-presidente da República e presidente nacional do PSD, portanto o candidato natural do partido.

Em julho de 1949, o governador gaúcho e também pessedista Válter Jobim lançou na imprensa a “fórmula Jobim”: o candidato deveria ser escolhido após ampla consulta a todos os partidos políticos. Inicialmente aceita por todos, a “fórmula Jobim” foi substituída em novembro pela “fórmula mineira”, proposta ao diretório nacional do PSD por Benedito Valadares, que se reaproximara de Dutra após as eleições de 1947. Essa fórmula tinha como outros inspiradores o próprio Dutra e o ministro da Justiça Adroaldo Mesquita da Costa, do PSD do Rio Grande do Sul, que propunha um candidato de união nacional, porém pessedista e mineiro.

Com a aprovação da “fórmula mineira” pelo PSD, Nereu Ramos renunciou à presidência do partido, em função da excessiva interferência de Dutra na sucessão presidencial, pois a “fórmula mineira” excluía Nereu da disputa. Em dezembro Cirilo Júnior (SP) tomou posse na presidência nacional do PSD. De outro lado, a consolidação da “fórmula mineira” provocou o afastamento da UDN. Otávio Mangabeira rompeu com Dutra em dezembro declarando que o candidato do partido seria novamente o brigadeiro Eduardo Gomes, homologado pela convenção nacional udenista em 12 de maio de 1950.

O PSD, dividido entre as dissensões internas e a ingerência de Dutra, que, segundo depoimento de vários pessedistas, queria impor a candidatura de Bias Fortes, retardava-se na escolha de seu candidato. Isto fortalecia a candidatura de Getúlio Vargas, já bastante robustecida em decorrência da aliança firmada entre o ex-ditador e o governador de São Paulo Ademar de Barros, do Partido Social Progressista (PSP).

Os entendimentos entre PSD e PTB para a escolha de um candidato único não chegaram a bom termo. Uma candidatura suprapartidária, a do mineiro Afonso Pena Júnior, foi ainda tentada por Dutra. Segundo editorial do jornal carioca Correio da Manhã (18/3/1950) o objetivo do Catete era protelar o assunto para que se chegasse a um impasse, e assim Dutra lançaria a candidatura do ministro da Guerra, general Canrobert Pereira da Costa.

Finalmente, o PSD optou pela candidatura do mineiro Cristiano Machado, vetada inicialmente por Dutra, sob a alegação de que Cristiano tinha um irmão comunista, o escritor Aníbal Machado, e tinha votado contra a cassação do mandato dos comunistas em 1948. Mas o nome de Cristiano Machado foi homologado pela convenção nacional do PSD, realizada no Rio de Janeiro em 9 de junho.

O lançamento oficial da candidatura de Getúlio Vargas pelo PTB em 17 de junho aprofundou ainda mais a crise do PSD, pois seus líderes se dividiram entre o apoio a Cristiano Machado e a lealdade ao ex-presidente. Aproveitando-se da crise pessedista, Getúlio fez alianças com o PSD em vários estados — Espírito Santo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Bahia, Amazonas, Goiás, Mato Grosso, Paraná e Paraíba — onde as lideranças lhe eram mais fiéis. Dessa forma, o candidato do PSD foi “cristianizado”, expressão cunhada na época e que entrou para o vocabulário político nacional: ou seja, Cristiano Machado foi abandonado à própria sorte e sua candidatura ficou inteiramente esvaziada, uma vez que as lideranças pessedistas mais expressivas aderiram à candidatura Vargas.

Nas eleições gerais realizadas em 3 de outubro de 1950, Getúlio Vargas foi eleito presidente da República com 48% da votação; Eduardo Gomes obteve 29% e Cristiano Machado 21%. No Congresso Nacional o PSD elegeu 112 deputados federais, mantendo a maioria na Câmara, e nove senadores num total de 21. Nas eleições para os governos estaduais, o partido fez dez governadores: Bahia — Régis Pacheco; Pernambuco — Agamenon Magalhães; Piauí — Pedro de Almeida Freitas; Amazonas — Álvaro Botelho Maia (PSD e Partido Democrata Cristão-PDC); Ceará — Raul Barbosa (PSD-PSP-PR); Espírito Santo — Jones dos Santos Neves (PSD-PTB); Goiás — Pedro Ludovico Teixeira, (PSD-PTB); Minas Gerais — Juscelino Kubitschek (PSD-PR); Rio de Janeiro — Ernâni Amaral Peixoto (PSD-PR-PTB e mais Partido Social Trabalhista-PST e Partido Trabalhista Nacional-PTN); Sergipe — Arnaldo Rolemberg Garcez (PSD e Partido Rural Trabalhista-PRT). Além disso, abriu a legenda para que o udenista José Américo de Almeida pudesse concorrer às eleições na Paraíba — foi eleito pela coligação entre o PSD e o Partido Libertador (PL) — e aliou-se ao PSP e ao PR para eleger Jerônimo Vingt-Sept Rosado no Rio Grande do Norte.

 

O segundo governo Vargas 1951-1954

A contribuição prestada pelo PSD a Getúlio Vargas nas eleições e a escassez de quadros do PTB traduziram-se na forte presença dos pessedistas no ministério, ocupando as seguintes pastas: Justiça — Francisco Negrão de Lima (31/1/1951 a 26/6/1953), Tancredo Neves (26/6/1953 a 24/8/1954); Relações Exteriores — João Neves da Fontoura (31/1/1951 a 19/6/1953); Fazenda — Horácio Lafer (31/1/1951 a 15/6/1953); Agricultura — Apolônio Sales (28/6/1953 a 24/8/1954); Educação e Saúde — Ernesto Simões Filho (31/1/1951 a 25/6/1953); Antônio Balbino (25/6/1953 a 2/7/1954); Educação — Edgar Santos (6/7 a 24/8/1954); Saúde — Miguel Couto Filho (6/7 a 24/8/1954).

No Congresso, o PSD liderava a larga maioria do governo — formada por 112 deputados do PSD, 51 do PTB e 24 do PSP contra a ferrenha oposição da minoria — 81 deputados da UDN e 36 dos pequenos partidos — capitaneada pela aguerrida “Banda de Música” da UDN, grupo que se manteve em oposição aberta ao governo durante todo o período.

Dois elementos contribuíram para o bom relacionamento do PSD com o governo Vargas, pelo menos nos primeiros anos. Gustavo Capanema (MG), escolhido líder da maioria na Câmara, tinha sido ministro da Educação durante todo o Estado Novo e afinava-se bem com o presidente. Amaral Peixoto, governador do estado do Rio — eleito com 72% da votação — e genro de Getúlio, foi eleito presidente nacional do PSD em 1951, o que garantia o necessário apoio partidário às propostas governamentais.

Dessa forma, o PSD levou a Câmara a aprovar o Plano Lafer, em novembro de 1951. Elaborado pelo ministro da Fazenda Horácio Lafer, do PSD de São Paulo, o Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico — nome original do projeto — propunha medidas para acelerar o desenvolvimento econômico do país; sua execução seria financiada em parte por recursos obtidos pelo ministro nos Estados Unidos.

Em 6 de dezembro de 1951 o Executivo enviava ao Congresso o projeto mais polêmico de todo o governo Vargas: o projeto que propunha a criação da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras), companhia de economia mista (capitais privados e estatais) que exploraria o petróleo em todo o território nacional. O projeto da Petrobras despertou o mais vivo interesse na opinião pública, e o assunto passou a ser discutido na imprensa, na União Nacional dos Estudantes (UNE) e no Clube Militar.

Inicialmente o PSD apoiou integralmente o projeto do governo, mas acatou a emenda do deputado Lúcio Bittencourt, do PTB de Minas Gerais, que proibia a participação de acionistas estrangeiros na Petrobras. A apresentação da emenda Olavo Bilac Pinto, da UDN de Minas Gerais, propondo o estabelecimento do monopólio estatal sobre a exploração do petróleo, surpreendeu o governo e os partidos que o apoiavam, vindo ao encontro das manifestações da opinião pública, traduzidas na campanha “O petróleo é nosso”. Para não ficar a reboque de uma iniciativa da oposição, o líder da maioria na Câmara, Gustavo Capanema, conseguiu do PSD a adesão à emenda udenista, e o partido colaborou decisivamente para sua aprovação em 21 de setembro de 1953.

Já em dezembro de 1952 o PSD apoiara a iniciativa do governo federal de extinguir o antigo Departamento Nacional do Café e criar o Instituto Brasileiro do Café (IBC), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda, encarregado de coordenar o plantio e a comercialização do café no Brasil e no exterior. Em junho de 1953, o pessedista João Pacheco e Chaves (SP) assumia a presidência do IBC.

As sucessivas crises que eclodiram durante todo o governo Vargas provocaram um progressivo esfriamento de parte do PSD com relação ao governo. Segundo Paulo Brandi, embora até 1953 Vargas contasse com o apoio formal da maioria parlamentar — PSD, PTB e PSP — na prática “alguns segmentos do PSD e o PSP de Ademar de Barros retraíam-se na sustentação do governo”.

Em abril desse ano instalou-se na Câmara dos Deputados uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para apurar o envolvimento do jornal carioca Última Hora com órgãos da administração federal, notadamente o Banco do Brasil. A participação do PSD na CPI foi apenas simbólica, pois o deputado Ulisses Guimarães (SP), indicado pelo partido para representá-lo na CPI, não compareceu às sessões.

As tentativas feitas por Capanema e Amaral Peixoto no sentido de manter a união do PSD em torno de Vargas encontravam cada vez menor ressonância junto a alguns setores do partido, que se dissociavam mais e mais dos atos do governo à medida que cresciam os ataques da oposição liderada pela “Banda de Música” da UDN.

A reforma ministerial de 1953 não alterou substancialmente o ânimo de boa parte do PSD, pois os dois membros do partido chamados a participar do ministério — Tancredo Neves para a Justiça e Antônio Balbino para a Educação — eram elementos novos, lideranças ainda não consolidadas no quadro partidário.

A primeira tentativa pública de dissensão partiu de Pernambuco. O governador Etelvino Lins, eleito em 1952 após a morte de Agamenon Magalhães, passou a propor a união dos partidos de centro em torno da candidatura do general Juarez Távora à sucessão de Vargas em 1955. Segundo o “esquema Etelvino”, nome pelo qual ficou conhecido o plano, o PSD forneceria o candidato à vice-presidência: talvez o governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek.

A idéia recebeu a adesão de alguns pessedistas, mas a maioria dos governadores do PSD rejeitou o esquema. Reunidos em Belo Horizonte no encontro dos governadores dos estados da bacia do Paraná-Uruguai (22 de abril de 1954), lançaram nota condenando a indicação de candidaturas presidenciais antes das eleições de 3 de outubro.

Com a recusa de seu esquema pelos governadores pessedistas, Etelvino Lins passou a constituir com elementos da oposição civil e militar um “grupo de resistência” que visava barrar uma eventual tentativa de continuísmo de Vargas. Etelvino abriu a legenda do PSD ao general Osvaldo Cordeiro de Farias, militar da linha “udenista” do Exército, para que este pudesse concorrer ao governo de Pernambuco nas eleições de 3 de outubro e organizar a resistência a Getúlio a partir do Nordeste.

