SIMONSEN, MÁRIO HENRIQUE

SIMONSEN, Mário Henrique

*min. Faz. 1974-1979; min. Planej. 1979.

 

Mário Henrique Simonsen nasceu no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, no dia 19 de fevereiro de 1935, filho de Mário Simonsen e de Carmen Roxo Simonsen.

Realizou seus estudos primários e secundários no Colégio Santo Inácio, em sua cidade natal. Em 1957, graduou-se em engenharia civil, especializando-se também em engenharia econômica pela Escola Nacional de Engenharia da Universidade do Brasil. Ainda em 1957, começou a trabalhar como assessor técnico na Ecotec — Economia e Engenharia S.A., onde permaneceria durante dois anos. Iniciou suas atividades no ensino em 1958, como professor do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, e nesse mesmo ano foi contratado para lecionar no curso de engenharia econômica da Escola Nacional de Engenharia, na qual permaneceria até 1960. Entre 1959 e 1964, seria ainda professor do curso de análise econômica do Conselho Nacional de Economia.

Em 1960 matriculou-se na Faculdade de Economia e Finanças da Universidade do Rio de Janeiro pela qual se graduaria em 1963. Ainda em 1960, tornou-se consultor da Sociedade Civil de Planejamento e Consultas Técnicas (Consultec) — sociedade de estudos econômico-financeiros fundada no ano anterior por Jorge de Melo Flores, Mário Pinto, Lucas Lopes e Roberto Campos —, para a qual Simonsen entraria como sócio posteriormente. Em 1961, ainda estudante, foi contratado para exercer as funções de professor e consultor do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV). Nesse mesmo ano, juntamente com Júlio Bozano, fundou a firma de serviços financeiros Bozano, Simonsen & Cia. Ltda., posteriormente Banco Bozano, Simonsen, com sede no Rio de Janeiro. Foi ainda, entre 1961 e 1965, diretor do Departamento Econômico da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e, em 1962 e 1963, diretor da Credisan — Crédito, Financiamento e Investimento S.A.

Em 1964, a progressiva polarização política por que passava o país desembocou no movimento político-militar de 31 de março, que depôs o presidente João Goulart. A 9 de abril, foi promulgado o Ato Institucional nº 1 (AI-1) determinando que a eleição do novo presidente da República fosse feita pelo Congresso no prazo de dois dias. Escolhido para o cargo, o general Humberto de Alencar Castelo Branco assumiu a presidência no dia 15 de abril e confiou a formulação e execução da política econômica de seu governo a Otávio Gouveia de Bulhões, nomeado para a pasta da Fazenda, e Roberto Campos, que encabeçou o Ministério Extraordinário para o Planejamento e Coordenação Econômica, criado por decreto em 11 de maio de 1964. Os dois ministros concluíram no mês de julho o Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG) para o triênio 1964-1966, que nortearia a política econômica do país tendo como objetivo principal a luta contra a inflação, situada desde o ano anterior em níveis muito elevados. O plano propunha, além de uma política de estabilização de curto prazo, a realização de reformas que visavam a sustentar o crescimento da economia. No diagnóstico das causas da inflação, o PAEG salientava três fatores: os déficits públicos, a expansão creditícia e as majorações de salários em proporção superior ao aumento da produtividade.

Com a finalidade de reduzir o déficit público, foi implementada uma política de cortes nos gastos da União e instituídas as Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTNs), títulos de dívida pública emitidos pelo Estado para financiar seu déficit de forma não-inflacionária. Pela mesma lei que instituiu as ORTN, foi também estabelecido o mecanismo da correção monetária, baseado em coeficientes trimestrais fixados pelo Conselho Nacional de Economia. Com relação à expansão creditícia, foi promovida de imediato uma política de contenção, através da restrição dos empréstimos do Banco do Brasil e do controle da expansão dos meios de pagamento.

Como colaborador de Roberto Campos, Simonsen foi o autor da nova fórmula salarial instituída pelo PAEG, através da qual os salários passaram a ser calculados pela média dos dois anos anteriores, à qual eram somados os aumentos de produtividade e o resíduo inflacionário, correspondente à taxa de inflação prevista para os 12 meses seguintes. Setores oposicionistas e lideranças sindicais sustentaram sempre que a estimativa da inflação esteve permanentemente aquém dos índices efetivamente verificados, o que teria provocado uma acentuada deterioração dos salários reais ao longo do período. Trinta anos depois o próprio Simonsen, em depoimento a um suplemento especial do Jornal do Brasil dedicado a ele um ano antes de sua morte, confirmou que durante o duro ajuste da economia entre 1964 e 1967, os salários pagos na indústria tiveram uma perda real de 25%.

