SARNEY, José
*dep. fed. MA 1956, 1957 e 1959-1966; gov. MA 1966-1970; sen. MA 1971-1985; pres. Rep. 1985-1990; sen. AP 1991-
José Ribamar Ferreira de Araújo Costa nasceu em Pinheiro (MA) em 24 de abril de 1930, filho de Sarney de Araújo Costa e de Kiola Ferreira de Araújo Costa. Em 1965 adotou legalmente o nome de José Sarney Costa, do qual já se utilizava para fins eleitorais desde 1958, por ser conhecido como “Zé do Sarney”, isto é, José, filho de Sarney.
Fez os estudos secundários no Colégio Marista e no Liceu Maranhense, cursando em seguida a Faculdade de Direito do Maranhão, pela qual se bacharelou em 1953. Por essa época ingressou na Academia Maranhense de Letras. Segundo Maurício Vaitsman, ao lado de Bandeira Tribuzi, Luci Teixeira, Lago Burnet, José Bento, Ferreira Gullar e outros escritores, fez parte de um movimento literário difundido através da revista A Ilha, que lançou o pós-modernismo no Maranhão e da qual foi um dos fundadores.
Iniciou suas atividades profissionais como oficial judiciário, tornando-se depois diretor da secretaria do Tribunal de Justiça do Maranhão. Ingressou na vida política ao eleger-se, em outubro de 1954, quarto suplente de deputado federal por seu estado na legenda do Partido Social Democrático (PSD), com 3.271 votos. Ocupou uma cadeira na Câmara entre agosto e setembro de 1956 e de maio a agosto do ano seguinte, além de outros curtos períodos. Segundo José Ribamar Caldeira, na história política do Maranhão o período de 1956 a 1966, que então se iniciava, caracterizou-se por um coronelismo particular, o vitorinismo, que consistiu no domínio absoluto dos interesses do senador Vitorino Freire.
Em 1957 assumiu a cadeira de professor de noções de direito da Faculdade de Serviço Social da Universidade Católica do Maranhão. Em fevereiro de 1958 encabeçou um abaixo-assinado que recebeu a adesão dos mais diversos partidos políticos, de líderes sindicais, advogados e jornalistas, em apoio à resolução da assembleia geral da Associação dos Trabalhadores Agrícolas do Maranhão (ATAM), mais tarde denominada Federação dos Trabalhadores Rurais do Maranhão, de convocar a II Conferência Agrária do Maranhão, a ser realizada em julho do mesmo ano. Rompendo a seguir com o vitorinismo, ingressou na União Democrática Nacional (UDN), cujo diretório regional presidiria desse ano até 1965, ao serem extintos os partidos políticos. Em outubro de 1958 concorreu novamente à Câmara, com o apoio das Oposições Coligadas — UDN, Partido Democrata Cristão (PDC) e Partido Republicano (PR) —, sendo eleito com 15 mil votos. Assumiu o mandato em fevereiro de 1959 e logo depois aderiu à Frente Parlamentar Nacionalista. Em 1959 e 1960 foi vice-líder da UDN na Câmara.
Na “Bossa Nova” da UDN
No início da década de 1960, participou das primeiras articulações do autointitulado movimento renovador da UDN, identificado pela estreita vinculação com a candidatura, afinal vitoriosa, de Jânio Quadros às eleições presidenciais de outubro de 1960. Os objetivos dessa facção udenista — que seria denominada mais tarde “Bossa Nova”, por analogia com o movimento da música popular — foram expostos pela primeira vez em fins de 1960 ao presidente do diretório nacional do partido, Magalhães Pinto, por Sarney e pelo deputado paraense Clóvis Ferro Costa, que defenderam “a adoção de nova tática política para corresponder aos anseios populares”.
Empossado Jânio em janeiro de 1961, três meses depois, numa convenção em Recife, o grupo apareceu ostensivamente, já com a denominação “Bossa Nova”, pregando uma linha de centro-esquerda, inspirada no programa de desenvolvimento com justiça social, da doutrina social da Igreja. Em termos políticos, o grupo apoiava as propostas reformistas do presidente Jânio Quadros, consideradas nacionalistas e de interesse popular, tais como as leis antitruste e de remessa de lucros, a defesa das riquezas minerais, o combate à inflação, a reforma da lei de imposto de renda e a extinção das ações ao portador, entre outras. Nessa convenção, o deputado paulista Herbert Levy — do grupo denominado “Banda de Música”, que se opunha à dissidência “Bossa Nova” — foi eleito presidente do partido, cabendo a Sarney a vice-presidência, que exerceria até 1963. Segundo Maria Vitória Benevides, os udenistas “bossa nova” eram acusados pelos “bacharéis da Banda de Música” de filocomunistas e, pelos demais udenistas tradicionais — os radicais lacerdistas e os vinculados à Ação Democrática Parlamentar (ADP) —, de adesistas e oportunistas. Após a renúncia de Jânio e a posse de João Goulart, a “Bossa Nova” manteve sua posição reformista.
Em outubro de 1962, Sarney foi reeleito na legenda das Oposições Coligadas, à qual se unira o Partido Trabalhista Nacional (PTN), com a maior votação obtida no Maranhão por um candidato da oposição: 21.294 votos. Em abril do ano seguinte tornou-se um dos signatários do manifesto da “Bossa Nova”, apresentado em Curitiba na convenção nacional da UDN pelo deputado José Aparecido de Oliveira (MG). O documento representou a ruptura decisiva da ala dissidente com relação aos udenistas tradicionais ao defender as reformas agrária, bancária, tributária e urbana, a política externa independente, o Plano Trienal do governo, a consolidação de Brasília, a democratização do ensino, o monopólio estatal do petróleo e a Eletrobrás. A “Bossa Nova” defendeu ainda a reforma agrária com emenda à Constituição, aceitando, inclusive, a tese do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) a favor do “arrendamento compulsório”.
No fim de 1963, Sarney e José Aparecido não compareceram à votação da emenda apresentada pelo deputado Bocaiúva Cunha, do PTB da Guanabara, para a reforma constitucional. O ponto polêmico da emenda se referia à indenização de terras desapropriadas “mediante títulos da dívida pública, resgatáveis em prestações sujeitas à correção do valor monetário em limite não excedente a 10% ao ano”. A “Bossa Nova” discordou dos termos, considerando a indenização proposta “injusta e espoliativa”, e apenas um udenista, José Carlos Guerra, de Pernambuco, votou a favor da emenda, derrotada por 176 votos contra 121.
Segundo Maria Vitória Benevides, poucos dias antes do movimento político-militar que depôs João Goulart, Sarney discursou na Câmara: “O regime de opressão e de opróbrio jamais satisfaz o povo. Foi através da democracia, da manifestação do pensamento em praça pública e do voto que os trabalhadores conseguiram conquistar a situação de que hoje desfrutam. Por isso mesmo, recuso-me a acreditar que uma política popular possa, em algum momento, conjugar-se com a supressão das liberdades políticas.”
Governador do Maranhão
Apesar das posições que assumira em defesa das reformas de base e em apoio a Goulart, Sarney se tornaria um dos principais nomes políticos do regime implantado com o movimento de março de 1964. Na situação que se criou, as facções udenistas se diluíram, e o partido, de modo geral, foi favorável ao movimento. Candidato da coligação da UDN com o Partido Social Progressista (PSP) e ostensivamente apoiado pelo presidente Castelo Branco, Sarney conquistou o governo do Maranhão em outubro de 1965, recebendo uma votação inédita na história do estado: 121.062 votos, o dobro do segundo colocado, Antônio Eusébio da Costa Rodrigues, do PDC, apoiado pelo governador pessedista Newton Belo. A eleição representou, acima de tudo, a primeira derrota política de Vitorino Freire: seu candidato, Renato Archer, obteve uma votação inexpressiva: cerca de 1/4 da que alcançou Sarney. Segundo depoimento de Archer ao Cpdoc da FGV, “mesmo que não tivesse havido a pressão do governo federal, Sarney ganharia a eleição”. A pressão pessoal de Castelo Branco sobre o governador teria sido feita através dos coronéis João Batista Figueiredo e Dilermando Monteiro, que lhe impuseram o lançamento de outra candidatura e a retirada do apoio a Archer, com quem já estava comprometido. Ainda nesse depoimento, Archer afirmou que, na ocasião das eleições, Sarney fazia uma campanha contra o governador, acusando-o de desonestidade. Mais tarde, teria obtido pessoalmente de Castelo Branco a cassação de Newton Belo por força do Ato Institucional nº 2 (AI-2), em julho de 1966.
Segundo Alfredo Wagner B. de Almeida, a coligação UDN-PSP que apoiou a candidatura Sarney ao governo do Maranhão, consolidada na capital, voltou-se fundamentalmente para a arregimentação do eleitorado rural. Em várias regiões, a frente oposicionista procurou organizar os adversários do vitorinismo e, em particular, os remanescentes das associações de lavradores e trabalhadores agrícolas e dos sindicatos de produtores autônomos — entidades que haviam sido fechadas e tido seus principais líderes presos em virtude do movimento militar de março de 1964 — e com eles desmontar, em nível local, os esquemas de controle do voto dos pessedistas. Percorrendo inúmeros povoados, fazendo contatos e estimulando debates, a frente conseguiu o apoio dos trabalhadores rurais à candidatura Sarney. Em comícios, no interior, o candidato prometia a reabertura das agremiações e o seu livre funcionamento, caso lograsse êxito a coligação oposicionista. Tal não aconteceria, entretanto. Os trabalhadores rurais que haviam participado da campanha no vale do rio Pindaré tentariam reabrir os sindicatos logo no início do governo Sarney, mas seriam desencorajados pelas autoridades municipais e estaduais.
