ELETROBRAS (Centrais Elétricas Brasileiras S. A.)

Empresa estatal criada em 25 de abril de 1961 pela Lei nº 3.890-A e instalada em 11 de junho de 1962.

 

Antecedentes

O desenvolvimento da indústria de eletricidade no Brasil contou com a participação predominante do capital privado até a década de 1950, quando um novo ciclo de expansão foi inaugurado por empresas públicas federais e estaduais. A intervenção do Estado, consolidada com a criação da Eletrobrás, modificou profundamente a base produtiva e a estrutura de propriedade do setor de energia elétrica.

A base produtiva era formada por sistemas isolados, a maioria de pequeno porte. A potência instalada de energia elétrica estava distribuída entre centenas de concessionários de forma bastante desigual. Duas companhias estrangeiras monopolizavam virtualmente os serviços de eletricidade nas capitais e principais centros urbanos. As empresas da holding Brazilian Traction, Light and Power Company operavam os sistemas de maior porte, respondendo por mais da metade da capacidade de geração do parque elétrico nacional. De origem canadense, o grupo Light concentrou seus interesses no eixo Rio de Janeiro-São Paulo desde o início do século. Já o grupo norte-americano American & Foreign Power Company (Amforp) iniciou suas atividades no Brasil em 1927, obtendo pela aquisição de dezenas de empresas nacionais a concessão dos serviços de eletricidade em numerosas cidades do interior de São Paulo e de outros estados, atuando em municípios como Belo Horizonte, Recife, Salvador, Porto Alegre, Pelotas, Curitiba, Niterói, Vitória, Maceió e Natal.

Durante a Primeira República, dada a inexistência de uma legislação abrangente, a exploração dos serviços de eletricidade foi regulada por contratos de concessão, contendo numerosas vantagens e privilégios para os grupos estrangeiros, como a cláusula-ouro, que permitia a correção das tarifas em função das desvalorizações cambiais.

A regulamentação e o controle das atividades de energia elétrica passaram ao quadro das funções da União logo após a Revolução de 1930. O Código de Águas, promulgado por Getúlio Vargas em 1934, estabeleceu a competência exclusiva do governo federal como poder concedente dos aproveitamentos hidrelétricos, prevendo a fixação de tarifas pelo custo do serviço. Diante da resistência dos grupos estrangeiros, o governo acabou abrindo mão de várias exigências legais, como a revisão geral dos contratos, mas os investimentos estrangeiros no setor diminuíram sensivelmente.

O Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica (CNAEE) foi criado em 1939 com o objetivo de aperfeiçoar a legislação e solucionar as dificuldades que se delineavam na oferta de energia elétrica. Os primeiros passos da intervenção estatal na geração de energia elétrica ocorreram no período da guerra. O governo do Rio Grande do Sul formou a Comissão Estadual de Energia Elétrica (CEEE) em 1943, com o objetivo de estudar e sistematizar o aproveitamento do potencial hidráulico em conexão com as reservas carboníferas do estado. Em outubro de 1945, Vargas criou a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF), para ampliar a oferta de energia ao Nordeste, região precariamente servida por usinas termoelétricas.

O governo Dutra promoveu a constituição da CHESF, iniciou as obras da usina de Paulo Afonso, mas demonstrou certo imobilismo em relação aos problemas mais amplos do setor. Motivos para uma ação mais firme não faltaram. A crise de energia elétrica foi uma constante em todo o período. Além do racionamento adotado pelo CNAEE em vários pontos do território nacional, empresas como a Light recorreram a um racionamento velado, retardando o atendimento de novas ligações.

Quando Vargas retornou ao poder em 1951, o déficit de energia elétrica já era considerado sério obstáculo ao avanço do processo de industrialização. Em sua primeira mensagem, o presidente ressaltou que as concessionárias estrangeiras não vinham respondendo satisfatoriamente ao aumento da demanda, enquanto as empresas privadas de menor porte de capital nacional não eram capazes de mobilizar recursos suficientes para realizar investimentos reconhecidamente elevados e de lenta maturação. Além da regulamentação do Código de Águas, Vargas defendeu a intervenção do Estado como forma de superação dos pontos de estrangulamento na área de eletricidade.

Vargas buscou conciliar diferentes tendências políticas, ideológicas e econômicas na tentativa de assegurar novas bases para o desenvolvimento industrial. Os projetos mais identificados com seu ideário nacionalista (Petrobras e Eletrobrás) foram formulados por sua assessoria econômica, organizada no início do governo sob chefia de Rômulo de Almeida. Os projetos mais comprometidos com a participação do capital estrangeiro foram elaborados na órbita do Ministério da Fazenda pelos técnicos da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU).

Os trabalhos da comissão mista começaram com a garantia da concessão de crédito do Banco Mundial (BIRD) e do Eximbank para a implantação de indústrias de base e a modernização da infra-estrutura do país. A exigência de contrapartida de recursos em moeda nacional levou à criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), em 1952. Apesar de sua mensagem privatista, a comissão recomendou o financiamento de vários projetos de energia elétrica programados por empresas públicas como a CHESF, a CEEE, as Centrais Elétricas de Minas Gerais (Cemig), fundadas em 1952 pelo governador Juscelino Kubitschek, e as Usinas Elétricas do Paranapanema (Uselpa), criadas pelo governo paulista em 1953.

A comissão mista suspendeu seus trabalhos em dezembro de 1953 por decisão do governo norte-americano. O rompimento das negociações para o financiamento dos projetos recomendados pela CMBEU contribuiu para a radicalização do discurso nacionalista de Vargas. No final do ano, o presidente denunciou as excessivas remessas de lucros das companhias estrangeiras e o obsoletismo do regime de concessões, acusando indiretamente a Light e a Amforp pelo atraso industrial do país.

A assessoria econômica da Presidência da República cuidou da formulação de uma política global para o setor de energia elétrica. O trabalho resultou na elaboração de quatro projetos de lei encaminhados ao Congresso entre maio de 1953 a abril de 1954. Considerando a acidentada tramitação da proposta de criação da Petrobras, Jesus Soares Pereira, chefe da assessoria na época, preferiu não englobar num único projeto os planos de expansão, as condições de financiamento e a organização de uma holding federal do setor.

O primeiro projeto assegurava suporte financeiro para a expansão do setor, instituindo o Imposto Único sobre Energia Elétrica (IUEE) e destinando 40% de sua arrecadação para o Fundo Federal de Eletrificação (FFE). O segundo tratava dos critérios de rateio do imposto único entre os estados, os municípios e o Distrito Federal. O terceiro estabelecia o Plano Nacional de Eletrificação e o quarto autorizava a constituição das Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobrás).

O principal encargo da nova empresa seria a execução dos empreendimentos do Plano Nacional de Eletrificação, sob a responsabilidade do governo federal, diretamente ou por intermédio de subsidiárias. A atuação da Eletrobrás teria como princípio dominante a construção de grandes usinas geradoras e linhas transmissoras de alta tensão, além da implantação da indústria de material elétrico pesado. A intervenção do governo federal na produção de energia elétrica ganharia dimensão nacional. Além da ampliação da usina de Paulo Afonso, inaugurada em janeiro de 1955, a União marcaria sua presença na região Sudeste mediante a construção de várias hidrelétricas, e também na região Sul, com a instalação de usinas térmicas movidas a carvão.

O primeiro projeto de Vargas foi aprovado no final de seu governo. O presidente deixou de sancioná-lo por questão de dias. A tarefa coube ao seu sucessor, Café Filho, que promulgou a Lei nº 2.308 em 31 de agosto de 1954, instituindo o IUEE e o Fundo Federal de Eletrificação. A administração do fundo foi entregue provisoriamente ao BNDE. O segundo projeto permaneceu três anos em tramitação, dando origem à Lei nº 2.944, assinada por Juscelino Kubitschek em 8 de novembro de 1956. O projeto do Plano Nacional de Eletrificação acabou sendo abandonado e o da Eletrobrás somente seria aprovado em 1961 com emendas.

 

Resistências ao projeto

O projeto da Eletrobrás enfrentou a oposição das concessionárias estrangeiras, de amplo segmento do empresariado nacional e também de dirigentes de algumas empresas estaduais que temiam a centralização do poder na esfera federal. Em seu depoimento, Jesus Soares Pereira destacou as resistências dentro do próprio governo, notadamente de personalidades como o ministro da Fazenda, Osvaldo Aranha, e o presidente do Banco do Brasil, Marcos de Sousa Dantas. Dispondo de um corpo de advogados e lobistas que penetrava a imprensa e os partidos políticos, a Light e a Amforp moveram intensa campanha contra o projeto. Em sua carta-testamento, o presidente chegou a afirmar que os interesses contrariados pela Eletrobrás eram em parte responsáveis pela crise que o levou ao gesto extremo.

O projeto tramitou lentamente no Congresso. As emendas apresentadas em primeira discussão na Câmara foram votadas em novembro de 1954. O processo foi interrompido no ano seguinte, sendo retomado em regime de urgência em abril de 1956, sob pressão do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

Embora eleito com o apoio das correntes nacionalistas, o presidente Kubitschek não se comprometeu com o andamento do projeto. A Eletrobrás foi praticamente ignorada pelos autores do programa de energia elétrica do Plano de Metas, engenheiros Lucas Lopes e John Cotrim. Ambos deixaram claro o desinteresse do Executivo pela criação da empresa durante a Semana de Debates sobre Energia Elétrica, promovida pelo Instituto de Engenharia de São Paulo, simultaneamente à reabertura do processo legislativo na Câmara. Além de conhecidos adversários da opção estatizante, como Eugênio Gudin, Otávio Gouveia de Bulhões e Roberto Campos, o encontro contou com a presença de numerosos engenheiros e técnicos que formavam a elite do setor, incluindo dirigentes de empresas públicas como Otávio Marcondes Ferraz (CHESF) e Mário Bhering (Cemig). A criação da holding foi condenada pela maioria dos participantes.

Aprovado com emendas na Câmara em maio de 1956, o projeto foi remetido para o Senado, onde recebeu novas emendas, incluindo a alteração do nome da empresa para Centrais Elétricas Federais S.A. (Celfe). Em outubro de 1957, a discussão voltou para a Câmara, permanecendo confinada em várias comissões até novembro de 1960.

O traço marcante do governo JK no setor de energia elétrica foi a crescente afirmação das empresas públicas sem a coordenação de uma holding setorial. O Plano de Metas propôs uma clara divisão de atividades no setor: as empresas federais e estaduais assumiriam a responsabilidade pelos investimentos na produção de energia, permanecendo a distribuição nas mãos do setor privado. O BNDE exerceu na prática as funções de banco do setor.

A obra prioritária foi a construção da usina de Furnas, fundamental para o suprimento dos principais mercados consumidores do Sudeste e centro de gravidade do sistema interligado da região. Tratava-se de um empreendimento gigantesco para os padrões da época, envolvendo a instalação de 1.200MW no rio Grande, em Minas Gerais. A execução ficou a cargo da Central Elétrica de Furnas, empresa de economia mista criada em fevereiro de 1957 sob a presidência de John Cotrim. A presença do governo no setor seria ampliada em setembro de 1960 com a constituição da Companhia Hidrelétrica do Vale do Paraíba (Chevap), incumbida do aproveitamento hidrelétrico de Funil no estado do Rio de Janeiro. Além disso, a União vinculou importantes recursos do Fundo Federal de Eletrificação para a construção de uma usina a carvão no município gaúcho de São Jerônimo, assumindo por intermédio do BNDE o controle da Termoelétrica de Charqueadas S.A. (Termochar).

No final de seu mandato, Kubitschek enfrentou graves problemas para assegurar o cumprimento das metas de energia elétrica, pois o processo inflacionário corroeu a principal fonte de financiamento das empresas públicas, o imposto único, cobrado segundo um valor fixo por Kw/h. Algumas empresas estaduais já demonstravam insatisfação com as relações puramente bancárias que mantinham com o BNDE.