Apesar de majoritário, o PSD foi incapaz de evitar a sucessão de crises entre governo e oposição, que culminaram com o suicídio de Getúlio Vargas em 24 de agosto de 1954, depois de um agitado período que envolveu denúncias de corrupção, o atentado a Carlos Lacerda levado a efeito por membros da guarda pessoal do presidente (quando morreu o major-aviador Rubens Vaz) e o pedido de impeachment de Getúlio apresentado por Afonso Arinos de Melo Franco, da UDN de Minas Gerais, líder da minoria na Câmara dos Deputados.

 

O governo Café Filho 1954-1955

Assumindo o governo no mesmo dia do suicídio de Getúlio Vargas, o vice-presidente João Café Filho cercou-se de opositores do governo anterior, entre udenistas civis e militares. Não obstante, o PSD participou de dois ministérios: Viação e Obras Públicas — Lucas Lopes (27/8/1954 a 29/1/1955) e Agricultura — José da Costa Porto (31/8/1954 a 3/5/1955).

Ainda sob o impacto da morte do presidente Vargas, o PSD compareceu às urnas em 3 de outubro de 1954. Obteve maioria na Câmara dos Deputados, conquistando 114 cadeiras; elegeu 20 senadores (em 42) e cinco governadores: Goiás — José Ludovico de Almeida; Bahia — Antônio Balbino; Piauí — Jacó Gaioso e Almendra (PSD-PTB); Rio de Janeiro — Miguel Couto Filho (PTB-PTN-PSD-PR), e Rio Grande do Sul — Ildo Meneghetti (PSD-UDN-PL). Em Pernambuco, o general Osvaldo Cordeiro de Farias foi eleito governador, após ter recebido a legenda do PSD e o apoio do diretório estadual.

Com a aproximação das eleições de 1955, a UDN tentou impedir uma nova vitória do PSD, pressionando o governo a adotar a cédula oficial na votação para presidente da República, isto é, uma cédula contendo os nomes de todos os candidatos e que seria impressa e distribuída pela Justiça Eleitoral. Sob o argumento de coibir a fraude, a UDN pretendia anular a nítida vantagem do PSD sobre os demais partidos, uma vez que ele era o único a contar com diretórios em todos os municípios do país.

A cédula oficial recebeu o apoio das forças armadas e da Igreja, mas o PSD contra-atacou, apresentando o projeto da cédula única, de autoria de José Maria Alkmin, José Martins Rodrigues, Ulisses Guimarães, Filadelfo Garcia, Antônio Oliveira Brito e Renato Archer: os nomes dos candidatos seriam impressos sempre na mesma ordem, a cédula seria confeccionada pelos partidos segundo modelo aprovado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e a distribuição ficaria também a cargo dos partidos, que enviariam as cédulas diretamente para as zonas eleitorais, através dos diretórios. Apoiada pelo presidente do TSE, ministro Edgar Costa, a cédula única foi aprovada pelo Congresso Nacional e utilizada nas eleições presidenciais de 1955.

 

As eleições de 1955

Desde o final do governo Vargas aparecia como candidato mais provável do PSD à presidência da República o governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek. Apoiado pelo presidente do partido, Amaral Peixoto, e sustentado por uma boa administração do governo de seu estado, Juscelino no entanto começou a encontrar resistências no próprio PSD mineiro. Liderada por Benedito Valadares, eterno pretendente à presidência da República, e Carlos Luz, a dissidência mineira recebeu o apoio das seções de Pernambuco, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e parte do Ceará. O ex-governador de Pernambuco, Etelvino Lins, passou a advogar uma vez mais a adoção de uma candidatura de união nacional, desta vez a sua própria.

Mas a candidatura de Juscelino foi praticamente imposta ao diretório nacional do PSD a partir das bases. Visitando o maior número possível de diretórios, Juscelino conseguiu que as seções estaduais do partido pressionassem a direção nacional no sentido de aceitar a sua candidatura.

Em 10 de fevereiro de 1955 a convenção nacional do PSD homologou a candidatura de Juscelino Kubitschek à presidência da República. Os mineiros abandonaram a dissidência votando em Juscelino, mas os diretórios de Pernambuco, Santa Catarina e Rio Grande do Sul abstiveram-se de votar, tornando pública a crise no interior do partido.

A aliança PSD-PTB, firmada em abril com a indicação de João Goulart para disputar a vice-presidência, aumentou as desconfianças de udenistas, pessedistas dissidentes e militares de que se formava uma frente “getulista” para as eleições. Assim, no final de abril a convenção da UDN homologou a candidatura de Etelvino Lins à presidência.

Pela primeira vez o diretório nacional do PSD interveio em diretórios rebeldes: em Pernambuco, José do Rego Maciel, que substituíra Etelvino Lins, foi apeado da presidência e substituído por uma comissão liderada por Jarbas Maranhão. No Rio Grande do Sul, Cilon Rosa foi deposto, assumindo a presidência do diretório regional Ildo Meneghetti.

Entretanto, o nome de Etelvino Lins não conseguiu sensibilizar inteiramente os udenistas, e o ex-governador retirou-se da disputa. Em 31 de julho a UDN, em nova convenção nacional, homologou a chapa Juarez Távora-Mílton Campos.

Nas eleições de 3 de outubro de 1955 Juscelino Kubitschek de Oliveira elegeu-se presidente da República com 36% da votação. Juarez Távora obteve 30%, Ademar de Barros (PSP) 26% e Plínio Salgado, do Partido de Representação Popular (PRP), 8%.

Nos estados onde o mandato do governador era de cinco anos, o PSD elegeu seis governadores: Maranhão — José de Matos Carvalho (PSD-PTB); Mato Grosso — João Ponce de Arruda (PSD-PTB); Minas Gerais — Bias Fortes (PSD-PR); Pará — Joaquim de Magalhães Barata (PSD-PTB); Paraíba — Flávio Ribeiro (Partido Socialista Brasileiro (PSB) e mais UDN-PSD-PL), e Paraná — Moisés Lupion (PSD-PDC-PTN).

Mas a posse de Juscelino ainda não estava garantida. O discurso do coronel Jurandir de Bizarria Mamede contra a posse, a doença de Café Filho e a recusa do novo presidente da República, Carlos Luz (um dos líderes da dissidência contra Juscelino) em punir Mamede confirmaram as suspeitas do PSD de que um golpe era iminente.

Em 11 de novembro o general Henrique Teixeira Lott e o comandante do I Exército, general Odílio Denis, deram um contragolpe preventivo e depuseram Carlos Luz, medida confirmada em tumultuada sessão do Congresso Nacional. O pessedista Nereu Ramos, presidente do Senado, assumiu a presidência da República.

 

O governo Nereu Ramos 1955-1956

Quarto presidente a assumir o mandato iniciado por Getúlio Vargas em 1951, Nereu Ramos nomeou quatro ministros pessedistas: Justiça — Francisco Meneses Pimentel; Relações Exteriores — José Carlos de Macedo Soares; Viação e Obras Públicas — Lucas Lopes; Saúde — Maurício Campos de Medeiros.

A curta gestão de Nereu Ramos foi marcada por medidas visando assegurar a posse de Juscelino. Em 21 de novembro, o Congresso aprovou o impedimento de Café Filho, que tentava reassumir a presidência. Apenas nove deputados do PSD votaram contra o impedimento: Hugo da Cunha Machado (MA), Ulisses Lins e Nilo Coelho (PE), Nélson Monteiro (ES), Lopo Coelho (DF), Clóvis Pestana, Daniel Faraco, Joaquim Duval e Tarso Dutra (RS).

Em 24 de novembro o Congresso votou o estado de sítio solicitado pelos três ministros militares, ratificando o pedido do presidente do PSD, Amaral Peixoto. Esgotado o primeiro prazo de vigência do estado de sítio, o PSD contribuiu decisivamente para sua prorrogação até 31 de janeiro de 1956, quando Juscelino Kubitschek foi empossado na presidência da República.

 

O governo Kubitschek 1956-1961

Finalmente, depois de participar de dois governos como coadjuvante — embora eleito pelo PSD, Dutra declarava-se “o presidente de todos os brasileiros” — o PSD passou a representar no novo governo o papel de protagonista. No governo Kubitschek o PSD era governo.

A aliança PSD-PTB, que levou Juscelino ao poder, demonstrou ser mais do que um mero acordo eleitoreiro; revelou-se um importante suporte político para que o presidente pudesse realizar seu governo, embora as relações entre os dois partidos e entre o PTB e o governo não tenham sido tranqüilas durante todo o período.

Já no cumprimento dos compromissos assumidos por Juscelino enquanto candidato, a entrega dos ministérios do Trabalho e da Agricultura — com todos os institutos e autarquias respectivas — ao PTB desagradou ao PSD, que se viu alijado de todo um setor da administração pública, de importância crescente e óbvio peso político e eleitoral.

O PSD — sócio-majoritário na aliança — foi muito bem aquinhoado, recebendo inicialmente seis ministérios e conservando o controle da política econômico-financeira do país. Durante todo o período, os pessedistas se distribuíram pelas seguintes pastas: Justiça — Nereu Ramos (31/1/1956 a 4/11/1957), Eurico Sales (4/11/1957 a 8/7/1958), Carlos Cirilo Júnior (8/7/1958 a 31/7/1959), Armando Falcão (31/7/1959 a 31/1/1961); Relações Exteriores — José Carlos de Macedo Soares (31/1/1956 a 3/7/1958), Francisco Negrão de Lima (4/7/1958 a 10/8/1959), Horácio Lafer (10/8/1959 a 31/1/1961); Fazenda — José Maria Alkmin (31/1/1956 a 24/6/1958), Lucas Lopes (25/6/1958 a 3/6/1959), Sebastião Pais de Almeida (4/6/1959 a 31/1/1961); Viação e Obras Públicas — Lúcio Meira (31/1/1956 a 28/7/1959), Ernâni Amaral Peixoto (28/7/1959 a 31/1/1961); Educação — Pedro Paulo Penido (1/7 a 17/10/1960); Saúde — Maurício Campos de Medeiros (31/1/1956 a 3/7/1958).

Para implementar o Programa de Metas — plataforma de governo elaborada durante a campanha eleitoral e baseada em sua experiência administrativa em Minas Gerais — Juscelino contou com o apoio decisivo do PSD em duas instâncias distintas: o exercício de funções administrativas e o suporte legislativo.

O PSD no governo — Nomeando tradicionais lideranças do partido para o ministério, Juscelino garantia a necessária estabilidade política para seu governo, contrabalançando a presença crescente do PTB na área trabalhista.

Além disso, o presidente manteve o comando da política econômico-financeira nas mãos do PSD de Minas Gerais. Eram mineiros os três ministros da Fazenda (Alkmin, Lucas Lopes e Sebastião Pais de Almeida) e os três presidentes do Banco do Brasil (Ovídio de Abreu, Sebastião Pais de Almeida e Maurício Bicalho). A nomeação do presidente do PSD, Amaral Peixoto, para o posto de embaixador em Washington assegurava um perfeito entendimento para a rápida obtenção dos recursos necessários à execução do Programa de Metas, principalmente no tocante à construção de Brasília.

