SILVA, Golbery do Couto e
*militar; ch. SNI 1964-1967; min. TCU 1967-1969; ch. Gab. Civ. Pres. Rep. 1974-1981.
Golbery do Couto e Silva nasceu na cidade de Rio Grande (RS) no dia 21 de agosto de 1911, filho de Jacinto do Couto e Silva.
Realizou seus primeiros estudos no Ginásio Lemos Júnior em sua cidade natal, ingressando em abril de 1927 na Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, então Distrito Federal. Saiu aspirante-a-oficial em 22 de novembro de 1930, sendo logo em seguida indicado para servir no 9º Regimento de Infantaria (9º RI), em Pelotas (RS). Promovido a segundo-tenente em junho de 1931, foi transferido para o quartel-general da 6ª Brigada de Infantaria e, um ano depois, poucos dias antes de eclodir a Revolução Constitucionalista em São Paulo, alcançou patente de primeiro-tenente, passando então a servir na Diretoria de Material Bélico, no Rio. Chegando ao posto de capitão em maio de 1937, foi deslocado para a secretaria geral do Conselho de Segurança Nacional e daí, enviado para Curitiba, com a missão de servir na Infantaria Divisionária da 5ª Região Militar (ID/5), sediada naquela cidade. Dali, foi transferido em 1940 para o 13º Batalhão de Caçadores, aquartelado na cidade catarinense de Joinville.
Ingressou na Escola de Estado-Maior do Exército em dezembro de 1941, concluindo o curso em agosto de 1943, quando então foi designado para o estado-maior da 3ª Região Militar (3ª RM), sediada em Porto Alegre. Um ano mais tarde viajou aos Estados Unidos para estagiar em Fort Leavenworth, como etapa preparatória para agregar-se às unidades da Força Expedicionária Brasileira (FEB) que, desde julho, já combatiam na Itália. Após o término do curso, seguiu para o front como oficial de informações.
De 1945 a 1961
Com o fim da guerra, de volta ao Brasil, o capitão Golbery foi designado em outubro de 1945 para servir no Sul, como oficial da seção de operações da 3ª RM, comandada na ocasião pelo general Salvador César Obino. Sete meses depois, em maio de 1946, retornou ao Rio, indicado para servir no Estado-Maior do Exército (EME). Promovido a major no mês seguinte, foi transferido para o Estado-Maior Geral — mais tarde Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA) — criado naquele ano com a finalidade de “preparar as decisões relativas à organização e emprego conjunto das Forças Armadas e os planos correspondentes”, além de “colaborar no preparo da mobilização total da nação para a guerra, quando for o caso”. Permaneceu nesse órgão até março de 1947, quando foi enviado ao Paraguai, na Comissão Militar Brasileira de Instrução, ali sendo mantido até outubro de 1950, quando foi reintegrado ao EME como adjunto da seção de informações.
Promovido em outubro de 1951 a tenente-coronel, em março de 1952 passou a adjunto do Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra (ESG), estabelecimento subordinado ao EMFA, criado em 1948 com a finalidade de “desenvolver e consolidar os conhecimentos necessários para o exercício das funções de direção e para o planejamento da segurança nacional”. Comandava a ESG na ocasião o general Juarez Távora. Em suas novas funções, Golbery encontrou condições favoráveis para impulsionar suas teses, que condicionavam à segurança nacional o êxito de um projeto global de desenvolvimento, em cujas tarefas o Estado deveria associar-se à iniciativa privada mediante o apoio intermediário de uma elite tecnocrática, civil e militar, ideologicamente comprometida com um conjunto de “objetivos nacionais permanentes”. Essas teses depois vieram a constituir-se na essência do programa da ESG. A doutrina de segurança nacional sustentava ainda o integral posicionamento do Brasil ao lado do Ocidente, em confronto com o bloco soviético. Considerava que a preservação da segurança era fator fundamental de promoção do desenvolvimento e que, pelo fato de implicar uma progressiva centralização de poderes, poderia provocar a supressão de alguns valores definidores da ordem democrática.
Enquanto a ESG procurava aperfeiçoar as diretrizes dessa doutrina, aumentavam no país inteiro as demonstrações de oposição civil e militar ao governo do presidente Getúlio Vargas. No meio, militar, as dimensões da crise tornaram-se mais salientes em fevereiro de 1954, quando um grupo de 82 coronéis e tenentes-coronéis servindo em organismos e unidades sediadas no Rio de Janeiro remeteu ao ministro da Guerra, general Ciro do Espírito Santo Cardoso, um memorial formulando críticas à política salarial do governo e destacando seus possíveis efeitos no recrutamento dos quadros inferiores do Exército. Os signatários do memorial, conhecido como Manifesto dos coronéis, manifestavam seu desagrado em face do aumento de 100% no salário mínimo, sugerido em fevereiro pelo ministro do Trabalho, João Goulart, e confirmado por Vargas em 1º de maio daquele ano. O memorial, redigido por Golbery, teve como conseqüências a demissão de Goulart do Ministério do Trabalho, interinamente substituído por Hugo de Faria, e o afastamento do general Ciro do Espírito Santo Cardoso do Ministério da Guerra, para cujo lugar foi nomeado o general Euclides Zenóbio da Costa.
Após o suicídio de Vargas em 24 de agosto de 1954, o tenente-coronel Golbery do Couto e Silva, ainda como adjunto do Departamento de Estudos da ESG, aprofundou seus vínculos com o grupo militar que se opunha à candidatura de Juscelino Kubitschek à presidência, lançada pelo Partido Social Democrático (PSD) em fevereiro de 1955. O inconformismo militar, alimentado pela ESG, agravou-se quando o PSD, em busca do apoio do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), ratificou a indicação de Goulart para a vice-presidência. A chapa da coligação PSD-PTB venceu as eleições de outubro, derrotando a candidatura de Juarez Távora, patrocinada por uma coligação encabeçada pela União Democrática Nacional (UDN). A solução extralegal de se impedir a posse dos eleitos pleiteada pelo grupo de que Golbery fazia parte foi derrotada pelo movimento político-militar de 11 de novembro de 1955, chefiado pelo ministro da Guerra de João Café Filho, general Henrique Teixeira Lott, que assegurou a posse de Juscelino e Goulart. Na ocasião Golbery foi mantido preso por oito dias e transferido para o quartel-general da Infantaria Divisionária da 4ª Região Militar (ID/4), sediado em Belo Horizonte. Promovido a coronel em março de 1956, foi logo transferido para o EME, onde permaneceu até setembro de 1960, quando passou a chefiar a seção de operações do EMFA.