As mudanças sofridas na proposta original, somadas ao surgimento do Ministério das Minas e Energia em julho de 1960, contribuíram para a retomada da discussão e a aprovação do projeto Eletrobrás em 10 de dezembro de 1960. O Sindicato das Indústrias de Energia Elétrica de São Paulo, onde a Light tinha forte influência, deflagrou campanha pelos meios de comunicação, visando obter o veto presidencial total ou ao menos parcial ao projeto. A campanha prosseguiu após a posse do presidente Jânio Quadros, em janeiro de 1961, com o apoio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e da grande imprensa, em especial os Diários Associados, com sua vasta cadeia de TV, rádio e jornais. A corrente nacionalista procurou resguardar a integridade do projeto, buscando garantir para o Estado o mais amplo espaço possível de atuação. No entanto, nem os nacionalistas e nem os adversários da empresa foram totalmente atendidos em suas reivindicações.

 

Da criação à compra da Amforp

Em 25 de abril de 1961, Jânio Quadros assinou a Lei nº 3.890-A, autorizando a União a constituir a Eletrobrás. Apesar de consagrar a solução estatizante, o texto legal foi sancionado com vetos parciais, notadamente à participação da estatal na fabricação de material elétrico pesado. A Eletrobrás deveria centrar esforços na “realização de estudos, projetos, construção e operação de usinas produtoras e linhas de transmissão e distribuição de energia elétrica”.

O processo de constituição da empresa começou de fato em outubro de 1961, já no governo João Goulart. Por solicitação do ministro das Minas e Energia, Gabriel Passos, um grupo de trabalho chefiado pelo engenheiro Paulo Richer promoveu um inquérito sobre a Eletrobrás e os problemas de financiamento do setor, ouvindo mais de 20 dirigentes de concessionárias públicas e particulares. Novo grupo de trabalho, também chefiado por Richer, elaborou o estatuto da empresa, concluindo a tarefa em maio do ano seguinte.

A Eletrobrás foi oficialmente instalada em 11 de junho de 1962, em sessão solene no palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, com a presença do presidente Goulart. Toda a carteira de aplicações e a administração do Fundo Federal de Eletrificação saíram do BNDE, passando imediatamente para o âmbito das atribuições da nova empresa.

A legislação facultava a sua atuação direta em empreendimentos de geração e a empresa chegou a receber duas concessões para aproveitamentos hidrelétricos. Desde cedo, porém, a Eletrobrás assumiu as características de holding, ancorada basicamente em quatro subsidiárias: CHESF, Furnas, Chevap e Termochar. Sua primeira diretoria foi composta por Paulo Richer, presidente da empresa até abril de 1964, o economista José Ribeiro de Lira, o jurista Válter Tolentino Álvares e o engenheiro Antônio Aureliano Chaves de Mendonça, futuro vice-presidente da República.

De imediato, a Eletrobrás enfrentou o grave problema da escassez de recursos para concluir grandes obras, notadamente Furnas. Em novembro de 1962, a Lei nº 4.156 estabeleceu importantes medidas para a reconstituição das bases de financiamento do setor público, transformando o Imposto Único sobre Energia Elétrica em tributo ad valorem e instituindo o empréstimo compulsório em favor da Eletrobrás. O empréstimo compulsório seria cobrado na conta do consumidor a partir de janeiro de 1964, em troca de obrigações da Eletrobrás resgatáveis em dez anos. Seu prazo de vigência de cinco anos foi sucessivamente prorrogado até 1993.

O capital da holding permaneceu concentrado nas empresas subsidiárias, mas passou a abranger participação minoritária nas chamadas empresas associadas. A presença da Eletrobrás como acionista minoritária nessas empresas foi reforçada pelos financiamentos concedidos via aporte de capital nos anos seguintes. No final de 1963, o quadro das associadas compreendia dez concessionárias estaduais, entre as quais a Cemig; a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), sucessora da antiga autarquia gaúcha; as Centrais Elétricas de Urubupungá (Celusa), empresa paulista incumbida da construção da usina de Jupiá; e as Centrais Elétricas de Goiás (Celg). Também figuravam como associadas duas empresas federais: a Sociedade Termoelétrica de Capivari (Sotelca) e a Companhia Hidroelétrica de Boa Esperança (Cohebe), criadas respectivamente em 1957 e 1963, sob o controle da Comissão Executiva do Plano do Carvão Nacional e da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).

Operando como núcleo de um conjunto de empresas subsidiárias ou associadas, a Eletrobrás pôde desempenhar com maior eficiência sua função de principal agência financeira setorial. Aproximadamente metade dos recursos aplicados pela Eletrobrás em seus dois primeiros anos de funcionamento foi destinada a Furnas. A entrada em operação da usina, em setembro de 1963, evitou um iminente colapso no fornecimento de energia aos parques industriais de São Paulo e do Rio de Janeiro, representando também passo fundamental para a interligação dos sistemas elétricos na região Sudeste.

Concentrando grande parte de suas atividades na área econômico-financeira, a Eletrobrás delegou a Furnas o encargo de representá-la no Comitê Coordenador de Estudos Energéticos da Região Centro-Sul, criado em abril de 1963 pelo Ministério das Minas e Energia. O comitê assumiu a supervisão de um amplo trabalho de levantamento dos potenciais hidráulicos e do mercado de energia elétrica do Sudeste, visando à definição de um plano de eletrificação integrado para toda a região. Com o apoio do Banco Mundial e de um fundo especial da ONU, o governo brasileiro confiou a execução dos trabalhos a duas firmas de consultoria canadenses e uma americana, que formaram o consórcio Canambra Engineering Consultants Limited.

A Canambra desempenharia papel fundamental como grande escola de planejamento do setor de energia elétrica, estendendo seus estudos para a região Sul logo após a apresentação do relatório final sobre a região Sudeste em dezembro de 1966.

Ainda no governo Goulart, a Eletrobrás integrou a Comissão de Nacionalização das Empresas Concessionárias de Serviços Públicos (Conesp), assumindo papel relevante nos estudos para a compra das empresas do grupo Amforp. A criação da Conesp em maio de 1962 traduziu o interesse das autoridades brasileiras em normalizar as relações com os Estados Unidos, afetadas pela encampação de subsidiárias da Amforp e da International Telephone and Telegraph (ITT) no Rio Grande do Sul pelo governador Leonel Brizola.

Nas negociações com os norte-americanos, a Conesp acertou um preço global de 135 milhões de dólares com obrigatoriedade de reinvestimento no Brasil de 75% do valor da transação. Em abril de 1963, o embaixador Roberto Campos e o vice-presidente da Amforp firmaram em Washington um memorando de entendimento, mas a forte reação de lideranças nacionalistas, especialmente do então deputado federal Leonel Brizola, impediu naquele momento a concretização do acordo.

Logo após a deposição de Goulart, as negociações foram retomadas por uma comissão interministerial coordenada pelo novo presidente da Eletrobrás, Otávio Marcondes Ferraz. Apesar da oposição do PTB, o Congresso aprovou em 8 de outubro a mensagem do presidente Castelo Branco propondo a compra das concessionárias pelo preço de 135 milhões de dólares, além do pagamento adicional de dez milhões de dólares como compensação pelo retardamento da transação e de 7,7 milhões de dólares referentes a juros e dividendos devidos. Em 12 de novembro, Marcondes Ferraz assinou em Washington o tratado de compra. Levando em conta a obrigatoriedade de reinvestimento da maior parcela da importância total acordada, a operação foi consumada mediante a abertura de crédito da Amforp no valor de 125 milhões de dólares, a serem pagos pela holding em 45 anos, com uma taxa média de 6,5% de juros anuais.

O grupo Eletrobrás passou a contar com mais dez subsidiárias, depois incorporadas em sua maioria por empresas estaduais. Com o afastamento da Amforp, o setor público alcançou posição predominante na capacidade de geração de energia elétrica do país, respondendo por 54% dos 7.400MW de potência instalada em 1965.

 

Amadurecimento da empresa

A tendência centralizadora do regime político instaurado em 1964 contribuiu para a progressiva afirmação da Eletrobrás como agência de planejamento setorial e holding de empresas federais. Na verdade, a Eletrobrás percorreu um longo caminho até alcançar a posição de empresa dominante do setor. Nos anos 1960, Furnas, CHESF e as grandes companhias controladas pelos governos estaduais das regiões Sudeste e Sul tinham ampla autonomia gerencial e financeira para decidir suas metas e direções de crescimento.

De modo geral, as empresas de energia elétrica conseguiram recuperar amplamente a capacidade de autofinanciamento com a adoção da política de realismo tarifário, pelo governo Castelo Branco, em novembro de 1964. O principal instrumento dessa política foi a aplicação da correção monetária sobre o ativo imobilizado das concessionárias de energia elétrica, determinada pelo Decreto nº 54.936. Simultaneamente, o governo padronizou o processo de tombamento das propriedades vinculadas aos serviços de eletricidade, de modo a definir o investimento remunerável de cada empresa.

A elevação das tarifas e o apoio dos bancos internacionais (BID e BIRD) propiciaram condições de expansão excepcionalmente favoráveis para o setor, que liderou a retomada dos investimentos estatais ainda na conjuntura recessiva do governo Castelo Branco. O ano de 1967 marcou a grande arrancada para o crescimento da capacidade instalada e também o início de um ciclo ascendente da economia brasileira.

A expansão dos serviços de eletricidade exigiu crescente integração entre as empresas, bem como a unificação da freqüência dos sistemas elétricos. Em novembro de 1964, o Congresso aprovou a adoção da freqüência de 60 hertz em todo o território nacional. Na época, os estados da Guanabara, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e parte de Minas Gerais operavam em 50 hertz. Os trabalhos de conversão foram demorados, começando pela Guanabara em 1965, sob a coordenação da Eletrobrás.

Em junho de 1967, o governo Costa e Silva estabeleceu o sistema nacional de eletrificação, por intermédio do Decreto nº 60.824, declarando a conveniência de concentrar em número limitado de empresas de eletricidade, preferivelmente de caráter regional, a ação da Eletrobrás e dos governos estaduais no setor. O decreto não eliminou inteiramente a superposição de atribuições entre a holding e o CNAEE, problema resolvido em julho de 1969 com a extinção do conselho. A partir de então, consolidou-se a estrutura básica da administração federal dos serviços de eletricidade, cabendo à Eletrobrás as funções de entidade executora da política de energia elétrica da União, e ao Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE), criado em 1965, as funções normativas e fiscalizadoras.

O processo de reorganização das empresas do setor seguiu efetivamente as diretrizes do sistema nacional de eletrificação. Centenas de pequenas empresas municipais, públicas e privadas, foram progressivamente incorporadas pelas estaduais. Meses antes do decreto federal, o governo paulista promoveu a fusão de 11 empresas públicas estaduais em torno das Centrais Elétricas de São Paulo (CESP). Quase todas as antigas subsidiárias da Amforp passaram do controle da Eletrobrás para as concessionárias estaduais, em demorado processo que atravessou toda a primeira gestão do engenheiro Mário Bhering como presidente da holding (1967-1975).

No caso do Espírito Santo, os serviços de eletricidade foram reorganizados com a criação de nova subsidiária da Eletrobrás, dado o desinteresse do governo capixaba em absorver a Companhia Central Brasileira de Força Elétrica (CCBFE), representante do grupo Amforp no estado até 1964. A CCBFE e a concessionária estadual Espírito Santo Centrais Elétricas (Escelsa) se juntaram em 1968, formando uma nova empresa com a mesma denominação e a sigla da antiga Escelsa.

Em dezembro de 1968, o grupo Eletrobrás passou a contar com uma terceira subsidiária de âmbito regional, as Centrais Elétricas do Sul do Brasil (Eletrosul), constituídas para atuar em moldes semelhantes a Furnas na região Sudeste e à CHESF no Nordeste. A Eletrosul incorporou várias empresas federais de pequeno porte estabelecidas no Sul, como a Termochar e a Sotelca. Completando o processo de criação de subsidiárias regionais, em novembro de 1972 surgiram as Centrais Elétricas do Norte do Brasil (Eletronorte).

O crescimento do grupo Eletrobrás foi acompanhado do contínuo aperfeiçoamento das atividades de planejamento da holding. Os célebres levantamentos da Canambra realizados nas regiões Sudeste e Sul representaram aportes decisivos para sua capacitação em termos de elaboração de projeções de mercado, estudos de inventário e de viabilidade de projetos. Em 1968, o Orçamento Plurianual de Energia (OPE) foi institucionalizado com projeções consolidadas para um horizonte de cinco anos, baseado em informações de natureza econômico-financeira coletadas junto a mais de 60 concessionárias. Amplo levantamento do mercado de energia e do potencial hidrelétrico da Amazônia foi iniciado sob a coordenação da Eletrobrás e já com a participação de firmas de consultoria nacionais. Estudo semelhante foi conduzido no Nordeste a partir do ano seguinte.