Entre os objetivos definidos pelo governo Castelo Branco incluía-se o afastamento de alguns coronéis tradicionais do PSD dos centros de decisão política de alguns estados. Além de excluir Vitorino Freire dos mecanismos de poder, o governo central promoveu no Maranhão a revisão do colégio eleitoral para extinguir a corrupção. Descobriu-se então a existência de 206.206 eleitores “fantasmas” (dos 497.436 eleitores inscritos em 1962, após a revisão, em 1966, o número de eleitores passou para 291.230). Ao lado dessas medidas de ordem política, o governo Castelo Branco iniciou no Maranhão a implementação da infraestrutura econômica e social, sem todavia contrariar os interesses dominantes no estado.
Empossado em março de 1966, Sarney encontrou no PSD e no vitorinismo uma oposição natural ao novo governo. Entretanto, a extinção dos partidos políticos pelo Ato Institucional nº 2 (27/10/1965) e a posterior instauração do bipartidarismo diluíram essa oposição formal, já que tanto Sarney como Vitorino ingressaram no partido do governo, a Aliança Renovadora Nacional (Arena). Segundo José Ribamar Caldeira, esse fato contribuiu para que Sarney desenvolvesse sua ação política com grande desembaraço, pois Vitorino manteve-se afastado do Maranhão, evitando o constrangimento de um confronto com um membro do mesmo partido.
Além disso, Sarney não encontrou grandes obstáculos por parte do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) maranhense — partido de pouca expressão e pequenas dimensões — devido à popularidade do movimento de 1964 no estado. Dessa forma iniciou-se o predomínio do “sarneísmo”.
Durante seu governo, Sarney deteve, portanto, o controle efetivo da Arena maranhense. Desenvolvendo um estilo próprio de governo — popular, dinâmico e modernizador —, recebia em audiência diariamente dezenas de pessoas dos mais variados setores da população e provocou, segundo Veja (11/3/70), uma revolução na administração, chamada de “milagre maranhense”. Os investimentos decuplicaram, aumentando em 2.000% o orçamento do estado.
Em seu governo foi constituída a usina hidrelétrica de Boa Esperança, na fronteira sul do Maranhão com o Piauí, pela Companhia Hidrelétrica de Boa Esperança (Cohebe), que passou a fornecer energia a cerca de 40 cidades do interior dos dois estados e parte do Ceará. Ainda segundo Veja (4/2/1976), nos quatro anos da administração Sarney o Maranhão deu um salto: pulou de zero para quinhentos quilômetros de estradas asfaltadas e mais dois mil quilômetros de estradas de terra. Criou-se, além disso, uma rede de telecomunicações cobrindo 85 municípios; elevou-se de um para 54 o número de ginásios estaduais e ampliaram-se de cem mil para 450 mil as matrículas escolares. No início de 1970, Sarney inaugurou, com uma assistência de cem mil pessoas, a ponte de São Francisco, sobre a foz do rio Anil, ligando a ilha de São Luís — onde fica a capital — ao continente. A construção da ponte já havia passado ao domínio da lenda, pois se estendera por vários governos. A construção do porto de Itaqui, a barragem do rio Bacanga e o planejamento da cidade industrial foram outras iniciativas de seu governo. No entanto, a transferência gradual dos moradores de cerca de sete mil palafitas, concentradas principalmente na entrada da capital, para o outro lado da cidade, próximo à área reservada à cidade industrial, gerou queixas, devido ao afastamento da população de seus locais de trabalho.
Ainda no início de 1970, Sarney publicou seu primeiro livro de contos: Norte das águas, bem recebido pela crítica. Segundo Odilo Costa Filho em Veja, ele “sabia varar a noite contando coisas, anedotas, e nessa base fez sua campanha como orador popular capaz de entusiasmar as massas”.
Em meados do mesmo ano, antes do fim do mandato, Sarney deixou o palácio dos Leões para candidatar-se ao Senado, sendo substituído pelo vice Antônio Dino, vinculado à corrente política liderada pelo senador arenista e ex-pessedista Clodomir Millet. Ao deixar o governo, recebeu uma das maiores consagrações populares nas ruas de São Luís. Entretanto, 48 horas depois de ter recebido o cargo, Antônio Dino rompeu com o antecessor. Iniciaram-se então, segundo José Ribamar Caldeira, os sinais de oposição entre o sarneísmo e o governo do estado.
De acordo com o Jornal do Brasil, o próprio Sarney ajudou a escolher o novo governador Pedro Neiva de Santana, seu ex-secretário de Fazenda e, portanto, um sarneísta de origem. Indicado pela Arena, Pedro Neiva foi eleito indiretamente pela Assembleia Legislativa em outubro de 1970. O relacionamento de Sarney com Neiva acabaria, porém, esfriando no governo Emílio Médici (1969-1974), pois a corrente liderada pelo primeiro não recebeu nesse governo o apoio ostensivo que lhe tinha sido conferido nos anteriores. Neiva não era desautorizado pelo governo central em seus atos políticos, considerados prejudiciais à corrente sarneísta. Segundo Caldeira, era difícil para a população discernir qual das duas correntes — a de Sarney ou a de Neiva — representaria a Revolução no estado, “visto serem ostensivamente manifestas as suas dissensões”.
No Senado
Sarney foi eleito senador com 236.618 votos. Entrevistado pela revista Veja em janeiro de 1971, declarou ser um anacrônico, apesar de jovem: “Tenho a doença do político liberal, num tempo em que todos proclamam que ela está ultrapassada.” Acrescentou que a Revolução precisava preparar imediatamente o seu projeto político, prevendo a necessidade de uma liderança para garantir a sua continuidade. Para Sarney, tanto o MDB como a Arena não podiam contestar o regime: “E seria angelismo achar que algum regime aceitaria uma contestação que o levasse à destruição.” Com relação à “guerra revolucionária”, afirmou: “Ela existe, está aí e interessa a todos nós que ela acabe... A democracia tem instrumentos de defesa e acredito que outra coisa não tem feito o presidente Médici senão procurar construir e implantar esse sistema de defesa.”
Em fevereiro de 1971 Sarney assumiu o mandato no Senado e ainda nesse ano ocupou a presidência do Instituto de Pesquisas e Assessoria do Congresso (IPEAC). Nessa condição, foi um dos promotores do debate sobre a necessidade de modernização do Parlamento, tendo integrado, com Ney Braga (PR) e Franco Montoro (SP), uma comissão constituída com esse fim, presidida por Carvalho Pinto (SP). A comissão iniciaria os estudos para a informatização da Casa e a criação do Prodasen, durante a gestão de Petrônio Portela na presidência do Senado (1977-1979).
Ainda no primeiro ano de mandato, participou também do II Encontro de Ecologia e População, promovido pela Tinker Foundation e o Federal Population Bureau, e realizado em Long Island, Nova Iorque. Suplente da comissão de Educação e Cultura e titular da Comissão de Relações Exteriores em 1972, integrou a delegação brasileira à XXVI Assembleia Geral das Nações Unidas na qualidade de observador parlamentar. Foi eleito titular da Comissão de Constituição e Justiça e reconduzido às de Relações Exteriores e de Educação e Cultura.
Em 1974, já no governo de Ernesto Geisel (1974-1979), Vitorino Freire retornou à atividade. Por sua influência e indicação foram eleitos indiretamente para governador e vice-governador do Maranhão Osvaldo da Costa Nunes Freire e José Dualibi Murad. Segundo Veja, apoiado em sólidos suportes, Vitorino conseguiu introduzir uma cunha entre Sarney e o governador Pedro Neiva, obrigando a um demorado reestudo dos candidatáveis no estado. Nunes Freire — ex-deputado udenista e ex-secretário de Saúde de Sarney — acabou surgindo como a única solução possível para representar igual distanciamento das duas lideranças, já que Sarney tentara indicar o senador Alexandre Costa. Ainda por influência de Vitorino, seu filho Luís Fernando (Lula) Freire foi colocado na suplência do deputado Henrique La Roque, partidário de Sarney, indicado para o Senado.
Segundo José Ribamar Caldeira, nos dois anos iniciais do governo Geisel a política maranhense caracterizou-se pela oposição entre o governador Nunes Freire e o sarneísmo. Logo em seguida à posse de Nunes Freire, Vitorino passou a apoiar, sem quaisquer reservas, as atitudes do governador contra o sarneísmo. Sua volta à cena política estadual e sua influência determinaram o aprofundamento das dissensões internas na Arena local, colocando os dois grupos — sarneístas e vitorinistas — em oposição frontal. Essa dissensão acabou aproximando o senador Clodomir Millet — grande opositor de Sarney no Maranhão — de Vitorino, o qual, por sua vez, viria a integrar o diretório nacional da Arena a partir de 1975.
Ao longo do governo Geisel, Sarney manifestou-se reiteradas vezes em favor da política de distensão inaugurada pelo presidente. No início de dezembro, ainda segundo Veja, declarou-se um “otimista no processo de redemocratização”. Garantiu o fim da “hibernação política provocada pelos acontecimentos de 1968”, pois “o desenvolvimento econômico é incompatível com o subdesenvolvimento político”. Em sua opinião, a Arena amargara os resultados de uma derrota eleitoral em novembro de 1974 porque “não soube encarnar o espírito de um país que, ao longo dos últimos dez anos, modificou-se estruturalmente e se modernizou”.
Em março de 1975, afirmou que a vocação do movimento de 1964 sempre fora a democracia, “mas uma democracia a salvo das investidas totalitárias”. Em maio declarou que a distensão não podia comprometer nem abrir condições de risco ao processo de desenvolvimento econômico.
Em 1975-1976, agravou-se a crise do poder no Maranhão, com a deflagração, pelo sarneísmo, de incisiva campanha contra a administração Nunes Freire, acusada de corrupta. A crise política aguçou-se durante o período eleitoral de 1976, nas eleições para 128 prefeituras e câmaras municipais. A campanha desenvolveu-se dentro de radicalismos extremados, opondo os dois grupos arenistas. Os resultados eleitorais não apenas demonstraram uma supremacia da liderança de Sarney nos centros urbanos mais importantes do estado como também caracterizaram a fragilidade do MDB maranhense, que conseguiu apenas 12 prefeituras, quando em 1972 conquistara 14.
