ALIANÇA LIBERAL

ALIANÇA LIBERAL

 

Coligação oposicionista de âmbito nacional formada no início de agosto de 1929 por iniciativa de líderes políticos de Minas Gerais e Rio Grande do Sul com o objetivo de apoiar as candidaturas de Getúlio Vargas e João Pessoa respectivamente à presidência e vice-presidência da República nas eleições de 1º de março de 1930. Após sua derrota nas eleições, muitos de seus integrantes aderiram à tese da insurreição armada, vitoriosa afinal com a revolução de outubro de 1930.

 

Formação

A partir de 1928, com a aproximação das eleições presidenciais, o presidente da República Washington Luís, do Partido Republicano Paulista (PRP), começou a manifestar seu apoio à candidatura de Júlio Prestes, também perrepista e presidente do estado de São Paulo. Se a indicação de Júlio Prestes por um lado garantia a continuidade da política econômico-financeira do governo, de austeridade e de contenção de recursos para a cafeicultura, por outro lado ela rompia o esquema de revezamento entre São Paulo e Minas no governo federal, conhecido como a “política do café com leite”. Para o novo quadriênio, a expectativa era que o candidato oficial fosse mineiro.

Sentindo-se alijado da disputa eleitoral, o presidente de Minas, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, buscou o apoio do Rio Grande do Sul para se opor aos planos de Washington Luís. Entretanto, o Rio Grande só se aventuraria a romper com o governo central caso lhe fosse dado lançar um candidato gaúcho à presidência. Foi isso que tentou articular o líder da bancada do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) na Câmara, o deputado João Neves da Fontoura, ainda em dezembro de 1928, quando o mineiro Afrânio de Melo Franco o sondou sobre uma possível candidatura de oposição ao governo federal. Ainda em 1928, ao pressentir que Minas não apoiaria Júlio Prestes, Washington Luís informou Getúlio Vargas — seu ex-ministro da Fazenda e então presidente do Rio Grande do Sul —, por intermédio do deputado gaúcho José Antônio Flores da Cunha, de que se dispunha a considerar a indicação de um gaúcho para a presidência. Terceiro estado em importância eleitoral e tradicionalmente um contendor de segundo plano, o Rio Grande do Sul tornava-se a peça-chave do jogo sucessório.

Em janeiro de 1929, Antônio Carlos fez chegar ao conhecimento de Vargas a decisão de Minas de não apoiar a candidatura de Júlio Prestes. Vargas limitou-se então a lembrar a cooperação mantida entre o seu governo no Rio Grande do Sul e a administração federal. Pouco depois, em maio, ao se iniciar no Congresso Nacional o debate a respeito da sucessão presidencial, Vargas escreveu uma carta confidencial a Washington Luís declarando-se à margem das manobras sucessórias e prometendo-lhe o apoio do PRR “no momento preciso”. Durante todo esse período, Antônio Carlos e Vargas ainda tentaram convencer Washington Luís a aceitar um terceiro candidato, mas seus esforços foram em vão.

Em 17 de junho de 1929, João Neves encontrou-se no Rio de Janeiro com o secretário do Interior de Minas, Francisco Campos, incumbido por Antônio Carlos de obter uma resolução definitiva do Rio Grande do Sul. João Neves, sem consultar Vargas ou o velho líder do PRR, Antônio Augusto Borges de Medeiros, aceitou o acordo proposto por Minas, firmando o chamado Pacto do Hotel Glória, que vetava o nome de Júlio Prestes e apresentava ao Rio Grande do Sul a possibilidade de indicar um candidato à sucessão presidencial. O acordo dependia da concordância de Borges de Medeiros e este, após algumas hesitações, aceitou-o, o mesmo fazendo Vargas.

Em 30 de julho de 1929, a comissão executiva do Partido Republicano Mineiro (PRM) lançou a candidatura de Getúlio Vargas e João Pessoa (presidente do estado da Paraíba) respectivamente à presidência e à vice-presidência da República. João Pessoa negara-se a apoiar a chapa oficial integrada por Júlio Prestes e Vital Soares em atitude que ficou conhecida como o “Nego”, lema que seria incorporado à bandeira do estado. Diante da atitude corajosa de João Pessoa, a oposição lançou o seu nome à vice-presidência.

No dia 31 de julho, o Partido Libertador (PL), do Rio Grande do Sul, deu apoio à chapa de oposição, unindo-se ao PRR na Frente Única Gaúcha (FUG). A oposição, para tornar sua ação mais concreta, formou então no início de agosto a Aliança Liberal. O movimento constituiu-se como uma coligação oposicionista de âmbito nacional, tendo como presidente o mineiro Afonso Pena Júnior, como vice-presidente o gaúcho Ildefonso Simões Lopes e como secretário-geral Odilon Braga. Além das situações de Minas, Rio Grande e Paraíba, recebeu a adesão de todas as oposições estaduais, destacando-se o Partido Democrático de São Paulo e o Partido Democrático do Distrito Federal.