A operação dos sistemas elétricos interligados também passou a contar com a participação da Eletrobrás, tendo em vista a melhor utilização da rede de transmissão e dos recursos hidráulicos e térmicos disponíveis. A interdependência operativa dos sistemas tornou necessária a criação de órgãos colegiados. Em 1969, sob a supervisão do DNAEE e a orientação técnica da Eletrobrás, as principais empresas geradoras e distribuidoras do Sudeste formaram o Comitê Coordenador para Operação Interligada (CCOI). Em 1971, as empresas do Sul formaram um comitê análogo.

O fortalecimento do regime autoritário durante o governo Médici favoreceu a concentração de recursos financeiros na Eletrobrás. Em 1971, as concessionárias foram obrigadas a transferir para a holding o equivalente a 3% do investimento remunerado, tendo em vista a constituição da reserva global de reversão (RGR), criada pela Lei nº 5.655. Tratava-se de um fundo da União destinado à cobertura de indenizações em casos de encampação de serviços de eletricidade. A gestão exclusiva da RGR assegurou à Eletrobrás a possibilidade de transferir recursos de regiões mais ricas para áreas menos desenvolvidas. Medida de mesma natureza afetou o empréstimo compulsório. Segundo a legislação original, metade dos recursos arrecadados em cada estado deveria reverter obrigatoriamente para o mesmo estado sob a forma de investimentos da holding. Em 1972, a Eletrobrás ganhou plena autonomia na aplicação desses recursos. Por outro lado, o governo manteve níveis tarifários adequados para todas as empresas, elevando a taxa máxima de remuneração do capital investido de 10 para 12% e reduzindo o imposto de renda sobre seus lucros.

 

A Lei de Itaipu

Em 26 de abril de 1973, os governos do Brasil e do Paraguai assinaram tratado para a construção da usina de Itaipu, prevendo a instalação de 12.600MW de potência num trecho do rio Paraná entre Sete Quedas e Foz do Iguaçu, pertencente aos dois países. Tratava-se de uma potência equivalente a 75% da capacidade de geração nacional em 1973. O empreendimento ficou a cargo da Itaipu Binacional, constituída em partes iguais pela Eletrobrás e pela Administración Nacional de Electricidad (ANDE), estatal paraguaia.

Em 5 de julho, o presidente Médici sancionou a Lei nº 5.899, conhecida como Lei de Itaipu, estabelecendo a compra compulsória de energia da usina binacional pelas principais concessionárias das regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste e oficializando inovações significativas para o planejamento da expansão e da operação dos sistemas elétricos nessas regiões.

A Eletrobrás foi encarregada de dirigir os grupos coordenadores para operação interligada (GCOI), instituídos no lugar dos CCOIs, passando a administrar com poder decisório conflitos técnicos e comerciais entre as empresas integrantes dos sistemas interligados. Os novos organismos colegiados da operação nas regiões Sudeste e Sul foram regulamentados em novembro de 1973 pelo Decreto nº 73.102, que também criou a conta de consumo de combustíveis (CCC), destinada a garantir às empresas a compensação financeira devida pela maior utilização das usinas térmicas em períodos de seca.

O governo federal também estabeleceu restrições explícitas para a expansão das concessionárias estaduais. Segundo a Lei de Itaipu, somente a Eletrobrás, por intermédio de suas subsidiárias de âmbito regional, poderia promover a construção e a operação de centrais geradoras e sistemas de transmissão em alta tensão de interesse supra-estadual. O país foi dividido em quatro regiões geoelétricas correspondentes às áreas de atuação da CHESF (Nordeste), Furnas (Sudeste e parte do Centro-Oeste, incluindo o Distrito Federal), Eletrosul (os três estados do Sul) e Eletronorte (estados e territórios do Norte e áreas de Mato Grosso e Goiás).

A Eletrobrás alcançou a posição de empresa dominante do setor de energia elétrica ao final do ciclo de crescimento econômico conhecido como “milagre brasileiro”. Em 1974, em meio à crise internacional provocada pelo primeiro choque do petróleo e devido às fortes pressões inflacionárias internas, o governo Ernesto Geisel lançou o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). A liderança conferida aos setores de bens de produção pelo II PND impunha acentuada expansão da oferta de energia. O plano indicava a necessidade de afirmar o poder de competição de indústrias altamente intensivas em energia elétrica, com base no aproveitamento dos amplos recursos hídricos disponíveis no país, apontando para a ocupação de novas fronteiras, como a Amazônia. A decisão de construir a usina de Tucuruí, no rio Tocantins, obedeceu a essa estratégia.

Diante das metas propostas pelo II PND, a Eletrobrás elaborou um plano de expansão do setor, reunindo pela primeira vez os sistemas interligados das regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste e apresentando a seqüência de obras destinadas ao atendimento do mercado de energia elétrica até 1990. Apesar da opção preferencial pela energia hidrelétrica, o chamado Plano 90 previu a instalação de três centrais nucleares em Angra dos Reis no litoral fluminense. As obras da primeira usina foram iniciadas por Furnas ainda no governo Médici, mediante contrato com a empresa norte-americana Westinghouse.

Entretanto, o governo Geisel decidiu intensificar o programa nuclear brasileiro, assinando em 27 de junho de 1975 um acordo de cooperação com a Alemanha para a instalação de oito centrais nucleares até 1990, com capacidade de 10.400MW, usina de enriquecimento de urânio e empresas para o reprocessamento do combustível atômico. Grande parte dos pesados investimentos desse ambicioso programa, orçado em dez bilhões de dólares, ficou a cargo das Empresas Nucleares Brasileiras S.A. (Nuclebrás), criadas em dezembro de 1974.

O programa nuclear do governo Geisel tomou por base projeções bastante elevadas de crescimento do consumo de energia elétrica na região Sudeste e a perspectiva de virtual esgotamento de seus recursos hidrelétricos por volta de 1990. Estudos de planejamento da Eletrobrás recomendavam a adoção de outros cenários, considerando a tendência a um menor crescimento do mercado nos anos 1980.

O governo Geisel também promoveu a equalização das tarifas de energia elétrica em todo o território nacional, a partir da criação da reserva global de garantia (RGG) em dezembro de 1974. A equalização foi justificada como fator de desenvolvimento regional, tendo em vista a eliminação das diferenças tarifárias que desestimulavam investimentos industriais nas regiões Norte e Nordeste. O novo fundo administrado pela Eletrobrás permitiu a transferência de receitas de empresas do Sudeste para concessionárias que atendiam a mercados menores e apresentavam estrutura de custos incompatível com a tarifa nacional unificada. Light e CESP destacaram-se como principais fornecedoras de recursos para a RGG. De imediato, o esquema de transferências não afetou a rentabilidade dessas empresas, pois a equalização implicou uma elevação de tarifas mais acentuada na região Sudeste.

Apesar da reversão do ciclo de expansão da economia, o consumo de energia elétrica manteve taxas elevadas de crescimento até 1980, justificando os pesados investimentos em obras de geração e transmissão planejados pela holding federal. A potência instalada cresceu 2,5 vezes no período de 1973 a 1982, alcançando a marca de 39.000MW. Essa expansão foi liderada pelas empresas de âmbito regional do grupo Eletrobrás e mais três concessionárias de âmbito estadual: CESP, Cemig e Companhia Paranaense de Energia Elétrica (Copel).

Além da conclusão de importantes obras iniciadas na década anterior, como Ilha Solteira (maior usina da CESP), foram implantadas hidrelétricas de grande porte como Itumbiara (Furnas), Paulo Afonso IV (CHESF), Salto Santiago (Eletrosul), São Simão (Cemig) e Foz do Areia (Copel). Outros projetos, como Itaipu e Tucuruí (Eletronorte), tiveram suas obras bastante adiantadas. O extraordinário desenvolvimento do setor teve um impacto muito forte na atividade econômica, contribuindo para a expansão da indústria de equipamentos eletromecânicos, com forte presença das multinacionais, e de grandes empresas nacionais de construção civil e de engenharia de projetos.

A operação coordenada dos reservatórios e a progressiva ampliação da malha de integração eletroenergética propiciaram a otimização da produção hidrelétrica, a transferência de grandes blocos de energia entre regiões e a continuidade do suprimento de eletricidade em períodos de estiagem prolongada, observados em 1976 no rio São Francisco e em 1978 nas bacias da região Sul. Em outubro de 1981, parte da região Norte foi interligada ao Nordeste com a entrada em operação antecipada do sistema de transmissão da usina de Tucuruí em conexão com uma série de linhas implantadas pela CHESF desde a usina de Sobradinho na tensão de 500kV. Essa interligação permitiu que Belém e os grandes consumidores industriais da Eletronorte fossem supridos com energia produzida no rio São Francisco. Em março de 1982, Sudeste e Sul passaram a contar com forte interligação elétrica, mediante a entrada em operação antecipada de parte do sistema de transmissão em corrente alternada de Itaipu na tensão de 750kV.

O sistema elétrico brasileiro passou a contar com dois grandes sistemas interligados, reunindo aproximadamente 97% da capacidade de geração instalada. O restante estava distribuído entre centenas de sistemas isolados de menor porte, localizados sobretudo na região Norte. O desenvolvimento do setor foi acompanhado por notável progresso da tecnologia nacional em equipamentos e sistemas elétricos, graças ao trabalho realizado pelo Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel), fundado em 1974 com o apoio da Eletrobrás. Em pouco tempo, o Cepel adquiriu renome internacional, promovendo pesquisas de ponta em suas instalações na ilha do Fundão (Cidade Universitária) e em Adrianópolis, município de Nova Iguaçu, ambas situadas no estado do Rio de Janeiro.

 

A compra da Light

Em janeiro de 1979, a Eletrobrás adquiriu o controle acionário da Light Serviços de Eletricidade S.A., levando a cabo o processo de nacionalização do setor de energia elétrica. A transação foi efetuada com o grupo canadense Brascan Limited, que assumira os negócios da antiga Brazilian Traction em 1956. Após a criação da Eletrobrás, a multinacional passou a considerar a venda ou a encampação de suas empresas de eletricidade uma questão de tempo, deslocando seus investimentos para setores mais rentáveis (mineração, turismo, serviços financeiros e imobiliários, bens de consumo popular). As sete empresas de energia elétrica atuantes no eixo Rio de Janeiro-São Paulo foram agrupadas em 1967 em torno de uma única concessionária.

Em 1975, o grupo canadense informou ao governo Geisel a decisão de negociar a Light, alegando dificuldades para obter os financiamentos indispensáveis ao seu plano de expansão. O ministro das Minas e Energia, Shigeaki Ueki, acenou com proposta de mudança na legislação para permitir à Eletrobrás a concessão de financiamentos a empresas de capital estrangeiro, mas a Brascan manteve inalterada sua intenção original. Ainda em 1975, o engenheiro Mario Bhering incompatibilizou-se com o ministro Ueki, sendo substituído na presidência da Eletrobrás por Antônio Carlos Magalhães.

Em 1976, um grupo de 20 grandes empresários nacionais propôs a compra com recursos da ordem de 680 milhões de dólares, sob a garantia do Tesouro Nacional. O governo federal rejeitou a operação, vetando ainda outra proposta apresentada pela Companhia Força e Luz Cataguases-Leopoldina, maior concessionária privada de capital nacional.

Em 1978, o governo optou finalmente pela estatização da companhia. Os principais protagonistas da negociação foram o ministro Ueki e o advogado Antônio Gallotti, vice-presidente da Brascan. O ministro descartou a priori a hipótese de encampação, mesmo reconhecendo o desinteresse do acionista majoritário em investir nos serviços de eletricidade sob sua responsabilidade.

Em 28 de dezembro, sem a prévia audiência do Congresso, o presidente Geisel aprovou a compra com base em exposição de motivos assinada por Ueki e pelos ministros Mário Henrique Simonsen (Fazenda) e Élcio Costa Couto (interino do Planejamento). A Eletrobrás não fez nenhuma apreciação técnica do negócio e seu presidente, o engenheiro Arnaldo Barbalho, foi chamado a participar da transação somente no momento do acerto final. Barbalho respondeu pela direção da holding no final da administração Geisel.