Em 1976, Sarney fez diversos pronunciamentos sobre os principais temas políticos em debate. No início de julho, afirmou no Senado que “o bipartidarismo de fato, que não significa imperiosamente a existência de apenas dois partidos, é o caminho e a fórmula da estabilidade”. Alguns dias depois, em palestra no Instituto dos Advogados Brasileiros, declarou que “sem Parlamento não há democracia, sem democracia não há liberdade e sem liberdade o homem é apenas uma aspiração a engordar”. Entrevistado em meados de setembro, defendeu a liberdade de informação, dizendo que esta não implicava “nenhum risco para o governo, para a imprensa, para a revolução”.
No início de 1977, Sarney precisou dedicar-se exclusivamente à política de seu estado, em virtude do agravamento da crise entre sua corrente e a de Vitorino Freire. Em 2 de abril foi fechado o jornal A Cidade de São Luís, fundado por Sarney. O fato foi atribuído a pressões econômicas que teriam partido do governo estadual. Dois dias antes, também o matutino Posição deixara de circular sob as mesmas alegações.
Ainda em abril, o diretório nacional do MDB decidiu fechar questão contra o projeto governamental de reforma do Judiciário, evidenciando sua intenção de não aprovar as reformas políticas, elemento central na tática eleitoral do governo. A decisão do MDB acabou por levar o presidente Geisel a decretar o recesso do Congresso e a editar o chamado “pacote de abril”, que visava a fortalecer o governo para enfrentar a oposição nas eleições de novembro de 1978. O “pacote de abril” continha um conjunto de medidas que impunha limites ao processo eleitoral, estabelecendo eleições indiretas para governador ainda em 1978, reduzindo para apenas a maioria absoluta o quorum para a aprovação de emendas constitucionais e aprovando a coincidência de mandatos em 1982, as sublegendas para o Senado, as eleições indiretas de um senador em cada estado e o voto vinculado para deputado estadual, federal e senador.
Em maio Sarney reapareceu no cenário político nacional, analisando o fracasso da tentativa de “acordo político entre governo e oposição”. Como vice-líder da maioria do Senado, começou a ocupar, outra vez, os espaços políticos do Congresso, que sempre dividira dentro da Arena com Petrônio Portela, Virgílio Távora e Jarbas Passarinho. Entrevistado pelo Jornal do Brasil, preconizou um entendimento do seu partido com o presidente Geisel para que se encontrasse uma fórmula para o projeto político do movimento de 1964, admitindo, em princípio, a convivência do AI-5 com uma Constituição que começasse a experimentar instrumentos novos, como um conselho de Estado.
Nesse mesmo mês defendeu a situação institucional respondendo ao terceiro discurso sucessivo do senador Paulo Brossard, do MDB gaúcho, um dos mais veementes adversários do regime. Em junho voltou à tribuna para responder às críticas de Brossard. No discurso — anunciado como o primeiro de uma trilogia —, acusou a oposição de acirrar posições e intensificar tensões, postergando a distensão. “As formulações e comparações da oposição sobre o regime brasileiro pecam pelo irrealismo. Estamos num processo de transição revolucionária, o poder revolucionário afirma que deseja continuá-lo e, portanto, não cabe à oposição julgar sua determinação, a não ser que o derrube pela força. Esta, contudo, não será jamais uma atitude nem sensata nem viável.”
Em meados de setembro, Sarney pediu o enquadramento do governador Nunes Freire no Código Penal por crime de falso testemunho. O pedido foi feito à comissão parlamentar de inquérito (CPI) que investigava o sistema fundiário. Sarney depôs na CPI defendendo-se das acusações de Nunes Freire — que denunciara a situação irregular das terras da fazenda Maguari, pertencente ao senador — e, segundo o Jornal do Brasil, exibiu documentos demonstrando não possuir título algum de propriedade de terra no Maranhão, a não ser a propriedade da família, herdada do sogro, cuja documentação também apresentou. Entretanto, segundo dados do recadastramento geral do INCRA, de 1978, citados por Alfredo Wagner B. de Almeida, a fazenda Maguari, em Santa Luzia, apareceria registrada em nome de José Sarney, com uma área de 4.253 hectares.
Em janeiro de 1978, manifestou-se contrário à legalização do Partido Comunista em países subdesenvolvidos. Declarou também que chegara o momento de escolher entre o voto proporcional e o distrital ou majoritário. Com a permanência do primeiro, “não terá sentido manter o bipartidarismo, pois esse sistema pressupõe a multiplicação de partidos”. No segundo caso, o país teria dois partidos fortes revezando-se no poder, “a exemplo de todas as democracias ocidentais”. Em sua opinião, seria essa a única saída para a prática de uma democracia liberal. Nesse mesmo mês, o nome do chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), general João Batista Figueiredo, foi anunciado como candidato do governo à presidência da República.
Em abril, Sarney teve seu nome novamente cogitado para o governo do estado. Segundo o Jornal do Brasil, o governador Nunes Freire, dizendo-se apoiado por 110 entre 130 prefeitos da Arena, tentou impedir a indicação de Sarney. Todavia, não foi recebido no palácio do Planalto e teria sido o único governador não contemplado com o privilégio de anunciar formalmente o nome de seu sucessor. Não obstante, a situação de crise permanente na política maranhense acabaria por impedir a indicação de Sarney.
Nesse mesmo mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) arquivou a representação criminal contra Sarney, feita por dois posseiros residentes na fazenda Maguari. Os posseiros tentaram, inicialmente, contestar a posse da fazenda, mas no entender do STF a propriedade “foi adquirida legitimamente pelo sr. José Sarney, através de escritura particular”. Segundo a opinião pública maranhense, a reivindicação dos posseiros foi prejudicada pela disputa entre o governador Nunes Freire e Sarney, tornando a questão apenas uma briga política.
No fim do mês, Sarney distribuiu nota à imprensa comunicando ter atendido ao apelo do general Figueiredo no sentido de permanecer no Senado. Sua aquiescência foi obtida com a garantia de que poderia disputar a eleição direta. No fim do documento, apoiou a indicação do deputado sarneísta João Castelo para o governo do estado, bem como a escolha do senador Alexandre Costa para concorrer à vaga de senador indireto.
Em meados de setembro, na qualidade de relator do projeto de reformas políticas, entregou a Geisel o relatório, constando entre outras alterações a limitação de 60 dias para a duração das medidas de emergência, a eliminação da suspensão automática dos mandatos parlamentares e a liberalização para a formação de partidos. Segundo Sarney, em relação à “ordem constitucional” o projeto restaurava totalmente o estado de direito e, em relação à “ordem política”, não esgotava as “aspirações liberalizantes, nem da sociedade, nem do próprio governo”. Por esse motivo, achava que o MDB não podia deixar de apoiar o projeto, pois ele consagrava todos os seus temas de campanha nos últimos anos: o fim do AI-5, a restauração do estado de direito e a superação dos atos de exceção.
Em outubro, o candidato oficial à presidência, general João Batista Figueiredo, secundado por Aureliano Chaves, governador de Minas Gerais e candidato à vice-presidência, derrotou por larga margem de votos as candidaturas alternativas apoiadas pelo MDB (general Euler Bentes Monteiro e Paulo Brossard).
Em novembro de 1978 Sarney reelegeu-se — com mais de duzentos mil votos — batendo recordes de votação: 63,7%, o maior percentual registrado por um candidato da Arena naquelas eleições. José Sarney Filho foi eleito deputado estadual, liderando também a votação da legenda. No último dia do ano, o governo promulgou a Emenda Constitucional nº 11 que extinguiu o AI-5, entrando em vigor a partir de 1º de janeiro de 1979 as chamadas reformas políticas contendo as “salvaguardas constitucionais”.
Na presidência da Arena
Em meados de janeiro de 1979, o presidente eleito, João Figueiredo, indicou Sarney para a presidência nacional da Arena em substituição a Francelino Pereira, indicado governador de Minas Gerais. De acordo com o Jornal do Brasil, Sarney voltara a ser, nos últimos anos, o parlamentar combativo de antes, duelando no plenário com os mais talentosos senadores da oposição. Eurico Resende, Jarbas Passarinho e Sarney, nos temas políticos, e Virgílio Távora, nos econômicos, formavam a linha de frente do partido governista. Contudo, para eleger Sarney substituto de Francelino foi necessário ao governo recorrer a um artifício, pois, não sendo membro do diretório nacional, ele não poderia atingir aquele posto. Optou-se então por conseguir renúncias e deixar o diretório com uma vaga aberta, a ser preenchida pelo senador maranhense. No lugar do amplo colégio da convenção partidária, o novo presidente do partido seria indicado pelo diretório nacional em 31 de janeiro. O expediente suscitou comentários de órgãos da imprensa, como o Jornal do Brasil, que observou: “A Arena não terá apenas 21 senadores biônicos, mas também um presidente indireto.”
Pouco depois de se tornar presidente da Arena, Sarney concedeu uma entrevista coletiva no escritório de Figueiredo. Prometeu envidar esforços, com os demais líderes, para transformar a Arena num partido moderno, de orientação socialdemocrata, lutando ainda “por criar lealdades voluntárias que ofereçam ao governo o respaldo político de que precisa e ao partido a força de que necessita”.
Em 15 de março de 1979 Figueiredo substituiu Ernesto Geisel na presidência da República. No fim de julho, Sarney abandonou sua luta em favor da conservação do bipartidarismo, convencido de que seu esforço era completamente infrutífero diante das decisões dos escalões superiores. Numa mudança brusca de estratégia, dirigiu sua atuação no sentido de que a reformulação partidária se processasse com o fim da Arena e do MDB, resultando na organização de um grande partido que daria respaldo ao governo.