Finalmente, após a promulgação da Lei nº 2.874, de 19 de setembro de 1956, que fixava os limites geográficos do novo Distrito Federal e criava a Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), o grupo foi completado com a nomeação de Israel Pinheiro para a presidência da Novacap.

O controle pessedista sobre o Ministério da Viação mantinha as bases do partido no interior, pois tratava-se de um superministério, que congregava a Estrada de Ferro Central do Brasil, os Correios e Telégrafos e o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, entre outros órgãos que se ramificavam por todo o país. Mas Amaral Peixoto, ocupante da pasta entre 1959 e 1961, alegava que o partido perdeu muito, “pois dependia dos favores locais (pequenas estradas, telégrafos etc.) que não tinham mais vez com o comprometimento prioritário de Juscelino com o Programa de Metas”.

Para executar as propostas desenvolvimentistas e não melindrar possíveis reivindicações pessedistas, Juscelino criou a administração paralela, “constituída por órgãos já existentes e eficientes, como a Cacex [Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil] o BNDE [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico] e a Sumoc [Superintendência da Moeda e do Crédito], mais os novos órgãos executivos ou de assessoria: os grupos de trabalho, os grupos executivos e o Conselho de Política Aduaneira (CPA)”. Segundo Maria Vitória de Mesquita Benevides, os novos órgãos “funcionavam como centros de assessoria e execução, enquanto os antigos continuavam a corresponder aos interesses da política de clientela ainda vigente”.

Mas do ponto de vista do PSD, a aplicação do Programa de Metas não afetou sua base de poder. Durante todo o seu governo, Juscelino jamais tomou qualquer medida que contrariasse os interesses do partido: a política fundiária não foi alterada, a reforma administrativa não foi implementada e todas as tentativas de estender a legislação trabalhista ao campo foram abortadas.

O PSD no Congresso — O apoio legislativo do PSD a Juscelino foi total, encampando todas as medidas propostas pelo Executivo. Para tanto foi determinante a atuação da “Ala Moça” do PSD, grupo de jovens deputados que lutavam por uma renovação no comando do partido e que se ligaram a Juscelino logo no início da campanha presidencial de 1955.

Na Câmara dos Deputados a Ala Moça ocupou os principais postos — Ulisses Guimarães (SP) na presidência, Vieira de Melo (BA) na liderança do governo, Oliveira Brito (BA) na presidência da Comissão de Constituição e Justiça —, fornecendo a Juscelino o suporte legislativo indispensável à aprovação dos projetos. Em entrevista a Maria Vitória de Mesquita Benevides, o então deputado Martins Rodrigues declarou que “o próprio Kubitschek estimulava a Ala Moça contra Valadares e os caciques” (lideranças tradicionais). Mesmo os dissidentes do período eleitoral passaram a apoiar o governo no Congresso, sob a liderança da Ala Moça e da expressiva bancada mineira.

Já em 6 de março de 1956 o PSD levou a Câmara a aprovar o projeto do Executivo que concedia anistia política a todos os civis e militares participantes de movimentos políticos entre 10 de novembro de 1955 e 19 de março de 1956. A medida visava anistiar especialmente os envolvidos nos acontecimentos de 11 de novembro de 1955 e os oficiais que tinham participado da revolta de Jacareacanga (entre 11 e 29 de fevereiro de 1956), contra a posse de Juscelino.

A UDN, que liderava a oposição, especializou-se em obstruir os projetos do Executivo, prolongando sua tramitação no Congresso. Assim é que a lei que autorizava a transferência da capital federal, enviada por Juscelino em 18 de abril, só foi por ele sancionada em 19 de setembro, após intenso trabalho de persuasão dos pessedistas e do próprio Juscelino junto a deputados da oposição. Segundo Amaral Peixoto, “parte da UDN aprovou Brasília com a certeza de que não daria certo e depois poderia cobrar o fracasso ao governo”. Em 1º de outubro de 1957, a Lei nº 3.273, de autoria do deputado Emival Caiado (GO), foi sancionada por Juscelino, fixando a data de 21 de abril de 1960 para a inauguração de Brasília.

Em agosto de 1957 o PSD sofria novo boicote udenista. O projeto de lei que estendia o voto aos analfabetos foi violentamente combatido pela UDN na Câmara, sendo finalmente derrotado.

Apenas em dois momentos Juscelino enfrentou dificuldades no Congresso com os partidos que o apoiavam. Em junho de 1958 a UDN solicitou a instalação de uma CPI na Câmara para apurar irregularidades na Novacap. O líder do PTB, deputado Osvaldo Lima Filho (PE), chegou a fazer declarações de que seu partido apoiaria a CPI, pois se sentia inferiorizado nas composições parlamentares. Entendimentos entre lideranças pessedistas e petebistas não conseguiram levar o assunto a bom termo, e só a interferência direta de Juscelino junto ao vice-presidente João Goulart retirou o apoio do PTB à proposta udenista. Juscelino alertou Jango de que o governo romperia com o PTB, caso este aderisse à CPI.

Em 1959 foi a vez do PSD. Apresentado no Congresso o projeto que criava a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), o PSD colocou vários obstáculos à sua aprovação. A bancada do Nordeste resistia à indicação de Celso Furtado para ocupar a superintendência do órgão, por não ser ele um elemento que representasse as oligarquias regionais. Mais ainda, o PSD temia que a instalação da Sudene significasse o desmantelamento de suas tradicionais áreas de dominação política. Após meses de intensa negociação, em 15 de dezembro de 1959 Juscelino sancionava a lei que criava a Sudene.

A última disputa partidária em que se envolveu o PSD dizia respeito ao recém-criado estado da Guanabara, que deveria eleger seu governador em 3 de outubro de 1960. A escolha do governador provisório significava um importante passo para o controle político do estado. Para evitar uma cisão no partido — já bastante dividido, tendo em vista a aproximação das eleições de 1960 — Juscelino escolheu um nome apolítico, o embaixador José Sete Câmara, membro de sua Casa Civil.

A alteração das alianças — Em julho de 1958, sob o pretexto de que se esgotava o prazo para a desincompatibilização visando às eleições de 3 de outubro, Juscelino promoveu uma reforma ministerial que teve amplas implicações no âmbito do PSD e no apoio que este dava ao governo.

Tratava-se agora de ganhar as eleições e de garantir uma bancada no Congresso e um número de governadores capazes de manter as bases de sustentação do governo e preparar as eleições de 1960. Para isso, Juscelino necessitava mais do que nunca do total apoio das lideranças tradicionais do partido, “caciques” regionais que controlavam grande número de votos.

Assim, Cirilo Júnior assumiu a pasta da Justiça e Negrão de Lima a das Relações Exteriores. Um mês antes, Alkmin — identificado com as propostas mais progressistas defendidas pela Ala Moça — tinha sido substituído no Ministério da Fazenda por Lucas Lopes, de posições bem mais conservadoras. Finalmente, em 1959 o presidente do PSD, Amaral Peixoto, foi chamado de Washington para assumir o Ministério da Viação.

No Congresso, a situação já se vinha alterando desde o início do ano legislativo. A Ala Moça perdeu todo o apoio que recebia de Juscelino e não conseguiu resistir à pressão das lideranças tradicionais do partido, que se aliaram à UDN para eleger Pascoal Ranieri Mazzilli, do PSD de São Paulo, presidente da Câmara; o udenista José Bonifácio Lafayette de Andrada (MG) passou a ocupar a secretaria geral. Na liderança do governo, Armando Falcão (CE) substituía Vieira de Melo.

Os deputados da Ala Moça passaram a integrar a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN), grupo de pressão composto por deputados da UDN, do PSD, do PTB e do PSB, cuja atuação iria eclipsar o papel da aliança PSD-PTB.

 

As eleições de 1958

Embora as dissidências pessedistas se tenham reincorporado ao partido após a posse de Juscelino, os problemas nascidos na campanha eleitoral de 1955 não foram completamente resolvidos e iriam refletir-se nas eleições de 1958.

Segundo Maria Vitória de Mesquita Benevides, estas eleições já refletiam “importantes mudanças ocorridas no nível socioeconômico que significaram, no âmbito regional, a queda da oligarquia agrária que até então detinha inquestionavelmente o poder, e no âmbito nacional a derrota da tradicional aliança PSD-PTB, em detrimento dos coronéis e em favor da expansão do PTB”.

A esse quadro acrescentou-se a modificação da legislação eleitoral, que passou a exigir o retrato do eleitor no título eleitoral, diminuindo consideravelmente o “eleitorado fantasma” do interior, prejudicando portanto o PSD.

Finalmente, a ausência de Amaral Peixoto do comando do partido durante a campanha — desde o início do governo Kubitschek, ele ocupava o posto de embaixador em Washington — prejudicou o desempenho eleitoral do PSD, pois acumularam-se as cisões nos estados.

Apesar de todos esses entraves, o PSD ainda conseguiu assegurar a maioria na Câmara dos Deputados, conquistando 117 cadeiras em 326. Já no Senado seu desempenho foi mais fraco, pois apenas seis senadores pessedistas foram eleitos, num total de 21.

Nos estados, os resultados foram ainda piores. O PSD só elegeu dois governadores: Goiás — José Feliciano Ferreira, e Espírito Santo — Carlos Fernando Lindenberg (PSD-PSP). No Ceará coligou-se com o PTB para eleger o petebista Parsifal Barroso.

As eleições de 1958 interromperam o longo domínio do PSD em vários estados. Em Pernambuco, onde o partido governava desde 1947, o udenista Cid Sampaio, apoiado pelo PTB e pelo PCB, derrotou o pessedista Jarbas Maranhão. No estado do Rio, o PTB elegeu Roberto Silveira com o apoio da UDN. No Rio Grande do Sul, Leonel Brizola (PTB) derrotou o candidato da coligação PSD-UDN-PL, Válter Peracchi Barcelos.

Na Bahia, o governador Antônio Balbino negou a legenda do PSD ao deputado da Ala Moça, Tarcilo Vieira de Melo, que concorreu pela coligação PDC-PSP. Uma ala do PSD, insatisfeita com o candidato escolhido por Balbino, José Pedreira de Freitas, aderiu à candidatura de Juraci Magalhães (UDN), que venceu as eleições.

Em São Paulo, Ulisses Guimarães foi lançado candidato ao governo pela convenção regional do partido, mas sua candidatura não progrediu. Para não hostilizar o governador Jânio Quadros — que já era candidato à sucessão de Juscelino e congregava uma poderosa coligação partidária em torno de seu candidato, Carlos Alberto de Carvalho Pinto —, Juscelino não deu o menor apoio à candidatura do PSD, que sequer registrou o nome de Ulisses Guimarães junto ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE). O partido não apresentou candidato às eleições para o governo de São Paulo, e Ulisses Guimarães foi reeleito deputado federal.