A Brascan vendeu sua participação na Light (83% das ações) por 436 milhões de dólares, incluindo o imposto de renda devido pela concessionária. O negócio foi consumado em 12 de janeiro de 1979 por 380 milhões de dólares, sendo 210 milhões à vista e o restante no prazo de três meses. A Eletrobrás ficou com os lucros da empresa durante o segundo semestre de 1978. O passivo da Light chegava a 778 milhões de dólares, referentes em grande parte a empréstimos tomados no exterior, nos dois anos anteriores, com o aval da União. A transação suscitou numerosas críticas, não só pelo alto valor da operação como pela proximidade do fim do contrato de concessão no Rio de Janeiro, em 1990. Nesse ano, a companhia voltaria para o acervo da União, sem ônus.

Em março de 1981, a Eletropaulo, empresa criada pelo governo paulista, assumiu os serviços da Light em São Paulo. A denominação Light Serviços de Eletricidade tornou-se privativa da área do Rio de Janeiro.

 

A crise dos anos 1980

No final do governo Geisel, as tarifas de energia elétrica começaram a ser utilizadas como instrumento de política antiinflacionária, deixando de garantir às concessionárias a remuneração mínima legal de 10% ao ano sobre os ativos em serviço. O setor manteve seu pesado programa de investimentos com a maciça contratação de empréstimos externos, recorrendo sobretudo a bancos privados em vez dos tradicionais organismos internacionais. O processo de endividamento prosseguiu intensamente no governo João Figueiredo até a eclosão da crise da dívida externa em setembro de 1982.

A ação planejadora da Eletrobrás enfrentou graves dificuldades a partir do segundo choque do petróleo em 1979, em função da drástica elevação dos custos financeiros e da crescente escassez de recursos internos. O primeiro plano nacional de longo prazo do setor, elaborado sob inteira responsabilidade da holding, foi praticamente abandonado logo após sua apresentação em setembro de 1979. O chamado Plano 95 ainda projetou taxas elevadas de crescimento do consumo de energia elétrica. Interessado em captar empréstimos externos para cobertura do déficit de balanço de pagamentos, o governo Figueiredo acolheu com benevolência as pressões de algumas empresas estaduais por novas obras de geração, configurando-se assim uma tendência ao sobreinvestimento. Durante o último governo militar, a holding foi presidida pelo engenheiro Maurício Schulman até setembro de 1980 e em seguida pelo general José Costa Cavalcanti.

A elaboração do chamado Plano 2000 contou com maior participação das concessionárias e de alguns organismos do governo. A experiência evidenciou grande ganho, justificando a criação do Grupo Coordenador do Planejamento de Sistemas Elétricos (GCPS) em novembro de 1982. Funcionando como órgão colegiado, sob a coordenação da Eletrobrás, o GCPS passou a desenvolver diversas atividades ligadas ao planejamento da expansão dos sistemas elétricos, notadamente a elaboração do plano decenal de expansão, revisado anualmente.

As relações entre a holding federal e as concessionárias tornaram-se cada vez mais conflituosas. A prioridade conferida ao cronograma de investimentos das empresas federais requereu o fortalecimento dos mecanismos de transferência de recursos dentro do setor. Em janeiro de 1981, o recolhimento da quota de garantia foi desvinculado da obtenção da remuneração mínima legal, passando a tomar por base a remuneração média do setor, o que prejudicou sobretudo as concessionárias do Sudeste. Além disso, o recolhimento devido à reserva global de reversão (RGR) foi elevado de 3% para 4% sobre o investimento remunerável.

A recessão e a crise da dívida externa criaram um quadro de grave estrangulamento financeiro para o setor elétrico. Já descapitalizadas pela queda sistemática de tarifas, as empresas foram obrigadas a destinar boa parte de seus recursos para o pagamento do serviço da dívida externa, que se aproximava de 15 bilhões de dólares. O desaquecimento do mercado gerou, ainda, uma capacidade ociosa nos sistemas interligados, levando o governo a adotar tarifas subsidiadas para consumidores interessados na substituição de derivados de petróleo por energia elétrica.

A crise provocou o atraso de obras importantes, sobretudo no segmento de transmissão. A área de geração também foi afetada, mas a Eletrobrás garantiu os recursos para os grandes empreendimentos, notadamente Itaipu e Tucuruí, ambas inauguradas em 1984. A preferência forçada para a energia da binacional e o ritmo reduzido de crescimento econômico limitaram a expansão das empresas federais e estaduais nas regiões Sudeste e Sul durante o período de motorização de Itaipu. As concessionárias estaduais acrescentaram 600MW, a Eletrosul manteve a sua capacidade instalada, Furnas colocou em operação comercial a usina nuclear de Angra I (com graves problemas técnicos), concentrando seus investimentos no sistema de transmissão de Itaipu, enquanto a usina binacional chegava aos 12.600MW de potência, em sua quase totalidade destinados ao Brasil. No sistema interligado Norte-Nordeste, o aumento da oferta de energia foi garantido por Tucuruí e pela usina de Itaparica que entrou em operação em 1988, permitindo a suspensão de rigoroso racionamento na área da CHESF. Em 1989, a Eletrobrás inaugurou em Brasília o Centro Nacional de Operação de Sistemas (CNOS), dotado de modernos recursos para a supervisão automática em tempo real das principais instalações dos sistemas elétricos interligados.

A sistemática de planejamento do setor passou a considerar, com certo atraso, os impactos sociais e ambientais inerentes à implantação e à operação de usinas e linhas de transmissão. Em janeiro de 1986, o governo tornou obrigatória a apresentação de relatório sobre o impacto no meio ambiente para centrais acima de 10MW de potência. Dois anos mais tarde foi formado o Comitê Coordenador das Atividades do Meio Ambiente do Setor Elétrico (Comase), órgão colegiado coordenado pela Eletrobrás. A holding reconheceu os graves danos ambientais causados por alguns projetos, como a usina de Balbina (Eletronorte), uma das mais polêmicas intervenções humanas já ocorridas sobre um rio no mundo. A Eletrobrás também foi encarregada de coordenar o Programa Nacional de Conservação de Energia (Procel), lançado em dezembro de 1985 com o objetivo de combater o desperdício na produção e no consumo de eletricidade. Um dos fatores determinantes para a instituição do Procel foi o agravamento do risco de déficit energético, provocado pelo atraso de algumas obras prioritárias e pela ocorrência de baixas vazões nas principais bacias hidrográficas brasileiras. O governo acabou sendo obrigado a adotar o racionamento nas regiões Sul e Nordeste, em 1986 e 1987, respectivamente.

Com a redemocratização do país, as concessionárias controladas pelos governos estaduais mobilizaram-se mais ativamente em defesa de suas estratégias de expansão e interesses econômico-financeiros. As empresas do Sul e Sudeste acumularam dívidas referentes às tarifas de suprimento (basicamente perante Itaipu), alegando ter recursos a receber do governo federal decorrentes da insuficiência da remuneração, registrados na chamada Conta de Resultados a Compensar (CRC). Em 1987, os governadores dos estados das duas regiões manifestaram formalmente a suspensão dos recolhimentos das quotas de garantia e de reversão. O governo federal negociou então a substituição da RGR pela reserva nacional de compensação de remuneração (Rencor). O recolhimento das quotas de garantia e reversão foi condicionado à obtenção da remuneração legal.

Durante o governo Sarney, houve também uma tentativa de saneamento financeiro do setor, mediante a implementação do Plano de Recuperação Setorial (PRS) delineado pela Eletrobrás. Apoiado pelo Banco Mundial, o plano permitiu momentaneamente certa capitalização das empresas, assegurando recursos para algumas obras de geração prioritárias. Um de seus aspectos mais importantes foi a transferência da dívida externa do setor para o governo federal. Entretanto, o PRS acabou fracassando em virtude das demandas da política antiinflacionária. A holding também procedeu à revisão do planejamento de longo prazo, consubstanciada no Plano 2010, apresentado em dezembro de 1987.

Após a promulgação da Constituição de 1988, assistiu-se ao acirramento dos conflitos entre interesses estaduais e federais, estes bastante abalados com o fim do imposto único sobre energia elétrica e a transferência para os estados da arrecadação tributária equivalente com a criação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Técnicos e políticos ligados a grupos empresariais e às concessionárias estaduais passaram a pregar abertamente a redução ou mesmo a eliminação do papel coordenador da Eletrobrás nos fóruns colegiados responsáveis pelo planejamento da expansão e da operação dos serviços de energia elétrica.

A nova Constituição também determinou o fim do empréstimo compulsório para a Eletrobrás no prazo de cinco anos, elevou o imposto de renda das empresas do setor e criou a tarifa de compensação financeira, o chamado royalty de inundação aos estados e municípios por área inundada, acarretando um aumento substancial no custo operacional das empresas. Em função das alterações ocorridas na política nuclear brasileira em 1988, a Eletrobrás assumiu, por intermédio de Furnas, a responsabilidade pela conclusão das usinas nucleares Angra II e III. A Nuclebrás Engenharia (Nuclen), uma das empresas da holding Nuclebrás, extinta pelo governo federal, passou a integrar o quadro de empresas controladas pela Eletrobrás.

Durante o período da chamada Nova República, a presidência da holding voltou a ser exercida pelo engenheiro Mário Bhering.

 

Início da remodelação do setor

O agravamento da crise econômica nacional nos primeiros anos da década de 1990 repercutiu profundamente no setor de energia elétrica. Durante o governo Fernando Collor de Mello (1990-1992), as concessionárias estaduais atrasaram sistematicamente o pagamento da energia suprida pelas empresas federais e pela Itaipu Binacional, provocando a quase completa desarticulação financeira do setor. A cadeia de inadimplência atingiu fornecedores, consultores e empreiteiros e o programa de obras recomendado pelo Plano 2010 foi praticamente paralisado. A redução dos investimentos em geração e transmissão só não resultou em problemas graves de suprimento de energia em virtude da recessão econômica e das condições hidrológicas que favoreceram a operação dos sistemas elétricos.

            Na tentativa de regularizar as relações comerciais entre as empresas, o governo Collor estipulou em dezembro de 1991 que as parcelas devidas ao suprimento de Itaipu seriam segregadas na conta de energia do consumidor final e apropriadas automaticamente pela Eletrobrás. Essa determinação acabou virando letra morta devido a resistências de toda ordem.

            A administração Collor chegou a estudar uma ampla reforma do modelo institucional do setor. A reforma previa a criação da Empresa Nacional de Suprimento de Energia Elétrica (Ense), como entidade responsável por toda a transmissão de eletricidade no país, ao mesmo tempo em que pretendia estimular a concorrência no segmento da geração, submetendo a construção de novas usinas a processos licitatórios. O comando unificado da transmissão na esfera federal viabilizaria o ingresso de capitais privados no campo da geração. A proposta de criação da Ense não obteve o menor consenso entre os dirigentes das principais empresas do setor.

            Em junho de 1992, já em meio à crise do impeachment, o governo anunciou o propósito de promover a privatização das concessionárias federais de energia elétrica, incluindo a Escelsa e a Light no Programa Nacional de Desestatização (PND). Durante a administração Collor, a Eletrobrás foi dirigida pelo engenheiro José Maria Siqueira de Barros. O quadro de pessoal da holding e suas controladas foi reduzido em 20%, mediante demissões e desligamentos incentivados, passando a somar 44 mil trabalhadores.

Os primeiros passos para a reorganização institucional do setor foram dados no governo Itamar Franco (1992-1994), em conformidade com uma política mais ampla de redução da presença do Estado na economia e de abertura à participação do capital privado em atividades virtualmente monopolizadas por empresas públicas.

Em março de 1993, a Lei n.º 8.631 estabeleceu um novo modelo tarifário, determinando a extinção do serviço pelo custo com remuneração garantida, o fim da equalização tarifária e a assinatura obrigatória de contratos de suprimento entre geradoras e distribuidoras. Concebida pelo engenheiro Eliseu Resende, presidente da Eletrobrás nos primeiros meses do governo Itamar Franco, a lei reconheceu os créditos detidos pelas concessionárias na Conta de Resultados a Compensar (CRC), permitindo uma grande encontro de contas para estancar a inadimplência setorial. O acerto resultou na transferência de débitos de US$ 19,8 bilhões das empresas de energia elétrica para o Tesouro Nacional, uma parcela dos quais foi convertida em títulos públicos conhecidos no mercado financeiro como ELETs.