Em meados de agosto, foi decidida pelo governo a manutenção da sublegenda em nível municipal, “com a finalidade de assegurar a convivência de divergências de ordem pessoal e permitir a formação de um único partido de sustentação do governo”. A tese, ainda alvo de algumas críticas, recebeu a orientação da Casa Civil da Presidência da República e a coordenação do presidente da Arena no sentido de ser assimilada pelos setores arenistas que se manifestaram contra.
O senador maranhense considerou a anistia, concedida em 28 de agosto de 1979, como um primeiro passo no processo de reformulação partidária. No início de setembro, propôs a dirigentes e líderes arenistas e oposicionistas que iniciassem entendimentos visando à reformulação partidária. Disse ainda que as posições assumidas publicamente pelo deputado paulista Ulysses Guimarães, presidente do MDB, condicionando a reorganização partidária ao restabelecimento da plenitude democrática, não conduziam a nenhum caminho e também não ajudavam a evolução do processo de abertura democrática com o qual estavam comprometidos o governo e a Arena. Afirmou que o debate em torno da reformulação partidária poderia estabelecer no Parlamento um sistema de aproximações sucessivas que poderiam desembocar num programa muito mais amplo, identificado com a conciliação nacional, já que para isso o presidente Figueiredo dera o primeiro passo quando dissera que estava de “mão estendida”. Segundo Sarney, “ninguém no Brasil nega que estamos caminhando em um processo de liberalização política, cuja evolução já se torna flagrante com o retorno ao país dos exilados, graças à Lei de Anistia”.
Alguns dias depois, defendeu sua antiga tese de que o país necessitava de partidos não ideológicos fortes para contrabalançar o ressurgimento de partidos populares. A esses partidos não ideológicos estaria destinado o papel de unir as forças sociais de centro democrático, a fim de conferir estabilidade às instituições políticas. A discussão em torno da criação de um ou dois partidos de sustentação do governo continuou dividindo os arenistas durante o mês de setembro. Sarney liderou a corrente que defendia a tese de criação de um único partido governista.
No fim de setembro, justificou a necessidade da reformulação partidária em palestra intitulada “Análise dos partidos políticos” na Escola Superior de Guerra (ESG), afirmando que ela “é necessária para dar maior autenticidade ao sistema partidário e evitar que grupos que não obtenham canal próprio para participar busquem outros meios, que prejudicariam a consolidação democrática”. Enfatizou ainda que os partidos não tinham promovido integralmente nos últimos anos a missão de filtrar aspirações da sociedade e transformá-las em decisões do governo. Por isso, os grupos de pressão tradicionais, como Igreja, federações, associações, sindicatos e outros, extrapolaram de suas órbitas para ditar políticas e sobre elas firmar posições e exercer militância.
Ainda em setembro, apoiou as manifestações do ministro da Aeronáutica, brigadeiro Délio Jardim de Matos, a favor das eleições diretas em todos os níveis, inclusive para a presidência da República. No dia 27, anunciou na presença de Ulysses a disposição do governo de extinguir os dois partidos, acrescentando: “Ninguém irá extinguir o MDB para acabar com a oposição. O fato é que estão ocorrendo divisões no interior dos dois partidos. E o futuro vai dizer se o nosso desejo era a extinção do MDB ou a criação de uma estrutura partidária democrática, que permita a alternância do poder. A oposição é inextinguível. A oposição sempre existirá.” Ulysses contestou essa afirmação dizendo que “a oposição se institucionaliza apenas através de um partido de oposição”, aduzindo: “Em política, a receita certa para um partido perder voto é mudar de nome.”
O projeto governamental, que recebeu críticas de setores da própria Arena, foi defendido por Sarney, que afirmou ser legítima a extinção dos partidos, pois a Arena e o MDB haviam sido criados por uma legislação de exceção já revogada pela Emenda Constitucional nº 11. Em sua opinião, o projeto da reformulação partidária estaria acabando com o remanescente do regime de exceção ao propor a extinção do seu partido e do MDB.
O projeto estabelecia um ritual para a fundação, organização e funcionamento dos partidos, obrigando-os a se estruturarem desde a base municipal, sem o que não obteriam o registro definitivo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Manteve-se a proibição de os partidos terem vínculos “de qualquer natureza com governos, entidades ou partidos estrangeiros”, segundo o Jornal do Brasil, numa alusão direta aos partidos comunistas e ao PTB, “pelas ligações do sr. Leonel Brizola com a socialdemocracia alemã”. Para justificar o desaparecimento da Arena e do MDB, o projeto estabeleceu que a agremiação teria de se denominar, obrigatoriamente, partido. Manteve-se a fidelidade partidária, de forma que o deputado ou senador que ingressasse num bloco — depois partido — nele seria obrigado a permanecer pelo menos durante todo o quadriênio. E dele só poderia sair para fundar outro partido, depois daquele prazo.
Em meados de novembro, o governo descobriu a existência de um pacto secreto entre dissidentes da Arena — cerca de 35 — e o MDB, pelo qual aqueles se comprometeriam a apoiar emenda da oposição, contrária à extinção dos partidos. Com os líderes da maioria no Senado e na Câmara, Jarbas Passarinho (PA) e Nélson Marchezan (RS), Sarney participou de uma reunião com o ministro da Justiça, Petrônio Portela, que considerou viável a aprovação da reforma por decurso de prazo, por considerar reduzidas as chances de um acordo entre arenistas fiéis a Figueiredo e os dissidentes. Estes reivindicavam a supressão da sublegenda. Durante todo o mês foram mantidos entendimentos entre o presidente da Arena e os líderes do partido na Câmara e no Senado com os chamados independentes, para garantir a aprovação do projeto de reforma partidária tal como desejado pelo governo. Extinto afinal o bipartidarismo em 29 de novembro de 1979, começou a reformulação partidária propriamente dita.
Em dezembro, numa palestra na ESG, Sarney expôs sua proposta de estrutura do novo Partido Democrático, que deveria ser o sucessor da Arena. No início do ano seguinte, na qualidade de último presidente da extinta Arena e um dos fundadores e coordenador do novo Partido Democrático Social, criado para substituir a Arena na sustentação político-parlamentar do governo, deu entrevista ao Jornal do Brasil afirmando entender que “o Brasil não pode ser uma potência econômica e nem uma democracia da justiça social se não tiver um sistema político que opere esses dois outros setores, de maneira a que seja também uma grande potência política”. Em meados de janeiro foi ratificado o nome de Partido Democrático Social (PDS) e divulgado o projeto de manifesto do partido, de autoria de Sarney. Nele, o PDS defendia o estado social de direito autoproclamando-se “o partido da reforma e da transformação”, cuja ação se realizaria “dentro da paz, da não-violência, da liberdade e da socialdemocracia”. De acordo com o manifesto, o partido propunha-se a apoiar, entre outros pontos, a participação dos trabalhadores não apenas nos lucros das empresas, mas também na sua administração, defendendo assim a implantação do sistema da co-gestão. Outro ponto, considerado revolucionário, pregava a participação dos trabalhadores na gestão dos fundos sociais, como o PIS-Pasep, o que atenderia a uma antiga reivindicação das classes trabalhadoras. A exemplo da extinta Arena, o PDS defendia o direito de greve, a liberdade sindical e a autonomia das assembleias de trabalhadores.
Alguns dias depois, Sarney classificou o programa do Partido Popular (PP), criado pela oposição moderada, divulgado em 12 de fevereiro, de “extremamente demagógico”, acrescentando tratar-se de “um tipo de ação política que já vai ficando ultrapassado no país”. Depois do PDS, do PP e do sucessor do MDB, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), os primeiros a obter seu registro provisório, os demais partidos políticos viriam a estruturar-se em maio de 1980. Em meados desse mês, seria concedida pelo TSE a posse da sigla PTB ao grupo liderado pela ex-deputada Ivete Vargas. O grupo chefiado por Leonel Brizola — que também disputava a sigla — formaria então o Partido Democrático Trabalhista (PDT). Também no fim de maio, o Partido dos Trabalhadores (PT), fundado em meados de fevereiro, lançaria seu programa definitivo.
Na presidência do PDS
Em 28 de fevereiro de 1980, a comissão nacional provisória do PDS elegeu, para presidente e secretário-geral, José Sarney e Prisco Viana, deputado pela Bahia, designando ainda os integrantes das comissões regionais provisórias em 11 estados. No decorrer de 1980, o novo partido governista viria a enfrentar sérias dificuldades internas, que colocariam em xeque a liderança de Sarney. A questão da sublegenda voltaria a dividir os pedessistas. Além disso, as lideranças estaduais pressionariam a direção do partido em virtude da marginalização que lhes era imposta pelo governo federal. Finalmente, havia ainda o problema do restabelecimento das prerrogativas do Legislativo, tese que era defendida pela ala liberal do partido e que reforçaria as dissensões.
Por outro lado, a escalada de atentados terroristas de direita contra setores oposicionistas provocaria uma reação mais intensa destes, que passaram a exigir a rápida apuração e punição dos culpados. Novamente a oposição ensaiaria a tese da convocação imediata de uma assembleia nacional constituinte.
No fim de maio, Sarney negou categoricamente que a extensão da sublegenda à eleição de governadores estivesse sendo objeto de qualquer apreciação pelo governo, desautorizando assim as declarações de pedessistas, inclusive do líder da bancada na Câmara, Nélson Marchezan. Segundo Sarney, a posição do PDS pela limitação da sublegenda ao pleito municipal já fora decidida pelo presidente da República. No início de junho foi firmado um acordo entre as lideranças do governo e da oposição no Congresso no sentido de conceder prioridade à tramitação da emenda denominada Flávio Marcílio — que restabelecia as prerrogativas do Legislativo suprimidas pela junta militar através da Emenda Constitucional nº 1, de 1969 —, sem, no entanto, antecipar a apreciação do projeto do governo, de realização de eleições diretas para governadores e a totalidade do Senado. No fim de julho, Sarney manifestou-se a favor da total inviolabilidade parlamentar, concordando com a posição assumida pelo deputado Flávio Marcílio (PDS-CE), presidente da Câmara. Devido à pressão governamental, a emenda Flávio Marcílio seria, entretanto, arquivada naquele ano.
