ALIANÇA RENOVADORA NACIONAL (ARENA)

ALIANÇA RENOVADORA NACIONAL (Arena)

 

Partido político de âmbito nacional, de apoio ao governo, fundado em 4 de abril de 1966 dentro do sistema de bipartidarismo instaurado no país após a edição do Ato Institucional nº 2 (27/10/1965), que extinguiu os partidos existentes, e do Ato Complementar nº 4, que estabeleceu as condições para a formação de novos partidos. Desapareceu em 29 de novembro de 1979, quando o Congresso decretou o fim do bipartidarismo e abriu espaço para a reorganização de um novo sistema multipartidário.

 

Contexto político: autoritarismo e legislação eleitoral

O bipartidarismo no Brasil no pós-1964, que se constituiu da Arena e do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), foi implantado como instrumento político da dominação autoritário-militar, visando sobretudo concentrar prerrogativas de controle político no Executivo sobre o qual as forças armadas possuíam completo poder.

Assim, os Atos Institucionais nºs 2 e 5 trataram de suprimir toda forma de oposição política dos demais setores governamentais e de impedir manifestação oposicionista por parte dos cidadãos, com ou sem mandato de representação. Tais medidas foram adotadas como decisão executiva entre 1965 e 1968 e tiveram profundas conseqüências sobre a representação política no país. Várias delas seriam posteriormente modificadas, às vésperas de eleições, visando principalmente atender interesses governamentais conjunturais.

As primeiras medidas adotadas transformaram em indiretas as eleições para os executivos federal, estaduais e das capitais de estado, além de relacionar municípios de segurança nacional onde os prefeitos seriam nomeados. Proibiram-se, ainda, as alianças eleitorais. O registro eleitoral foi ampliado, dado que pelo Código Eleitoral de 1965 mulheres em atividades não remuneradas passaram obrigatoriamente a registrar-se para votar.

A Constituição de 1969 alterou o sistema de representação na Câmara Federal, que passou a ter como base o tamanho do eleitorado. Essa medida provocou uma redução do número de cadeiras, buscando ampliar a maioria governamental. Politicamente, esse critério adotado para as eleições de 1974 e de 1978 levou à sub-representação dos estados mais industrializados, com taxas menores de analfabetismo e tradicionalmente oposicionistas.

Em 1977, a Emenda Constitucional nº 8, de 14 de abril, restabeleceu o critério população como base para o cálculo das bancadas estaduais na Câmara Federal. Apesar disso, os dois maiores estados, São Paulo e Minas Gerais, continuaram sub-representados.

A Lei Falcão (Lei nº 6.339, de 1º de julho de 1976) proibiu a propaganda eleitoral pelo rádio e a televisão, permitindo apenas a divulgação do curriculum vitae sumário dos candidatos. Essa lei surgiu como resposta direta do governo ao considerável avanço do partido oposicionista, o MDB, nas eleições de 1974, e refletia a preocupação do governo em enfrentar as eleições municipais de 1976, que poderiam, sob condições inteiramente livres de propaganda eleitoral, transformar-se em uma eleição plebiscitária.

 

A Arena, o bipartidarismo e a participação eleitoral

A Arena e o MDB organizaram-se no final de 1965 após a extinção do sistema multipartidário (Ato Institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965) e como conseqüência do Ato Complementar nº 4, que estabeleceu as condições de funcionamento para novas organizações políticas. O sistema criado foi bipartidário sobretudo porque, para existir, cada movimento político deveria contar com quase 1/3 dos congressistas existentes, afora o fato de que os representantes do povo tiveram, por lei, 45 dias para organizar os novos partidos.

O bipartidarismo foi, assim, artificialmente implantado em virtude de um duplo processo de determinação. Por um lado, a intenção governamental de criar um partido suficientemente forte para lhe assegurar respaldo parlamentar e, por outro, a acomodação dentro de cada partido de políticos de posições diversificadas.