A política econômica implementada pelo novo governo procurava também estimular a expansão do setor de construção civil, que deveria preencher funções cruciais na recuperação da economia em termos de geração de renda e de novos empregos, de disseminação da propriedade privada à classe média, além de contribuir para o equilíbrio das contas externas, dado tratar-se de um setor que pouco dependia de importações. Simonsen e José Luís Bulhões Pedreira foram os autores do projeto que, transformado na Lei nº 4.380, de agosto de 1964, criou o Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e o Banco Nacional da Habitação (BNH), além de instituições financeiras privadas e instrumentos específicos de mobilização de recursos para o sistema, como as letras imobiliárias e as cadernetas de poupança. Em novembro de 1965, Simonsen passou a integrar o conselho de administração do BNH, juntamente com Hélio Beltrão e Fernando Portela, tornando-se também ainda nesse ano o primeiro diretor da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE), que acabava de ser criada na FGV.

Com a substituição de Castelo Branco pelo marechal Artur da Costa e Silva na presidência da República em março de 1967, Bulhões e Campos deixaram os ministério econômicos e Simonsen, paralelamente ao trabalho acadêmico, dedicou-se nos anos seguintes às atividades empresariais, integrando a partir daquele ano o conselho consultivo da Companhia Docas de Santos. A partir de 1968, passou a fazer parte também do conselho de administração da Mercedes-Benz do Brasil e do conselho consultivo da Companhia de Cigarros Sousa Cruz, funções que só deixaria em 1974. Em 1969, tornou-se vice-presidente do Banco Bozano, Simonsen de Investimento e das demais empresas do grupo Bozano.

Em abril de 1970, já no governo do general Emílio Garrastazu Médici, Simonsen assumiu a presidência da recém-criada Fundação Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral). Na ocasião, segundo reportagem publicada pela revista Veja posteriormente, chegou a prever a erradicação do analfabetismo no Brasil em dez anos. Com o descrédito do Mobral uma década após a sua criação, o próprio Simonsen reconheceu que havia superestimado a eficiência da instituição.

No Ministério da Fazenda

Com a posse do general Ernesto Geisel na presidência da República em 15 de março de 1974, Simonsen foi nomeado ministro da Fazenda, sucedendo a Antônio Delfim Neto, que se mantinha no cargo desde 1967. Nessa ocasião, retirou-se da Consultec e deixou a direção da EPGE e a vice-presidência do Banco Bozano, Simonsen. Na pasta do Planejamento foi mantido João Paulo dos Reis Veloso, oriundo do governo anterior, que juntamente com Simonsen seria o responsável pela formulação da política econômica do governo.

As principais metas de política econômica na gestão Geisel foram definidas no II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), aprovado pelo Congresso no segundo semestre de 1974. Pretendendo ajustar o funcionamento da economia brasileira ao impacto da chamada crise do petróleo, iniciada em 1973, e ao novo patamar alcançado pela indústria durante a fase anterior de acelerado crescimento econômico, conhecido como o “milagre brasileiro”, o plano dava ênfase especial à diminuição da dependência do país das fontes externas de energia e, ao mesmo tempo, considerava prioritário o desenvolvimento das indústrias básicas e das comunicações, ferrovias, navegação e portos. Esses setores deveriam ser cobertos pela ação governamental, pois demandavam investimentos gigantescos, com longo prazo de maturação e baixa rentabilidade relativa, ficando garantido ao setor privado o fornecimento de equipamentos e matérias-primas, no qual teriam prioridade as empresas nacionais. De acordo com a filosofia do PND, a presença maciça de capital estrangeiro nas áreas de infra-estrutura deveria ser evitada, estimulando-se em compensação seu crescimento nos setores considerados não-básicos, onde a taxa de lucro inclusive era maior.

As posições defendidas pelo plano estimularam o debate sobre o papel do capital estrangeiro no país. Na ocasião, o industrial Severo Gomes, titular da pasta da Indústria e Comércio e conhecido defensor do capital nacional, chegou a atirar que o governo estava “atento para o perigo que representa a vinda das indústrias estrangeiras melhor equipadas para concorrerem com as empresas aqui estabelecidas”.