No início de julho, Sarney afirmou que só o caos institucional justificaria a instalação de uma assembleia constituinte, “o que não ocorre no Brasil, que vive pleno estado de direito, com suas instituições funcionando livremente”. No dia 17, foi eleito para a cadeira nº 38 da Academia Brasileira de Letras, tomando posse em novembro.
No fim de agosto, Sarney anunciou que procuraria Ulysses e o senador Tancredo Neves, presidente do PP, para estabelecer o que chamou de “mecanismos de consulta”, através dos quais os partidos teriam respeitadas as suas posições, mas buscariam encontrar “um terreno comum de interesse público”. Na ocasião, sucediam-se atentados terroristas de direita que, segundo o senador pedessista Luís Viana Filho, partiam “de elementos que querem perturbar a marcha do país para a democracia”. No mais grave desses atentados, explodiu uma bomba na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no Rio de Janeiro, causando a morte de Lida Monteiro da Silva, diretora da secretaria. Ao enterro, transformado em manifestação de protesto contra a escalada do terror, compareceram cerca de dez mil pessoas, entre as quais representantes de todos os partidos, à exceção do PDS.
No início de setembro, Sarney declarou que, como resultado do trabalho de mobilização já executado, tinham sido instaladas 2.545 comissões municipais, com 24.400 lideranças atuantes, tendo sido filiados ao partido, até aquele momento, cerca de dois milhões e quinhentos mil eleitores. No decorrer da primeira quinzena de setembro reiniciou os contatos com representantes da oposição, ainda com o propósito de estabelecer canais de comunicação interpartidária. O deputado pernambucano Tales Ramalho, secretário-geral do PMDB, o terceiro representante da oposição a ser procurado, definiu esse trabalho como uma “quebra do radicalismo político”. No encontro, foi feita uma análise dos atentados terroristas e debatido o documento do PP apoiando o governo para a adoção das medidas necessárias ao combate ao terror. Sarney reiterou sua intenção de não excluir qualquer partido desse entendimento político, anunciando que deveria encontrar-se ainda com os presidentes do PDT, Leonel Brizola, e do PT, Luís Inácio da Silva, o Lula. Seriam também procurados os líderes dos partidos na Câmara.
No fim de novembro, entretanto, Sarney advertiu que, se seu partido perdesse a maioria no Congresso, “seria ruim para o PDS, mas pior para o país... porque o Brasil ainda não tem as instituições políticas para viver um sistema no qual um governo tenha minoria no Congresso”. Acrescentou que ainda estávamos “saindo de uma área de turbulência”. Justificou sua iniciativa de procurar os líderes oposicionistas afirmando que “tínhamos realmente uma fase difícil, em que alguns setores dentro do Congresso davam a impressão de cobrar da área militar sua participação na Revolução de 1964”. Em sua opinião, seria impossível o processo de abertura política “se as forças armadas não estivessem conscientizadas e garantindo essa mesma abertura”.
O ano de 1981 seria particularmente difícil para o governo Figueiredo, que teria várias vezes ameaçada sua política de abertura. Os principais obstáculos foram a intensificação das atividades terroristas e a perspectiva de um revés do situacionismo nas eleições marcadas para novembro de 1982. Em 20 de janeiro, Sarney recusou apoio à proposta de um grupo de parlamentares do PP e do PMDB visando à adoção de um compromisso entre governo e oposição para a superação dos problemas econômicos, sociais e políticos, defendendo como alternativa o estabelecimento de um entendimento interpartidário.
O PDS e as eleições de 1982
Em 21 de janeiro de 1981, Sarney deu início à missão de que foi incumbido pelo presidente Figueiredo, de percorrer o país para fazer um balanço da situação do partido do governo nos estados. Além do objetivo político — conter as dissidências que então ameaçavam a precária maioria do governo no Congresso —, a Missão Sarney tinha o objetivo estratégico de levantar a correlação de forças nos estados que formaria o quadro de fundo da reforma eleitoral. Os dois objetivos completavam-se com o estímulo que a passagem da missão pelos estados representaria para o PDS, mobilizando o partido para a campanha eleitoral de 1982, tendo em vista garantir a maioria no Colégio Eleitoral que elegeria o sucessor de Figueiredo. Segundo o Jornal do Brasil, a Missão Sarney era praticamente a mesma que o falecido senador Petrônio Portela executara sete anos antes para escolher, na antiga Arena, os governadores da safra de 1974. Havia, porém, inequívocas diferenças: os governadores seriam eleitos pelo voto direto e faltavam apenas 21 meses para as eleições.
Em meados de fevereiro, Sarney cumpriu a décima-primeira etapa de sua missão, entrando em contato com os líderes de seu partido no estado do Rio. O senador constatou a desagregação do PDS fluminense, com três comandos diferentes: o senador Ernâni Amaral Peixoto, presidente do diretório regional, o médico Guilherme Romano, amigo do general Golbery do Couto e Silva, chefe da Casa Civil da Presidência da República, e o deputado Léo Simões, amigo do presidente da República. Sarney definiu a posição do partido ante a questão constitucional, afirmando que “o atual Congresso tem poderes para uma ampla reforma da Carta, sem a convocação de uma constituinte”, o que descartava a proposta do jurista Afonso Arinos nesse sentido. Ao término da missão, O Estado de S. Paulo (22/2/1981) analisou seus primeiros resultados. “A Missão Sarney tornou clara ao governo e à opinião pública a divisão do PDS, irreconciliável em certos estados, e as dificuldades que o partido enfrentará, por causa disso, nas eleições de 1982. As viagens do senador também provocaram um acirramento da discussão sucessória.”
Finalmente, em 27 de abril, Sarney entregou a Figueiredo, na reunião do Conselho de Desenvolvimento Político do governo, o relatório da missão. Entre as reivindicações que lhe foram apresentadas — quase todas relacionadas com a situação do partido nas diversas regiões —, duas foram mais recorrentes, particularmente no Nordeste: a de que as sublegendas fossem estendidas às eleições para governador e a de que as coligações partidárias fossem dificultadas, a fim de afastar o fantasma da eleição de caráter plebiscitário que atormentara a antiga Arena em 1974 e 1978. Houve até quem reivindicasse a vinculação total de votos como um recurso adicional “contra o fermento oposicionista que ameaça o governo nos grandes centros urbanos com o crescimento do bolo eleitoral da oposição”. Segundo o Jornal do Brasil, praticamente todos os governadores do Nordeste pediram a Sarney a vinculação de votos.
Ainda antes da entrega do relatório da Missão Sarney, em 26 de março, Nélson Marchezan fora eleito presidente da Câmara por apenas 37 votos de diferença para seu opositor, também do PDS, Djalma Marinho (RN), que representava a dissidência e era apoiado pelos partidos da oposição. O Planalto mobilizara-se para garantir a eleição de Marchezan. No dia 24, o Senado elegera Jarbas Passarinho, do PDS, como seu presidente.
Na instalação da comissão partidária incumbida de examinar a reforma da legislação eleitoral, para espanto e protesto de alguns correligionários, como o deputado Ernâni Sátiro, da Paraíba, Sarney desaconselhou o exame da proposta de implantação do voto distrital — de sua autoria —, sob o argumento de que se tratava de assunto tão polêmico que polarizaria as atividades da comissão em prejuízo da grande tarefa que lhe cabia. Segundo O Estado de S. Paulo (29/3/1981), o presidente do PDS sabia que 2/3 da bancada eram ostensivamente contrários à inovação. Em 6 de abril, Sarney revelou ser candidato à reeleição, porque, segundo ele, contava com o apoio das bases do partido, como também de “figuras relevantes”, a exemplo do presidente Figueiredo.
Ainda em abril de 1981, a comissão executiva nacional do PDS reuniu-se, num primeiro esforço para colocar no mesmo campo de ação o ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, e Sarney. Segundo a Folha de S. Paulo, o desentendimento entre os dois era antigo, datando da época em que Abi-Ackel fora escolhido substituto de Petrônio Portela, contrariando as pretensões de Sarney. Reunida durante duas horas, a comissão decidiu apoiar o diálogo do ministro com líderes e dirigentes dos partidos oposicionistas para alterar o Estatuto dos Estrangeiros. O projeto do estatuto, de autoria do governo, fora aprovado em agosto de 1980 por decurso de prazo, e tornara passíveis de expulsão sumária os missionários de nacionalidade estrangeira, criando assim um ponto de atrito com a Igreja e com os setores oposicionistas. Por iniciativa de Abi-Ackel, que convencera a cúpula governista da necessidade de manter o diálogo com a Igreja diante do ano eleitoral, foram, então, iniciados entendimentos visando a uma futura modificação do estatuto. O novo projeto de lei dos estrangeiros, após passar pelo crivo da Igreja e das oposições, que tiveram incluídas suas reivindicações mínimas, foi afinal aprovado em meados de abril, por consenso interpartidário. No dia 13, os partidos de oposição decidiram, após reunião com o ministro da Justiça, que aprovariam sem emendas as alterações propostas pelo governo.
A decisão mais importante da executiva nacional do PDS, entretanto, foi a de constituir uma comissão de 11 membros para estudar a elaboração de uma nova proposta de emenda constitucional que devolvessse as prerrogativas do Legislativo. Dessa comissão fariam parte os deputados Célio Borja, Djalma Marinho e Flávio Marcílio, autores da primeira emenda das prerrogativas, quando o último ainda era presidente da Câmara. Segundo o Jornal do Brasil, a decisão foi fruto da reclamação do presidente da Câmara, Nélson Marchezan, de que tanto ele quanto o presidente do Senado, Jarbas Passarinho, haviam defendido o reexame da questão. Sarney começou a constituir a comissão em 29 de abril, nomeando o deputado mineiro Homero Santos, primeiro-vice-presidente do PDS, para a presidência. Nesse mesmo dia, o PMDB anunciou também a formação de sua comissão encarregada de elaborar um projeto de restauração das prerrogativas.
