ALIANÇA NACIONAL LIBERTADORA (ANL)

ALIANÇA NACIONAL LIBERTADORA (ANL)

 

Organização política de âmbito nacional fundada oficialmente em 12 de março de 1935, embora sua ata de fundação seja datada do dia 23 e sua instalação pública tenha ocorrido no dia 30. Constituiu uma frente ampla em que se reuniram representantes de diferentes correntes políticas — socialistas, comunistas, católicos e democratas — e de diferentes setores sociais — proletários, intelectuais, profissionais liberais e militares —, todos atraídos por um programa que propunha a luta contra o fascismo, o imperialismo, o latifúndio e a miséria. Foi fechada em 11 de julho de 1935, continuando a atuar na clandestinidade até a eclosão da Revolta Comunista, no mês de novembro do mesmo ano.

 

Antecedentes

A Revolução Constitucionalista de 1932 favoreceu o reagrupamento das forças políticas e a redefinição dos revolucionários de 1930. Nos anos que se seguiram, realizaram-se eleições para a Assembléia Nacional Constituinte, foi redigida e promulgada a Constituição de 1934, foram eleitos os representantes à Câmara Federal e às assembléias constituintes estaduais e foram escolhidos indiretamente em cada estado governadores e senadores.

Durante todo esse período, com exceção do Partido Comunista Brasileiro (PCB), então chamado Partido Comunista do Brasil, e da Ação Integralista Brasileira (AIB), não existiu nenhum outro partido significativo de âmbito nacional. As tentativas tenentistas de criar organizações nacionais fracassaram e permaneceram os partidos estaduais, que não ultrapassavam nem pretendiam ultrapassar as fronteiras regionais, representando interesses locais. Muitos desses partidos foram organizados com vistas às eleições de 1933 pelos interventores federais nos estados, os quais acabaram por compor com o velho poder oligárquico regional. Foram essas agremiações as grandes vencedoras nos pleitos realizados no início da década de 1930.

Por outro lado, o ano de 1934 foi marcado no Brasil por uma série de movimentos operários reivindicatórios e por uma grande insatisfação entre setores que poderiam ser identificados como da pequena burguesia. Uma série de greves eclodiu no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Rio Grande do Sul, afetando principalmente o setor de serviços (transportes, comunicações, bancos etc.). Ao mesmo tempo, as campanhas contra a guerra e contra o fascismo ganharam amplitude, culminando com um violento choque entre antifascistas e integralistas no mês de outubro em São Paulo. Surgiram em todo o país as frentes antifascistas, que propiciaram a aproximação entre os comunistas, os socialistas e os “tenentes” de esquerda.

Sob o pretexto da constante instabilidade da sociedade, começou nesse momento a se fortalecer a idéia de uma lei de segurança nacional. O Exército, na voz do ministro da Guerra, Pedro Aurélio de Góis Monteiro, condenou a indisciplina, a insubordinação e quebra da hierarquia dentro de seus próprios quadros, reflexo da situação de anormalidade existente. Na realidade, a intranqüilidade era fruto das condições do país, da alta do custo de vida, da inflação e das reivindicações das classes operárias e médias, que desejavam maior participação na vida política do país. O primeiro anteprojeto da Lei de Segurança Nacional, de autoria de Vicente Rao e Raul Fernandes, foi apresentado à Câmara em 26 de janeiro de 1935.

Por seu lado, o PCB adotara no início da década de 1930 uma linha de proletarização, preconizada pelo VI Congresso da Internacional Comunista. Essa orientação, imposta não só ao PCB, mas a todos os partidos comunistas do mundo, estava ligada à luta contra o crescente domínio dos intelectuais na direção dos partidos e destinava-se também a combater o movimento dissidente trotskista, integrado basicamente por intelectuais. No Brasil, a tática da proletarização foi marcada por um excessivo obreirismo, responsável pelo desligamento do partido de líderes intelectuais como Leôncio Basbaum, Fernando Lacerda, Astrojildo Pereira e outros.

Diante da ascensão do nazismo na Europa, iniciou-se no ano de 1934 em Moscou uma série de discussões em torno da possibilidade de formação de uma frente popular internacional destinada a frear a expansão nazista. Os membros da Internacional Comunista divergiam quanto a essa estratégia de ação. Enquanto Giorgi Dmitrov defendia a extensão global das frentes populares, Dimitri Manuilsky era favorável à insurreição armada e à tomada do poder pelas forças populares sob a chefia dos partidos comunistas nos países onde as condições fossem favoráveis.