O padrão de expansão econômica projetado pelo II PND objetivava sustentar elevadas taxas de crescimento e, ao mesmo tempo, reverter a aceleração da inflação e conter o déficit do balanço de pagamentos. Durante o ano de 1974, diante da aceleração da inflação, do significativo aumento da dívida externa e do desequilíbrio do balanço de pagamentos, Simonsen procurou implementar uma política contencionista, de redução ao crédito e às importações. A significativa recessão que ela provocou fez com que tivesse que enfrentar uma forte oposição, principalmente por parte dos setores industriais paulistas.

Nesse contexto, acentuaram-se as divergências entre Simonsen e Severo Gomes, especialmente em torno do tratamento a ser dispensado ao capital estrangeiro. Em julho de 1975, Severo conseguiu impedir que a multinacional Philips adquirisse o controle acionário da Cônsul, empresa brasileira de eletrodomésticos. Dois meses depois, na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico (CDE) realizada em 29 de setembro, Simonsen apresentou um trabalho intitulado Notas sobre o problema do capital estrangeiro no Brasil, defendendo a liberdade de ação para as empresas multinacionais, no que foi contestado por Severo, que propunha a adoção de medidas destinadas a proteger a indústria brasileira.

Diante das pressões anti-recessionistas, o governo passou a implementar a partir de meados de 1975 a política expansionista projetada no II PND. Assim, vários projetos foram ativados através das empresas estatais, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE), mais tarde transformado em Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), aprovou grande número de empreendimentos privados nos setores prioritários de insumos e bens de capital e a restrição ao crédito foi afrouxada. De outro lado, na tentativa de conciliar a política expansionista com o controle do balanço de pagamentos e da inflação, o governo adotou duas medidas, apoiadas por Simonsen: um depósito compulsório por 360 dias de 100% sobre o valor das importações e a abertura de contratos de risco entre a Petrobras e empresas estrangeiras para a prospecção de petróleo na plataforma continental do país. A adoção dos contratos de risco foi decidida em outubro de 1975, após conflituosas reuniões ministeriais, onde somente Severo Gomes e o chanceler Antônio Azeredo da Silveira manifestaram-se contra a medida. De caráter bastante polêmico, logo que a adoção dos contratos de risco foi anunciada, a comissão executiva do partido oposicionista, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), divulgou nota oficial de repúdio à medida, criticando a rapidez e a forma centralizada com que fora adotada e reiterando ainda sua oposição ao conjunto da política econômica em vigor.

No primeiro semestre de 1976, o crescimento industrial havia sido retomado: o setor privado, inclusive o nacional, fazia investimentos e as empresas estatais executavam projetos de grande porte. No entanto, a aceleração do processo inflacionário, provocada pelo choque do depósito compulsório e pela grande expansão do déficit do setor público, fez com que se intensificassem as divergências quanto à implementação dos objetivos do II PND. No interior da cúpula governamental, os setores responsáveis pelo plano começaram a recuar frente à inviabilidade técnica e financeira de vários projetos. Nesse contexto houve um fortalecimento progressivo da autonomia de Simonsen para redefinir os rumos da política econômica.

A partir de abril de 1976, então, sob seu comando, foi implementada uma política contencionista com duplo objetivo: reduzir a inflação e, ao mesmo tempo, melhorar a situação das contas externas brasileiras, com a recomposição do nível de reserva de divisas, que vinha caindo desde 1974. Nesse sentido, foram tomadas algumas medidas: restrição ao crédito bancário, através da elevação do depósito compulsório dos bancos; instituição de novos regulamentos e limites operacionais às empresas que operavam no mercado financeiro e de capitais; redução dos prazos de financiamento de bens de consumo duráveis; contenção do crédito para a construção civil; liberação das taxas de juros; fixação de cortes e tetos para os gastos da União; controle dos investimentos das empresas estatais; controle de preços e tarifas de empresas e serviços públicos; contenção das importações e incentivos e subsídios às exportações.

A implementação dessa política contencionista sofreu duras críticas da parte dos setores empresariais, pois ela significava o abandono do II PND e a opção por uma política recessiva de altas taxas de juros. Ao mesmo tempo, no início de 1977, intensificaram-se os rumores sobre a demissão do ministro Severo Gomes, publicamente identificado com o aprofundamento da abertura política e com a mudança da orientação econômica vigente. Nessa ocasião, Severo pronunciou uma conferência na Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul propondo a formação de “um pacto entre as pequenas e médias empresas e o governo [para] fortalecer politicamente a vida nacional e... controlar a atuação da empresa estatal e estrangeira”. Dias depois desse episódio, porém, em fevereiro de 1977, Severo demitiu-se do ministério, sendo substituído por Ângelo Calmon de Sá.