A Lei nº 8.631 permitiu o restabelecimento dos fluxos de pagamento intra-setoriais e a melhoria gradual das tarifas de energia elétrica. Além disso, confirmou a responsabilidade da Eletrobrás na gestão da Reserva Global de Reversão (RGR), revigorando o papel da empresa como banco de desenvolvimento setorial.

            Paralelamente ao esforço de saneamento financeiro do setor, o governo Itamar Franco adotou medidas para atrair a participação de agentes privados na expansão da geração de energia elétrica.

 Promulgado em setembro de 1993, o Decreto nº 915 autorizou a formação de consórcios entre concessionárias públicas e autoprodutores para a exploração de aproveitamentos hidrelétricos, viabilizando a retomada de algumas obras paralisadas por insuficiência de recursos.

Em dezembro do mesmo ano, o Decreto nº 1.009 instituiu o Sistema Nacional de Transmissão de Energia Elétrica (Sintrel), atendendo a uma proposta da Eletrobrás, presidida na época pelo engenheiro José Luiz Alquéres. O decreto pretendia estimular os investimentos em geração dos chamados produtores independentes de energia, assegurando de imediato a esses agentes a utilização da malha de transmissão federal. Apresentado pelo governo como um elemento estratégico do projeto de modernização do setor, o Sintrel não obteve a adesão das empresas estaduais, o que reduziu sobremaneira sua validade.

            Em paralelo, o BNDES contratou consultorias especializadas para avaliação e modelagem da privatização da Escelsa e da Light. Em agosto de 1994, às vésperas da publicação do edital de privatização da Escelsa, o presidente Itamar Franco ordenou o cancelamento da operação. Itamar também se opôs à proposta de cisão da Eletrobrás e transferência do controle acionário das concessionárias Chesf, Furnas, Eletrosul e Eletronorte para uma nova empresa, denominada Eletrobrás Participações (Eletropart).

O maior investimento da Eletrobrás na primeira metade da década de 1990 foi destinado à usina de Xingó, obra da Chesf no rio São Francisco, inaugurada no final de 1994. Também merece destaque a conclusão da primeira etapa do aproveitamento de Tucuruí, a cargo da Eletronorte, e a entrada em operação de mais três unidades geradoras em Itaipu. A usina binacional atingiu assim a capacidade de 12.600 MW, originalmente programada.

A ampliação da potência instalada do parque gerador nacional no período 1990-1994 girou em torno de 1.100 MW por ano, bem abaixo do patamar de dois mil MW anuais, recomendados nos planos decenais do GCPS. Em 1993, a Eletrobrás concluiu um novo plano nacional de energia elétrica, conhecido como Plano 2015 devido ao marco adotado como horizonte do estudo. O plano considerou a hidreletricidade como principal alternativa de expansão do sistema elétrico brasileiro, apontando porém a necessidade de um programa termelétrico de grande porte a partir de 2005, se restrições de ordem ambiental inviabilizassem os empreendimentos hidrelétricos da Amazônia. Também destacou várias opções de intercâmbios energéticos com países vizinhos e a possibilidade de importação de fontes primárias para geração de energia, como o gás natural boliviano.

 

Reforma no primeiro governo Fernando Henrique

No primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), o governo federal impulsionou a privatização e o processo de reforma institucional do setor, tendo em vista a implantação de um modelo predominantemente de mercado e a transferência para o capital privado da responsabilidade pela expansão do sistema elétrico brasileiro.

Já em 1995, o quadro regulador sofreu importantes alterações. Em fevereiro, a Lei n.º 8.987 regulamentou o artigo 175 da Constituição, estabelecendo princípios gerais para a prestação de serviços públicos sob o regime de concessão, entre os quais a obrigatoriedade da licitação para a outorga da concessão. A lei também declarou a extinção das concessões outorgadas sem licitação na vigência da Constituição de 1988 e daquelas que tinham sido outorgadas anteriormente com obras e serviços não iniciados. Dois meses depois, o governo decretou a extinção de 33 concessões de aproveitamentos de potenciais hidráulicos com capacidade de 19 mil MW. 

 Em julho, a Lei n.º 9.074 fixou regras específicas para as concessões dos serviços de eletricidade, reconhecendo a figura do produtor independente de energia, liberando os grandes consumidores do monopólio comercial das concessionárias e assegurando livre acesso aos sistemas de transmissão e distribuição. A lei autorizou o produtor independente a vender energia às concessionárias, bem como a concorrer com elas no suprimento aos consumidores com demanda igual ou superior a 10 MW atendidos em tensão igual ou superior a 69 kV. Os consumidores com opção de escolha de fornecedor foram designados como consumidores livres. Aqueles obrigatoriamente atendidos pelas concessionárias locais tornaram-se conhecidos desde então como consumidores cativos.

A par das mudanças no quadro regulatório, o governo retomou os estudos para a privatização da Escelsa e da Light e ampliou a abrangência do PND no setor de energia elétrica. Em maio de 1995, a Eletrobrás e suas quatro empresas subsidiárias de âmbito regional foram incluídas no programa de desestatização pelo Decreto nº 1.503.   Formalmente, o PND passou a abranger todo o sistema Eletrobrás, excetuando Itaipu, devido ao caráter binacional do empreendimento, e o segmento de geração termonuclear, por impedimento constitucional. Somando quase 23 mil MW de potência instalada, Chesf, Furnas, Eletronorte e Eletrosul contribuíam, na época, com 41% do total nacional, estimado em 55.500 MW. 

            Em 12 de julho de 1995, o leilão da Escelsa inaugurou a venda das empresas estatais de energia elétrica. Embora a participação da Eletrobrás atingisse 72,3% do capital da empresa, a modelagem de venda previu a alienação em leilão de 50% mais uma ação pelo preço mínimo de R$ 320,2 milhões, sendo reservadas ainda 7,6% das ações para os empregados da concessionária. Uma associação do grupo Investimento Energético S. A. (Iven) com a GTD Participações venceu o leilão, utilizando títulos da dívida pública para o pagamento de um terço do lance de R$ 357,9 milhões. Formado pelos bancos Nacional, Pactual, Icatu, Bozzano e Opportunity, o grupo Iven já detinha 20% do capital social da Escelsa, adquiridos do governo do Espírito Santo, e passou a controlar 45% do capital total da empresa. A GTD Participações, consórcio formado por 11 fundos de pensão, ficou com 25%.

            O processo de alienação da Light foi mais demorado em virtude de inúmeros acertos que tiveram de ser feitos antes da venda, notadamente a separação de sua participação acionária na Eletropaulo. A Light detinha 47,6% do capital da concessionária paulista, integralmente transferidos em janeiro de 1996 para uma nova subsidiária da Eletrobrás, a Light Participações (Lightpar), atualmente denominada Eletrobrás Participações (Eletropar). O resultado dessa separação foi a diminuição substantiva do passivo da empresa, tornando-a mais atraente para o capital privado. As autoridades federais descartaram reiteradamente o pagamento com as chamadas “moedas podres”, mas às vésperas do leilão o Conselho Nacional de Desestatização acabou autorizando a utilização de títulos do governo para o pagamento de até 30% do preço mínimo. A Eletrobrás, detentora de 84% das ações da Light, colocou à venda 60% do seu capital, reservando 10% das ações para os empregados.

            O leilão foi realizado em 21 de maio de 1996 em meio a grande tensão devido a numerosas ações judiciais que ameaçavam adiar a venda e também em virtude do aparente desinteresse por parte dos concorrentes. A empresa foi vendida sem ágio por R$ 2.216 milhões. A maior parcela (34%) foi comprada pela estatal francesa Electricité de France (EDF) e pelas companhias americanas Houston Industries Energy e AES Corporation, cada uma com 11,3% de participação. Maior cliente individual da Light, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), privatizada em março de 1993, arrematou 7,2% das ações.

            A demanda teria sido insuficiente para viabilizar o leilão sem a intervenção da BNDES Participações (BNDESPAR) que adquiriu 9,1% das ações leiloadas. Essa interferência deu origem a várias críticas que questionaram o êxito da privatização, dado que uma parte substantiva das ações foi vendida para o próprio setor público. A BNDESPAR abriu mão imediatamente de seu direito de interferência na gestão da empresa, transformando-se num “parceiro silencioso”. A EDF e as empresas americanas tiveram de unir-se à CSN para assumir a administração da Light, pois não haviam comprado ações suficientes para exercer o controle da concessionária. As ações adquiridas pelos empregados, com desconto de 70%, logo foram revendidas.

            Em julho de 1996, a Eletrobrás contratou um consórcio de consultores internacionais, visando subsidiar a redefinição do modelo institucional do setor. O trabalho foi coordenado pela empresa inglesa Coopers & Lybrand, com a participação de especialistas da Eletrobrás, BNDES e outras empresas e órgãos públicos, tendo como premissas básicas a instituição de um mercado de atacado competitivo, a abertura de oportunidades aos produtores independentes e a separação das atividades de geração, transmissão e distribuição. Os grupos de apoio ao consórcio consultor foram coordenados pelo engenheiro Lindolfo Ernesto Paixão, gerente geral do chamado Projeto de Reestruturação do Setor Elétrico (RE-SEB).

            Ainda em 1996, em parceria com o BNDES, a Eletrobrás iniciou um programa de recuperação financeira de várias concessionárias estaduais com o objetivo de acelerar os respectivos processos de privatização. Além de assumir a maioria do capital votante das distribuidoras de energia de Alagoas (Ceal), Piauí (Cepisa), Acre (Eletroacre), Rondônia (Ceron) e do interior do Amazonas (Ceam), a holding celebrou acordos para a gestão compartilhada das empresas pertencentes aos governos do Mato Grosso do Sul (Enersul), Mato Grosso (Cemat), Paraíba (Saelpa), Rio Grande do Norte (Cosern), Maranhão (Cemar) e Pará (Celpa).

Marco importante da reforma setorial, a criação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) foi aprovada em dezembro de 1996 pela Lei nº 9.427. A agência foi instituída como autarquia sob regime especial, com relativa independência para regular e fiscalizar a produção, transmissão e comercialização de energia elétrica no país. Vinculada ao MME, a Aneel começou a funcionar em dezembro do ano seguinte, assumindo as funções do DNAEE, extinto na mesma ocasião.

            Em agosto de 1997, a Eletrobrás Termonuclear (Eletronuclear) foi criada a partir da cisão da área nuclear de Furnas e sua fusão com a Nuclen, integrando de imediato o quadro de empresas controladas pela holding. A Eletronuclear tornou-se responsável pela operação de Angra 1 e pela conclusão das obras de Angra 2. A cisão do segmento nuclear de Furnas foi determinada pelo Conselho Nacional de Desestatização (CND) como medida preparatória para a privatização da empresa.

            Na mesma época, os consultores estrangeiros apresentaram ao MME seu relatório final, contendo recomendações que passaram a balizar a reformulação do setor e a privatização do grupo Eletrobrás. Em outubro, a Medida Provisória (MP) n.º 1.531 autorizou a reestruturação da holding e suas empresas controladas regionais, com o objetivo de permitir a venda em separado de blocos dos ativos de geração, tal como sugeriram os consultores. Na época, o ministro de Minas e Energia, Raimundo Brito, anunciou que os ativos de transmissão permaneceriam, por prazo indefinido, sob controle estatal.

            O processo de reestruturação do sistema Eletrobrás prosseguiu com a cisão da Eletrosul em novembro de 1997. Os ativos de geração da empresa foram transferidos para uma nova companhia, denominada Centrais Geradoras do Sul do Brasil (Gerasul). A Eletrosul transformou-se assim numa empresa exclusivamente de transmissão, mudando sua razão social para Empresa Transmissora de Energia Elétrica do Sul do Brasil. Em dezembro, as empresas Manaus Energia e Boa Vista Energia foram criadas como subsidiárias integrais da Eletronorte, recebendo parcela do patrimônio correspondente à geração e distribuição de energia nas capitais do Amazonas e de Roraima.

            Em maio de 1998, após numerosas reedições, a MP n.º 1.531 foi aprovada pelo Congresso, dando origem à Lei n.º 9.648. Além de referendar a cisão da Eletrosul, a lei propôs a divisão de Furnas e da Chesf, cada uma delas, em duas empresas de geração e uma de transmissão, e a criação de até seis empresas a partir da reestruturação da Eletronorte.