 

As eleições de 1960

Desde 1958 Juscelino já começava a pensar na sucessão presidencial, parte de uma estratégia que visava a levá-lo de volta à presidência da República em 1965. No início de 1959 ele começou a articular a candidatura de Juraci Magalhães, governador da Bahia e presidente da UDN.

Candidato de “união nacional” — tentativa que ressurgia a cada eleição presidencial brasileira, sempre abortada —, Juraci venceria as eleições, segundo Juscelino, e a UDN chegaria finalmente ao poder, depois de três tentativas frustradas. Esse fato traria como resultados o abandono dos propósitos golpistas do partido e o exercício do poder num período particularmente delicado da vida nacional, com uma inflação crescente, derivada em parte do desenvolvimento acelerado do período juscelinista. Portanto, a UDN realizaria um governo de austeridade econômica e conseqüentemente impopular, o que facilitaria a volta de Juscelino em 1965.

Entretanto, desde abril de 1958 corria por fora a candidatura do ex-governador de São Paulo e então deputado pelo Paraná, Jânio Quadros. Em 20 de abril daquele ano, janistas liderados por Carlos Castilho Cabral fundavam, na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro, o Movimento Popular Jânio Quadros (MPJQ), lançando a candidatura de Jânio à presidência da República. No dia seguinte, Jânio era lançado pelo PTN.

Juscelino ainda tentava um entendimento entre PSD, PTB e UDN para apoiar a candidatura de Juraci Magalhães, vetando os nomes pessedistas que lhe eram apresentados, como os de José Maria Alkmin e Tancredo Neves.

A situação se acelerou a partir do momento em que dois deputados da Ala Moça, Cid Carvalho e José Joffily, lançaram no jornal Correio da Manhã a candidatura do ministro da Guerra, general Lott, apoiada logo pelo governador gaúcho, o petebista Leonel Brizola, que declarou preferir Lott, um candidato “popular e nacionalista”.

Em 1º de maio de 1959 o PTB realizou convenção nacional, quando foi lançada pela primeira vez a chapa Lott-João Goulart (Jango) para disputar a presidência e vice-presidência da República.

Em 4 de julho, em reunião na ABI, foi a vez de o deputado Último de Carvalho, do PSD de Minas Gerais, lançar a chapa Lott-Goulart, no que foi acompanhado pela maioria do diretório nacional do PSD.

Não podendo vetar ostensivamente a candidatura do seu ministro da Guerra, a quem devia a própria posse, Juscelino decidiu postergar seu pronunciamento, até que a UDN se manifestasse sobre o nome de Juraci Magalhães. Na UDN, o deputado Carlos Lacerda (DF) liderava a facção favorável à candidatura Jânio Quadros, considerada imbatível por boa parte dos udenistas. Segundo o próprio Lacerda, Jânio venceria “com ou sem o apoio da UDN”. Dessa forma, Juraci Magalhães foi derrotado na convenção nacional udenista, que em 8 de novembro homologou a chapa Jânio Quadros-Leandro Maciel. Jânio já havia tido seu nome homologado pela convenção nacional do PDC em 18 de outubro.

Convencido da impossibilidade da candidatura de união nacional e da inevitabilidade da vitória de Jânio, Juscelino apoiou finalmente a candidatura do general Lott, homologada em 12 de dezembro pela convenção nacional do PSD. Mas o nome do general Lott não sensibilizava inteiramente o partido. Várias lideranças pessedistas se identificavam mais com a plataforma de política econômica defendida por Jânio Quadros — combate à inflação, contenção de gastos, austeridade — e os diretórios de Mato Grosso, Santa Catarina, Pará e Rio Grande do Sul dissentiram abertamente da decisão da convenção nacional.

Segundo Maria Vitória de Mesquita Benevides, o próprio Amaral Peixoto declarou que “achou a candidatura Lott absurda e foi o último a apoiar, mas também não a abandonaria”. Aliás, os anos passados em Washington foram extremamente prejudiciais às pretensões do próprio Amaral Peixoto, que, afastado do cenário político brasileiro, não pôde articular sua própria candidatura à sucessão de Juscelino, o que seria a solução natural do partido.

Mas para o PSD permanecia aberta a questão da vice-presidência. Embora o PTB, Brizola à frente, pressionasse pela indicação de João Goulart na chapa de Lott, largos setores pessedistas desvinculavam-se cada vez mais do crescente radicalismo do PTB. A solução de conciliação encontrada pelas lideranças do PSD foi a candidatura do ex-chanceler Osvaldo Aranha, que aceitou a indicação de seu nome como forma de trazer para a chapa de Lott os getulistas e os moderados do PTB. A morte de Aranha em 27 de janeiro de 1960 reabriu a questão.

O PTB, por seu turno, decidiu precipitar a solução do problema, realizando sua convenção nacional em 18 de fevereiro, quando foi homologada a chapa Lott-Goulart.

Apesar de seu visceral anticomunismo e de suas declarações públicas contra a legalização do PCB, Lott recebeu o apoio dos comunistas, através de manifestações do secretário-geral do PCB, Luís Carlos Prestes, que escreveu e fez circular um folheto intitulado Por que os comunistas apóiam Lott e Jango.

Na UDN, os problemas não eram menores. Depois de renunciar à candidatura, provocando uma crise partidária, e voltar a ser candidato, Jânio Quadros começou a se insurgir contra o nome de seu companheiro de chapa, o velho senador Leandro Maciel. O Movimento Jan-Jan (Jânio-Jango), liderado por Dante Pelacani, presidente da Federação Nacional dos Gráficos, começou a instalar comitês eleitorais em todo o Brasil, estimulados pelo próprio Jânio. Em abril, Leandro Maciel renunciou à candidatura, e em junho a UDN escolhia uma vez mais o mineiro Mílton Campos para disputar com João Goulart a vice-presidência, tal como ocorrera em 1955.

Em 3 de outubro de 1960, Jânio Quadros foi eleito presidente da República, obtendo a maior votação jamais registrada no Brasil: 5.636.623 votos, correspondentes a 48% da votação. Lott obteve 32% e Ademar de Barros (PSP) 20%. Quanto à vice-presidência, registrava-se fato inédito na República: o vice-presidente eleito era da chapa contrária à do presidente; João Goulart obteve trezentos mil votos a mais do que Mílton Campos.

As eleições estaduais foram bastante influenciadas pela espetacular vitória de Jânio Quadros. O PSD elegeu quatro governadores: Santa Catarina — Celso Ramos; Maranhão — Newton Belo (PSD-UDN-PTB-PL); Pará — Aurélio do Carmo (PSD-PDC-PTB) e Goiás — Mauro Borges Teixeira. Além disso, cedeu a legenda para que o udenista Aluísio Alves pudesse ser eleito governador do Rio Grande do Norte.

Mas a UDN conseguiu vitórias importantes, inclusive em redutos pessedistas, como Minas Gerais (José de Magalhães Pinto derrotou Tancredo Neves), Paraíba (Pedro Gondim derrotou Janduí Carneiro), Mato Grosso (Fernando Correia da Costa derrotou Filinto Müller) e Paraná (Nei Braga, do PDC, partido aliado da UDN na política nacional, derrotou Plínio Costa). Além desses, governos udenistas foram eleitos na recém-criada Guanabara (Carlos Lacerda) e em Alagoas (Luís Cavalcanti).

 

O governo Jânio Quadros: 1961

Durante o curto mandato de Jânio Quadros (sete meses), o PSD foi realmente tratado como partido derrotado. A presença de Clóvis Pestana na pasta da Viação e Obras Públicas não significou a entrega de uma parcela de poder ao PSD, uma vez que o ministro pertencia ao diretório do Rio Grande do Sul, onde o PSD tinha uma postura “udenizante”, tendo inclusive dissentido da candidatura de Juscelino Kubitschek em 1955, e do general Lott em 1960.

As críticas feitas por Jânio Quadros ao governo anterior no mesmo dia da posse e a série de inquéritos sobre corrupção abertos nos órgãos da administração federal inviabilizaram qualquer tentativa de entendimento do PSD com o novo governo.

No dia seguinte à posse de Jânio, o deputado Abelardo Jurema, do PSD da Paraíba, encaminhou à mesa da Câmara um requerimento solicitando convocação extraordinária do Congresso, no caso de continuarem os ataques do presidente da República ao governo Kubitschek. O próprio Juscelino, decidido a responder pessoalmente às críticas de Jânio Quadros, foi no entanto desaconselhado pela cúpula do PSD.

Entretanto, o clima de animosidade criado entre o PSD e Jânio não impediu que este estabelecesse contatos pessoais com deputados pessedistas, como o antijuscelinista Daniel Faraco, do diretório dissidente do Rio Grande do Sul. Além disso, Jânio transformou em projeto do Executivo um projeto de lei sobre reforma agrária de autoria do deputado da Ala Moça, José Joffily (PB).

A primeira manifestação pública do PSD com relação aos atos do novo governo ocorreu somente em 10 de março, quando o partido lançou nota oficial apoiando a política externa do governo federal. Chamada de “política externa independente”, visava basicamente ao reatamento de relações diplomáticas com os países do Leste europeu, principalmente a União Soviética, o reconhecimento da República Popular da China e o apoio à Revolução Cubana.

Receoso de que a política externa de Jânio Quadros significasse uma aproximação com as esquerdas, o presidente do PSD, Amaral Peixoto, apoiou “com ressalvas” a política externa independente e passou a estimular a manutenção do bloco parlamentar PSD-PTB, como forma de controlar uma eventual “esquerdização” excessiva do PTB. Em 24 de março o PSD aprovou a “pauta prioritária” do PTB, que constava de dez projetos, dois dos quais estavam em tramitação no Senado: diretrizes e bases da educação nacional e regulamentação do direito de greve.

Na Câmara, o PSD liderava o bloco de oposição, composto ainda pelo PTB e pelo PSP — cerca de duzentos deputados. No Senado, com Auro de Moura Andrade, do PSD de São Paulo, eleito vice-presidente, o PSD comandava também o bloco de oposição PSD-PTB-PSP, para cuja liderança foi eleito Filinto Müller, do PSD de Mato Grosso.

Outro ponto que despertou a atenção do partido foi a Instrução 204 da Sumoc, baixada pelo ministro da Fazenda Clemente Mariani. Determinando 100% de aumento nos preços do dólar oficial e do petróleo e seus derivados, a Instrução 204 gerou declarações do PSD contra a medida, através do deputado da Ala Moça, João Pacheco e Chaves (SP), preocupado quanto aos seus efeitos no custo de vida.

O projeto da Lei Antitruste, enviado pelo Executivo ao Congresso no início de abril, foi derrotado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, que aprovou substitutivo do deputado da Ala Moça, Ulisses Guimarães (SP), o que contribuiu para dificultar ainda mais as relações entre Jânio Quadros e o PSD.

Na verdade, Jânio revelou dificuldades no relacionamento com todos os partidos, inclusive com a UDN, que se afastou gradativamente do presidente, até passar para a oposição aberta.