 

A campanha

A campanha da Aliança Liberal foi marcada por uma série de recuos e tentativas de conciliação com o governo federal, empreendidas sobretudo por Vargas. Ainda em 1929, em meados de agosto, ele propôs a seus aliados a formação de uma nova chapa de oposição, composta de candidatos de Pernambuco e do Ceará, a fim de ampliar a frente antipaulista. Ante a recusa dos presidentes desses dois estados, Vargas sugeriu novamente a apresentação de um terceiro candidato, mas Washington Luís manteve-se intransigente em relação à candidatura Júlio Prestes.

Por outro lado, a Aliança Liberal não contou com a adesão integral dos mineiros, abrindo-se uma grave cisão no PRM. Fernando de Melo Viana, então vice-presidente da República, discordando dos objetivos da Aliança e descontente por não ter sido escolhido sucessor de Antônio Carlos no governo de Minas, liderou um grupo dentro do PRM que rompeu com a sua direção, formando a Concentração Conservadora. Divergiu também da Aliança Liberal o mineiro Manuel Tomás de Carvalho Brito, que apoiou Júlio Prestes e a legenda da Concentração Conservadora.

Em 12 de setembro, uma convenção de delegados dos partidos dominantes de 17 estados, liderados por São Paulo, homologou as candidaturas de Júlio Prestes para a presidência e de Vital Soares, presidente do estado da Bahia, para a vice-presidência da República.

Poucos dias mais tarde, a 20 de setembro, a Aliança Liberal, em convenção realizada no Rio, aprovou a chapa Vargas-João Pessoa e sua plataforma eleitoral, redigida pelo republicano gaúcho Lindolfo Collor. Estabelecendo como essencial a reforma política do país, o programa aliancista defendia a representação popular através do voto secreto, a justiça eleitoral, a independência do Judiciário, a reforma administrativa, a reforma do ensino, a liberdade de pensamento e de imprensa, a moralização do Poder Legislativo, a anistia para os revolucionários de 1922, 1924 e 1925-1927, e a adoção de medidas econômicas protecionistas para produtos de exportação além do café. Combatendo o esquema de valorização do café (numa posição que coincidia com a de Washington Luís), o programa apresentava de forma muito vaga a necessidade de industrialização, mantendo porém a distinção dominante na época, entre indústrias naturais e artificiais, estas últimas dependendo exclusivamente das medidas protecionistas do Estado. Preconizava, por fim, medidas de proteção aos trabalhadores, como a extensão do direito à aposentadoria, a aplicação da Lei de Férias e a regulamentação do trabalho do menor e da mulher.

Durante a campanha eleitoral, em outubro de 1929, eclodiu a crise econômica mundial. Embora não se possa estabelecer uma relação direta com a crise da oligarquia, é evidente que a crise mundial agravou os problemas dos cafeicultores, aumentando assim seu descontentamento com a política financeira do governo. Reunidos em dezembro de 1929 em um congresso de lavradores, os plantadores de café lançaram como palavra de ordem: “O lema é a lavoura, hoje com o governo. E, se não formos atendidos, amanhã será a lavoura sem o governo. E, depois, a lavoura contra o governo.” (Diário Nacional, 3/12/1929).

Ainda em 1929, a corrente mais radical da Aliança Liberal, formada pelos políticos jovens como João Neves, Osvaldo Aranha e Virgílio de Melo Franco, passou a admitir a hipótese de desencadear um movimento armado em caso de derrota nas urnas. Como primeiro passo, buscou-se a colaboração dos “tenentes”, tendo-se em conta seu passado revolucionário, sua experiência militar e seu prestígio no interior do Exército. Essa aproximação já estava em curso desde o início da campanha sucessória, mas os contatos se desenvolveriam com grande dificuldade, devido a desconfianças recíprocas. Na Aliança Liberal, estavam alguns dos principais adversários dos “tenentes”, notadamente Artur Bernardes, Epitácio Pessoa e João Pessoa. Este último, como ministro do Supremo Tribunal Militar (STM), julgara muitos militares rebeldes. Por outro lado, para os velhos dirigentes oligárquicos da Aliança, os “tenentes” personificavam a ameaça de derrubada do regime e, conseqüentemente, de suas próprias bases de sustentação política. Os “tenentes” tampouco tinham uma posição homogênea: vários oficiais revolucionários, como Juarez Távora, João Alberto Lins de Barros e Antônio de Siqueira Campos, aderiram à idéia de colaborar com a Aliança Liberal, enquanto Luís Carlos Prestes, exilado em Buenos Aires, hesitava em unir-se aos políticos de oposição.