Peça básica da reforma setorial, a Lei nº 9.648 instituiu o Mercado Atacadista de Energia Elétrica (MAE) com a função de intermediar e registrar todas as transações de compra e venda de energia nos sistemas interligados e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) como organismo sucessor do GCOI nas atividades de coordenação e controle da operação das instalações dos sistemas interligados. A Aneel foi incumbida de estabelecer a regulamentação do MAE, coordenar a assinatura do acordo de mercado entre os agentes do setor e definir as regras de organização do ONS.

A agência também cuidou da assinatura dos chamados contratos iniciais entre geradoras e distribuidoras com nove anos de duração. Os volumes de energia dos contratos iniciais deveriam ser reduzidos gradualmente entre 2003 e 2006, com o objetivo de permitir a completa liberação do mercado ao final do período. Qualquer diferença entre o montante de energia produzido pela geradora e o contratado com a distribuidora deveria ser compensado por transações no mercado de curto prazo (mercado spot).

Em agosto de 1998, o MAE foi instituído pelo acordo de mercado entre empresas geradoras com capacidade igual ou superior a 50 MW, distribuidoras e comercializadoras de energia com carga anual igual ou superior a 100 GWh e grandes consumidores com demanda acima de 10 MW. Na mesma ocasião, o ONS foi constituído como associação civil de direito privado, integrado por agentes de geração, transmissão, distribuição, importadores e exportadores de energia, tendo o MME como representante do poder concedente. A operação do sistema pelo ONS deveria ser feita essencialmente da mesma maneira que no GCOI, isto é, de forma centralizada, de modo a garantir o aproveitamento ótimo das fontes de geração e a minimização dos custos operativos totais.

Em 15 de setembro, a Gerasul foi levada a leilão que, contrariando as expectativas do governo, contou com a participação de apenas um concorrente, a empresa belga Tractebel. O bloco de controle acionário da Gerasul (50,01% das ações ordinárias) foi arrematado por R$ 947 milhões. A ausência de disputa e a venda pelo preço mínimo foram atribuídas ao forte impacto no Brasil da crise financeira internacional, provocada pela moratória da Rússia dois meses antes. Com 3.700 MW de capacidade instalada, a Gerasul foi a primeira empresa geradora de grande porte privatizada no país.

As privatizações realizadas no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso alteraram de forma significativa a composição da estrutura de propriedade do setor, principalmente na área de distribuição. Mais da metade do mercado nacional de distribuição de energia elétrica passou para o controle de grupos privados, nacionais e estrangeiros, em decorrência da venda de concessionárias atuantes em 11 estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Sergipe, Rio Grande do Norte, Ceará e Pará. Além da venda da Gerasul pelo governo federal e da usina de Cachoeira Dourada pelo governo de Goiás, as licitações de aproveitamentos hidrelétricos também contribuíram para a ampliação do número de agentes privados no segmento de geração.

            Mesmo assim, o crescimento da oferta de energia elétrica do país na segunda metade dos anos 1990 foi assegurado basicamente pelas empresas do grupo Eletrobrás e pelas concessionárias públicas estaduais. A Chesf completou a instalação do conjunto de máquinas de Xingó (3.000 MW), tornando-se a maior empresa geradora do país. Furnas passou a contar com mais três hidrelétricas, entre as quais, Serra da Mesa (1.275 MW), construída em parceria com a iniciativa privada. A Eletronuclear levou a cabo a construção da central nuclear de Angra 2 (1.350 MW). A interligação Norte-Sul, obra coordenada pela Eletrobrás e executada por Furnas e pela Eletronorte, estabeleceu a conexão entre os sistemas elétricos interligados Sul-Sudeste e Norte-Nordeste, propiciando a constituição do chamado Sistema Interligado Nacional (SIN).

            O novo modelo setorial restringiu ou suprimiu funções tradicionalmente exercidas pela Eletrobrás. A criação do ONS consagrou a perda do papel da empresa como agente coordenador da operação do sistema elétrico brasileiro, desempenhada por intermédio do GCOI. Em março de 1999, o ONS tomou posse do Centro Nacional de Operação dos Sistemas (CNOS) e dos centros de operação das supridoras regionais do grupo Eletrobrás, assumindo de fato a coordenação da operação do SIN. Dois meses depois, o GCOI foi extinto.

O mesmo aconteceu com o GCPS, organismo colegiado dirigido pela Eletrobrás, responsável desde o início da década de 1980 pela execução dos planos de expansão do setor. Em seu lugar, o MME criou, em maio de 1999, o Comitê Coordenador do Planejamento da Expansão dos Sistemas Elétricos (CCPE). Em dezembro, o GCPS concluiu a elaboração do plano decenal de expansão 2000-2009, encerrando suas atividades. Diretamente vinculado ao ministério, o CCPE não chegou a constituir uma estrutura técnica capaz de levar a bom termo suas tarefas.

A permanência da Eletrobrás como agente financeiro do setor foi recomendada pelos consultores estrangeiros, considerando a experiência da estatal nesta área. A questão suscitou intensa disputa entre a holding e o BNDES, interessado em agregar o setor de energia elétrica às suas operações de financiamento da infra-estrutura. O banco assumiu, de fato, um papel cada vez mais importante como agente provedor de recursos de longo prazo para o financiamento do setor. Já a Eletrobrás, nos termos da Lei nº 9.648, ficou encarregada de contribuir para a expansão do sistema elétrico nacional, sob a forma de participação minoritária em empreendimentos e/ou constituindo um comprador de última instância através de contratos de aquisição de energia.

Em julho de 2000, a Eletrobrás assumiu o controle da Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE), proprietária de usina termelétrica Presidente Médici e de mais duas pequenas centrais térmicas no Rio Grande do Sul. Pertencentes anteriormente à CEEE, essas usinas haviam sido transferidas para a União em troca do pagamento de parte da dívida do governo gaúcho com o governo federal.

O posto de presidente da Eletrobrás durante o primeiro governo Fernando Henrique Cardoso foi ocupado pelos engenheiros Mario Fernando de Melo Santos, Antônio José Imbassahy da Silva e Firmino Ferreira Sampaio Neto, os dois últimos estreitamente relacionados ao senador Antonio Carlos Magalhães, líder do Partido da Frente Liberal (PFL). Mario Santos comandou a empresa de janeiro a maio de 1995, tornando-se mais tarde o primeiro diretor-geral do ONS. Antonio Imbassahy exerceu o cargo durante um ano, deixando a presidência da Eletrobrás em maio de 1996 para disputar, e vencer, as eleições à prefeitura de Salvador. Firmino Sampaio permaneceria à frente da holding até abril de 2001.

 

Racionamento de 2001

A reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso em outubro de 1998 assegurou, em princípio, a continuidade da política de reforma e desestatização do setor de energia elétrica. Havia também a expectativa de superação do quadro de relativa estagnação dos investimentos que não vinham ocorrendo no volume necessário para garantir a expansão da oferta de energia elétrica.

O governo federal enfrentou, no entanto, sérias dificuldades para a consecução do processo de reformas do setor. No plano político, a privatização de Furnas, da Chesf e da Eletronorte passou a sofrer a oposição de parlamentares pertencentes à própria base de apoio do governo e de políticos de expressão nacional, como Itamar Franco. O ex-presidente tomou posse do governo de Minas Gerais em janeiro de 1999 e mobilizou até mesmo a Polícia Militar estadual para defender a usina de Furnas contra sua pretendida privatização. O blecaute de 11 de março de 1999, que deixou metade do país às escuras durante algumas horas, também acirrou as críticas ao processo de reestruturação do setor.

A controvérsia em torno da desestatização do sistema Eletrobrás envolveu inúmeras questões, como a modelagem de venda de Furnas, o uso das águas no caso da Chesf e a forma de viabilização econômico-financeira dos sistemas isolados da Eletronorte na região Amazônica. Os estudos sobre a privatização das três geradoras prosseguiram sob a coordenação do ministro Rodolpho Tourinho, nomeado para a pasta de Minas e Energia em janeiro de 1999, mas sem conseqüências práticas.

As privatizações não foram de todo interrompidas. Em 1999, o governo de São Paulo conseguiu levar a termo a venda de duas das três empresas de geração oriundas da cisão da Cesp. As empresas leiloadas, conhecidas como Cesp Paranapanema e Cesp Tietê, em função das bacias hidrográficas nas quais estavam situadas suas usinas, foram adquiridas pelos grupos norte-americanos Duke Energy e AES, respectivamente. O parque gerador da Cesp ficou reduzido a seis hidrelétricas, entre as quais, Jupiá, Ilha Solteira e Porto Primavera, inaugurada em 1999. No ano seguinte, completando o ciclo de privatizações no governo Fernando Henrique Cardoso, foram leiloadas as empresas distribuidoras pertencentes aos governos de Pernambuco (Celpe), Maranhão (Cemar) e Paraíba (Saelpa).

Segundo levantamento realizado pelo BNDES, os programas de privatização das empresas de energia elétrica geraram uma receita de US$ 22,2 bilhões e a transferência de dívidas no valor de US$ 7,5 bilhões. Adicionando a venda de participações minoritárias, o resultado das privatizações no setor atingiu o montante de US$ 31,9 bilhões. Foram vendidas 20 empresas distribuidoras e quatro geradoras, sem contar a transferência de um terço do controle acionário da Cemig para um consórcio liderado por companhias norte-americanas.

O BNDES desempenhou papel fundamental no processo de desestatização do setor, gerenciando as privatizações federais, como órgão gestor do PND, prestando assessoria e adiantamentos financeiros aos estados, através do Programa de Estimulo às Privatizações Estaduais, e proporcionando financiamentos aos compradores de até 50% do preço mínimo das empresas. Diversas empresas, nacionais e estrangeiras, recorreram à linha de financiamento do BNDES para compra de concessionárias de energia elétrica, obtendo empréstimos que somaram R$ 7 bilhões, segundo relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) divulgado em maio de 2004.

A transição do modelo estatal para o novo modelo de mercado revelou-se bem mais problemática do que esperavam os idealizadores da reforma setorial. Prova disso foi a demora na definição das regras para a operação do MAE, somente concluída em fevereiro de 2000. Meses depois, entretanto, Furnas negou-se a reconhecer uma dívida de R$ 578 milhões contraída com várias concessionárias por conta da energia tomada para compensar o atraso da entrada em funcionamento da usina de Angra 2. Em conseqüência, a liquidação das transações de compra e venda de energia no mercado spot foi paralisada, abalando a credibilidade do MAE.

As dificuldades de implementação do novo modelo foram agravadas pela mudança do cenário econômico na passagem do primeiro para o segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. A crise cambial brasileira de janeiro de 1999 teve um forte impacto negativo no setor de energia elétrica, desencorajando investimentos privados e elevando os custos das empresas com alto nível de endividamento externo.

O atraso de obras e a insuficiência dos investimentos em geração e transmissão acentuaram a tendência ao desequilíbrio entre a oferta e a demanda de energia elétrica, notada desde o início do governo Fernando Henrique Cardoso. Esse desequilíbrio resultou na necessidade de utilização excessiva da água armazenada nos grandes reservatórios do sistema elétrico brasileiro. Em 1999, o armazenamento dos principais reservatórios das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste atingiu níveis críticos, sinalizando um risco de déficit elevado e a possibilidade de um racionamento severo.

Em setembro de 1999, o ministro Rodolfo Tourinho anunciou um plano de medidas emergenciais para viabilizar o aumento da oferta de eletricidade no curto prazo e a Eletrobrás foi autorizada a celebrar contratos de compra antecipada de energia com investidores em geração térmica. Em fevereiro de 2000, o governo lançou o Programa Prioritário de Termelétricas (PPT), tendo em vista a construção de 49 termelétricas em 18 estados no prazo de três anos.

Além do financiamento do BNDES, o PPT assegurou o suprimento de gás natural para 43 dos empreendimentos projetados. O programa esbarrou em vários obstáculos, entre os quais, a dificuldade de entendimento entre o MME, a Aneel, a Petrobras e o Ministério da Fazenda com relação ao preço e ao repasse aos consumidores finais da variação cambial incidente sobre o preço do gás importado. Em julho de 2000, o governo decidiu concentrar esforços em 15 projetos, a maioria com a participação da Petrobras. A participação das empresas do grupo Eletrobrás no PPT foi pequena, compreendendo apenas a conversão de unidades geradoras das usinas de Santa Cruz (Furnas) e Camaçari (Chesf) para a utilização de gás natural. 