A política contencionista de Simonsen logo se refletiu sobre a economia e 1977 foi um ano recessivo. Na área externa, a política adotada, juntamente com a maior liquidez dos mercados financeiros internacionais, favoreceu a recomposição das reservas brasileiras, ainda que através do crescente endividamento do país. Essa melhoria da situação das contas externas levou inclusive ao abandono, em 1977, de uma proposta mais drástica para equilibrar o balanço de pagamentos: o racionamento de gasolina. Por sua vez, a taxa de inflação estabilizou-se até o fim do ano num patamar mais baixo. Nesse quadro, a política de Simonsen saiu fortalecida, aumentando a concentração de poderes nas mãos do ministro da Fazenda.

A reaceleração da inflação no ano seguinte geraria, no entanto, novos focos de insatisfação e críticas à política econômica do governo. E, em fins de 1978, os principais problemas da economia brasileira continuavam sendo os de sempre: o crescimento da taxa de inflação, então situada em 42%, e da dívida externa, na ocasião em torno de 44 bilhões de dólares.

Na Seplan

Em 15 de março de 1979, tomou posse como presidente o general João Batista Figueiredo, que nomeou Simonsen ministro-chefe da Secretaria de Planejamento (Seplan) da Presidência da República. Simonsen substituiu nesse posto João Paulo dos Reis Veloso e passou o lugar que ocupava no Ministério da Fazenda a Carlos Rischbieter. Diante das críticas e tensões provocadas pela aceleração da inflação e pela elevada taxa de juros, o novo governo decidiu centralizar ainda mais as decisões na área da política econômica e, assim, além de controlar o gasto e o investimento público, a Seplan passou a coordenar o Conselho Monetário Nacional e o orçamento monetário. Dessa forma, na qualidade de ministro-chefe da Seplan, Simonsen tornou-se o principal responsável pela orientação econômica do governo.

Introduzindo algumas mudanças na política adotada no período Geisel, Simonsen implementou um conjunto de medidas visando estabelecer o controle sobre o financiamento externo, reduzir a expansão do crédito e restringir os investimentos públicos. Em relação ao primeiro objetivo, desacelerar o endividamento externo, foi estabelecida uma taxa de depósito compulsório de 50%, pelo prazo de um ano, imposta aos empréstimos em moeda estrangeira; visando controlar a expansão monetária, foi decidida a retirada gradual de incentivos fiscais à exportação de manufaturados, a ser compensada por uma aceleração das minidesvalorizações cambiais (as perdas cambiais decorrentes dessa medida para os tomadores de empréstimos externos seriam compensadas por medidas que possibilitavam às empresas e bancos depositar em dólar o equivalente aos empréstimos contraídos). Foram ainda impostos tetos mais rígidos e rigorosamente fiscalizados sobre a expansão dos empréstimos bancários, inclusive sobre as operações do Banco do Brasil, e estabelecidos cortes adicionais nos gastos e investimentos das empresas estatais, reduzindo-se também o volume de operações do BNDE para o financiamento de investimentos.

Em fins do primeiro semestre de 1979, o processo inflacionário havia sofrido uma aceleração, pressionado pelo efeito da taxa de juros e pelo aumento do déficit financeiro do Tesouro. Ao mesmo tempo, intensificaram-se as críticas aos cortes nos gastos e investimentos públicos, especialmente por parte dos empresários do setor de bens de capital e de material elétrico e eletrônico. Também os banqueiros, apreensivos com os planos da reforma bancária, reclamavam da política econômica do governo.

Em meio ao acúmulo de críticas e pressões contra a política que desenvolvia, Simonsen chegou a ameaçar com a intensificação das medidas restritivas, apontando a recessão econômica como a única saída para a crise. Entretanto, no dia 10 de agosto de 1979, acabou apresentando sua renúncia ao cargo de ministro-chefe da Seplan, alegando faltar a esse órgão “estrutura e poderes legais para funcionar como um ministério de coordenação econômica”. Em meio a um clima de incerteza e expectativas desfavoráveis em relação ao futuro da economia e da inflação, Simonsen transmitiu o cargo ao ministro Golberi do Couto e Silva, chefe do Gabinete Civil da Presidência da República. Golberi ocupou a chefia da Seplan em caráter interino durante cinco dias, após os quais passou o posto a Delfim Neto, até então titular da pasta da Agricultura. Delfim assumiu a Seplan apoiado pelos meios empresariais, opondo-se à idéia da recessão econômica e anunciando uma rápida reversão do processo inflacionário. Essa perspectiva otimista seria, entretanto, logo frustrada com a aceleração da inflação que, no mês de setembro, atingiu o nível mensal de 7,7%, o mais alto dos últimos anos.