O período do bipartidarismo assistiu a quatro eleições proporcionais — de 1966, 1970, 1974 e 1978 — para a Câmara Federal e assembléias estaduais, a quatro eleições majoritárias para o Senado — também em 1966, 1970, 1974 e 1978 — e às eleições indiretas para os executivos federal e estaduais.

A participação eleitoral nesse período pode ser interpretada a partir dos dados apresentados na tabela 1. Em primeiro lugar, observa-se que entre 1966 e 1978 o eleitorado mais do que dobrou e o comparecimento eleitoral passou de 77% aproximadamente nas duas primeiras eleições para 80% em 1974 e 1978, enquanto, naturalmente, declinou de forma correspondente a abstenção eleitoral. Já a porcentagem de votos brancos e nulos teve um comportamento estável, excetuando-se as eleições de 1970.

A abstenção eleitoral possui dois componentes principais: o primeiro revela, quando a abstenção é pequena, falta de interesse político, enquanto o segundo indica insatisfação política, quer com a situação política predominante, quer com o sistema partidário e seu significado. Considerando as taxas de abstenção e de votos brancos e nulos, pode-se consistentemente argumentar que as taxas de participação foram baixas durante o período, se comparadas, por exemplo, com aquelas do período 1945-1962. Esses números revelam, assim, insatisfação com o regime político e seu instrumento partidário, o bipartidarismo, sobretudo se se observar as taxas relativas às eleições de 1970, fase mais negra do exercício do autoritarismo no período sob análise.

As eleições, como se sabe, possuem uma dupla função, por um lado de prática de legitimação e, por outro, de renovação. A participação eleitoral é resultado desses dois componentes. A insatisfação com instituições e práticas políticas vigentes, associada à ausência percebida de necessidade de mudanças, leva a altas taxas de abstenção e baixa proporção de votos nulos e brancos. Tal não foi a situação política vivenciada pelo eleitorado no período 1966-1978.

Por outro lado, a insatisfação com as instituições e práticas políticas vigentes e a percepção da necessidade de mudança, associadas à descrença de que o ato eleitoral seja neste sentido significativo, levam a altas taxas de abstenção e de votos brancos e nulos. As eleições de 1970, de resto, precedidas por intensa campanha de defesa do voto nulo, bem exemplificam a situação descrita.

Finalmente, a insatisfação popular associada à visão de que as eleições podem mudar a política para melhor leva a baixas taxas de abstenção e de votos brancos e nulos. As eleições proporcionais de 1974 e 1978 bem exemplificam o sentimento do eleitorado à sua época.

 

 

origens e resultados eleitorais

A Arena, partido de sustentação político-parlamentar dos governos militares pós-1964, absorveu (ano base de 1979) a maior parte dos deputados federais que, durante o período do multipartidarismo, pertenceram aos quadros parlamentares da União Democrática Nacional (UDN — 70), do Partido Social Democrático (PSD — 60), do Partido Democrata Cristão (PDC — 14) ou do Partido Republicano (PR — dez), de um total de 231 deputados, diferentemente do MDB, que contou com grande contingente oriundo do antigo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB — 36). Recrutamento semelhante fez a Arena nos quadros do PSD e UND (19 e 15) no que se refere ao Senado Federal (total de 42 senadores).

A atuação parlamentar da Arena, em um quadro institucional em que o Executivo era hegemônico e as prerrogativas tradicionais do Congresso Nacional foram extremamente reduzidas, foi ainda marcada por grande compromisso em relação a instrumentos de disciplina partidária no Congresso, a saber, o voto de liderança e a fidelidade partidária. Assim sendo, e considerando ainda a prevalência de eleições indiretas para os executivos federal e estadual, a atuação parlamentar da Arena foi de reduzida importância.

Seu desempenho eleitoral, no entanto, como partido de sustentação política de um executivo autoritário, merece reflexão maior, dado que os resultados eleitorais obtidos refletiram, por um lado, o casuísmo governamental que visava assegurar a maioria parlamentar e, por outro, a satisfação popular diante do desempenho governamental.