As condições hidrológicas bastante desfavoráveis nas regiões Sudeste e Nordeste em 2001 acabaram precipitando a maior crise de energia elétrica já ocorrida no Brasil. Em função da gravidade da situação, o governo criou, em maio de 2001, a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica (GCE) e implantou um rigoroso programa de racionamento a partir do mês seguinte.

A GCE foi constituída sob a presidência do ministro-chefe da Casa Civil, Pedro Parente, tendo como vice-presidente o ministro de Minas e Energia, José Jorge de Vasconcelos Lima, que assumira o lugar de Rodolfo Tourinho em março de 2001. A mudança de comando no MME ocorreu logo após o rompimento de relações do senador Antônio Carlos Magalhães com o governo federal. Um mês depois da saída de Tourinho, o engenheiro Firmino Sampaio, também ligado ao senador Antônio Carlos, deixou a presidência da Eletrobrás, sendo substituído pelo engenheiro Cláudio Ávila da Silva, indicado para o cargo pelo senador Jorge Bornhausen (PFL-SC).

Órgão interministerial diretamente subordinado à presidência da República, a GCE recebeu poderes extraordinários para administrar o programa de racionamento, iniciado em 1º de junho nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, e em 15 de agosto nos estados do Pará e Tocantins. O programa estabeleceu a meta de redução de 20% do consumo de energia para os consumidores residenciais e os consumidores industriais e comercias atendidos em baixa tensão. Para as empresas atendidas em alta tensão, as metas de redução variaram entre 15% e 25%, dependendo do setor de atividade. A GCE estabeleceu um regime de sobretarifas, para os consumidores que ultrapassassem as metas, e de bônus, para aqueles que economizassem mais, prevendo também o corte de fornecimento energia por descumprimento das metas.

O programa de racionamento foi considerado bem-sucedido. Grandes e pequenos consumidores realizaram notável esforço para atender as metas de redução do consumo, economizando energia por diversos meios e adotando padrões de consumo mais eficientes. O racionamento foi encerrado na região Norte em 1º de janeiro de 2002 e nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste dois meses depois.

Bastante polêmica foi a decisão da GCE de contratação de usinas térmicas a óleo diesel, sob a forma de aluguel, com a finalidade de assegurar o aumento da oferta de energia elétrica no curto prazo. Para esse fim, foi criada a Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial (CBEE), empresa vinculada ao MME com duração pré-determinada até junho de 2006.

As causas conjunturais e estruturais da crise energética foram analisadas por uma comissão nomeada pelo presidente Fernando Henrique em maio de 2001. Coordenada pelo engenheiro Jerson Kelman, diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), a comissão demonstrou que o racionamento não teria ocorrido caso as obras identificadas nos plano decenais da Eletrobrás tivessem sido executadas e as obras programadas não estivessem atrasadas. A comissão identificou outros problemas como a “falta de fluxo de informação adequada” entre o MME, a Aneel e o ONS, a ineficácia da gestão governamental nas iniciativas para amenizar a crise, em particular o PPT e a demora de três anos para a implantação do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), criado em agosto de 1997 pela Lei nº 9.478.

A crise energética de 2001 provocou forte redução do nível de receita das concessionárias de energia elétrica e um acirrado debate entre empresas geradoras e distribuidoras sobre a repartição dos prejuízos. Em dezembro de 2001, o chamado Acordo Geral do Setor Elétrico, oficializado pela Medida Provisória nº 14, previu um reajuste extraordinário de tarifas e a abertura de linha de financiamento do BNDES para compensar as perdas das empresas. A MP deu origem à Lei nº 10.438, promulgada em abril de 2002, que regulamentou a cobrança do adicional tarifário para recomposição das perdas de receita das empresas distribuidoras durante o racionamento e do Encargo da Capacidade Emergencial (ECE, mais conhecido como seguro-apagão) nas contas dos consumidores. Cobrado durante quatro anos o ECE arrecadou R$ 6 bilhões para a cobertura do aluguel das termelétricas emergenciais, aproximadamente o triplo do custo da instalação dessas usinas.

A Lei nº 10.438 também criou o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia (Proinfa), atribuindo à Eletrobrás a responsabilidade pela celebração de contratos para compra de energia proveniente de empreendimentos eólicos, pequenas centrais hidrelétricas e biomassa. A lei instituiu um novo fundo setorial, denominado Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para promover o Proinfa e universalização do acesso a energia elétrica em todo o território nacional.

Embora não tenha integrado o núcleo executivo da GCE, a Eletrobrás colaborou com diversos grupos de trabalho criados pela câmara. Vários empreendimentos de geração e transmissão da empresas do grupo Eletrobrás foram incluídos pela GCE no Programa Estratégico Emergencial de Energia Elétrica, entre os quais, a segunda etapa do aproveitamento hidrelétrico de Tucuruí, a cargo da Eletronorte. Também foram incluídos no programa alguns projetos de empresas privadas que contavam com a participação minoritária da holding federal, como a hidrelétrica de Lajeado (Luiz Eduardo Magalhães), no rio Tocantins. Ao contrário da prática adotada nos últimos anos, por pressão da área econômica, o governo reforçou o orçamento da Eletrobrás, autorizando-a a captar recursos no país e no exterior para novos investimentos.

Em março de 2002, o engenheiro Cláudio Ávila deixou a presidência da Eletrobrás em decorrência do rompimento do PFL com o governo federal e do pedido de demissão do ministro José Jorge. O lugar de Ávila foi ocupado por Altino Ventura Filho, engenheiro de carreira da Eletrobrás que vinha exercendo o cargo de diretor técnico da Itaipu Binacional.

 

Mudanças no governo Lula

O quadro institucional do setor de energia elétrica sofreu novas mudanças no primeiro governo Luís Inácio Lula da Silva (2003-2006) mediante um conjunto de leis e decretos aprovados em 2004 que revitalizaram a presença do Estado nas atividades de planejamento e regulação do setor e o papel das empresas públicas na expansão do sistema elétrico brasileiro.

Fundador do Partido dos Trabalhadores (PT) e candidato à presidência em quatro eleições consecutivas, Lula havia assumido compromisso com uma revisão abrangente da política energética nacional na campanha à sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso. Em julho de 2002, ele apresentou as diretrizes de seu programa de governo para o setor de energia elétrica, subscrevendo documento preparado por equipe de militantes e colaboradores do PT, coordenada pelo físico Luís Pinguelli Rosa, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Publicado pelo Instituto Cidadania, entidade ligada ao PT, o documento apontou o fracasso do “modelo de sistema elétrico desregulamentado e entregue às forças do mercado”, defendendo a suspensão das privatizações, a admissão do regime jurídico de produção independente apenas para pequenas centrais hidrelétricas, usinas térmicas isoladas e formas alternativas de geração de energia, o restabelecimento do planejamento centralizado, a adoção do sistema de menor tarifa nos leilões de novas usinas, a prorrogação dos contratos iniciais e a organização de um pool comprador de eletricidade sob a gerência de uma nova empresa estatal. 

Vários autores do documento divulgado pelo Instituto Cidadania exerceram cargos importantes na área energética do governo Lula, notadamente a economista Dilma Rousseff, nomeada para a pasta de Minas e Energia em janeiro de 2003. Luís Pinguelli assumiu a presidência da Eletrobrás e o professor Ildo Luís Sauer, da Universidade de São Paulo (USP), uma das diretorias da Petrobras. Maurício Tolmasquim, professor da UFRJ, foi designado secretário-executivo do MME.

O processo de reforma do setor foi liderado pela ministra Dilma Rousseff, requerendo cerca de um ano e meio de estudos e debates. Presidido pela ministra, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) aprovou as diretrizes da proposta do novo modelo institucional em julho de 2003. O MME iniciou então consultas com associações representativas do setor que subsidiaram a elaboração de relatório conclusivo sobre a reforma. 

Em dezembro de 2003, o presidente Lula assinou as Medidas Provisórias nº 144 e 145, contendo as bases legais do novo modelo. Segundo o governo, a mudança do marco regulatório setorial tinha em vista três objetivos principais: garantir a segurança do suprimento energético, promover a modicidade tarifária por meio da contratação eficiente e assegurar a universalização do acesso e uso dos serviços de eletricidade no país.

A discussão da reforma no Congresso foi iniciada em janeiro do ano seguinte, sob fortes críticas dos partidos de oposição e de entidades empresariais que questionaram seu encaminhamento por meio do instituto das Medidas Provisórias. As duas MP’s foram aprovadas sem alterações significativas. Em março de 2004, o presidente da República promulgou as Leis nº 10.847 e 10.848 que modificaram o arcabouço regulatório do setor, mantendo porém alguns dos pilares construídos nos anos 1990.

A Lei nº 10.847 tratou especificamente da criação da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), entidade pública vinculada ao MME, encarregada da elaboração dos estudos de planejamento integrado de recursos energéticos e planos de expansão do setor de energia elétrica, assim como pela promoção dos estudos de potencial energético e de viabilidade de novas usinas, incluindo a obtenção de licença prévia para os aproveitamentos hidrelétricos.

A Lei nº 10.848 tratou das regras de comercialização de energia, instituindo: a competição na geração mediante a realização em separado dos leilões de energia dos empreendimentos existentes (a chamada “energia velha”) e de novos empreendimentos (“energia nova”) pelo critério de menor tarifa, a coexistência de dois ambientes de contratação de energia, um regulado para os consumidores cativos e outro para os consumidores livres, e a instituição de um pool de contratação regulada de energia a ser comprada pelas concessionárias de distribuição. A idéia do comprador único de toda a energia ofertada pelo serviço público para revenda às distribuidoras já havia sido previamente descartada pela MP nº 144.

A mesma lei criou a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), instituição sucessora do MAE, encarregada da administração dos contratos de compra e venda de energia no Ambiente de Contratação Regulada (ACR) e da contabilização e liquidação das diferenças contratuais no Ambiente de Contratação Livre (ACR).

A nova legislação reafirmou a responsabilidade da Aneel pelas funções de mediação, regulação e fiscalização do setor. Também preservou as funções do ONS como órgão responsável pelas atividades de coordenação e controle da geração e transmissão de energia elétrica do SIN, assegurando porém ao governo federal a prerrogativa da nomeação do diretor-geral e mais dois dos cinco diretores da entidade.

A Eletrobrás e suas empresas controladas Furnas, Chesf, Eletrosul, Eletronorte e CGTEE foram retiradas do PND pelo artigo 31 da Lei nº 10.848, oriundo de emenda apresentada pelo deputado Fernando Ferro (PT-PE), relator do projeto de lei de conversão da MP nº 144 na Câmara. Foi eliminado assim um dos principais óbices para a retomada dos investimentos do grupo Eletrobrás na expansão do sistema elétrico brasileiro. A Eletrosul foi autorizada a voltar ao mercado de geração, adotando sua denominação atual de Eletrosul Centrais Elétricas De imediato, porém, as empresas federais foram impedidas de participar como sócias majoritárias nos leilões de novas usinas e linhas de transmissão.

O novo modelo institucional reafirmou as funções da Eletrobrás como holding das concessionárias federais e agente comercializador de energia da Itaipu Binacional e das fontes alternativas de energia do Proinfa. Responsável pela administração dos encargos e fundos setoriais, a empresa também assumiu a gestão técnica e financeira do Programa de Universalização do Acesso e Uso de Energia Elétrica (Luz para Todos), instituído em novembro de 2003 (Decreto nº 4.873).

Em maio de 2004, Luís Pinguelli deixou a presidência da Eletrobrás, sendo substituído pelo engenheiro Silas Rondeau Cavalcanti Silva, que vinha exercendo o cargo de presidente da Eletronorte. A saída de Pinguelli ocorreu na esteira da primeira reforma ministerial do governo Lula, realizada com o objetivo de acomodar o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) na base de apoio parlamentar do governo.