Enquanto a campanha eleitoral prosseguia, Vargas, pouco seguro em relação ao futuro, estabeleceu em dezembro de 1929 um acordo com Washington Luís através de seu correligionário político Firmino Paim Filho, à revelia de Minas Gerais e da Paraíba. Nesse acordo ficou acertado que, caso fosse derrotado nas eleições, Vargas se conformaria com o resultado e passaria a apoiar o governo constituído. Em compensação, Washington Luís e Júlio Prestes se comprometiam a não apoiar elementos divergentes da situação do Rio Grande do Sul e a não lhes fornecer quaisquer recursos, bem como a não ordenar demissões ou transferências de funcionários federais filiados ao PRR. E, mais importante, comprometiam-se a reconhecer na apuração das eleições de representantes ao Congresso Nacional os candidatos diplomados. Do acordo constava também que Vargas restringiria sua participação pessoal na campanha ao Rio Grande do Sul e que após as eleições as relações entre o Rio Grande do Sul e o governo federal seriam restabelecidas nos mesmos termos anteriores à divergência sobre a sucessão presidencial. Vargas munia-se assim de um instrumento que lhe permitiria uma saída, qualquer que fosse o resultado das eleições.

 

Primeiro comício da Aliança Liberal em frente ao Teatro Municípal do Rio de Janeiro. Setembro de 1929

A radicalização da campanha eleitoral se fez sentir, entretanto, na Câmara dos Deputados, onde a maioria governista decidiu não dar quórum às sessões parlamentares, impedindo assim a manifestação dos deputados aliancistas. Diante dessa situação, os aliancistas resolveram promover comícios públicos nas escadarias do palácio Tiradentes, sede da Câmara. No dia 26 de dezembro, após um desses comícios, Ildefonso Simões Lopes, ao entrar na Câmara, foi violentamente interpelado pelo deputado situacionista pernambucano Manuel Francisco de Sousa Filho. Luís Simões Lopes, filho de Ildefonso, tomou a defesa do pai, atracando-se com Sousa Filho, que portava um punhal. Na luta, Ildefonso disparou dois tiros contra o deputado pernambucano, que morreu no local.

Pouco depois desse episódio, ainda no final de dezembro, Vargas rompeu em parte o acordo com Washington Luís, viajando para o Rio de Janeiro. No dia seguinte à sua chegada, porém, avistou-se com o presidente, reiterando sua disposição de respeitar o modus vivendi estabelecido por Paim Filho.

Em 2 de janeiro de 1930, ao lado de João Pessoa, Vargas leu sua plataforma, não em recinto fechado como fizera Júlio Prestes, mas em praça pública, para uma grande multidão que se concentrou na esplanada do Castelo.

Estendeu sua viagem a São Paulo e Santos, onde foi recebido com demonstrações populares de apoio, regressando em seguida a Porto Alegre. Nesse período foram ainda organizadas caravanas que percorreram Minas e as principais cidades no Norte e Nordeste, sob a chefia de João Pessoa.

Durante a campanha ocorreram choques violentos entre situacionistas e oposicionistas em Garanhuns (PE), Vitória e Montes Claros (MG). Nesta última cidade, um comício da Concentração Conservadora nos primeiros dias de fevereiro foi interrompido por um tiroteio que deixou vários mortos e feridos, incluindo-se entre os últimos o vice-presidente Melo Viana, pisoteado no tumulto que se estabeleceu.

Em 28 de fevereiro, véspera das eleições, teve início um conflito na cidade de Princesa, atual Princesa Isabel, na Paraíba. A Revolta de Princesa, como ficou conhecida, liderada por José Pereira, chefe político do município, congregou a oposição paraibana ao governo de João Pessoa e teve o apoio do governo federal.

O resultado do pleito de 1º de março de 1930 deu a vitória a Júlio Prestes e Vital Soares, eleitos com 57,7% dos votos. A fraude, dominante na época, verificou-se dos dois lados, pois de outra forma não poderia ser explicado o resultado obtido por Vargas em seu estado: 298 mil votos contra 982 dados a Júlio Prestes. O Partido Comunista Brasileiro, então denominado Partido Comunista do Brasil (PCB), lançou como candidato o operário Minervino de Oliveira, pelo Bloco Operário e Camponês, obtendo uma votação ínfima.

Em 19 de março de 1930, Borges de Medeiros, em entrevista publicada pelo jornal A Noite, reconheceu enfaticamente a vitória de Júlio Prestes, dando por encerrada a campanha da oposição. No entanto, as articulações dos oposicionistas prosseguiram, vindo a resultar, no mês de outubro, na Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder.

Alzira Alves de Abreu

 

 

FONTES: BRANDI, P. Vargas; FAUSTO, B. Revolução; FRANCO, V. Outubro; FUND. GETULIO VARGAS. Revolução; LIMA SOBRINHO, A. Verdade; MAGALHÃES, J. Minhas.