No governo Jânio Quadros
Intimamente ligado ao grupo militar anti-Lott, que tinha como líderes ostensivos no Exército os generais Juarez Távora e Osvaldo Cordeiro de Farias, Golbery fortaleceu suas afinidades com a área política que propiciou a eleição para a presidência da República do ex-governador de São Paulo Jânio Quadros, em 3 de outubro de 1960, derrotando a candidatura do ex-ministro da Guerra. Com a posse de Jânio em 31 de janeiro de 1961, já em fevereiro o coronel Golbery assumiu as funções de chefe de gabinete da secretaria geral do Conselho de Segurança Nacional, tornando-se em pouco tempo elemento da confiança pessoal do novo presidente, a quem remetia quase que diariamente informações de caráter sigiloso.
Comentou-se muito, na época, que Jânio tinha planos de ocupação militar das três Guianas, ao norte do Brasil, embora a versão oficial fosse diferente. Segundo ele, quando, em março de 1961, ganhou as eleições na Guiana Inglesa o líder do Partido Progressista do Povo, Cheddi Jagan, de origem hindu e tendências esquerdistas, Jânio pediu ao chefe do EMFA, Cordeiro de Farias, que estudasse a nova situação, apontando as providências ao alcance do governo brasileiro para evitar que a segurança das fronteiras do país fosse afetada. Cordeiro pediu o concurso de Golbery, tendo os dois sugerido várias medidas: a criação de escolas brasileiras na região de fronteira, cuja freqüência seria permitida às crianças guianenses; o envio de missões econômicas a Georgetown, capital daquele país, propondo investimentos e ajuda econômica em projetos específicos de mineração, e o oferecimento de missões militares brasileiras para adestramento de tropas guianenses em técnicas de guerra moderna e, especialmente, de desempenho de operações na selva. Entretanto, com a renúncia de Jânio em 25 de agosto de 1961, o programa de ajuda a Jagan foi posto de lado.
Consumada a renúncia de Jânio, assumiu o governo o presidente da Câmara Federal, deputado Pascoal Ranieri Mazzilli, do PSD de São Paulo. A investidura de Mazzilli deu-se de conformidade com o preceito constitucional, uma vez que o vice-presidente João Goulart encontrava-se em missão oficial em países do Extremo Oriente e do Leste europeu. A volta de Goulart ao Brasil, no entanto, foi dificultada pelas objeções, dos ministros militares de Jânio — Odílio Denis (Guerra), Sílvio Heck (Marinha) e Gabriel Grün Moss (Aeronáutica) — que vetaram sua posse, divulgando um manifesto, redigido por Golbery, no qual expunham as razões dessa atitude. Por outro lado, a grande mobilização popular em favor de Goulart, especialmente no Rio Grande do Sul, sob a liderança do governador do estado, Leonel Brizola, assim como a divisão nas forças armadas a respeito da conveniência ou não da posse do vice-presidente, frustraram os planos dos ministros militares, obrigados a aceitar uma fórmula de conciliação. Assim, Goulart tomou posse no dia 7 de setembro, após a aprovação da emenda constitucional que instituiu o regime parlamentarista de governo, onde os poderes presidenciais são diminuídos.
À frente do IPÊS
No mesmo mês da posse de João Goulart, setembro de 1961, Golbery pediu transferência para a reserva, o que na época implicava duas promoções. Dessa forma, Golbery afastou-se da ativa com a patente de general-de-divisão.
Durante o governo de Goulart, com a polarização das lutas políticas na sociedade, foram criadas pelo empresariado entidades que tinham por objetivo defender a iniciativa privada e contrapor-se à onda nacionalista que então prosperava. Algumas delas ingressaram de forma ativa no trabalho conspiratório contra o governo. Neste último caso estava o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPÊS), que passou a existir oficialmente a partir de novembro de 1961, criado por líderes empresariais cariocas e paulistas, tendo à frente o general Golbery.
Ao mesmo tempo em que promovia articulações militares, alinhando a hipótese de uma provável ação armada, o IPÊS incentivava no Congresso a formação da Ação Democrática Parlamentar, liderada pelo deputado João Mendes, da UDN da Bahia, com o fim de combater a Frente Parlamentar Nacionalista, articulação interpartidária abrangendo deputados e senadores com posições nacionalistas. Além disso, custeava a publicação de editoriais e outras matérias políticas em órgãos de imprensa, denunciando o governo pela agitação comunista no âmbito dos sindicatos e entidades estudantis. O IPÊS interveio também — lado a lado com outra entidade similar, o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) — nas eleições de 1962, inclusive ajudando a financiar campanhas de candidatos a deputado e a governador de posições políticas conservadoras, conforme se admitiu na época. A disputa do governo de Pernambuco, por exemplo, tendo de um lado Miguel Arrais, apoiado por uma coligação que reunia o Partido Social Trabalhista (PST), o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e o PTB, e de outro João Cleofas, apoiado pela aliança PSD-UDN, interessou particularmente ao IPÊS, que em abril de 1962 enviou a Recife o general Golbery para acompanhar de perto a campanha eleitoral.