Inúmeros deputados do PSD ingressaram na Ação Democrática Parlamentar (ADP), criada na Câmara dos Deputados no primeiro semestre de 1961, como contraponto à Frente Parlamentar Nacionalista (FPN). De linha política conservadora e composta em sua grande maioria por deputados da UDN, a ADP congregava ainda elementos do PSD, do PR, do PSP, do PL, do PTN, do PRP e um do PTB. A atuação da ADP iria intensificar-se no governo seguinte (João Goulart), a quem faria oposição cerrada.

Precipitada pelo governador da Guanabara Carlos Lacerda (UDN), que começou a denunciar propósitos golpistas de Jânio, a renúncia do presidente, em 25 de agosto, foi imediatamente aceita no Congresso.

Na ausência do vice-presidente João Goulart, que se encontrava na China em visita oficial, assumiu a presidência da República o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli do PSD de São Paulo. Começava para o PSD a batalha pela posse de Jango.

O governo João Goulart 1961-1964

O impasse que se seguiu à renúncia de Jânio Quadros foi solucionado em parte pela adoção do regime parlamentarista. O pronunciamento dos três ministros militares, contrário à posse de João Goulart, não foi contestado pelo ministro-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA), general Osvaldo Cordeiro de Farias, que desde o primeiro momento mostrou-se favorável à instalação do parlamentarismo, como forma de conciliação. Isto é, cumpria-se a Constituição de 1946 dando-se posse ao vice-presidente e contentavam-se os militares, cerceando a liberdade de ação do novo presidente.

O papel do PSD na superação da crise foi fundamental. Contatos quase diários entre Amaral Peixoto, Herbert Levy (presidente da UDN) e Raul Pilla (presidente do PL) convenceram os militares de que o Congresso repeliria qualquer tentativa de golpe.

Já no dia 28 de agosto o PSD lançava nota oficial de apoio à Constituição e à posse de Jango. Finalmente, na madrugada de 2 de setembro a Câmara aprovava (233 votos contra 55) a Emenda Constitucional nº 4, que instituía o parlamentarismo no Brasil. No Senado, a aprovação foi de 48 votos contra seis. No PSD, votaram contra a medida os senadores Juscelino Kubitschek (GO), Jarbas Maranhão (PE) e Ari Viana (ES).

No dia seguinte os partidos políticos representados no Congresso lançaram documento solicitando do presidente Ranieri Mazzilli as medidas necessárias para assegurar a presença de Jango em Brasília. Pelo PSD assinou seu presidente, Amaral Peixoto.

Assim, em 7 de setembro de 1961 João Goulart tomou posse na presidência da República. Coube ao PSD, enquanto partido majoritário, indicar o primeiro-ministro, e Tancredo Neves (MG) foi eleito para chefiar o primeiro gabinete, obtendo 259 votos contra 22.

 

O gabinete Tancredo Neves 8/9/1961 a 13/7/1962

O primeiro gabinete parlamentarista, considerado por políticos e estudiosos do período o mais bem preparado para governar, contou com três ministros da UDN, três do PTB, um do PDC e três do PSD: Justiça — Tancredo Neves (8/9 a 13/10/1961); Educação — Antônio Oliveira Brito (8/9/1961 a 11/7/1962); Indústria e Comércio — Ulisses Guimarães (8/9/1961 a 12/7/1962).

Já no dia seguinte à posse, o presidente da República manifestava desejos de convocar um plebiscito nacional sobre o novo regime, primeiro ponto de discordância do PSD em relação ao governo e de divisão dentro das fileiras do partido.

Enquanto Juscelino Kubitschek manifestava sua oposição ao parlamentarismo desde a primeira hora — pois a instauração do novo regime contrariava seus planos de voltar em 1965 com todos os poderes do regime presidencialista —, o presidente do PSD, Amaral Peixoto, declarava que o plebiscito era prematuro, pois o parlamentarismo necessitava de uma fase de experiência. Em entrevista à revista Veja em 4 de julho de 1971, Amaral afirmou que era “radicalmente contrário” ao plebiscito e se arrependia de não ter renunciado à presidência do partido naquela ocasião.

Problemáticas eram também as relações entre o PSD e o primeiro-ministro Tancredo Neves. Embora apoiado pela bancada mineira na Câmara, Tancredo recebeu do partido várias críticas, que iam desde a advertência sobre a necessidade de uma política de austeridade para superar a crise econômica até a ameaça de provocar a queda do gabinete, retirando-lhe seu apoio no Congresso.

Outro ponto de atrito entre o PSD e o primeiro-ministro foi gerado pelo projeto de lei que limitava as remessas de lucros para o exterior. Aprovado na Câmara em 30 de novembro com o apoio do PSD (151 votos contra 60), o projeto voltou ao conselho de ministros, porque Tancredo decidiu submetê-lo a uma revisão, em vista das reações contrárias de vários órgãos e associações empresariais.

Em 17 de março de 1962 o PSD aprovou em convenção nacional a Declaração de Brasília, importante documento que marcava sua posição a favor da reforma agrária, medida solicitada insistentemente pelo PTB e pelo governo federal e que encontrava resistências nos setores mais conservadores. Enquanto a UDN repelia qualquer reforma constitucional (“A Constituição é intocável”, dizia o slogan udenista), o PSD concordava com a reforma da Constituição, “garantindo-se aos títulos a correção monetária e estabelecendo-se condições e limites dentro dos quais a propriedade poderia ser incluída na área da reforma”. Além disso, o documento mostrava a disposição do partido de lutar pela institucionalização do parlamentarismo, embora reconhecesse a seus filiados o direito de defender a volta do presidencialismo.

Mas a maioria do PSD, influenciada pela pregação de Juscelino, votou contra a emenda Mem de Sá, que permitia a candidatura dos ministros às eleições parlamentares de 7 de outubro, sem necessidade de qualquer desincompatibilização, apesar dos esforços de Amaral Peixoto no sentido de sua aprovação.

O primeiro-ministro Tancredo Neves renunciou, sem que o Congresso tivesse votado a emenda constitucional que dava poderes ao conselho de ministros para realizar as reformas defendidas por João Goulart e pelo PTB: reforma agrária, bancária, tributária, direito de greve, entre outras.

A indicação do ex-ministro do Exterior Francisco de San Tiago Dantas para chefiar o gabinete aprofundou as divisões no sistema partidário e no próprio PSD. Apoiado pelo PTB, pelo PR, pelo PSB e pelo PST, San Tiago foi recusado pela UDN, pelo PSP, pelo PRT, pelo PL e pelo PSD. A liderança do partido — o presidente Amaral Peixoto e o secretário-geral Martins Rodrigues — declarou-se contra a indicação, defendendo a escolha de um novo primeiro-ministro pessedista. A rebelião inicial de vários membros do partido, que apoiavam San Tiago, transformou-se em obediência à liderança, pois embora oficialmente o PSD tivesse deixado a questão em aberto, internamente a recusa a San Tiago tornou-se questão fechada.

O primeiro-ministro afinal aprovado, o pessedista Auro de Moura Andrade, não conseguiu consenso político para a formação do gabinete e renunciou, em meio a grave crise. Finalmente, em 9 de julho a Câmara aprovava o nome do petebista Francisco de Paula Brochado da Rocha (RS), por 215 votos contra 58.

 

O gabinete Brochado da Rocha 13/7 a 13/9/1962

Em ambiente pré-eleitoral formou-se o novo gabinete, que contava com dois ministros da UDN, dois do PTB, um do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e nenhum do PSD.

A curta vigência do gabinete Brochado da Rocha foi marcada pela discussão em torno do plebiscito, fixado pela Emenda Constitucional nº 4 para abril de 1965, mas insistentemente solicitado pelo presidente da República, o primeiro-ministro, vários governadores, lideranças sindicais, União Nacional dos Estudantes (UNE) e PTB, além de outros partidos. Ao mesmo tempo, dirigentes do PSD, do PSP e da UDN manifestavam-se contra a antecipação da data do plebiscito antes das eleições de outubro.

Na Câmara, o PSD apoiava a delegação de alguns poderes ao gabinete, solicitada já por Tancredo Neves; ao gabinete foi permitido alterar a legislação sobre intervenção do Estado no domínio econômico e a política orçamentária, mas foi negado decretar as reformas agrária e bancária.

A pressão de Juscelino sobre o PSD e a de Leonel Brizola sobre o Congresso — Brizola ameaçava provocar um levante popular se o parlamento não votasse o plebiscito — resultaram na aprovação, em 15 de setembro, da antecipação do plebiscito para 6 de janeiro de 1963. Brochado da Rocha renunciou, e o socialista Hermes Lima (BA) foi indicado para chefiar o novo gabinete.

 

O gabinete Hermes Lima 18/9/1962 a 24/1/1963

Eleito primeiro-ministro por 164 votos contra 34, Hermes Lima, do PSB da Bahia, formou um gabinete-tampão para presidir as eleições de outubro e aguardar os resultados do plebiscito. Participavam do gabinete dois membros do PTB, dois do PSB e apenas um do PSD: Fazenda — Miguel Calmon.

Em 7 de outubro as eleições parlamentares deram ao PSD 119 cadeiras em 409 na Câmara dos Deputados e 16 senadores em 45. Embora tenha alcançado seu menor percentual desde 1954 (29%), o que comprovava sua queda acentuada a partir de 1958 (quando obtivera 35% das cadeiras), o PSD era ainda o partido majoritário na Câmara dos Deputados.

Nos estados, o partido conseguiu eleger apenas um governador: Rio Grande do Sul — Ildo Meneghetti (PSD-PL-PRP-PDC-UDN). Apesar disso, coligando-se com outros partidos, contribuiu para a eleição dos udenistas Virgílio Távora, no Ceará (UDN-PSD-PTN), e Petrônio Portela, no Piauí (PSD-UDN-PDC); em São Paulo aliou-se ao PSP para eleger Ademar de Barros mais uma vez e em Sergipe abrigou sob sua legenda a candidatura vitoriosa do udenista João de Seixas Dória (PSD-PRT).

Os resultados eleitorais demonstravam claramente o rompimento da aliança PSD-PTB — pois este não participou de nenhuma coligação com o PSD — e o fortalecimento de uma aliança PSD-UDN, que marcaria a conturbada conjuntura política dos dois últimos anos do governo João Goulart.

 

A volta ao presidencialismo

Em 6 de janeiro de 1963 o parlamentarismo foi rejeitado em plebiscito nacional por 9.457.448 votos contra 2.073.582. João Goulart era reinvestido dos plenos poderes do regime presidencialista.

Apesar de se afastar cada vez mais do presidente, o PSD ainda participou do ministério, ocupando as seguintes pastas: Justiça — Abelardo Jurema (18/6/1963 a 4/4/1964); Viação e Obras Públicas — Expedito Machado (21/6/1963 a 31/3/1964); Saúde — Paulo Pinheiro Chagas (24/1 a 17/6/1963); Indústria e Comércio — Antônio Balbino (24/1 a 27/6/1963); Minas e Energia — Antônio Oliveira Brito (18/6/1963 a 4/4/1964). Além disso, Amaral Peixoto exerceu as funções de ministro extraordinário para Assuntos da Reforma Administrativa entre 24 de janeiro e 11 de dezembro de 1963.