Nos bastidores da economia

De volta à FGV, Simonsen assumiu, ainda no mês de agosto de 1979, a vice-presidência do IBRE e a direção da EPGE. Ainda neste ano, foi convidado a participar do conselho do Citicorp, holding controladora do Citibank, o maior banco credor do Brasil, função que exerceu até 1995. Retomou também suas atividades na área empresarial, assumindo em março de 1980 a vice-presidência do conselho de administração da Companhia Bozano Simonsen, Comércio e Indústria. No mês seguinte, reassumiu o lugar que já ocupara no conselho consultivo da Mercedes-Benz, passando a participar ainda do conselho de administração do Banco do Estado do Rio de Janeiro (Banerj). Em junho de 1981, tornou-se membro do conselho de administração da Monteiro Aranha S.A. e, a partir de março do ano seguinte, do conselho consultivo da Schering do Brasil. Foi também conselheiro da Companhia de Cigarros Sousa Cruz, da Xerox do Brasil e da Philips do Brasil.

Mesmo afastado do poder, Simonsen continuou a ser uma das vozes mais influentes na área econômica do país, dando aulas, realizando palestras, participando de debates, escrevendo artigos e livros e recebendo a imprensa.

Segundo o Jornal do Brasil, “em agosto de 1981, já defendia a livre negociação salarial como forma de evitar o desemprego e condenava a demora do governo em frear o crescimento que, no seu entender, fomentava a inflação. Em maio de 1983 criticava a indexação, que ajudara a criar, como o maior problema econômico do país e propunha medidas para a redução da inflação, como orçamento único, independência do Banco Central e controle da expansão monetária”. Apontando os efeitos devastadores que o Decreto-Lei nº 2.064/83, introduzindo o “efeito cascata” ou reajustes diferenciados por faixas salariais, produziria sobre a renda da classe média, declarou que “a maneira mais eficaz de desestabilizar uma sociedade é esmagar sua classe média. Luís XVI, Nicolau II e Salvador Allende que o digam”.

A partir de março de 1985, com a posse de José Sarney, que assumiu a presidência da República no lugar de Tancredo Neves, eleito pelo Colégio Eleitoral em janeiro mas que não chegou a tomar posse em 15 de março por motivo de doença, vindo a falecer em 21 de abril, Simonsen voltou a ocupar o noticiário político, citado como “a eminência parda” do ministro da Fazenda, Francisco Dornelles. Segundo a Folha de S. Paulo, logo que se elegeu presidente, Tancredo pedira a Dornelles para montar, com a ajuda de Simonsen, a política econômica a ser adotada em seu governo. De acordo com reportagem publicada pela revista Veja, em reunião da comissão que assessorava Tancredo quando ainda era candidato, chefiada pelo então secretário do Planejamento de São Paulo, José Serra, Simonsen já havia exposto suas idéias acerca das propostas de amortização do pagamento da dívida externa brasileira e até mesmo de declaração de uma moratória unilateral defendida, por exemplo, pelo economista Celso Furtado. Para Simonsen, a taxa de ingenuidade entre os assessores de Tancredo estava muito elevada. “Se vamos fazer uma proposta unilateral, melhor seria dizer que não vamos pagar”, concluiu.

Veja também noticiou que, em junho de 1985, Simonsen havia participado, a convite de Dornelles, de uma reunião de economistas convocada por Sarney para discutir os rumos da política econômica do governo, durante a qual defendeu a tese de que o grande mal da economia seria o brutal déficit público do governo, estimado pelo FMI em cerca de 55 bilhões de dólares, equivalentes a 23% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Com a saída de Dornelles do Ministério da Fazenda em setembro desse ano, após entrar em rota de colisão com seu colega do Planejamento, João Sayad, Simonsen tornou-se um dos mais exacerbados críticos da política econômica do governo, que, segundo ele, estaria sendo conduzida pelo grupo “autêntico” do PMDB, ou seja, pelos parlamentares mais à esquerda da agremiação situacionista.

Desde o início do Plano de Estabilização Econômica, de cunho antiinflacionário, que se popularizou como Plano Cruzado, implantado em fevereiro de 1986 pelo ministro da Fazenda, Dílson Funaro, Simonsen recomendava ao governo brasileiro que abandonasse a retórica agressiva nas negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e com os bancos credores, advertindo que a declaração unilateral da moratória levaria o país a uma grave recessão. Em junho, criticou o Plano Cruzado por ter reduzido a inflação sem segurar a demanda, alertando contra os riscos de uma inflação de demanda. “Exorcizada a inflação inercial, é preciso combatê-la sob o ângulo da procura”, advertiu.