De acordo com declarações de Glycon de Paiva prestadas ao Coojornal de novembro de 1979, o esquema coordenado por Golbery no IPÊS ocupava 13 salas no 27º andar do edifício Avenida Central no Rio. Nelas havia, segundo a mesma fonte, uma quantidade enorme de gravadores ultra-sensíveis, além de imensa aparelhagem que conseguiu, na ocasião, proceder à escuta de cerca de três mil telefones em toda a cidade do Rio de Janeiro. O esquema de Golbery desfrutava de especial autonomia em relação à cúpula empresarial financiadora das atividades do IPÊS. Semanalmente, Golbery enviava um relatório à direção do órgão, dando conta dos resultados dos contatos que efetuava. Esses relatórios de maneira geral concluíam pela cumplicidade do governo na desagregação da disciplina hierárquica das forças armadas e apareciam com freqüência nos escaninhos dos quartéis, atingindo a maioria da oficialidade. Havia também relatórios considerados “especiais”, tratando de assuntos que na opinião de Golbery exigiam avaliações mais pormenorizadas. Foi o caso da revolta dos sargentos de Brasília, em agosto de 1963, cujas relações com os comunistas e as lideranças sindicais foram largamente enfocadas. Segundo René Armand Dreifuss, faziam parte da equipe de colaboradores mais íntimos de Golbery o general Agostinho Cortes, o coronel Ivan Perdigão, os tenentes-coronéis Gustavo Morais Rego, Otávio Alves Velho, Rubens Restel e João Batista Figueiredo, os majores Leônidas Pires Gonçalves, Danilo Venturini e Otávio Medeiros e o capitão Heitor de Aquino Ferreira. Chefiava ainda o gabinete de Golbery o coronel Nílton Cipriano Leitão. Para manter todo esse aparato, ainda segundo os cálculos de Glycon de Paiva, o IPÊS gastou em dois anos aproximadamente duzentos a trezentos mil dólares.
O esquema de Golbery no IPÊS incorporou uma boa parte dos oficiais que tiveram mais destaque nos cursos da ESG e uma de suas missões mais importantes era a conquista dos generais considerados “tradicionalistas”, aqueles que não manifestavam maior apreço pelos programas da escola. Estavam entre eles Justino Alves Bastos, Amauri Kruel e Olímpio Mourão Filho, os quais, quando da eclosão do movimento político-militar de 31 de março de 1964, estariam no comando, respectivamente, do IV Exército (Recife), II Exército (São Paulo) e da 4ª RM (Juiz de Fora, MG), exercendo naquele momento uma influência determinante.
A julgar pelos depoimentos dos generais Cordeiro de Farias e Odílio Denis, a conspiração político-militar contra Goulart teve início logo nos primeiros dias de seu governo. Intensificou-se depois de janeiro de 1963, quando o presidente, através de ampla vitória plebiscitária, obteve a volta do país ao regime presidencialista, rompendo assim o pacto estabelecido durante sua posse em setembro de 1961, garantida sob condição de aceitação do parlamentarismo. A instabilidade do governo agravou-se, no entanto, a partir de 13 de março de 1964, quando Goulart promoveu um comício com milhares de pessoas em favor das reformas de base na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, ocasião em que assinou o decreto de encampação das refinarias particulares de petróleo. Nos últimos dias de março de 1964, outro fato contribuiu para acirrar ainda mais a crise: um grupo de marinheiros em reunião no Sindicato dos Metalúrgicos insubordinou-se contra as autoridades navais e, depois de punido por seus superiores, teve a sanção disciplinar relaxada por iniciativa pessoal do próprio Goulart. Logo em seguida, o presidente da República, contrariando as expectativas das chefias militares, foi homenageado no Automóvel Clube por entidades representativas de sargentos e suboficiais das forças armadas, episódio que precipitou os acontecimentos. Assim, a 30 de março, o governador de Minas, José de Magalhães Pinto, lançou um manifesto em que anunciava sua posição de confronto armado com o governo federal. Ao mesmo tempo, o general Olímpio Mourão Filho, assegurando solidariedade ao chefe do Executivo mineiro, ordenou às suas forças que marchassem em direção à Guanabara, recebendo no percurso a adesão de várias unidades importantes do I Exército. Na noite de 31 de março para 1º de abril, a situação já estava militarmente definida a favor dos revoltosos. Goulart havia abandonado Brasília, em direção ao Sul do país, fato de que se aproveitou o presidente do Congresso, senador Auro de Moura Andrade, para declarar oficialmente vago o cargo de presidente da República. Assumiu então o governo mais uma vez o presidente da Câmara Federal, deputado Ranieri Mazzilli, que, segundo o preceito constitucional, nele permaneceria até que o Congresso escolhesse o nome que deveria completar o mandato de Goulart.
Por iniciativa dos governadores Magalhães Pinto, de Minas, Ademar de Barros, de São Paulo, Carlos Lacerda, da Guanabara, Ildo Meneghetti, do Rio Grande do Sul, Nei Braga, do Paraná, Mauro Borges, de Goiás, em 11 de abril de 1964 o general Humberto Castelo Branco foi eleito presidente da República, contando com o apoio do PSD, da UDN, do Partido Republicano (PR), do Partido Libertador (PL) e de elementos do PTB e do Partido Democrata Cristão (PDC). O novo presidente tomou posse no dia 15 do mesmo mês.
No SNI
Em 13 de junho de 1964, Castelo Branco criou o Serviço Nacional de Informações (SNI), tendo “por finalidade superintender e coordenar, em todo o território nacional, as atividades de informação e contra-informação, em particular as que interessem à segurança nacional”. De acordo com a Lei nº 4.341, que o criou, o SNI estaria “isento de quaisquer prescrições que determinem a publicação ou divulgação de sua organização, funcionamento e efetivos”. Para seu primeiro chefe, que teria honras de ministro de Estado, foi nomeado Golbery, que se referia ao órgão que dirigia como o “Ministério do Silêncio”, para justificar a recusa de declarações, quando assediado pelos jornalistas.