As eleições majoritárias para o Senado Federal (tabela 2) deram à Arena resultados bastante favoráveis, sobretudo nas eleições de 1966 e 1970. Já nas eleições de 1974 e 1978, como conseqüência do incipiente processo de liberalização que teve início com a liberdade de imprensa, seus resultados foram bem menos favoráveis, principalmente em 1974, quando só conseguiu eleger 1/3 das cadeiras senatoriais em disputa.

Seu bom desempenho reflete sobretudo o apoio obtido nas regiões Nordeste, em primeiro lugar, e Norte e Centro-Oeste, em segundo. Também na região Sul, nas duas primeiras eleições do período, sua penetração foi enorme. Suas perdas concentraram-se na região Sudeste, em todas as eleições, e no Sul, a partir de 1974 inclusive.

O total de votos obtidos para o Senado representa 34,5%, 71,1%, 28,2% e 28,0% do total do eleitorado brasileiro nas eleições de 1966, 1970, 1974 e 1978, respectivamente.

As eleições proporcionais para a Câmara Federal sempre garantiram à Arena a maioria de cadeiras parlamentares, a saber: 67,7%; 72,0%; 54,7% e 55,0% (tabela 3). A comparação do total de votos obtidos pelo partido, como porcentagem do eleitorado nacionalmente inscrito, permite estabelecer as seguintes porcentagens: 38,8%; 37,7%; 33,1% e 32,1%. A comparação destes resultados com os obtidos para o Senado indica maior sucesso eleitoral da Arena em eleições proporcionais do que em eleições majoritárias, excetuando-se a eleição de 1970, que foi precedida de intensa campanha da oposição, preconizando o voto nulo.

A Arena, nas eleições para as assembléias estaduais, onde, na esmagadora maioria dos estados, sempre teve maioria, atingiu 40,2%, 40,3%, 40,0% e 33,0% dos votos do eleitorado nacional (tabela 4). Tais resultados afiguram-se como bastante estáveis, exceto em 1978 quando, no plano estadual, o partido perdeu substância eleitoralmente, embora tais resultados sejam ainda melhores que aqueles apontados para o Senado (exceto a eleição de 1970) e para a Câmara Federal (em todas as eleições).

 

A Arena e o autoritarismo

As funções classicamente desempenhadas por um partido político em um contexto de pluralidade política e social dificilmente poderiam ter sido desempenhadas pela Arena, não só em virtude das leis de exceção então em vigor, como também, e sobretudo, porque a Arena representou o papel de braço partidário parlamentar do autoritarismo vigente dentro de um Congresso despido igualmente de suas prerrogativas clássicas. Como partido governista, a Arena submeteu-se docilmente às iniciativas legislativas do Executivo, defendendo-o sistematicamente das críticas da oposição sem, no entanto, ter logrado ser um partido do governo.

O arquivo da Arena encontra-se depositado no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getulio Vargas.

 

Olavo Brasil de Lima Júnior

colaboração especial

 

FONTES: BRITO, L. Bipartidarismo; DUARTE, C. Lei; FLEISCHER, D. Bancada; FLEISCHER, D. Partidos; FLEISCHER, D. Redemocratização; FLEISCHER, D. Role; FLEISCHER, D. Thirty; KINZO, M. Novos; KINZO, M. Representação; LAMOUNIER, B. Partidos; LAMOUNIER, B. Voto; LIMA JÚNIOR, O. Articulação; LIMA JÚNIOR, O. Congresso não aprova anistia; LIMA JÚNIOR, O. Congresso não aprova cancelamento; LIMA JÚNIOR, O. Congresso revela; LIMA JÚNIOR, O. Disputa; LIMA JÚNIOR, O. Pluralism; LIMA JÚNIOR, O. Política; REIS, F. Partidos; SANTOS, W. Eleição; SANTOS, W. Eleições.