Em entrevista a Lúcia Lippi de Oliveira, Amaral Peixoto declarou que Goulart passou a nomear para seu ministério membros do PSD “que não correspondiam a uma indicação por parte do partido”.

O período presidencialista de João Goulart marcou a deterioração da aliança PSD-PTB que apoiava o governo. Os pessedistas aproximaram-se cada vez mais da UDN, e os dois partidos faziam causa comum nas críticas ao PTB e ao governo federal.

Na Câmara dos Deputados, o radicalismo do PTB, liderado por Leonel Brizola, era contestado pelo PSD. De outro lado, a bancada mineira, desconfiada da atitude amistosa de Goulart em relação ao governador de Minas, Magalhães Pinto (UDN), não obedecia mais ao líder do partido, Tancredo Neves, acusado de “complacência com o governo”.

Além disso, as primeiras conversações sobre sucessão presidencial aprofundaram ainda mais o abismo entre PSD e PTB, pois este já se considerava em condições de disputar a presidência da República e não aceitava mais o lugar de vice-presidente numa chapa encabeçada pelo PSD.

O processo de rompimento do PSD acelerou-se a partir de outubro de 1963, quando o partido, apreensivo quanto à escalada do processo inflacionário e à “infiltração comunista no governo”, emitiu nota oficial mantendo o apoio ao governo, mas advertindo sobre a radicalização ideológica.

Em 22 de novembro era a vez do deputado Armando Falcão, do PSD do Ceará, emitir nota acusando Goulart de preparar um golpe de estado para fechar o Congresso e suspender a Constituição. Finalmente, em dezembro o PSD assumiu a posição de “vigília cívica diante dos novos rumos da política do presidente da República”. O partido opunha-se violentamente ao anteprojeto de reforma agrária elaborado pela Superintendência da Reforma Agrária (Supra), considerado “imoral” pelo PSD.

Entretanto, alguns quadros do partido ainda se movimentavam com o objetivo de manter a normalidade político-institucional. Entre outubro de 1963 e janeiro de 1964 membros do PSD participaram ativamente da comissão interpartidária liderada pelo deputado San Tiago Dantas, do PTB de Minas, criada para elaborar um programa mínimo capaz de gerar condições para a “formação de um governo de frente única, composto por todas as correntes comprometidas com o governo Goulart, desde o PSD até o PCB”.

Em fevereiro San Tiago Dantas entregava ao presidente o documento final do “programa mínimo”. Mas Amaral Peixoto opôs-se ao programa, declarando que este omitia a questão da inflação; em seguida, declarou que o PSD não participaria da “frente única” proposta por San Tiago. Bombardeada também por influentes vozes do PTB, como os deputados Doutel de Andrade (SC) e Leonel Brizola (RS), a iniciativa de San Tiago Dantas não chegou a ser implementada.

Afinal, em 10 de março, o PSD rompia oficialmente com o governo federal, em nota lida no Congresso Nacional, e antecipava sua convenção nacional, como forma de desviar a atenção do país para a sucessão presidencial e levar o mandato de João Goulart até o fim. Em 19 de março instalou-se em Brasília a X Convenção Nacional do PSD, com o objetivo de lançar a candidatura de Juscelino Kubitschek à presidência da República em 1965.

Durante a convenção, alguns deputados tentaram aprovar uma moção de apoio às reformas propostas pelo presidente da República na mensagem enviada ao Congresso em 15 de março. A moção foi discutida, mas não aprovada. Ratificando o rompimento com o presidente, o PSD delegou o estudo das reformas a uma comissão a ser posteriormente constituída.

Agradecendo a indicação de seu nome para disputar a presidência, Juscelino Kubitschek marcava a posição do PSD naquela conjuntura: “Repudiemos sem vacilações o comunismo, que jamais conseguirá empolgar nosso povo livre e cristão. Repudiemos igualmente o reacionarismo intolerante em que se encastelam os falsos salvadores da democracia. O Brasil não precisa de salvadores e sim de soluções... O que desejamos, repito, é a bandeira da reforma, e não a reforma da bandeira!”

No mesmo dia, o PTB também realizava uma convenção nacional, onde não se tocou em sucessão presidencial. Discursando na convenção, Leonel Brizola aplaudiu o governo por se ter livrado do incômodo “apoio conservador” do PSD e pediu ao PTB que apoiasse João Goulart.

Mas a retirada do apoio do PSD ao governo esfacelou definitivamente o frágil equilíbrio político mantido desde a posse de João Goulart em 1961. As crescentes notícias da iminência de um golpe militar e a deterioração da situação política ainda deram margem a tentativas individuais de debelar a crise. Em 30 de março Tancredo Neves procurou o presidente da República para pedir-lhe que não comparecesse à solenidade promovida pelos sargentos no Automóvel Clube. Tancredo teria alertado o presidente para a flagrante subversão da hierarquia militar, que “não seria tolerada pelos militares”.

Em 31 de março iniciou-se o movimento militar que depôs João Goulart. Em 3 de abril o Congresso Nacional declarou a vacância da presidência da República; mais uma vez, Ranieri Mazzilli, do PSD de São Paulo, presidente da Câmara dos Deputados, assumiu interinamente a presidência da República.

Os primeiros dias após o golpe militar foram de total indefinição política, proliferando boatos de prisões e de cassação de mandatos. Do lado dos vitoriosos articulava-se a candidatura do general Humberto Castelo Branco, um dos líderes do movimento, à presidência da República. Para tanto fazia-se necessário o apoio do PSD, pois a eleição seria feita pelo Congresso.

Em 7 de abril o general Castelo Branco avistou-se com os principais líderes do PSD, entre os quais Amaral Peixoto, Juscelino, Martins Rodrigues e Joaquim Ramos. Na ocasião Castelo comprometeu-se a cumprir a Constituição — o que implicava a realização das eleições presidenciais em 3 de outubro de 1965 — e a dar posse aos eleitos.

Três dias depois o diretório nacional do PSD decidiu apoiar a eleição de Castelo e indicou José Maria Alkmin, do PSD de Minas Gerais, para vice-presidente.

A 9 de abril os três membros do Supremo Comando Revolucionário — general Costa e Silva, almirante Augusto Rademaker e brigadeiro Correia de Melo — decretaram um Ato Institucional marcando as eleições para dois dias após sua publicação e fixando o término do mandato do presidente da República para 31 de janeiro de 1966, quando seriam empossados os eleitos em 3 de outubro de 1965. Além disso, o ato conferia ao Executivo poderes extraordinários, como cassar mandatos, suspender direitos políticos por dez anos e declarar estado de sítio, sem a aprovação prévia do Congresso.

Em 11 de abril de 1964, Humberto de Alencar Castelo Branco e José Maria Alkmin foram eleitos, respectivamente, presidente e vice-presidente da República pelo Congresso Nacional, obtendo 361 votos — 123 do PSD, 105 da UDN, 53 do PTB e 180 dos demais partidos. Houve ainda 72 abstenções (a maioria do PTB) e 37 ausências.

 

O governo Castelo Branco 1964-1967

Empossado na presidência da República, Castelo Branco nomeou um ministério composto basicamente de udenistas civis e militares e técnicos de tendência “udenizante”. Nenhum membro do PSD participou do governo.

No Congresso, no entanto, o PSD compunha o bloco parlamentar que apoiava o governo federal; o partido mantinha-se no firme propósito de contribuir para que a gestão de Castelo Branco tivesse todas as características de normalidade constitucional.

Entretanto, em 3 de junho, ao aproximar-se a extinção do prazo dado pelo Ato Institucional ao Executivo para cassar mandatos — até 15 de junho — o PSD foi surpreendido com a notícia de que o ministro da Guerra, general Artur da Costa e Silva, pedira a cassação de Juscelino.

Enquanto os líderes pessedistas tentavam entendimentos com os militares e com os udenistas do governo para evitar a cassação, Juscelino procurava mobilizar a opinião pública a seu favor, discursando da tribuna do Senado.

Em 8 de junho, Juscelino Kubitschek de Oliveira teve seu mandato cassado, e seus direitos políticos foram suspensos por dez anos. O ato de cassação foi publicado dois dias depois, e o PSD retirou-se do bloco parlamentar de apoio ao governo. Extinguia-se, assim, o sonho do slogan “JK-65”.

Juscelino, aconselhado pelas lideranças do partido, partiu no dia 14 para o exílio na Europa.

Segundo Luís Viana Filho, chefe da Casa Civil de Castelo Branco, a saída do PSD do bloco parlamentar desarticulou inteiramente o apoio do Legislativo ao Executivo; “em função disso, o presidente Castelo Branco começou a sondar os parlamentares no sentido de obter a prorrogação de seu mandato”.

Derrotado politicamente com a cassação de Juscelino, assistindo impotente ao descumprimento sucessivo dos compromissos assumidos por Castelo Branco às vésperas de sua eleição, o PSD não fechou questão sobre a prorrogação. Em 22 de julho o Congresso aprovava a medida por 284 votos contra 97. A emenda votada prolongava o mandato de Castelo até 15 de março de 1967, marcando as eleições presidenciais para novembro de 1966.

O novo golpe que iria sofrer o PSD tinha como cenário o estado de Goiás, onde aumentava a tensão entre o governador Mauro Borges e os oficiais do Exército, que acusavam o governador de exercer um governo demasiadamente reformista num estado de grande relevância estratégica e de proteger atividades subversivas.

Um inquérito policial-militar (IPM) contra Mauro Borges foi aberto com apoio da UDN. O Supremo Tribunal Federal (STF) adiou o desfecho da crise, concedendo habeas-corpus preventivo ao governador, o que desagradou profundamente à oficialidade sediada em Goiás.

Finalmente, em 26 de novembro o presidente Castelo Branco decretou a intervenção federal em Goiás; Mauro Borges foi deposto e o general Carlos Meira Matos foi nomeado interventor.

Em carta ao presidente do PSD, Amaral Peixoto, Castelo Branco justificou a medida, declarando que a situação em Goiás “ameaçava frontalmente a integridade nacional e as realizações pacíficas da revolução”.

O PSD, considerando-se profundamente atingido, ainda tentou anular a intervenção, mas esta foi aprovada pelo Congresso, por 192 votos contra 140. Votaram a favor da medida: UDN, PR, PRP e PL. Votaram contra: PSD, PTB, PSB e PST.

Em fevereiro de 1965 novas vicissitudes aguardavam o PSD. O partido indicou formalmente o deputado Ranieri Mazzilli para disputar uma vez mais a presidência da Câmara. Castelo Branco decidiu interferir: manifestou sua oposição ao nome de Mazzilli e propôs sua substituição por Gustavo Capanema. Este recusou o convite, alegando que o partido já tinha um candidato oficial. Castelo iniciou, então, contatos com os outros partidos. A UDN lançou o nome de Bilac Pinto, da UDN de Minas Gerais, que venceu Mazzilli e assumiu a presidência da Câmara, interrompendo um domínio pessedista que remontava a 1946. O PSD sofria mais uma importante derrota.