A criação do SNI foi bastante combatida e criticada pela oposição, que associava suas finalidades à propaganda, doutrinação, espionagem e delação. Castelo Branco rebateu tais acusações afirmando que seu objetivo era manter o governo melhor informado a respeito do que se passava no país. O SNI, segundo Castelo, não seria nada mais do que uma ampliação autônoma do Serviço Federal de Informação e Contra-Informação, que operava desde antes de 1964, adjunto ao Conselho de Segurança Nacional.
Em seguida à entrada em atividade do SNI, os processos de cassações de mandatos e suspensões dos direitos políticos, com base nos atos institucionais, passaram a resultar de investigações e sugestões do novo órgão. Já em fins de 1964, o SNI teve a oportunidade de provocar seu primeiro evento de grande repercussão nacional. O governador Mauro Borges, de Goiás, que havia sido favorável ao movimento de 31 de março, não contava com a confiança do novo regime em virtude da posição que assumira quando da renúncia de Jânio Quadros, ocasião em que fora favorável à posse de Goulart e contrário à ação dos chefes militares sublevados contra a legalidade. Em função disso, o SNI começou a levantar suspeitas de subversão em torno de elementos que compunham seu secretariado e as diretorias de certas empresas estatais do governo goiano. Tais suspeitas dirigiam-se principalmente contra os secretários de Educação e Cultura, o padre Rui Rodrigues da Silva, de Interior e Justiça, Wilson da Paixão, e de Administração, Valteno Cunha Barbosa, cujas demissões chegaram a ser pedidas pelo governo federal. Como Mauro Borges resistisse a efetuá-las, foi destituído em 26 de novembro de 1964, depois de seus secretários terem tido os direitos políticos cassados. Assumiu a interventoria no estado o coronel Carlos Meira Matos, que permaneceu no cargo até janeiro do ano seguinte, quando a Assembléia estadual elegeu para o cargo de governador o marechal Emílio Ribas Júnior, que em 1950 havia sido candidato à vice-presidência do Clube Militar na chapa da Cruzada Democrática, encabeçada por Cordeiro de Farias.
Em fevereiro de 1965, o governo começou a pensar numa forma de retirar da presidência da Câmara o deputado Ranieri Mazzilli para colocar em seu lugar um udenista, que seria o deputado mineiro Olavo Bilac Pinto. Entretanto, o PSD era o partido majoritário e, segundo a praxe, os cargos da mesa diretora eram distribuídos proporcionalmente entre os partidos, o que fazia com que a presidência fosse invariavelmente conferida a um pessedista. Castelo considerava que essa mecânica deveria ser mudada mas, para isto, seria preciso neutralizar a posição majoritária do PSD. O SNI encontrou a fórmula: com a participação de elementos pessedistas dissidentes, foi criado o Bloco Parlamentar Revolucionário, que abrangendo os demais partidos governistas, garantiu a vitória de Bilac.
Apesar disso, o político que mais atacou o SNI e seu titular foi o governador udenista do estado da Guanabara, Carlos Lacerda. Candidato presumido à sucessão de Castelo, o governador carioca logo começou a perceber que seu nome não era uma solução desejável para os líderes militares do novo regime, atribuindo as manobras de desgaste de sua candidatura a Golbery. Mas, se Lacerda por um lado aspirava concorrer à presidência da República, por outro era seu intuito nas eleições de 1965 assegurar para a Guanabara uma solução que não implicasse a descontinuidade do mandato udenista no governo do estado. Achava difícil eleger o candidato da UDN, Carlos Flexa Ribeiro, seu sucessor, da mesma forma que Magalhães Pinto em Minas sentia-se inseguro quanto ao triunfo eleitoral de seu candidato, o udenista Roberto Resende, seu secretário da Agricultura. E Lacerda considerava que sua derrota seria um prejuízo colossal para o movimento de 1964, atribuindo a responsabilidade desse desastre ao general Golbery. De fato, os resultados eleitorais de 3 de outubro de 1965 não contrariaram as expectativas gerais. Venceu na Guanabara o pessedista Francisco Negrão de Lima, com apoio do PTB, enquanto em Minas, igualmente em aliança com o PTB, triunfou o pessedista Israel Pinheiro.
A oficialidade radical, muito ligada a Lacerda, não conseguiu assimilar aquelas duas derrotas. A Vila Militar agitou-se no dia 5 de outubro e foi preciso que o ministro da Guerra, general Artur da Costa e Silva, seguisse para o local a fim de conter o descontentamento militar. Para isso, porém, o governo teve que aceitar algumas exigências da “linha dura”, incluindo-se entre elas a instauração de eleições indiretas para a presidência e os governos estaduais; a ampliação dos casos de intervenção federal nos estados, com a remoção de vários obstáculos legais restritivos; a necessidade de aprovação do governo federal para preenchimento dos cargos de secretários de Segurança e comandantes das polícias militares e o perfeito entrosamento das secretarias técnicas estaduais com a política econômica da área federal, orientada pelos ministros do Planejamento e da Fazenda. Quando ficou claro que o Congresso não aceitaria votar as concessões de Castelo aos seus comandados da Vila Militar, foi baixado o Ato Institucional nº 2 (AI-2) estabelecendo as exigências repelidas pelo Legislativo. Além disso, foram extintos pelo mesmo ato todos os partidos políticos e restaurada a possibilidade de cassações de mandatos e suspensões de direitos políticos, retomando o SNI a importância assumida nos primeiros meses do governo de Castelo.