Na noite de 30 de abril de 1981, no Riocentro, no Rio de Janeiro, onde se realizava um show musical comemorativo do Dia do Trabalho com a presença de cerca de 20 mil pessoas, ocorreu o maior atentado terrorista do ano: uma bomba explodiu num automóvel matando um de seus ocupantes, o sargento do Exército Guilherme Pereira do Rosário, e ferindo gravemente o outro, o capitão do Exército Wilson Luís Chaves Machado. O espectro do terrorismo, que vinha ameaçando desde o ano anterior o projeto de abertura de Figueiredo, ao reaparecer na cena política, suscitou um clamor geral de condenação por parte de amplos setores da sociedade. Os atentados de 1980 não tinham sido esclarecidos, e novos atentados tinham ocorrido em março e abril. O episódio do Riocentro viria a se transformar no mais grave fato político de 1981.
Em 10 de maio, em São Paulo, Sarney assegurou que o governo envidaria todos os esforços para encontrar e punir os responsáveis pelo atentado terrorista. Os líderes dos partidos se reuniram para oferecer a Figueiredo solidariedade na investigação. Em nota divulgada em 11 de junho, a Presidência da República acentuou que a melhor forma de responder a essa solidariedade era reiterar seu compromisso de garantir a paz, com o apoio das forças armadas, “mantenedoras da ordem e guardiãs das instituições”. Enquanto se difundia a hipótese de um “acidente de trabalho”, ou seja, de que a bomba teria sido trazida pelos militares e acionada por descuido, o inquérito policial-militar (IPM) instaurado sob a jurisdição do Exército para investigar a ocorrência concluiu, no dia 30 de junho, que os dois militares teriam sido “vítimas de uma armadilha ardilosamente colocada no carro do capitão”. Instado pela imprensa a pronunciar-se sob o resultado do IPM, Sarney preferiu nada comentar. Em 17 de julho seria pedido o arquivamento do inquérito, por não haver indícios de autoria do atentado. Finalmente, em 10 de outubro, por dez votos contra quatro, o Superior Tribunal Militar (STM) decidiria arquivar o inquérito.
Ainda em 30 de junho, Sarney entregou a Figueiredo um conjunto de documentos contendo subsídios oferecidos por seu partido ao projeto de reforma eleitoral que o governo pretendia enviar ao Congresso em agosto. Os documentos tratavam da utilização da sublegenda em todos os níveis das eleições majoritárias (de senadores, prefeitos e governadores), da vinculação de votos (para o PDS, restrita às eleições proporcionais, de vereadores, deputados estaduais e deputados federais), das coligações (o PDS não propunha a proibição direta ou indireta do recurso às coligações partidárias) e da inelegibilidade (eram mantidos os prazos de um ano de domicílio eleitoral para as eleições estaduais e federais, tornando inelegíveis todos os beneficiados pela Lei da Anistia). No fim de julho, segundo o Jornal do Brasil, o palácio do Planalto já estava convencido da impossibilidade de qualquer acordo com a oposição em torno do projeto de reforma eleitoral.
No início de setembro, a antiga rixa entre o ministro da Justiça e o presidente do PDS voltou a se manifestar. Perante a comissão executiva nacional, Sarney criticou a atitude de Abi-Ackel, acusando-o de desprestigiar os dirigentes do partido. O ministro convocara em primeiro lugar o presidente do PP, Tancredo Neves, para informá-lo dos projetos de reforma eleitoral do governo, e só depois o chamara, como presidente do PDS, para tomar conhecimento dos textos “submetidos privilegiadamente” a um partido de oposição. Ainda na reunião, o PDS decidiu dirigir um apelo ao governo para incluir no projeto de reforma da Lei das Inelegibilidades um dispositivo que tornasse elegíveis os processados pela Lei de Segurança Nacional e por crimes comuns.
Ao longo do ano, episódios como o atentado do Riocentro, em abril, a renúncia de Golbery à Casa Civil, em agosto, e o impedimento, por doença, do presidente da República, em setembro, pareceram comportar sérias ameaças ao processo de abertura, mas foram afinal absorvidos num clima de normalidade constitucional. A crise política maior seria desencadeada por uma decisão do Congresso, em 22 de outubro, quando foi rejeitado o projeto do governo que estendia a sublegenda à eleição para governador em 1982. O quorum pretendido pela oposição foi alcançado com o apoio de dez votos de dissidentes do PDS e de seis parlamentares sem partido. O governo recebeu com extremo desagrado essa derrota infligida não propriamente por seus adversários, mas pela quebra de coesão de seu partido. Alguns dias depois, em 27 de outubro, as oposições obtiveram nova vitória no Congresso ao aprovar o projeto de reforma da Previdência, com emendas que, entre outras coisas, rejeitavam os artigos que tiravam dos aposentados que recebiam até três salários mínimos mais 10% do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) nos reajustamentos semestrais e 75% dos proventos dos que voltassem a trabalhar.
Em 25 de novembro, Figueiredo decidiu romper inesperadamente o diálogo com as oposições e enviou ao Congresso um projeto de reforma eleitoral, logo conhecido como “o pacote de novembro”. Grande parte das medidas propostas estava no relatório da Missão Sarney. Havia quatro pontos principais. O primeiro era a vinculação de votos, que obrigava o eleitor a votar em candidatos do mesmo partido. O segundo consistia na proibição de coligações, que reforçava a vinculação — pois os partidos ficavam obrigados a apresentar chapas completas, não podendo um partido apoiar, por exemplo, o candidato a governador de outro. O terceiro se referia à sublegenda municipal, existente na legislação, e que permitiria ao partido apresentar até três candidatos a prefeito. O quarto era o que proibia que o candidato a governador desistisse da campanha “expressa ou tacitamente”. A proposição visava a impedir que os partidos menores de oposição mantivessem candidatos fictícios e, na última hora, despejassem votos no candidato do PMDB.
A oposição reagiu ensaiando formas de resistência. A mais importante foi a proposta de incorporação do PP ao PMDB. Em 10 de dezembro, Sarney anunciou que seu partido pretendia apresentar um pedido de impugnação tão logo o PP entrasse com o pedido no TSE. Sarney considerou ilegal, injurídico e inconstitucional o ato preconizado pelas duas legendas oposicionistas. Posteriormente, entretanto, modificou inteiramente sua argumentação, confirmando estar prevista na legislação — desde os tempos da Carta de 1946 — a incorporação de partidos.
O empenho do dirigente do PDS no sentido da disciplina e obediência às ordens do comando, encarnado na figura do presidente da República, acabaria dando os resultados desejados. Reunindo toda a bancada, já agora sem uma única defecção, o partido governista fez aprovar o projeto que alterava a Lei das Inelegibilidades — e que reabilitava todos os ex-cassados para a vida pública — e a criação do estado de Rondônia. O projeto de reforma eleitoral seria aprovado por decurso de prazo, em 11 de janeiro de 1982.
Em meados de janeiro de 1982, Sarney e Prisco Viana declararam que o governo resolvera absorver normalmente a decisão tomada em 20 de dezembro pela maioria da convenção nacional extraordinária do PP em favor da incorporação ao PMDB. A mudança de tática do governo — que de início temera o crescimento do PMDB — decorria de sua pretensão de absorver os descontentes com a incorporação dos dois partidos. No fim do mês, Sarney reiterou a disposição de apoiar projeto que permitisse aos militantes do PP e do PMDB insatisfeitos com a incorporação, como o deputado Magalhães Pinto, a mudança para nova agremiação partidária, assegurada a sua elegibilidade para as eleições de 1982.
No fim de janeiro, Sarney declarou considerar a Lei Falcão, que regulamentava a propaganda eleitoral pelo rádio e televisão, “superada pelos fatos” e defendeu o fim da tutela do governo sobre a forma de divulgação da propaganda dos partidos. Em meados de fevereiro foi efetivada a incorporação PP-PMDB, celebrada como uma resposta ao pacote eleitoral do presidente Figueiredo, transformado em lei sem os votos do Congresso. No ato, foi eleito o novo diretório nacional do PMDB, com a inclusão de egressos do PP.
No início de março, Sarney justificou a decisão governamental de propor a reabertura do prazo para filiação partidária afirmando que os descontentes com a incorporação do PP ao PMDB não haviam tido tempo suficiente para amadurecer uma decisão. O prazo expirara em 2 de março de 1982, 48 horas após a decisão do TSE, que manteve a incorporação por quatro votos a dois. O novo prazo proposto encerrar-se-ia a 16 de março.
No início de abril, Sarney admitiu que aceitaria ser o candidato do PDS ao governo do Maranhão nas eleições de novembro, se fosse liberado pelo presidente Figueiredo de permanecer à frente do partido. Tal candidatura, porém, não se concretizou.
Em maio de 1982 foi enviada ao Congresso proposta de emenda constitucional alterando a composição do Colégio Eleitoral encarregado de eleger o presidente da República, instituindo o voto distrital misto para 1985, suprimindo exigências relacionadas com a formação de partidos e restituindo ao Legislativo algumas das prerrogativas que havia perdido depois de abril de 1964. Esse conjunto de medidas passou a ser chamado pelo noticiário político de “emendão”. Em 25 de junho, o “emendão” foi aprovado pelo Congresso, ficando estabelecido que: 1) o Colégio Eleitoral passaria a ser constituído de todos os membros do Congresso, mais seis deputados estaduais de cada Assembleia Legislativa indicados pelo partido majoritário; 2) as emendas constitucionais, para serem aprovadas, deveriam contar com 2/3 da Câmara e outros tantos do Senado; 3) o sistema distrital misto seria aplicado nas eleições de 1986 para a Câmara e as assembleias legislativas; 4) os prazos para desincompatibilização seriam reduzidos para quatro e seis meses; 5) os prefeitos e vereadores eleitos em novembro de 1982 teriam mandatos de seis anos; 6) as câmaras municipais das cidades com mais de um milhão de habitantes passariam a ser compostas de 33 vereadores, em vez de 21; 7) a eleição do próximo presidente da República seria realizada em 15 de janeiro de 1985; e 8) os partidos estariam desobrigados, para se constituírem, do alcance de 5% do eleitorado, com 3% distribuídos pelo menos em nove estados. Esses percentuais, no entanto, seriam restabelecidos depois de 1986.