 

As eleições de 1965 e a extinção dos partidos

Com a aproximação da campanha eleitoral, o governo aumentou seu controle sobre a atividade política, encaminhando ao Congresso emenda constitucional sobre inelegibilidades. Aprovada em 9 de julho, a emenda declarava inelegíveis todos os ministros do governo João Goulart que tivessem exercido a função após a realização do plebiscito que restaurou o presidencialismo.

Com base nessa emenda, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) impugnou a candidatura de Hélio de Almeida (PSD-PTB) ao governo na Guanabara. A nova candidatura apresentada, a do marechal Lott, foi igualmente impugnada pelo TSE, que, sob intensa pressão do governo, alegou que o marechal não possuía domicílio eleitoral no estado.

Finalmente, em 8 de setembro a convenção regional do PSD homologou as candidaturas do embaixador Francisco Negrão de Lima (PSD) e do deputado Rubens Berardo (PTB) para disputar os cargos de governador e vice-governador da Guanabara.

Em Minas Gerais, o PSD tentou apresentar a candidatura de Sebastião Pais de Almeida — último ministro da Fazenda de Juscelino —, nome que encontrou resistências intransponíveis entre os oficiais do Exército. O TSE, julgando recurso interposto pela UDN, impugnou a candidatura.

O partido acabou optando por outro aliado de Juscelino, Israel Pinheiro — ex-presidente da Novacap —, homologado pela convenção regional do PSD mineiro em 11 de setembro.

Em 3 de outubro de 1965, o PSD fazia sua última demonstração de força, elegendo cinco entre os 11 novos governadores: Mato Grosso — Pedro Pedrossian; Minas Gerais — Israel Pinheiro; Rio Grande do Norte — monsenhor Valfredo Gurgel; Guanabara — Negrão de Lima (PSD-PTB); Santa Catarina — Ivo Silveira (PSD-PTB).

No dia seguinte, contrariando a opinião das lideranças pessedistas, Juscelino Kubitschek desembarcava no Rio de Janeiro, onde foi recebido por uma grande manifestação popular.

A derrota da Revolução de 1964 nos dois estados de maior importância política — Guanabara e Minas Gerais — e o retorno triunfal de Juscelino — entendido como provocação pelas forças armadas — constituíram o pretexto de que o governo Castelo Branco se utilizou para decretar o Ato Institucional nº 2 (AI-2) em 27 de outubro de 1965. Além de transformar em indiretas as eleições presidenciais de 1966 e as eleições para os governos estaduais e restabelecer o direito do presidente da República de cassar mandatos e suspender direitos políticos, o AI-2 declarava extintos todos os partidos políticos em funcionamento no país.

 

Organização

A estrutura do PSD permaneceu inalterada durante toda a sua história. Organizado em três níveis — diretórios municipais, estaduais e diretório nacional —, o partido manteve uma configuração federativa, conseqüência em parte da acomodação entre as duas tendências detectadas desde sua fundação. Para atender àqueles que defendiam partidos regionais, decidiu-se que o diretório nacional seria composto pelos presidentes dos diretórios regionais e mais 15 membros eleitos anualmente pelos membros do diretório e pelas bancadas na Câmara e no Senado. Disto resultou grande autonomia das seções estaduais em relação à direção nacional.

O diretório nacional elegia um presidente e dois vice-presidentes com mandatos de quatro anos, sujeitos à reeleição, além de um secretário-geral e um tesoureiro, que não faziam parte do diretório. Participavam ainda das reuniões as bancadas na Câmara e no Senado, sem direito a voto.

A principal atribuição do diretório nacional era fornecer as diretrizes gerais do partido, convocar as convenções nacionais, indicar os candidatos à presidência e vice-presidência da República (a serem homologados pela convenção nacional), orientar a condução das bancadas no Congresso e colocar em discussão teses de interesse nacional.

Partido sem rigidez ideológica ou programática, o PSD pautava-se sempre por uma posição de centro, ouvidos os membros do diretório nacional e também políticos de larga vivência e longa militância partidária que não participavam do diretório.

Esta posição moderada derivava ainda de peculiaridades da própria legislação, que não dava autonomia à direção nacional para impor seu ponto de vista às seções regionais. A inexistência mesma do instrumento da fidelidade partidária conduzia às tentativas de acomodação das várias tendências encontradas dentro do partido.

O primeiro presidente do diretório nacional foi Getúlio Vargas. Escolhido pelos fundadores do partido, Vargas no entanto jamais assumiu a presidência, indicando para ocupar seu lugar no diretório nacional, como representante do Rio Grande do Sul, seu velho amigo João Vieira de Macedo. Quanto à presidência do partido, assumiu interinamente o primeiro vice-presidente, Benedito Valadares.

Entretanto, nas eleições de janeiro de 1947 Valadares perdeu a disputa pelo Senado para Artur Bernardes Filho (PR), dando origem a um movimento liderado pela seção mineira para desalojá-lo da presidência. Em 24 de fevereiro de 1947 o diretório nacional o substituiu por Nereu Ramos, que assumiu o posto em caráter efetivo.

Nereu exerceu a presidência até 12 de novembro de 1949, quando renunciou por discordar da excessiva interferência do presidente Dutra na sucessão presidencial. Com a renúncia de Nereu, ascendeu à presidência o primeiro vice-presidente, Cirilo Júnior, que completou o seu mandato.

Em 1951 foi eleito presidente Ernâni Amaral Peixoto, presidente do diretório do estado do Rio e então governador daquele estado. Amaral Peixoto foi sucessivamente reeleito até a extinção do partido em 1965.

Os presidentes dos diretórios regionais e membros do diretório nacional foram: Amazonas: Álvaro Maia; Pará: Magalhães Barata; Maranhão: Clodomir Cardoso, Sebastião Archer, Eugênio de Barros, José de Matos Carvalho, Newton Belo, Renato Archer; Piauí: Leônidas Melo; Ceará: Meneses Pimentel, Martins Rodrigues; Rio Grande do Norte: Georgino Avelino, Rafael Fernandes; Pernambuco: Agamenon Magalhães, Etelvino Lins, Jarbas Maranhão; Paraíba: Rui Carneiro; Alagoas: Osman Loureiro, Ismar de Góis Monteiro, Luís de Medeiros Neto; Sergipe: Celso Carvalho, Augusto Maynard Gomes, Erônides Carvalho; Bahia: Renato Pinto Aleixo, Régis Pacheco, Antônio Balbino; Minas Gerais: Benedito Valadares; Espírito Santo: Jones dos Santos Neves, Carlos Fernando Lindenberg; Rio de Janeiro: Ernâni Amaral Peixoto; Distrito Federal: Henrique Dodsworth, Augusto do Amaral Peixoto; São Paulo: Fernando Costa, Cirilo Júnior; Paraná: Manuel Ribas, Moisés Lupion; Santa Catarina: Nereu Ramos, Celso Ramos; Rio Grande do Sul: João Vieira de Macedo, Cilon Rosa, Ildo Meneghetti; Mato Grosso: Filinto Müller; Goiás: Pedro Ludovico.

 

Finanças

A manutenção financeira do PSD era realizada com contribuições mensais de suas bancadas na Câmara e no Senado. Durante a gestão de Nereu Ramos, o partido adquiriu uma sede própria no Rio de Janeiro: um andar no edifício Piauí, situado à avenida Almirante Barroso, nº 72.

Entretanto, a contribuição financeira de senadores e deputados era suficiente apenas para atender às despesas rotineiras. As eleições, principalmente as presidenciais, eram sustentadas por campanhas financeiras que o PSD promovia em todo o país para angariar fundos.

O PSD nunca promoveu um programa de filiação em massa. Em cada município havia um conselho, ao lado do diretório, formado por membros da comunidade, que assim participavam da vida partidária. Isto contribuía para consolidar ainda mais as bases municipais do partido.

 

Programa

Segundo Lúcia Lippi de Oliveira, o programa do PSD “continha proposições de caráter amplo e relativamente progressista para a época, resultado da influência das idéias de Agamenon Magalhães”. Essas proposições incluíam: autonomia política e administrativa do Distrito Federal, serviço militar obrigatório, descentralização administrativa, ensino primário gratuito e obrigatório, defesa da legislação trabalhista, extensão da justiça do trabalho a todos os grandes centros de produção, desenvolvimento da organização sindical, garantia do salário mínimo, extensão do seguro social a todos os cidadãos.

No capítulo da política econômica e financeira, o programa propunha ação do Estado no setor econômico para: estimular a iniciativa privada; fiscalizar a exploração das riquezas naturais e organização das indústrias básicas, notadamente siderurgia, petróleo e combustíveis em geral; impedir a formação de trustes, cartéis ou monopólios que embaraçassem a produção e prejudicassem o consumidor; discriminar eqüitativamente as rendas da União, dos estados e dos municípios; constituir o Banco Central para modernizar e regular o sistema bancário nacional.

Quanto à política internacional, o programa defendia a solidariedade continental, o respeito à arbitragem na solução de litígios internacionais e o repúdio à guerra de conquista.

Na IX Convenção Nacional, reunida em Brasília entre 15 e 17 de março de 1962, o PSD aprovou seu mais importante documento desde o programa de 1945. Redigido em grande parte por Gustavo Capanema, a Declaração de Brasília — nome pelo qual ficou conhecido o documento — ratificava os postulados do primeiro programa do partido, mas afirmava que tinha o “especial objetivo de apontar determinado número de problemas nacionais, alguns já velhos, tornados críticos pelo adiamento das soluções, outros novos mas igualmente cruciais, impostos que nos foram por condições recentes da vida de nosso povo”.

Marcando a posição do partido a respeito de temas como parlamentarismo, reforma eleitoral, desenvolvimento regional, progresso municipal, rumos da política externa e combate ao analfabetismo, o documento se estendia mais nos temas econômicos e sociais que marcaram a conjuntura de 1960 a 1964.

No tocante aos abusos do poder econômico, o partido pedia maior rigor na ação repressiva do Legislativo federal no sentido de coibir a formação de monopólios nacionais e internacionais.

Quanto à inflação, apontada como o “problema mais grave” que o país enfrentava, o PSD sugeria medidas como o equilíbrio orçamentário, a disciplina da expansão do crédito e o controle das emissões.

Já a entrada de capitais estrangeiros, admitida como necessária ao desenvolvimento do país, deveria ser disciplinada, encaminhando-se os recursos para setores mais convenientes, e a remessa de lucros para o exterior deveria ser mais rigidamente controlada, de modo a “reter no país a maior parcela possível dos lucros auferidos”. Mas era no capítulo referente à reforma agrária que o documento era mais incisivo, levando-se em conta que o PSD era um partido de bases majoritariamente rurais. Colocava-se a favor da medida, atendendo a dois objetivos: eliminação da miséria rural e aumento da produtividade agrícola.

A reforma agrária deveria ser realizada a partir da revisão da legislação referente ao regime da propriedade rural, mas configurando como latifúndio condenável apenas as grandes propriedades que permanecessem “incultas ou com insuficiente ou inadequada exploração”.

O partido recomendava a aplicação do dispositivo constitucional que determinava “uma justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos”, sem que no entanto se abandonassem os “princípios de justiça inerentes à concepção democrática dos direitos do homem”.