A partir dos primeiros meses de 1966, as preocupações do SNI centraram-se no acompanhamento das atitudes do governador paulista Ademar de Barros, que resistia em aceitar as restrições que o AI-2 impunha à autonomia estadual. De outro lado, o governo federal não estava disposto a suportar contestações provenientes da unidade federativa mais rica e poderosa do país. Além de suas ameaças reiteradas de resistência às diretrizes centralizadoras de Castelo, Ademar investiu violentamente contra os rumos da reforma tributária que, na ocasião, vinha sendo implantada pelos ministros Roberto Campos (Planejamento) e Otávio Gouveia de Bulhões (Fazenda), ameaçando emitir em nome do estado de São Paulo títulos de dívida pública que, se lançados no mercado, poriam em risco os objetivos da política deflacionária adotada pelo governo federal. A 4 de junho de 1966, então, Castelo, depois de se reunir com Golbery, Ernesto Geisel, chefe do Gabinete Militar, e com os ministros da área econômica, pôs em estado de alerta as guarnições do II Exército, comandadas pelo general Amauri Kruel, e os batalhões da Força Pública — hoje Polícia Militar — sob o comando do coronel João Batista Figueiredo. Testada a invulnerabilidade desse dispositivo, foi divulgado decreto cassando o mandato de Ademar, suspendendo seus direitos políticos por dez anos e determinando sua substituição pelo vice-governador Laudo Natel. Ademar deixou pacífica e ordeiramente o palácio, abandonando a vida política a partir daí.
Ao se aproximar o final do mandato de Castelo, Golbery, juntamente com os generais Ernesto Geisel e Cordeiro de Farias, procurou por todos os meios um recurso alternativo para a sucessão presidencial que não fosse o general Costa e Silva. Não teve, entretanto, sucesso e, assim, em 15 de março de 1967, quando Castelo passou o governo ao seu ex-ministro da Guerra, Golbery entregou na mesma data o cargo de chefe do SNI a seu sucessor, general Emílio Garrastazu Médici, assumindo no mesmo mês as funções de ministro do Tribunal de Contas da União (TCU). Aposentou-se desse posto em 1969, quando a junta militar que afastou o enfermo presidente Costa e Silva entregou o poder ao general Médici, de quem Golbery era desafeto.
A candidatura Geisel
Ao se afastar do TCU, Golbery novamente mergulhou com intensidade em articulações políticas com vistas à indicação do general Ernesto Geisel para a sucessão de Médici, sem deixar entretanto de conciliar esse esforço com a participação na iniciativa empresarial privada, na qual integrou-se em 1972 na qualidade de presidente da multinacional Dow Chemical para toda a América Latina.
A preocupação em fazer de Geisel o sucessor de Médici demonstrava que seu principal objetivo era trazer de novo para o poder os remanescentes do antigo grupo castelista do Exército. Toda a articulação desenvolvida por Golbery era facilitada pela presença no Ministério do Exército do general Orlando Geisel, irmão do candidato e uma das bases físicas mais importantes de sua sustentação. Afinal, apesar de Geisel não ser o nome da preferência de Médici, sua candidatura cresceu a um tal ponto que se tornou irreversível. Assim, no dia 18 de junho de 1973, Médici reuniu seu ministério no palácio do Planalto e comunicou a seus membros que Geisel seria o seu sucessor. A partir desse dia, Geisel deixou a presidência da Petrobras e instalou-se no antigo prédio do Ministério da Agricultura, no largo da Misericórdia, no Rio de Janeiro. Lá começou a planejar seu governo, ao mesmo tempo em que recebia sugestões de políticos, tecnocratas, militares e empresários.
Além de Geisel, a única presença permanente no largo da Misericórdia era a de Golbery, que certamente influiu na escolha dos ministros e dos diretores de empresas estatais, das assessorias e dos titulares do segundo escalão da administração direta. Na época, especulou-se muito em torno do cargo que ele exerceria no governo Geisel, falando-se de sua nomeação para o Ministério da Justiça, a exemplo de Juraci Magalhães que, embora sendo militar, ocupou esse cargo no governo Castelo Branco. No entanto, eleito Geisel em janeiro de 1974 e empossado o novo governo em março seguinte, Golbery foi nomeado ministro-chefe do Gabinete Civil.
No governo Geisel
Segundo o depoimento do general Hugo Abreu, chefe do Gabinete Militar de Geisel, os primeiros meses do novo governo não chegaram a realçar o grau de poder e influência que Golbery passaria a desempenhar mais adiante. De toda forma, desde o início, Golbery era o primeiro homem do governo a avistar-se com Geisel a cada dia, encontrando-o todas as manhãs na rampa do palácio do Planalto e com ele discutindo em primeiro estágio todas as medidas do governo.
A 24 de maio de 1974, vítima de enfarte, morreu o ministro do Exército, general Vicente de Paulo Dale Coutinho. Sem recorrer aos seus assessores mais diretos, Geisel convidou para o posto o general Sílvio Frota, que não mantinha compromissos mais sólidos com o grupo da ESG. Frota viria a revelar mais tarde aspirações presidenciais, na época desconhecidas. Entretanto, Golbery logo captou as pretensões do novo ministro do Exército e advertiu Geisel de que Frota poderia vir a se transformar em um novo Costa e Silva.
Por outro lado, a primeira experiência eleitoral do novo governo não foi positiva. Em outubro de 1974, após articulações conduzidas pelo senador Petrônio Portela, presidente nacional da Aliança Renovadora Nacional (Arena), foram escolhidos indiretamente os governadores dos estados. Um mês depois, em 15 de novembro, os candidatos do governo perderam em 16 estados as eleições para o Senado, mantendo por pequena margem de diferença sua maioria na Câmara.
Em abril de 1975, após sofrer deslocamento da retina do olho esquerdo, Golbery foi hospitalizado e operado, reassumindo em maio seguinte o Gabinete Civil. Dois meses depois, todavia, voltou a sentir problemas no mesmo olho. Novamente hospitalizado, submeteu-se a nova operação, mas em razão de uma recuperação abaixo dos níveis desejáveis, embarcou para Barcelona, na Espanha, onde submeteu-se a tratamento. De volta ao Brasil, permaneceu internado até o final de julho quando retomou suas atividades normais no Gabinete Civil da Presidência da República.