Um ano depois, a crise política desencadeada pelas denúncias de pagamento de propina a deputados da base governista, no esquema conhecido como “Mensalão”, obrigaram o presidente Lula a promover mudanças em vários escalões da administração federal.  A ministra Dilma Rousseff deixou a pasta de Minas e Energia para assumir a chefia da Casa Civil, sendo substituída no MME por Silas Rondeau. O engenheiro Aluísio Marcos Vasconcelos Novais, ex-deputado federal por Minas Gerais na legenda do PMDB, ocupou seu lugar na Eletrobrás, permanecendo à frente da empresa durante o restante do primeiro mandato do presidente Lula.

As empresas do grupo Eletrobrás investiram R$ 18,9 bilhões (valores correntes) em obras de geração e transmissão no período 2003-2008, contribuindo de forma significativa para a expansão da oferta de energia no SIN e nos sistemas isolados da região Amazônica.

Os principais investimentos em geração foram realizados pela Eletronorte, que colocou em operação as 11 unidades da segunda etapa da usina de Tucuruí, e por Furnas, que participou da construção da hidrelétrica de Peixe Angical (TO), em parceria com a Energias de Portugal (EDP), também merecendo destaque a instalação de duas unidades geradoras adicionais em Itaipu. Individualmente ou em consórcio com outras empresas, Furnas, Chesf e Eletronorte concluíram empreendimentos de transmissão de grande porte, como a linha entre as subestações de Bateias (PR) e Ibiúna (SP), que ampliou em aproximadamente 2 mil MW o intercâmbio de energia entre as regiões Sul e Sudeste, o segundo circuito da linha de Presidente Dutra (MA) a Fortaleza (CE) e a interligação Acre-Rondônia.

No âmbito do Proinfa, a Eletrobrás contratou a aquisição de 3.300 MW de empreendimentos eólicos, pequenas centrais hidrelétricas (PCH's) e biomassa em 2004, com entrada em operação prevista até o final de 2008 e garantia de compra da energia produzida pelo prazo de 20 anos, tendo em vista a diversificação da matriz energética brasileira. O atraso na entrega de equipamentos para usinas eólicas inviabilizou o cumprimento das metas do programa. Em setembro de 2008, o Proinfa contabilizava 54 usinas em operação com capacidade total de 1.300 MW, e mais 55 em construção, somando 1.000 MW. O Programa Luz para Todos, coordenado pelo MME e operacionalizado com a participação da Eletrobrás e concessionárias distribuidoras de todo o país, alcançou resultados bastante expressivos, beneficiando 9,3 milhões de pessoas no meio rural.

 Denúncias de fraudes na licitação do Programa Luz para Todos provocaram a demissão do ministro Silas Rondeau em maio de 2007. O presidente Lula não designou de imediato o sucessor de Rondeau no ministério de Minas e Energia, chegando a declarar que o ex-ministro poderia retornar ao cargo. Essa indefinição retardou a escolha do substituto de Aloísio Vasconcelos na presidência da Eletrobrás. A designação do novo ministro ocorreu apenas em janeiro de 2008, quando o presidente Lula optou pelo nome do senador Edison Lobão (PMDB-MA). Dois meses depois, o engenheiro José Antonio Muniz Lopes assumiu o posto de presidente da Eletrobrás, em substituição ao engenheiro Valter Luiz Cardeal de Souza que vinha exercendo o cargo em caráter interino desde janeiro do ano anterior. Os nomes de Lobão e Muniz Lopes foram indicados ao presidente Lula por um de seus principais aliados políticos, o senador José Sarney (PMDB-AP).

O sistema Eletrobrás atingiu a marca de 39.400 MW de capacidade instalada em dezembro de 2008, incluindo metade da potência de Itaipu pertencente ao Brasil. Esse montante representava 38% da capacidade do parque gerador nacional, estimada em 102 mil MW. Ainda mais expressiva era a participação das empresas do grupo federal no sistema de transmissão de energia elétrica do país. As linhas em tensão igual ou acima de 230 kV somavam 52.500km de extensão, mais da metade do total nacional.  

As empresas controladas pela Eletrobrás tiveram participação importante nos leilões de novos empreendimentos de geração e transmissão, quase sempre em parceria com outras empresas, públicas e privadas. 

Mais de vinte leilões públicos foram realizados para a venda de energia de usinas existentes (energia velha) e de novos empreendimentos (energia nova) no período 2004-2008. Esses leilões obedeceram às regras estabelecidas para o funcionamento do Ambiente de Contratação Regulada (ACR). Ocorreram em datas fixadas pelo MME com preços máximos para a energia de origem hidráulica ou térmica também estabelecidos pelo ministério. De acordo com modelo de pool proposto pelo governo, a energia das geradoras foi vendida para o conjunto das distribuidoras e repartida proporcionalmente entre essas empresas, obrigadas a contratar 100% de suas demandas no mercado regulado. O mercado livre, destinado aos consumidores com demanda superior a três MW, teve um crescimento importante no governo Lula, assumindo uma participação de 30% no total da energia elétrica negociada no país. Nele, as transações entre geradores e consumidores são geralmente intermediadas por empresas comercializadoras.

Os leilões de energia nova vêm sendo utilizados como instrumento de garantia da expansão da oferta de energia no sistema elétrico brasileiro. Por intermédio desses leilões, as empresas do grupo Eletrobrás, quase sempre em consócio com outros investidores, arremataram a concessão de nove aproveitamentos hidrelétricos, entre os quais, Foz do Chapecó (SC/RS), Simplício (MG), Dardanelos (MT), Serra do Facão (GO), Santo Antônio e Jirau (RO).

Integrantes do Complexo Rio Madeira, as usinas de Santo Antônio e Jirau foram leiloadas em março de 2007 e maio de 2008, respectivamente, marcando a retomada dos grandes projetos hidrelétricos da Amazônia. Com deságio de 35% em relação ao preço-teto da tarifa, a usina de Santo Antônio (3.150 MW) foi arrematada pelo Consórcio Madeira Energia, composto pelas construtoras Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez, pelas empresas Furnas e Cemig e pelo Fundo de Investimentos e Participações Amazônia Energia. O direito de exploração da aproveitamento de Jirau (3.300 MW) foi arrematado pelo Consórcio Energia Sustentável do Brasil, liderado pela multinacional Suez Energy, com a participação da Chesf, da Eletrosul e da Construtora Camargo Corrêa.

Em março de 2008, o governo federal decidiu aumentar o poder de atuação da Eletrobrás em consórcios no Brasil e no exterior, obtendo apoio parlamentar para a revisão do estatuto jurídico da companhia. A ampliação dos poderes da Eletrobrás foi embutida em emenda do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à MP nº 396 que autorizava a União a resgatar antecipadamente certificados financeiros do Tesouro Nacional emitidos em favor dos Estados.

Em abril, o Congresso aprovou a MP e o presidente Lula sancionou a Lei nº 11.561, conferindo à Eletrobrás e suas controladas a possibilidade de participação majoritária nos consórcios para disputa em leilões de concessão de projetos de geração e linhas de transmissão. Até então, a participação das estatais federais em tais consórcios estava limitada a 49%. A mesma lei abriu as portas para a atuação internacional da Eletrobrás, levando em conta sua expertise em projetos de geração hidrelétrica e transmissão de energia.  Nas palavras do presidente Lula, o governo estava empenhado em transformar a companhia na “Petrobras do setor elétrico”.

Sob o comando de José Antônio Muniz Lopes, a companhia iniciou processo de reestruturação interna e de suas relações com as empresas do grupo, lançando o chamado Plano de Transformação do Sistema Eletrobrás. O plano previu, entre outros pontos, o maior controle das subsidiárias pela holding e o saneamento e consolidação das empresas federais de distribuição atuantes nas regiões Norte Nordeste. Em julho de 2008, a Eletrobrás criou uma nova diretoria para a gestão centralizada dessas empresas. Na mesma ocasião, a Manaus Energia – que havia absorvido a Companhia Energética do Amazonas (Ceam) - mudou sua razão social para Amazonas Energia.

Outro passo importante para a dinamização dos negócios da empresa foi dado em maio de 2009 com a promulgação da Lei nº 11.963 que, entre outros pontos relevantes, assegurou à Eletrobrás e suas controladas a possibilidade de contratação de obras e equipamentos por meio de procedimento licitatório simplificado. A dispensa da Lei de Licitações para aquisição de bens e serviços em empreendimentos de interesse nacional foi condicionada à autorização do presidente da República. A Petrobras dispunha de mecanismo semelhante desde 1997.

A flexibilização das licitações para o sistema Eletrobrás foi aprovada por estreita margem de votos na Câmara dos Deputados, sendo criticada até mesmo por parlamentares da base governista, como o deputado Ciro Gomes, integrante da bancada do Partido Socialista Brasileiro (PSB). Para os executivos ligados à estatal, a mudança permitiria à Eletrobrás concorrer em igualdade de condições com as companhias privadas.

 Oriunda da MP nº 450, a nova lei também institui o Fundo de Garantia a Empreendimentos de Energia Elétrica (FGEE) com o objetivo de ampliar o suporte financeiro dos projetos elétricos previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e prorrogou o prazo de entrada em operação dos projetos do Proinfa para 2010. Lançado no início do segundo mandato do presidente Lula, o PAC previu investimentos em geração e transmissão de energia elétrica de R$ 78,4 bilhões no período 2007-2010, tendo em vista o acréscimo de 12.386 MW na geração e a implantação de 13.800km de linhas de transmissão.

 Individualmente ou em consórcio com investidores públicos e privados, as empresas do sistema Eletrobrás participam de vários projetos do PAC no setor de energia elétrica, alguns com entrada em operação prevista para depois de 2010. Entre os projetos hidrelétricos do PAC que contam com a participação das empresas do grupo federal, merecem destaque os de Santo Antônio (Furnas), Jirau (Chesf e Eletrosul), Foz do Chapecó (Furnas), Simplício (Furnas), Dardanelos (Chesf e Eletronorte), Mauá (Eletrosul) e Serra do Facão (Furnas).

Também foram incluídas no PAC a termelétrica a carvão de Candiota III, da CGTEE, em fase adiantada de construção no Rio Grande do Sul, e a usina nuclear de Angra 3, da Eletronuclear, no Rio de Janeiro, com entrada em operação prevista para 2014.

Na área de transmissão, as empresas federais assumiram participação em empreendimentos da maior relevância, como o sistema de transmissão em corrente contínua para escoamento da energia das usinas do rio Madeira até São Paulo, com 2.350km de extensão, e a interligação Tucuruí-Manaus-Macapá em 500 kV, com 1.470km de extensão.

A Eletrobrás realizou estudos para a construção de grandes hidrelétricas na região Amazônica, como Belo Monte (11.180 MW) no rio Xingu, Marabá (2.160 MW) e Serra Quebrada (2.300 MW) no rio Tocantins, São Luiz do Tapajós (6.130 MW) e outras cinco usinas na bacia do rio Tapajós. A companhia criou uma superintendência para avaliar projetos internacionais de geração e transmissão em vários países. Em 2009, foram bastante adiantados os estudos de viabilidade de dois empreendimentos hidrelétricos na América do Sul: o complexo binacional de Garabi, no trecho internacional do rio Uruguai entre o Brasil e a Argentina, e a usina de Inambari, no Peru. 

A Eletrobrás manteve-se como a principal acionista das empresas Chesf, Furnas, Eletronorte, Eletrosul, CGTEE e Eletronuclear. Em nome do governo brasileiro, detinha metade do capital da Itaipu Binacional. Também controla o Cepel, maior centro de pesquisas de energia elétrica da América Latina, e as distribuidoras Eletroacre (AC), Ceal (AL), Cepisa (PI), Ceron (RO), Amazonas Energia (AM) e Boa Vista Energia (RR), possuindo participação minoritária em 26 empresas coligadas e cinco Sociedades de Propósito Especifico (SPE).

Além da gestão dos recursos da RGR e CDE, que financiaram os programas Procel, Proinfa e Luz para Todos, a companhia administrava a CCC, fundo setorial destinado à cobertura de parte das despesas com a aquisição de combustíveis fósseis utilizados pelas termelétricas dos sistemas isolados.  

Empresa de economia mista e capital aberto, a Eletrobrás registrou lucro líquido de R$ 6.136 milhões em 2008. Suas ações tinham sido negociadas nas bolsas de valores de São Paulo, Nova York e Madri. Em setembro de 2009, a União detinha 52% das ações ordinárias com direito a voto, correspondentes a 41,5% do seu capital social, estimado em R$ 26.156 milhões.

Paulo Brandi colaboração especial

 

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