 

O PSD nos estados

Dada a organização interna do PSD, em que os diretórios regionais tinham enorme peso na direção nacional, o partido assumia características peculiares em alguns estados, voltados muitas vezes para as disputas locais. Sendo a base do partido eminentemente municipal, acordos e cisões paroquiais tiveram enorme relevância nas alianças realizadas pelo PSD em períodos eleitorais. Acrescente-se ainda que nem sempre o peso político de determinadas seções estaduais era proporcional ao desempenho eleitoral do partido.

Para um partido fundado e fortalecido no exercício do poder, o controle dos governos estaduais era essencial para possibilitar uma distribuição de cargos e verbas que atendesse às lideranças regionais e ainda para manter os prefeitos dentro dos quadros partidários.

No Norte, a seção mais poderosa era a do Maranhão. O grupo liderado por Vitorino Freire elegeu todos os governadores entre 1947 e 1960. A força de Vitorino derivava em parte do governo federal, onde ele se apresentava como representante dos interesses do Maranhão, muito mais do que o próprio governador. Suas disputas com outras lideranças do PSD maranhense, como Clodomir Cardoso, levaram-no a criar legendas ancilares — PPB e PST — com as quais sempre derrotava o PSD oficial.

A fraqueza da UDN local deixava ao PSP o encargo de se opor a Vitorino Freire. Apenas em 1965, devido à interferência direta do presidente Castelo Branco, a UDN conseguiu eleger o governador — José Sarney —, que destruiu o vitorinismo e o substituiu no controle coronelista do estado.

Em Pernambuco a força do PSD baseava-se na influência política do ex-governador Agamenon Magalhães. Interventor durante o Estado Novo e governador entre 1951 e 1952, quando faleceu, Agamenon foi um dos fundadores do PSD nacional e suas idéias progressistas influenciaram bastante a redação do primeiro programa do partido.

Etelvino Lins, eleito para completar o mandato de Agamenon, rompeu, com a direção nacional do PSD e passou a constituir uma das mais fortes dissidências pessedistas. O último governador eleito pelo PSD no estado, o general “udenista” Osvaldo Cordeiro de Farias, tentou junto com Etelvino criar uma resistência antigetulista em Pernambuco. Essa característica do PSD local deixava à UDN a alternativa de se aliar ao PTB, e foi esta aliança, acrescida do PSB e do PCB, que levou o udenista Cid Sampaio ao governo em 1958, encerrando o domínio do PSD em Pernambuco.

A mais bem organizada seção do PSD encontrava-se no antigo estado do Rio de Janeiro. Amaral Peixoto, interventor (1937-1945), governador (1951-1955), presidente do diretório regional (1945-1965) e do diretório nacional (1952-1965), controlava firmemente o partido, que chegava a possuir diretórios em todos os distritos municipais do estado. Entretanto, o desempenho eleitoral do PSD decresceu enormemente a partir das eleições de 1958, quando o PTB (com o apoio da UDN) conquistou o governo estadual, quebrando o controle pessedista iniciado em 1947.

Outra seção forte e bem organizada era a de Santa Catarina, embora em termos eleitorais a disputa entre PSD e UDN se mantivesse equilibrada. Nereu Ramos, interventor durante o Estado Novo e figura nacional do PSD — foi vice-presidente da República (1946-1951), presidente do diretório nacional (1947-1949) e presidente da República (1955-1956) —, dominou o partido até sua morte, em 1958, quando seu irmão, Celso Ramos, assumiu o controle do diretório e elegeu-se governador em 1960.

A acirrada disputa entre os Ramos e o grupo Konder-Bornhausen (udenistas unidos por casamento) fez com que PSD e UDN praticamente se alternassem no governo estadual.

Peculiaridades regionais fizeram do diretório do Rio Grande do Sul o PSD mais “udenista” do Brasil. Afinal, o Rio Grande era o estado natal das mais expressivas figuras nacionais do PTB. A começar pelo próprio Getúlio Vargas, eram gaúchos João Goulart, Joaquim Pedro Salgado Filho, Alberto Pasqualini e Leonel Brizola. Assim, para derrotar o PTB o PSD sempre fez aliança com a UDN e o PL de Raul Pilla, elegendo dois governadores em 1954 e 1962 — em 1947 Válter Jobim foi eleito pelo PSD sem qualquer coligação — e alternando-se no governo do estado com o PTB.

O diretório gaúcho aliou-se à UDN também nas eleições presidenciais de 1955 e 1960, e suas principais lideranças, como Peracchi Barcelos, Clóvis Pestana, Daniel Faraco e Tarso Dutra, acompanhavam a UDN nas votações no Congresso Nacional.

Em Goiás, o controle do PSD sobre o estado era quase absoluto. Com exceção das eleições de 1947, quando foi surpreendido por uma vitória udenista, o PSD elegeu todos os governadores até 1962, consolidando a liderança do ex-interventor Pedro Ludovico, ele próprio eleito governador em 1950.

A perda do governo do estado só iria ocorrer nas eleições de 1965, em decorrência da intervenção federal decretada pelo presidente Castelo Branco, com a deposição do governador Mauro Borges — filho de Pedro Ludovico —, tornado persona non grata aos militares que assumiram o poder em 1964.

 

O PSD de Minas Gerais: um estilo de política

Mais do que um simples diretório estadual, o PSD mineiro foi um verdadeiro celeiro de lideranças nacionais. Dele saíram: um presidente da República (Juscelino), um vice-presidente (José Maria Alkmin), um primeiro-ministro (Tancredo Neves), um presidente da Câmara dos Deputados (Carlos Luz), o presidente da Assembléia Nacional Constituinte (Melo Viana), três líderes da maioria na Câmara (Tancredo, Gustavo Capanema e Alkmin), um presidente do PSD (Benedito Valadares), um candidato derrotado à presidência da República (Cristiano Machado), além de 12 ministros dos governos do período 1945-1964.

Embora fosse o partido mais poderoso no estado, o PSD praticamente alternou-se no governo com a UDN, cuja seção mineira era também das mais importantes dentro da UDN nacional. Governadores do PSD foram eleitos em 1950, 1955 e 1965, enquanto a UDN elegeu seus governadores em 1947 e 1960, beneficiada por duas cisões dentro do PSD. A primeira, liderada por Carlos Luz, contribuiu decisivamente para a vitória de Mílton Campos (UDN) sobre Bias Fortes em 1947; a segunda, liderada por José Maria Alkmin, levou à derrota de Tancredo Neves para Magalhães Pinto (UDN), em 1960.

Com tantas lideranças influentes na política federal, nem sempre foi tranqüilo o domínio de Benedito Valadares sobre o diretório regional. Além das dissidências ocorridas nas sucessões estaduais, Valadares ainda teve que conviver com a dissidência liderada por Carlos Luz em 1955 contra a candidatura de Juscelino Kubitschek à presidência da República.

O próprio Valadares manteve um comportamento bastante oscilante. Em 1945 foi o responsável pelo lançamento da candidatura Dutra. Em 1947 divergiu abertamente de Dutra nas eleições estaduais, mas se recompôs após a surpreendente derrota do partido para a UDN. Em 1950, contribuiu para a “cristianização” do candidato do PSD, Cristiano Machado, um membro do diretório mineiro. Em 1955 hostilizou a candidatura Juscelino, só aderindo na hora mesma da votação na convenção nacional. Finalmente, em 1960 deu apoio apenas formal à candidatura Lott e não foi capaz de evitar a dissidência liderada por Alkmin, que resultou em outra surpreendente derrota do partido para a UDN nas eleições para o governo do estado.

Outra característica distinguia o PSD mineiro dos demais diretórios do partido: um estilo político próprio. Prudência, moderação, habilidade, respeito à autoridade constituída, gosto pela negociação e pela conciliação, conversas ao pé do ouvido foram traços marcantes de um tipo único de político no Brasil: o pessedista mineiro, cujos exemplos mais apurados foram José Maria Alkmin e Benedito Valadares.

 

Considerações finais

Como protagonista ou coadjuvante privilegiado, o PSD jamais ficou longe do poder até 1964 e foi em larga medida o responsável pela solução política das crises do período, evitando a desestabilização do regime implantado pela Constituição de 1946.

Mesmo durante o governo Jânio Quadros, quando foi vítima de uma tentativa de marginalização, o PSD manteve vínculos estreitos e nunca suprimidos — que remontavam às suas origens — com os altos escalões da burocracia federal, o que o transformava em interlocutor preferencial das instâncias decisórias do serviço público.

As lideranças pessedistas, atuantes na vida pública no mínimo desde 1937, detinham o controle de um enorme manancial de informações sobre os problemas brasileiros, o que as qualificava, como em nenhum outro partido, para o exercício das mais altas funções no aparelho de Estado.

Dessa forma, mesmo nos poucos momentos em que não esteve no governo, o PSD conhecia os caminhos decisórios para influir no poder.

Definindo-se ideologicamente como um partido de centro, o PSD apoiou muitas das medidas modernizantes do período, mas opôs-se àquelas que ameaçavam suas bases clientelistas. Dessa forma, o partido se colocou a favor do monopólio estatal do petróleo e da intervenção do Estado na economia, apoiou todas as iniciativas tomadas pelo governo desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek, lutou pela extensão do voto ao analfabeto e por uma política nacional de energia nuclear. De outro lado, manifestou-se contra a reforma administrativa, a extensão da legislação trabalhista ao campo e a realização de uma reforma agrária radical, apresentando projetos alternativos.

Em entrevista a Lúcia Lippi de Oliveira, Amaral Peixoto ressaltou o papel de equilíbrio do PSD, pois “não se deve ver somente o que o PSD fez, mas o que ele evitou que fosse feito no Brasil, grandes crises nacionais que foram evitadas pelo PSD”.

Do ponto de vista interno, esse equilíbrio de seus dirigentes transformou o PSD num partido oligárquico, pois a larga experiência política de suas lideranças servia também como freio às tentativas de renovação do comando partidário.

O longo exercício do poder, o espírito de conciliação e de negociação que caracterizaram o partido transformaram os pessedistas nos mais permanentes personagens do folclore político nacional. Os pessedistas — especialmente seu tipo mais refinado, os pessedistas mineiros — passaram a ser identificados como “raposas” políticas, hábeis na negociação, espertos porém prudentes, preferindo o cochicho ao discurso inflamado, o diálogo à conspiração.

O pessedismo foi sintetizado por Tancredo Neves em uma frase: “Entre a Bíblia e O Capital (de Marx), o PSD fica com o Diário Oficial.” Se no entender de Maria Vitória de Mesquita Benevides o udenismo permaneceu na vida política brasileira como um “estado de espírito”, o pessedismo permaneceu como um estilo de prática política, voltado para as posições de centro, o entendimento e o pragmatismo, para o realismo político, enfim.

Lúcia Hipólito colaboração especial

 

 

FONTES: ARAÚJO, M. Segundo; BENEVIDES, M. Governo Kubitschek; BRANDI, P. Vargas; CARVALHO, M. Colaboração; KUBITSCHEK, J. Meu; OLIVEIRA, L. Partido; SANTOS, W. Calculus; VIANA FILHO, L. Governo; VÍTOR, M. Cinco.