Em outubro de 1934, realizou-se em Moscou uma reunião preparatória do VII Congresso da Internacional Comunista. Essa reunião se realizou devido à transferência do congresso para o ano seguinte. Como os representantes latino-americanos não tiveram tempo de ser avisados da mudança, a Internacional decidiu organizar uma reunião com os delegados que lá se encontravam. Participaram do encontro, entre outros, Giorgi Dmitrov, Manuilsky, Klement Gottwald, Otto Kuusineu, Wilhelm Pieck, Vasil Koralov, Palmiro Togliatti, Ho Chi Minh, Maurice Thorez, Raymond Guyot, Van Min e os representantes latino-americanos Antônio Maciel Bonfim, José Caetano Machado, Lauro Reginaldo da Rocha e Elias dos Santos, do Brasil, Vittorio Codovilla e Rodolfo Ghioldi, da Argentina, Eudosio Ramires, do Peru, além de representantes do Uruguai, Paraguai, Bolívia e México. Durante essa reunião discutiu-se a adoção da tática de frentes populares contra o fascismo, que não encontrou unanimidade. Luís Carlos Prestes, então vivendo em Moscou, acompanhou de perto os debates, mostrando-se contrário à proposta de Dmitrov de extensão a todos os países da tática de frente populares. Ramires e os representante do Chile, por outro lado, se manifestaram favoráveis à proposta.

Ao final da reunião preparatória, diante das divergências de posições quanto à orientação a ser seguida pelos partidos comunistas latino-americanos, ficou decidido que seria feita uma experiência de frente popular no Chile, onde as condições eram favoráveis, e que no Brasil seria preparada uma revolução armada. Essa orientação foi dada pela Internacional Comunista levando em conta os informes apresentados pelos dirigentes comunistas brasileiros de que no Brasil havia todas as condições para o sucesso de um movimento armado. A Luís Carlos Prestes foi confiada a responsabilidade de preparar a revolução, pois seu nome continuava a ser lembrado como do grande líder revolucionário da Coluna Prestes, como o “Cavaleiro da Esperança”.

Prestes partiu para o Brasil no dia 29 de dezembro de 1934 para preparar a revolta armada. A Internacional enviou para assessorá-lo o alemão Artur Ernst Ewert, conhecido como Harry Berger, o argentino Rodolfo Ghioldi, o belga Jules Léon Vallée e o norte-americano Victor Alan Baron. Paralelamente, porém, o PCB viu na formação de uma frente popular antifascista, unindo as classes trabalhadoras e as classes médias em torno de um objetivo comum, a oportunidade de expandir seu raio de ação e de intensificar seu trabalho de propaganda ideológica, já que naquele movimento sua atuação era bastante fraca, mesmo dentro dos sindicatos.

 

A formação da ANL

As primeiras notícias sobre a ANL datam de janeiro de 1935, quando já estava sendo discutida na Câmara a Lei de Segurança Nacional. O deputado Abguar Bastos leu um manifesto na Câmara e em seguida os organizadores do movimento declararam em entrevista que a ANL não era um partido político, e sim “um amplo movimento popular nascido da necessidade em que se acham os brasileiros de emancipar-se economicamente do jugo estrangeiro e de libertar-se da Lei Monstro, já em votação no parlamento”.

Em fevereiro foi lançado o manifesto-programa da ANL, assinado pela comissão provisória de organização, da qual faziam parte o capitão-tenente da Marinha Herculino Cascardo, o capitão do Exército Amoreti Osório — um dos dirigentes da Revolução de 1930 no Pará —, o comandante da Marinha Roberto Sisson, o jornalista Benjamim Cabello, Francisco Mangabeira — sobrinho de Otávio Mangabeira — e o médico Manuel Venâncio Campos da Paz. No dia 12 de março, em reunião realizada no Rio de Janeiro, foi discutida a organização do movimento e foi eleito seu diretório nacional, que, além dos signatários do manifesto, passou a ser integrado por Trifino Correia, Costa Leite, Valfredo Caldas, Abguar Bastos e Horácio Valadares. Ainda nesse encontro foram aprovados os estatutos da ANL e foi decidido que seu lançamento público seria feito no dia 30 de março no Teatro João Caetano.

Durante a instalação pública da ANL, o então estudante de direito Carlos Lacerda propôs o nome de Luís Carlos Prestes para presidente de honra da organização.

 

Programa e organização

As principais reivindicações do manifesto-programa da ANL de fevereiro de 1935 eram a suspensão definitiva do pagamento das dívidas imperialistas do Brasil, a nacionalização imediata de todas as empresas imperialistas, a proteção aos pequenos e médios proprietários e lavradores, com a entrega das terras dos grandes proprietários aos camponeses e trabalhadores rurais que as cultivassem, o gozo das mais amplas liberdades públicas e a constituição de um governo popular, orientado exclusivamente pelos interesses do povo brasileiro e do qual poderia participar qualquer pessoa, na medida da eficiência de sua colaboração.