Em fevereiro de 1987, a moratória foi realmente decretada, sepultando de vez o Plano Cruzado e elevando a inflação para mais de 80% no final do Governo Sarney. Na ocasião, Simonsen atribuiu a responsabilidade pelo naufrágio do Plano Cruzado ao descontrole dos gastos públicos. Em matéria publicada pela revista Veja em junho desse ano advertiu que, diante do choque de tendências em torno das questões econômicas nos debates da Assembléia Nacional Constituinte (ANC), instalada em fevereiro de 1987, as diversas propostas aprovadas ameaçavam transformar o Brasil numa “Banglabânia”, ficção de um país onde se mesclavam os clamores redistributivistas de Bangladesh e o centralismo autocrático da Albânia. Segundo Simonsen, o símbolo do “banglabanismo” teria encarnado no deputado Fernando Gasparian (PMDB-SP), com seu projeto de fixação dos juros reais em 12% ao ano e suas restrições à atuação da diretoria do Banco Central (BC).

Em julho de 1987, criticou o Plano Bresser — programa econômico do ministro da Fazenda Luís Carlos Bresser Pereira, que assumira o lugar de Dílson Funaro em abril — pelo “gosto de Cruzado requentado”, ao promover um novo congelamento ou “um segundo choque heterodoxo”, mas defendeu o novo ministro, que teria feito “o máximo que lhe era possível fazer” diante das circunstâncias.

Sem partido desde 1979, com o fim do bipartidarismo e a extinção da Arena, em setembro de 1987 filiou-se ao Partido da Frente Liberal (PFL) descartando qualquer possibilidade de fazer carreira política. Com ironia, declarou à Folha de S. Paulo, que “provavelmente eu não teria nem o meu voto”, justificando sua recusa em seguir os rumos do deputado Francisco Dornelles (PFL-RJ), “um tecnocrata que se tornou político” e foi o principal articulador de sua entrada no novo partido. Nesta ocasião, seu nome foi novamente ventilado para ocupar o Ministério da Fazenda no lugar de Luís Carlos Bresser Pereira, demitido depois de se confrontar com a recusa do secretário do Tesouro norte-americano, James Baker III, em sequer iniciar a discussão da proposta brasileira para negociação em torno de uma dívida externa que já atingia 112 bilhões de dólares.

Desmentindo a indicação, publicou em outubro artigo na revista Veja sob o título “O risco de optar pelo atraso”, criticando o Plano Cruzado e o Plano Bresser, e alertando para os rumos ideológicos tomados pela ANC que, no seu entender, conduziria o país a optar entre o moderno e o arcaico. A virulência com a qual atacou a política econômica do governo nesse artigo fez com que Sarney e Ulisses Guimarães associassem sua publicação ao lançamento de um manifesto pelo ex-presidente João Figueiredo no mesmo momento em que era criada a Associação Brasileira de Defesa da Democracia, reunindo militares da ativa e civis contrários a Sarney.

Suas críticas estenderam-se a um plano de desindexação criando uma nova moeda com o nome de real, divulgado em outubro, e elaborado pelo economista Francisco Lopes, um dos mentores dos planos Cruzado e Bresser. A idéia do então chamado Plano Real, de promover a convivência do cruzado com a nova moeda por um período de transição, foi encarada com ceticismo por Simonsen, que não via a necessidade de alterar a moeda para obrigar o governo a conter seus gastos.

Diante de uma inflação projetada em 27% para o mês de outubro, advertiu o governo contra os riscos de hiperinflação. Em dezembro, com a perspectiva de uma inflação na casa dos 35% em 1987, publicou artigo em O Globo analisando o desempenho da economia brasileira durante o ano e apontando os desafios que se apresentavam para 1988. Criticando o gerenciamento do Plano Cruzado, observou que “o que poderia ter sido hábil anestesia para preparar uma verdadeira cirurgia antiinflacionária acabou sendo mais uma tentativa frustrada de aumentar salários e congelar preços, semelhante ao que fizeram Allende no Chile, em 1971, e Perón na Argentina, em 1973”. Para Simonsen, faltou ao governo a apreensão da principal lição proporcionada pelo fracasso do Plano Cruzado, de que “a heterodoxia bem-sucedida logo se incorpora à ortodoxia”, ou seja, de que congelamento de preços e salários era um mecanismo transitório, que deveria ser necessariamente acompanhado por um profundo ajuste fiscal e um corte substancial no déficit público. “Antes de pedir mais impostos ao setor privado, o governo precisa dar o exemplo de cortar a própria gordura”, concluiu. O principal desafio para a economia brasileira em 1988 seria, segundo sua opinião, a reforma da mentalidade do Executivo e da ANC, livrando-se do “desatualizado” programa econômico do PMDB, denominado Esperança e mudança, e a criação de um ambiente propício à retomada dos investimentos sem “a ameaça de choques, impostos sobre patrimônio e outras tentativas de reinventar a roda”.