Algumas das prerrogativas do Legislativo foram restauradas. Por 2/3 dos votos dos senadores e deputados, o Congresso poderia assumir a iniciativa de autoconvocar-se. Da inviolabilidade do mandato parlamentar ficaram excluídos apenas os delitos contra a honra, aplicando-se a Lei de Segurança Nacional somente para os crimes cometidos fora da tribuna parlamentar. Foi aumentado o número de deputados federais de 420 para 479, estabelecendo-se que nenhum estado poderia ter mais de 55 representantes, e elevando-se os dos territórios de dois para quatro. O decurso de prazo foi igualmente aliviado. O projeto de interesse do Executivo que não fosse aprovado em 45 dias ingressaria em pauta preferencial nas cinco sessões seguintes, ao fim das quais, se nada fosse deliberado sobre ele, seria aprovado por decurso de prazo. O “emendão” indicou ainda que as sessões da Câmara e do Senado não seriam limitadas. Todo pedido de informação por parlamentares seria imediatamente respondido pelo Executivo. As CPIs poderiam viajar pelo país se desejassem estender o objeto de suas investigações, e os deputados e senadores que viajassem para o exterior em missão diplomática ou cultural não dependeriam de autorização prévia do presidente da República.
No fim de julho, Sarney afirmou que os problemas econômicos que o país enfrentava, como as altas taxas de inflação, “não levam o partido ao desespero e nem comprometem o projeto político do governo, que tem o respaldo da nação inteira” e, em nome da comissão executiva do PDS, prestou solidariedade ao ministro do Planejamento, Delfim Neto. No início de agosto, contestou as críticas ao “voto domiciliar”, por ele preconizado. Sua posição — contraditória com a da antiga UDN, o partido que mais lutou contra esse sistema de votação — foi por ele assim defendida: “Hoje a situação é outra e o método não poderia mais servir como uma forma de manipular o eleitor.”
Em novembro de 1982 realizaram-se eleições gerais, exceto para presidente da República. Pela primeira vez, desde 1965, os governadores foram escolhidos pelo voto direto. O candidato do PDS no Maranhão, Luís Alves Coelho Rocha, vinculado à corrente sarneísta, foi eleito. Mas em todo o país o PDS sofreu importante derrota, com a chegada do PMDB e do PDT ao governo em dez dos estados mais desenvolvidos. No Legislativo, outra derrota: o governo militar perdeu a maioria absoluta de que desfrutava na Câmara.
Na sucessão de Figueiredo: do PDS ao PMDB
A ofensiva oposicionista procuraria, a partir das eleições de 1982, alterar o método de escolha do presidente da República. Em março de 1983, o deputado Dante de Oliveira (PMDB-MT) apresentou proposta de emenda constitucional que restabelecia as eleições diretas para a escolha do sucessor do presidente Figueiredo em 1984. A proposta foi acolhida por importantes líderes da Igreja, demais partidos de oposição, entidades da sociedade e artistas. Em junho, o PMDB promoveu em Goiânia seu primeiro comício popular pelas eleições diretas.
Também no PDS o ambiente era de inquietação. Em julho de 1983, a eleição para o diretório nacional apontou o avanço do movimento dissidente Participação, que conquistou 42 das 121 vagas. No mês seguinte, a maioria parlamentar que dava estabilidade ao governo, formada pela aliança PDS-PTB, rompeu-se, quando o Executivo enviou ao Congresso decreto que alterava os reajustes salariais. A aliança foi restabelecida, mas o episódio chamou a atenção para a fragilidade do esquema governista num momento em que começava a acirrar-se a disputa entre os que postulavam, dentro do PDS, candidatura às eleições presidenciais.
Sarney foi encarregado por Figueiredo de coordenar a sucessão dentro do PDS e apoiou a postulação do vice-presidente Aureliano Chaves. Também pleiteavam a indicação Paulo Maluf, ex-governador de São Paulo; Mário Andreazza, ministro do Interior; Costa Cavalcanti, presidente da Itaipu Binacional; Marco Maciel, senador e ex-governador de Pernambuco; e Hélio Beltrão, ministro da Previdência e da Desburocratização.
No PMDB, a despeito de seu programa contrário à participação no processo indireto, um grupo começava a sustentar que Tancredo Neves, governador de Minas e político dotado de perfil moderado e conciliador, reunia condições para aglutinar a maioria dos oposicionistas, obter a vitória, mesmo no Colégio Eleitoral, e comandar a última fase da transição política em curso. Simultaneamente, crescia a campanha pelas eleições diretas. Depois de um comício em Curitiba, que teve a presença de cerca de 40 mil pessoas, mais de cem mil manifestantes reuniram-se em São Paulo, em 25 de janeiro de 1984, para exigir a aprovação da emenda Dante de Oliveira.
Preocupadas com a amplitude do movimento pelas Diretas Já, inédita na história política do país, autoridades militares alertaram o presidente para os riscos que o processo sucessório estaria correndo. Em março, porém, o ministro da Marinha, almirante Maximiano da Fonseca, que vinha defendendo uma atitude tolerante em face da campanha, renunciou, alegando razões pessoais.
Em 10 de abril, o Rio de Janeiro foi palco de um comício multipartidário que atraiu cerca de um milhão de pessoas e contou com a presença de representantes de uma dissidência do PDS favorável às diretas. Seis dias depois, outro comício, em São Paulo, reuniu um milhão e meio de pessoas — a maior manifestação política jamais realizada no país — para pedir a aprovação da emenda. Seguiram-se comícios em outras cidades.
No dia 25 de abril de 1984, data da votação da emenda das diretas na Câmara dos Deputados, foram montados painéis em vários locais, com os nomes dos deputados e espaço para registrar publicamente seus votos. A ausência de 113 deputados à votação contribuiu para a derrota da emenda, que ainda assim obteve 298 votos favoráveis, 55 dos quais dados por deputados do PDS. Esse resultado, e a convicção de que a campanha das diretas mudara o eixo da política nacional, indicavam a possibilidade de vitória da oposição no pleito indireto. O PMDB decidiu então, conforme palavra de ordem lançada por Ulysses Guimarães, “ir ao Colégio para destruir o Colégio”. Em junho, os governadores peemedebistas oficializaram a candidatura de Tancredo Neves.
A campanha popular pelas diretas ainda marcava o clima político quando, em 11 de junho de 1984, a executiva nacional do PDS, cuja maioria simpatizava com a candidatura de Paulo Maluf, que fazia intensa campanha de aliciamento dos delegados, vetou a proposta de realização de uma consulta prévia às bases sobre os candidatos à eleição presidencial, apresentada por Sarney e pelo grupo anti-Maluf. Diante disso, Sarney renunciou imediatamente à presidência do PDS. Alguns dias depois, seu sucessor, senador Jorge Bornhausen (SC), também renunciou, sendo substituído pelo senador Ernâni Amaral Peixoto (RJ).
O fortalecimento da posição de Maluf levou seus adversários a unirem-se numa frente contra ele. Em 3 de julho, Marco Maciel anunciou que, com Aureliano Chaves, se retirava da disputa. Dois dias depois, em reunião de que os dois se ausentaram, o senador Augusto Franco (SE) foi escolhido para presidir o PDS. Em 13 de julho, Aureliano se pronunciou publicamente em apoio à candidatura de Tancredo. Em seguida, os dissidentes pedessistas se organizaram na Frente Liberal, que, em 18 daquele mês, indicou Sarney para vice de Tancredo. Cinco dias depois, Sarney desligou-se do diretório nacional do PDS. Nesse mesmo dia, o PMDB e a Frente Liberal fecharam um acordo para a candidatura de Tancredo. Entre os nove pontos acertados, destacavam-se a realização de eleições diretas para o seu sucessor, a fixação do mandato presidencial em quatro anos, a garantia de que a Frente Liberal indicaria o companheiro de chapa de Tancredo e a opção por uma campanha apoiada preferencialmente no uso dos meios de comunicação, deixando os comícios em segundo plano.
Ratificada a candidatura de Sarney pela Frente Liberal em 1º de agosto, data em que deixaram o PDS os governadores Gonzaga Mota (CE) e Roberto Magalhães (PE), seis dias depois formalizou-se em Brasília a Aliança Democrática, que uniu os dissidentes pedessistas ao PMDB. Na ocasião, foi firmado um documento intitulado Compromisso com a nação, em que eram propostas uma reforma institucional como meio para alcançar a democracia plena, profundas modificações na economia, uma reprogramação global da administração da dívida externa, a reformulação da política salarial e o estabelecimento de um novo pacto social, em meio ao debate sobre uma nova Constituição.
Sarney não participou da convenção do PDS realizada em 11 de agosto para escolher o candidato à eleição presidencial. Ausentaram-se, também, outros dissidentes, entre eles seis senadores e 27 deputados federais que, liderados por Marco Maciel e Aureliano, haviam aderido à Aliança Democrática. Afinal, Maluf derrotou Andreazza, que contou com o apoio de Figueiredo.
Apesar do distanciamento do PDS, Sarney teve seu ingresso na chapa da Aliança Democrática seriamente discutido por elementos do PMDB, dada sua ligação com o regime militar. Como permanecia filiado ao partido situacionista, questionou-se também a base jurídica da candidatura de um membro do PDS na legenda de outro partido. Prevaleceu, contudo, a tese de que se tratava de uma questão política, e não jurídica. A hostilidade de setores do PMDB foi neutralizada pela ação de destacados dirigentes do partido, como Ulysses Guimarães, a favor da aliança. A convenção do PMDB, no dia 12, homologou a chapa Tancredo-Sarney, num momento em que rumores de golpe militar, alimentados pela participação popular na campanha pelas eleições diretas, ameaçavam interromper o processo sucessório. No dia seguinte, Sarney contornou a questão legal, filiando-se ao PMDB.