A esse programa inicial foram acrescentados itens complementares, diretamente sugeridos por Luís Carlos Prestes em carta de 25 de abril de 1935 lida por Benjamim Cabello no comício realizado no Estádio Brasil, no Rio, no dia 13 de maio. Os novos itens incluíam a denúncia dos tratados antinacionais com o imperialismo, a exigência de atendimento das reivindicações operárias, como jornada de oito horas de trabalho, seguro social, aumento salarial, salário igual para trabalho igual e salário mínimo, a luta contra as condições escravagistas e feudais de trabalho, a devolução das terras arrebatadas dos índios pela violência, a completa liquidação de quaisquer diferenças ou privilégios de raça, cor ou nacionalidade, a mais ampla liberdade religiosa, com a separação entre a Igreja e o Estado, e a tomada de posição contra qualquer guerra imperialista, acompanhada da estreita união com as alianças libertadoras dos demais países da América Latina e com todas as classes e povos oprimidos do mundo. Nesses novos itens amenizava-se o caráter inicial da proposta de nacionalização, sendo defendida a encampação dos serviços públicos mais importantes e das empresas imperialistas que não se subordinassem às leis do governo revolucionário. Em sua carta, Prestes teve a preocupação visível de abordar mais precisamente temas ligados à sociedade industrial.

Do ponto de vista organizacional, a ANL era formada por grupos de dez ou mais aderentes reunidos por uma identidade de interesses de base residencial, profissional, associativa ou escolar. As assembléias, órgãos máximos da aliança, eram dirigidas por um secretariado composto de três a cinco membros.

 

Atuação

Os principais órgãos de divulgação do programa e das atividades da ANL eram os jornais A Nação, A Pátria e A Manhã, do Rio de Janeiro, e Platéia, de São Paulo. O movimento inspirou também a criação de diversas organizações, como o Clube da Cultura Moderna, a Liga de Defesa da Cultura Popular e a União Feminina do Brasil, com as quais mantinha ligações estreitas.

Lançado no Rio, o movimento aliancista espalhou-se rapidamente pelos estados: no Rio Grande do Sul, apesar da forte penetração integralista, a ANL transformou-se numa importante força política, organizada por Agildo Barata. No Espírito Santo, em Pernambuco e em São Paulo, a instalação pública da aliança atraiu milhares de aderentes. Nesse último estado, o movimento foi dirigido por Caio Prado Júnior e contou com o apoio de Miguel Costa. Até junho de 1935, segundo seus dirigentes, a ANL já teria reunido quatrocentos mil aderentes. Robert Levine, em The Vargas regime, dá uma cifra situada entre 70 mil e cem mil participantes.

A ação da ANL se desenvolvia em várias frentes, que incluíam desde manifestações de rua, comemorações cívicas, sindicatos e quartéis — principalmente em Minas Gerais, São Paulo e Santa Catarina —, até o próprio Congresso Nacional, onde se iniciou a formação de uma frente parlamentar de apoio às liberdades populares.

Em 9 de junho de 1935, em São Paulo, membros da ANL impediram a realização de um comício integralista. O mesmo ocorreu em Belo Horizonte, quando Gustavo Barroso pronunciou uma conferência na Faculdade de Direito. Em Petrópolis (RJ), após um comício aliancista, foi feita uma manifestação diante da sede local da AIB que resultou num choque durante o qual morreu um operário. Essa morte provocou uma greve geral na cidade, liderada pelo Sindicato dos Operários de Fábricas de Tecido e apoiada pela Associação Comercial e Industrial.

Por outro lado, em suas análises da conjuntura brasileira, os aliancistas previam que o agravamento da crise do capitalismo mundial teria como conseqüência a queda do consumo externo e interno, gerando o desemprego, a baixa dos salários, a superprodução de café e o aumento de dívida externa. O ano de 1935 assistiria por isso mesmo à subida ao poder de um governo popular revolucionário, democrático-burguês e antiimperialista, que prepararia a etapa seguinte, a do regime socialista.