A partir de 1988, passou a defender a aplicação de um redutor para preços e salários como mecanismo de desindexação gradual da economia, na medida em que o governo baixasse o déficit público para a casa dos 2% ou no máximo 3,5% do PIB, iniciasse o processo de privatização com o objetivo de liquidar parte da dívida pública e introduzisse a livre negociação salarial nas relações de trabalho. A proposta do redutor foi fortemente combatida pelos sindicalistas.

Defendeu o presidencialismo com um Congresso forte, argumentando que “a aprovação do parlamentarismo, hoje, levaria o país à instabilidade econômica, em função das constantes mudanças de gabinete e das máquinas administrativas”. A aprovação do parlamentarismo pela ANC, segundo Simonsen, só agravaria a crise econômica, já que o comando da economia voltaria às mãos do PMDB.

No início de 1989, foi procurado pelo então ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, para colaborar na elaboração de um plano que previa a extinção da Unidade de Referência de Preços (URP), que indexava preços e salários, e a prefixação da inflação. Implantado ainda em janeiro, o novo pacote de medidas econômicas conhecido como Plano Verão, que criou uma nova moeda, o cruzado novo, foi elogiado por Simonsen, que considerava viável a retomada do crescimento econômico mesmo com uma inflação em torno de 40% ao ano.

No ano seguinte, em 1989, tendo em vista as eleições presidenciais, advogou mudanças na Lei de Diretrizes Orçamentárias como única forma pela qual o governo a ser eleito colocasse em prática um ajuste fiscal, com aumento da arrecadação tributária, cortes de despesas e a concessão de incentivos e subsídios da ordem de 6% do PIB como primeiro passo para renegociação da dívida externa. Defendendo-se de críticas à sua atuação durante o governo Geisel, argumentou que, na ocasião, o endividamento fora a melhor saída para o país evitar a recessão e o colapso cambial.

Em janeiro de 1990, utilizou-se da “Coluna do Castelo”, publicada pelo Jornal do Brasil, para desmentir boatos de que fora sondado para ocupar um cargo no governo de Fernando Collor de Melo, eleito presidente em dezembro do ano anterior. Grande entusiasta do Plano Collor nos primeiros momentos, criticou-o mais tarde por não ter promovido o necessário ajuste fiscal do Estado.

Com a saída de Collor da presidência da República a partir do processo de impeachment iniciado em outubro de 1992, passou a criticar a política econômica de seu sucessor, Itamar Franco, principalmente pela proposta de criação de um novo imposto provisório sobre movimentações financeiras, o IPMF, como “um arremedo de ajuste fiscal” de poucos efeitos sobre a economia.

No plebiscito sobre a forma e o sistema de governo realizado em 21 de abril de 1993, defendeu a monarquia parlamentarista afirmando “que o presidencialismo só dera certo com presidentes militares” e que “a eleição direta do presidente e indireta do primeiro ministro seria um foco permanente de crises”.

Em janeiro de 1994, deixou o cargo de diretor da EPGE-FGV, que dirigiu de 1966 a 1974 e de 1979 a 1993, depois de ter diagnosticado um câncer no pulmão. Mesmo debilitado pela doença, continuou defendendo suas idéias e teorias.

Em 1995, sua proposta de trabalhar com bandas cambiais mais frouxas foi endossada pela equipe econômica do governo de Fernando Henrique Cardoso, que venceu as eleições presidenciais realizadas em outubro de 1994 após ter comandado, como ministro da Fazenda de Itamar Franco, um dos mais bem-sucedidos planos de estabilização econômica já tentados no país, o Plano Real.

Apesar de elogiar o Plano Real por acabar com a hiperinflação e restaurar a credibilidade da economia brasileira, Simonsen criticou a alternativa do governo de equilibrar as contas fiscais com as privatizações, o que equivaleria a “um sujeito endividado que vende o apartamento para pagar contas de restaurante”, defendendo a utilização da receita das privatizações exclusivamente para pagamento da dívida pública. Afirmou ainda que o aumento da dívida interna provocado pelo impacto dos juros altos sobre as contas públicas tirava o brilho do plano.