Seqüência de crises no governo Geisel
Na chefia do Gabinete Civil de Geisel, o comportamento de Golbery manteve-se em um nível de reserva mais ou menos equivalente ao tempo em que se encontrava à frente do SNI, durante o governo Castelo Branco. Não dava entrevistas, fugia das declarações categóricas e afirmativas e só comparecia às solenidades de cunho oficial, nas quais sua ausência não poderia ser justificada. Não obstante, sua personalidade nunca deixava de se colocar em evidência, pois no exercício de suas funções não se limitava ao trato exclusivo dos problemas inerentes à estrutura administrativa da Presidência da República. Ele dividia com o Ministério da Justiça as atribuições de consolidar as posições do governo na área política, levando em conta sobretudo que o afrouxamento da legislação autoritária esbarrava em obstáculos levantados por setores poderosos da comunidade militar que se opunham ao projeto de “distensão lenta, gradual e segura” preconizado pelo governo Geisel.
Em outubro de 1975, ocorreu um fato que propiciou o primeiro embate mais sério de Geisel com os setores da chamada “linha dura” do Exército: o jornalista Vladimir Herzog, da TV Cultura de São Paulo, foi encontrado morto nas dependências do Departamento de Operações Internas — Centro de Operações para a Defesa Interna, conhecido como DOI-CODI, do II Exército, depois de haver sido detido para averiguações em inquérito sobre as atividades do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Logo que tomou conhecimento da morte de Herzog, por intermédio do governador Paulo Egídio Martins, Geisel rumou para a capital paulista onde manteve, no palácio do governo, longa conversação com o comandante do II Exército, general Ednardo D’Ávila Melo. Geisel advertiu o general Ednardo de que não aceitaria que fatos como esse se repetissem e pediu ainda a abertura de um inquérito para apurar o ocorrido. O comandante do II Exército informou que a medida já havia sido tomada, e que o general-de-brigada Fernando Guimarães Cerqueira Lima fora designado para presidir o inquérito.
A situação parecia contornada quando, em janeiro de 1976, três meses após o desaparecimento de Herzog, o operário Manuel Fiel Filho foi encontrado morto em iguais condições, no mesmo DOI-CODI do II Exército. Geisel chamou então Frota ao palácio e comunicou-lhe sua decisão de demitir o general Ednardo, providência que tomou de imediato. Durante essas crises, Golbery esteve sempre ao lado do presidente como seu principal auxiliar e conselheiro.
A ação de Golbery apareceu com mais destaque no primeiro e no segundo semestre de 1977, na edição do chamado “pacote de abril” e na pulverização da candidatura do ministro do Exército à sucessão de Geisel, que vinha sendo articulado por alguns círculos civis e militares. Geisel enviara ao Congresso um projeto de lei de reforma do Poder Judiciário que, do ponto de vista governamental, visava ao descongestionamento burocrático das repartições da Justiça, simplificando tramitações e limitando prazos de paralisação por força da inoperância de sua máquina administrativa. O Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido oposicionista, não concordava com o projeto e resolveu negar quorum para sua votação. Geisel, no entanto, disposto a não acolher um tipo de resistência que qualificou de “ditadura da minoria”, suspendeu no dia 1º de abril de 1977 o funcionamento do Congresso e, com base no AI-5, impôs as providências que não vinha obtendo pelos meios normais de negociação parlamentar. Além do recesso do Congresso, que durou uma semana, decretou ainda que: a) na renovação de 2/3 do Senado, que seria feita através das eleições de 15 de novembro de 1978, 1/3 seria eleito por método indireto, através das assembléias legislativas dos estados, pois o governo temia a repetição dos resultados negativos de 1974; b) o mandato de seu sucessor teria seis anos de duração; c) os mandatos dos prefeitos e vereadores a serem eleitos em 1980 seriam de dois anos, de modo a propiciar coincidência de eleições em 1982; d) as emendas constitucionais poderiam ser aprovadas por maioria simples, e e) os colégios eleitorais responsáveis pela escolha indireta dos governadores teriam sua composição modificada, para impedir que em 15 de novembro de 1978 o MDB elegesse o governador de São Paulo, estado onde 2/3 da Assembléia pertenciam à oposição.
Vencida essa crise, uma outra, de gravidade bem maior, surgiu em outubro do mesmo ano, envolvendo diretamente Geisel e seu ministro do Exército, general Sílvio Frota, e exigindo de Golbery novos esforços de agilização de seus engenhos de manipulação política. Embora Geisel já houvesse declarado a seu círculo mais íntimo de colaboradores políticos que a sucessão presidencial só seria tratada em janeiro de 1978, a preferência do Planalto pelo chefe do SNI, general João Batista Figueiredo, já havia transpirado francamente na imprensa e no Congresso. Por trás dessa preferência, segundo deduziam os analistas políticos, pairava a influência do ministro-chefe do Gabinete Civil.
O general Sílvio Frota, no entanto, não se conformava com a preferência por Figueiredo e a seu favor mobilizou na Câmara um grupo de parlamentares liderado pelo deputado mineiro Sinval Boaventura, da Arena, remanescente da antiga UDN. Esses deputados, em número aproximado de 40, que passaram a ser conhecidos na Câmara como “grupo frotista”, desenvolveram um intenso proselitismo que ultrapassava a área do Congresso. Certos de que a candidatura de um ministro do Exército nunca foi fácil de ser demolida, os frotistas assumiram ainda maior impetuosidade quando o general Jaime Portela, antigo titular do Gabinete Militar do governo Costa e Silva, fixou-se em Brasília, com o objetivo de incrementar a candidatura de Frota no meio político.
Golbery percebeu rapidamente que havia um grave risco de se repetir o episódio de 1966, quando Costa e Silva, ministro do Exército, forçou Castelo a aceitar sua candidatura, afastando o chamado grupo da ESG, considerado o alicerce ideológico do movimento de março de 1964. A exoneração de Frota foi, portanto, uma decorrência de sua participação no esquema que se armava para fazer prevalecer a indicação de seu nome, pois para o governo essa atitude tinha o significado de um ato de contestação da autoridade. Seu afastamento foi efetivado em outubro de 1977, a partir de um plano cuidadosamente preparado por inspiração de Golbery. Por outro lado, segundo o general Hugo Abreu, no dia 29 desse mesmo mês, o general Figueiredo tomou conhecimento da intenção do presidente de lançá-lo candidato.