Em seu manifesto de 5 de julho de 1935, dia do 13º aniversário da primeira revolta tenentista no forte de Copacabana, Luís Carlos Prestes afirmou que a ANL dava prosseguimento à luta de 1922, sendo legítima herdeira de Siqueira Campos, Cleto Campelo, Joaquim Távora, Hansen de Melo e outros. Referiu-se aos vários pontos do programa do movimento e terminou afirmando que “a situação é de guerra e cada um precisa ocupar o seu posto”. As massas deviam “organizar a defesa de suas reuniões” e preparar-se “ativamente para o momento do assalto. A idéia do assalto amadurece na consciência das grandes massas. Cabe a seu chefe organizá-las e dirigi-las.” O documento terminava com as palavras de ordem “Abaixo o fascismo! Abaixo o governo odioso de Vargas! Por um governo popular nacional revolucionário! Todo poder à ANL!”

Em conseqüência da radicalização da ANL com o manifesto de Prestes, vários participantes se desligaram do movimento. Ao mesmo tempo, o governo utilizou a Lei de Segurança Nacional para fechar por decreto a organização, em 11 de julho de 1935.

A única reação organizada ao fechamento da ANL foi uma passeata de protesto em São Paulo, à qual compareceram cerca de quinhentos manifestantes encabeçados por Caio Prado Júnior e Miguel Costa. No Rio de Janeiro, a tentativa de realizar um comício de protesto foi impedida pela polícia.

Após seu fechamento, a ANL passou a funcionar na clandestinidade, publicando boletins de propaganda e ataques ao governo e ao integralismo, organizando comícios-relâmpagos etc. Alguns de seus membros fundaram no Rio de Janeiro a Frente Popular pela Liberdade. Os deputados Café Filho e Domingos Velasco criaram a Frente Parlamentar pelas Liberdades Populares, contando com a adesão de mais 20 deputados e do senador Abel Chermont.

 

A Revolta de 1935

A ação da ANL culminou com o levante comunista iniciado no dia 23 de novembro de 1935 em Natal, onde se instalou o primeiro governo popular revolucionário, com duração de quatro dias. O levante foi deflagrado por sargentos, cabos e soldados do 21º Batalhão de Caçadores, que assumiram o comando em nome da ANL e receberam a adesão de diversos civis.

As notícias da vitória do movimento em Natal precipitaram o movimento em Recife, deflagrado no dia 24 de novembro pelo 29º Batalhão de Caçadores. No dia 25, quando já estava debelado o movimento em Recife, Prestes deu ordens para a eclosão da revolta no Rio de Janeiro. Nesse mesmo dia, Vargas pediu ao Congresso que fosse declarado o estado de sítio em todo o território nacional.

Na noite de 26 para 27 de novembro a revolta eclodiu no Rio, no 3º Regimento de Infantaria, sob a liderança de Agildo Barata. Outro foco surgiu na Escola de Aviação Militar de Campo dos Afonsos, mas em pouco tempo os revoltosos foram dominados. O fracasso desses levantes desencadeou intensa reação da parte do governo. Foram feitas milhares de prisões, atingindo não só comunistas, mas simpatizantes, membros e dirigentes da ANL, trotskistas, socialistas e anarquistas.

A Revolta Comunista de 1935 foi utilizada como uma justificativa para a maior concentração do poder nas mãos do governo central. A partir desse momento começou a ser preparado o golpe de 1937. Góis Monteiro apresentou claramente as opções que se ofereciam. Havia, segundo ele, três caminhos possíveis: o golpe, solução perigosa naquele momento “dada a confusão social e política, a falta de coesão e de unidade das forças armadas e outras classes”; a observância da Constituição vigente, o que significaria a impunidade e a anarquia, e a reforma constitucional, que dependeria da boa vontade do governo, do Congresso e do Poder Judiciário. Essa última solução, a seu ver a mais adequada, teria por objetivo a concentração de poderes nas mãos do Executivo para fazer frente à situação.

Durante o ano de 1936, o Congresso aprovou todas as medidas excepcionais solicitadas pelo Executivo. O estado de sítio foi prorrogado até junho de 1937 e congressistas foram presos, desrespeitando-se as imunidades parlamentares. Em 1936, foi criada também a Comissão Nacional de Repressão ao Comunismo, encarregada de investigar a participação de funcionários públicos e outros em atos e crimes contra as instituições políticas e sociais. O atestado de ideologia passou a ser exigido para todos que exercessem cargos públicos e cargos sindicais. Finalmente, instituiu-se o Tribunal de Segurança Nacional, para julgar os implicados na Revolta de 1935.

Alzira Alves de Abreu

 

FONTES: CARONE, E. República nova; DULLES, J. Anarquistas; ENTREV. PRESTES, L.; LEVINE, R. Vargas; PORTO, E. Insurreição; SILVA, H. 1935; TAVARES, J. Radicalização.