Eleito em 1995 “Economista do Ano” pela Ordem dos Economistas de São Paulo, nesse mesmo ano, devido ao agravamento de suas condições de saúde, anunciou seu desligamento do conselho do Citicorp. A cerimônia de sua aposentadoria desse conselho contou com a presença do presidente mundial do Citibank, John Reed, e de seu vice, William Rhodes. Na ocasião, o Citibank anunciou a doação anual de 36 mil dólares para a EPGE/FGV, que seriam empregados no Fundo Mário Henrique Simonsen para custeio dos estudos dos melhores colocados no exame de seleção para aquela escola.

Em debate publicado pelo jornal O Globo em janeiro de 1996 sobre a política econômica no primeiro ano do governo Fernando Henrique Cardoso, Simonsen denunciou os altos custos em termos de inibição dos investimentos, crises bancárias e de inadimplência e aumento dos encargos da dívida pública provocados pelo “ajuste macroeconômico via juros estratosféricos” e concluiu que “para crescermos 7% ao ano, como fizemos no período 1950-1980 e como hoje crescem os tigres asiáticos, ainda há muitas equações a resolver, a primeira das quais é a do ajuste fiscal”.

Aficcionado de ópera, desde 1981 Simonsen fazia crítica de música clássica para a revista Veja, destinando os rendimentos auferidos neste atividade ao custeio de bolsas de estudo para alunos da Escola Nacional de Música do Rio de Janeiro.

Foi agraciado com diversas condecorações nacionais e estrangeiras, entre elas a de Grande Oficial da Ordem do Rio Branco, a Ordem do Mérito da República Federal da Alemanha e a de Knight of the British Empire.

Mário Henrique Simonsen morreu no Rio de Janeiro no dia 9 de fevereiro de 1997, consagrado com um dos maiores economistas brasileiros, um verdadeiro mago de sua profissão, como o caracterizou o Jornal do Brasil em caderno especial publicado em março de 1996. Em sua homenagem, a biblioteca da Fundação Getulio Vargas passou a denominar-se Biblioteca Mário Henrique Simonsen.

Era casado com Iluska Pereira da Cunha Simonsen, com quem teve três filhos.

Além de um grande número de trabalhos em revistas especializadas, publicou os seguintes livros: Ensaios sobre economia e política econômica (1961), A experiência inflacionária brasileira (1964), Teoria microeconômica (1967-1969, 4v.), Brasil 2001 (1969), Novos aspectos da inflação brasileira e Inflação — gradualismo x tratamento de choque (1970), A nova economia brasileira (em co-autoria com Roberto Campos) e Brasil 2002 (1972), A teoria do crescimento econômico (1973), Macroeconomia (1974, 2v.), A experiência brasileira de planejamento (1974), Macroeconomia (1989), Ensaios analíticos (1994) e 30 anos de indexação (1995). Assinou também coluna de economia na revista Exame.

Vilma Keller/Maria Cristina Guido

 

FONTES: CONSULT. MAGALHÃES, B.; COUTINHO, L. Inflexões; CURRIC. BIOG.; Estado de S. Paulo (3/10/85, 4/9/87, 24/11/89, 14/2/93, 13/2/94, 8/3/95 e 11/2/97); Folha de S. Paulo (4/9 e 5/12/87, 6/10 e 3/11/88, 1 e 5/1 e 24/8/89, 29/11/94, 10 e 11/2/97); Globo (4/12/86, 5/7 e 4/9 e 23/12/87, 23/3, 28/9 e 26/11/88, 24/2/89, 9/5/94, 29/8/95 e 15/1/96); GRUPO FINANCEIRO MERIDIONAL. EMPRESA BOZANO, SIMONSEN. Relatório (1999); INF. CRISTIANO BUARQUE FRANCO NETO; Jornal do Brasil (11/8/79, 19/8 e 15/11/87, 24/3 e 6/10/88, 10/11/90, 18/1/93, 26/1, 3/7, 11/9 e 29/11/94, 7/3, 3/4, 19 e 26/8/95, 3/3/96, 10 e 11/2/97); Grande encic. Delta; Perfil (1974 e 1975); SOARES, E. Instituições; Súmulas; Veja (22/6 e 26/10/83, 16/1, 5/6 e 11/9/85, 12/11/86, 3/6, 16/9, 14 e 21/10/87, 9/3 6/4 e 27/7/88); VIANA FILHO, L. Governo.