Em maio de 1978, dissidentes políticos e militares da área governamental, liderados pelo senador José de Magalhães Pinto, da Arena mineira, e pelo general Hugo Abreu, que se demitira do Gabinete Militar em janeiro de 1978, fundaram a Frente Nacional de Redemocratização e lançaram as candidaturas oposicionistas do general Euler Bentes Monteiro e do senador Paulo Brossard, do MDB gaúcho, respectivamente à presidência e vice-presidência da República. No mês de junho, em declaração ao Jornal do Brasil, Golbery condenou a criação da frente dizendo que não via como “em termos legais, se possa constituir um organismo político que não seja daqueles previstos em lei, no caso os partidos políticos”.
Outra medida de fundamental relevância no curso da distensão política, cujo encaminhamento era atribuído à ação de Golbery, foi a extinção da vigência do AI-5 a partir de 1º de janeiro de 1979, medida aprovada em setembro de 1978. Para evitar, no entanto, reações muito ostensivas por parte das áreas militares mais radicais, Geisel decidiu precaver-se contra o surgimento de situações consideradas revanchistas, que poderiam brotar de um processo súbito de redemocratização, através da adoção de algumas salvaguardas que limitavam, de fato, a extensão da liberalização. Tais salvaguardas, inscritas na Constituição, introduziam o instituto do estado de emergência e afetavam, fundamentalmente, o direito de greve, do qual ficaram excluídas diversas categorias profissionais.
Em outubro de 1978, cinco dias antes da eleição indireta que consagrou a chapa João Figueiredo-Aureliano Chaves, Golbery foi acusado pelo senador Roberto Saturnino Braga, do MDB fluminense, de haver procurado, em fins de 1973, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) para tratar de interesses da Dow Chemical, quando já estava convidado por Geisel para ministro-chefe do Gabinete Civil. Golbery respondeu energicamente, dizendo que na ocasião em que diligenciou junto ao banco para defender reivindicações da Dow, Geisel não estava sequer homologado pela Arena. Disse ainda que respondia à acusação do senador fluminense com “indignação, veemência e náusea”.
A defesa da doutrina de segurança nacional, da qual foi na década de 1950 um dos principais propugnadores na ESG, era uma das preocupações básicas de Golbery, que procurava negar sua analogia com os objetivos dos Estados totalitários. Em janeiro de 1979, em declarações prestadas à Folha de S. Paulo, afirmou: “A doutrina e a política de segurança nacional não são absolutamente um instrumento para afundar o Brasil na ditadura, nem no militarismo. Dizer que são constitui mistificação inominável. Ela não possui princípios antidemocráticos, ranço militarista e espírito ditatorial. Nego-o com toda veemência.”
No governo Figueiredo
Em 15 de março de 1979, Figueiredo assumiu o governo, apresentando sua proposta de abertura democrática e mantendo Golbery na chefia do Gabinete Civil.
A maior realização atribuída a Golbery na gestão Figueiredo foi a reformulação do quadro partidário brasileiro, que o governo considerava como resultante inevitável do decreto de anistia sancionado em agosto de 1979. Os objetivos do chefe do Gabinete Civil eram, no entanto, bem mais extensos. Golbery considerava que a continuidade do sistema bipartidário brasileiro transformava as eleições federais numa competição plebiscitária, convertendo o pronunciamento popular num julgamento severo dos atos do governo, pondo em risco a estabilidade do regime e, conseqüentemente, restabelecendo condições para a intervenção armada no processo político, tal como aconteceu em março de 1964. A reconquista da convivência democrática, à margem dos perigos da radicalização, estava condicionada, segundo o ponto de vista de Golbery, à existência de partidos alternativos, que dessem ao governo possibilidades reais de negociação política para suprir as dificuldades produzidas por insucessos eleitorais previsíveis.
Assim, sob os protestos da maioria dos oposicionistas, o bipartidarismo foi extinto em novembro de 1979, procedendo-se a partir de então à reformulação partidária. Além do partido do governo, o Partido Democrático Social (PDS), foram criados os oposicionistas Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Partido Popular (PP), Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e Partido dos Trabalhadores (PT). O PP, formado por dissidentes moderados da ex-Arena e do ex-MDB, seria o instrumento que o governo utilizaria para a formação de uma aliança política no Congresso, com a finalidade de isolar a ação dos radicais, tanto da extrema direita, quanto da extrema esquerda. Esta posição não isentou o ministro-chefe do Gabinete Civil da hostilidade da oposição e, muito menos, das desconfianças com que era observado por elementos mais conservadores do governo, identificados com a linha ortodoxa de 31 de março de 1964.
Em maio de 1980, a oposição tentou de alguma forma convocar Golbery para depor numa comissão parlamentar de inquérito (CPI) instituída para investigar os negócios da indústria farmacêutica no Brasil, um dos setores mais atingidos pela desnacionalização, mas essa convocação foi impedida pelo partido situacionista.
Em 1º de julho de 1980, Golbery proferiu longa conferência na ESG, abordando a centralização e a descentralização da administração, situando a primeira como opção indisfarçável dos regimes arbitrários e a segunda como o modelo mais compatível com os sistemas democráticos. Justificou a centralização adotada nos períodos iniciais do movimento de março de 1964 com os fatores que interferiram em sua consolidação e explicou a conservação desse modelo por um período além do desejável como resultado do aparecimento de surtos terroristas imprevistos. Defendeu o pluralismo partidário, que confere aos governos flexibilidades mais amplas para negociar, propondo a seguir como medidas reeducadoras de convivência democrática: a) evitar pronunciamentos de militares que indiquem sintomas de enfraquecimento do governo; b) procurar legitimar nos conflitos sindicais soluções negociadas que evitem as situações de confronto; c) desconhecer entidades estudantis não legalmente reconhecidas e desconfiar sempre do sentido de movimentos que aliem professores e alunos, e d) reprimir por meios legais manifestações consideradas impróprias que ocorram contra o governo, tanto no meio parlamentar quanto por parte dos órgãos de comunicação.
O episódio do Riocentro foi importante desafio à posição de Golbery em favor da abertura política, levando-se em conta que tornou-se uma peça desestabilizadora no caminho da normalidade democrática. A 30 de abril de 1981, quando era realizado no Riocentro, no Rio de Janeiro, um espetáculo musical em comemoração à data de 1º de maio, uma bomba detonou dentro de um carro estacionado nas imediações, atingindo seus ocupantes e ocasionando a morte de um deles, o sargento Guilherme Pereira do Rosário, e ferimentos graves no outro, o capitão Wilson Luís Chaves Machado. Eram ambos do Exército, integrantes do DOI-CODI e estavam na área, segundo as autoridades militares, em “missão de rotina”. O Inquérito Polícial-Militar (IPM) instaurado para apurar o ocorrido concluiu pela impossibilidade de atribuição de autoria, afirmando que a bomba fora “ardilosamente colocada no carro do capitão”. Muitos órgãos de imprensa e entidades de diversos gêneros insistiram na tese de que as vítimas seriam os próprios autores do atentado, que teriam sofrido um acidente.
No dia 6 de agosto de 1981, Golbery deixou subitamente o Gabinete Civil, sendo na época levantadas várias hipóteses para explicar sua demissão. Segundo a Folha de S. Paulo do dia 7 daquele mês, os motivos reais foram conflitos com o ministro da Fazenda Antônio Delfim Neto, que defendia o reajuste do nível de contribuição dos segurados para atenuar o déficit da Previdência Social. Para Delfim, se o reajuste não se verificasse naquele momento, teria que ser imposto mais tarde, com taxações mais agressivas, sem prejuízo das gigantescas emissões que o governo seria forçado a efetuar, afetando a política deflacionária. Golbery achava que, antes das questões estritamente monetárias, as conseqüências políticas da majoração teriam que ser avaliadas. Ao prevalecer a opinião de Delfim, solicitou sua demissão.
A 8 de agosto, o Gabinete Civil da Presidência da República emitiu um comunicado afirmando que “por motivos de caráter estritamente pessoal, em grande parte de foro íntimo — objeto de confidência feita ao senhor presidente da República em meados do mês findo —, o ministro Golbery do Couto e Silva solicitou dispensa do cargo de chefe do Gabinete Civil”. No mesmo dia, Golbery recolheu-se ao sítio de sua propriedade, em Luziânia, no interior de Goiás, sendo substituído no Gabinete Civil pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), João Leitão de Abreu, que já exercera aquele cargo no governo do general Emílio Garrastazu Médici. Dias depois, Golbery foi convidado pelo banqueiro Edmundo Sofitier para integrar o conselho de administração do Banco Cidade de São Paulo, em Brasília, onde instalou seu gabinete e passou a receber políticos, militares e empresários.
Em entrevista à revista Veja em maio de 1984, Golbery quebrou um longo silêncio e expôs a tese de que estaria em curso, por trás das negociações entre o governo e a oposição, uma manobra destinada a afastar do quadro da sucessão o deputado Paulo Maluf e o ministro do Interior, Mário Andreazza. Declarou ainda seu apoio ao candidato Maluf. Como saldo da campanha das diretas, considerava que saíam vitoriosas as figuras de Leonel Brizola e Luís Inácio Lula da Silva. Salientou na mesma ocasião a necessidade de uma reforma constitucional, a urgência de um governo de coalizão nacional e também a volta a um clima de descentralização, com interferência cada vez menor do Estado na vida do país.
Depois de renunciar ao Gabinete Civil, fez sua única aparição pública durante a campanha de Paulo Maluf à presidência da República. Exercia então as funções de conselheiro político do deputado, mas após a derrota no Colégio Eleitoral para o candidato da Aliança Democrática Tancredo Neves, em 15 de janeiro de 1985, voltou a se afastar da política e do noticiário.
Desempenhava suas funções na diretoria do Banco Cidade quando, em julho de 1987, foi internado em Brasília. Mesmo durante a evolução de sua doença, acompanhava avidamente os trabalhos da Constituinte, mostrando-se preocupado com a situação do país. Chegou então a declarar que o presidente José Sarney era necessário e que não poderia haver outra transição.
Faleceu em São Paulo no dia 18 de setembro de 1987.
Na edição de 23 de setembro daquele mesmo ano, a revista Veja publicou, numa extensa reportagem, uma seleção de documentos secretos do general Golbery, entre os quais uma nota estritamente pessoal e confidencial, dirigida ao então presidente João Figueiredo, datada de 4 de julho de 1981. Era na ocasião chefe do Gabinete Civil do Palácio do Planalto e acusava os “chamados DOI-CODIs” de estarem infiltrados de terroristas, cobrando do governo o desmantelamento daqueles órgãos.
Golbery era casado com Esmeralda do Couto e Silva, com quem teve três filhos.
Entre suas obras publicadas destacam-se Tiro de morteiro, Planejamento estratégico (1955, 2ª ed. 1981) e Geopolítica do Brasil (1966, 3ª ed. 1981).
Plínio de Abreu Ramos
FONTES: ABREU, H. Outro; BANDEIRA, L. Governo; BENEVIDES, M. Governo Kubitschek; Coojornal (11/79); FIECHTER, G. Regime; Folha de S. Paulo (16/9/87); Globo (17 e 19/9/87); GÓIS, V. Brasil; Jornal do Brasil (19/7/75 e 13/5/84); Perfil (1974 e 1975); SILVA, H. 1964; SOARES, E. Instituições; Veja (16/5/84 e 23/9/87); VIANA FILHO, L. Governo.