O primeiro comício da Aliança Democrática realizou-se em Goiânia em 14 de setembro, reunindo cerca de trezentas mil pessoas. No mês seguinte, os governadores pedessistas José Agripino Maia (Rio Grande do Norte), Hugo Napoleão (Piauí), Divaldo Suruagy (Alagoas), João Durval (Bahia) e João Alves Filho (Sergipe) aderiram à Aliança, consolidando as perspectivas de vitória oposicionista no Colégio Eleitoral. A linha francamente ascensional da campanha, incrementada pelo apoio maciço dos meios de comunicação, provocou a reação de Figueiredo, que, por meio de cadeia de rádio e televisão, acusou a oposição de pretender coagir o Colégio Eleitoral, mas reafirmou seu propósito de manter-se fiel ao projeto de abertura política.
Em 11 de dezembro — mês em que a Frente Liberal anunciou que se transformaria no Partido da Frente Liberal —, a Aliança Democrática divulgou os pontos básicos do seu programa de governo: prioridade para o Nordeste; apoio à agricultura; fortalecimento da Fderação e reconhecimento, no processo de desenvolvimento, do papel da iniciativa privada e da contribuição do capital estrangeiro, sempre que este não ameaçasse a segurança nacional.
Realizada a eleição em 15 de janeiro de 1985, a chapa da Aliança Democrática recebeu 480 votos, contra 180 dados a Maluf e a seu companheiro de chapa, Flávio Marcílio. Houve ainda 17 abstenções e nove ausências. Entre os partidos de oposição, apenas o PT não a apoiou, por considerar ilegítima a eleição indireta. Ainda em janeiro, a Frente Liberal transformou-se no Partido da Frente Liberal (PFL), presidido por Marco Maciel.
Tancredo, que vinha adiando uma cirurgia para depois da posse, marcada para 15 de março, internou-se na véspera, às pressas, para operar o intestino. O fato provocou grande comoção popular, que, explorada intensivamente pelos meios de comunicação, atingiria dimensões inéditas na história do país.
Sarney, segundo declararia alguns anos mais tarde à Folha de S. Paulo (22/8/1993), foi informado pelos dirigentes da Aliança Democrática de que seria empossado e, como o presidente eleito se recuperaria em uma semana, o governo deveria ser organizado de acordo com compromissos assumidos anteriormente por Tancredo. Avaliando os fatos, contudo, admitiu que os documentos que tratavam das nomeações poderiam trazer a assinatura de Tancredo falsificada.
Entretanto, o presidente eleito, ao contrário do que divulgavam parentes, médicos e dirigentes da Aliança Democrática, não se recuperou. Sarney se queixaria mais tarde: “A mim, diziam que estava tudo bem (...). Só quem soube do câncer foram o Ulysses, o Tancredo Augusto (filho de Tancredo), outras pessoas íntimas da família e os médicos, coagidos sob o pretexto de preservar a segurança nacional. Fui um dos brasileiros que foram manipulados pela informação falsa.”
A solução para o problema criado pelo impedimento de Tancredo foi objeto também de considerações jurídico-políticas. Circularam notícias de que o chefe da Casa Civil do governo, Leitão de Abreu, emitira um parecer sustentando a tese de que o presidente da Câmara, Ulysses Guimarães, deveria assumir como presidente da República em exercício. Essa tese seria apoiada por setores do PMDB, mas não pelo PFL. Na entrevista citada, contudo, Sarney diz que isso não passou de lenda, já que, diante da informação oficial de que Tancredo tomaria posse, preferira esperar para assumir com ele; nesse caso, a Constituição indicava que o presidente da Câmara deveria ser investido interinamente no cargo. Na véspera da posse, contudo, uma reunião de Leitão de Abreu e líderes políticos teria deliberado que Sarney assumiria interinamente a presidência da República.
Na presidência da República
Considerando Sarney traidor do PDS e de seu governo, Figueiredo se recusou a participar da cerimônia de transmissão do cargo em 15 de março de 1985. Sarney foi empossado em condições muito peculiares. Como ele mesmo explicaria dez anos depois em artigo na Folha de S. Paulo (28/4/1995), Tancredo surgiu como candidato “numa engenharia política que só ele sabia e levou para o túmulo, compôs um governo que juntava as correntes mais heterogêneas e inconciliáveis. (...) Mantive os seus objetivos básicos e enfrentei obstáculos que ele jamais enfrentaria. O ministério e o governo não eram meus, não me tinham fidelidade e compromisso. Por outro lado, as forças que formavam a Aliança Democrática não me aceitavam, porque fui vice-presidente para viabilizar a vitória de Tancredo no Colégio Eleitoral, mas tinha a marca de um egresso do PDS”.
O ministério, organizado por Tancredo de maneira a garantir a transição pacífica, tinha feição fortemente conservadora, incluindo cinco políticos que até meses antes haviam apoiado o governo militar — Aureliano Chaves (Minas e Energia), Olavo Setúbal (Relações Exteriores), Marco Maciel (Educação) e Paulo Lustosa (Desburocratização), do PFL, e Antônio Carlos Magalhães (Comunicações), do PDS. Os demais, a maioria ligada ao PMDB, eram Afonso Camargo (Transportes), Almir Pazzianotto (Trabalho), Aluísio Alves (Administração), Carlos Santana (Saúde), Fernando Lyra (Justiça), Flávio Peixoto (Desenvolvimento Urbano), Francisco Dornelles (Fazenda), João Sayad (Planejamento), José Aparecido de Oliveira (Cultura), Nélson Ribeiro (Reforma e Desenvolvimento Agrário), Pedro Simon (Agricultura), Renato Archer (Ciência e Tecnologia), Roberto Gusmão (Indústria e Comércio), Ronaldo Costa Couto (Interior), Valdir Pires (Previdência), José Hugo Castelo Branco (Casa Civil), general Rubens Bayma Denis (Casa Militar), general Leônidas Pires Gonçalves (Exército), brigadeiro Otávio Júlio Moreira Lima (Aeronáutica), almirante Henrique Sabóia (Marinha), general Ivan de Sousa Mendes (Serviço Nacional de Informações) e general José Maria do Amaral (Estado-Maior das Forças Armadas). No dia 17, Sarney presidiu a primeira reunião ministerial, quando leu um discurso preparado por Tancredo que indicava as duas linhas de força do governo da Nova República, expressão criada por Ulysses para designar o plano de governo da Aliança Democrática: austeridade nos gastos públicos e combate à inflação.
Iniciando o governo sob suspeitas geradas por suas ligações com os governos militares e em meio à expectativa geral em torno do restabelecimento de Tancredo, que se submeteria a uma série de cirurgias, uma das primeiras medidas que Sarney tomou, em 19 de março, foi a suspensão de mais de cem concessões e permissões de emissoras de rádio e televisão assinadas por Figueiredo a partir de outubro de 1984.
Em seguida, iniciou o processo de desmontagem dos dispositivos de exceção herdados do regime militar — o “entulho autoritário”. Em abril, anunciou que não assinaria mais decretos-leis e que todos os atos que precisassem de lei para entrar em vigor seriam remetidos ao Congresso em regime de urgência, medida que, ainda que não viesse a ser observada estritamente, teve o mérito de chamar a atenção para a necessidade de rever os instrumentos de ação do Executivo. No dia 19, o governo aprovou um programa de emergência, com a definição das seguintes áreas prioritárias: merenda escolar; alimentação de gestantes, de jovens mães e de crianças; oferta de cesta básica de alimentos; saneamento e construção de habitações populares, presídios e delegacias.
Após submeter-se a sete cirurgias, Tancredo morreu em 21 de abril. No dia seguinte, Sarney assumiu efetivamente a presidência, anunciando que seu governo seria “o governo de Tancredo”. Em seu primeiro discurso na nova condição, tratou das duas maiores prioridades nacionais — a redemocratização e a crise econômica herdada do último governo militar —, prometendo que convocaria a Assembleia Constituinte “o mais cedo possível” e que o país cumpriria seus compromissos com os credores internacionais, mas não ao preço do sacrifício do povo.
A redemocratização
Sarney sancionou em 10 de maio várias medidas aprovadas pelo Congresso com o objetivo de redemocratizar o país: restabelecimento das eleições diretas para presidente, em dois turnos, e para prefeito das capitais, estâncias hidrominerais e municípios até então considerados áreas de segurança nacional; concessão do direito de voto para os analfabetos; representação política para o Distrito Federal, e fim da sublegenda e da fidelidade partidária, bem como liberdade de criação de partidos e formação de coligações partidárias. Os partidos clandestinos — Partido Comunista Brasileiro (PCB) e Partido Comunista do Brasil (PCdoB) — foram legalizados, e com a liberalização das regras criaram-se várias legendas.
O prosseguimento do processo de redemocratização era, contudo, limitado pela sobrevivência da Constituição imposta pelo regime militar em 1969, bem como de dispositivos como a Lei de Segurança Nacional e o decreto que estabelecera a censura prévia. A iniciativa de convocação da Assembleia Constituinte cabia ao presidente, e Sarney deveria optar entre as duas propostas de encaminhamento apresentadas. Uma — defendida por setores do PMDB, pelo PT, maioria do PDT e demais partidos de esquerda — preconizava que se elegesse, ainda em 1985, uma assembleia constituinte especialmente para fazer a nova Constituição, independentemente do Congresso, a qual se dissolveria em seguida. A outra, defendida pelas forças do centro político, pelos setores conservadores do PMDB, pelo PFL e pelo PDS, propunha que se fizesse a eleição em 1986.
Anunciando que cumpria “o mais grave compromisso da Nova República”, Sarney encaminhou ao Congresso, em 28 de junho, proposta de emenda convocando a Assembleia Nacional Constituinte, composta pelo Congresso a ser eleito em novembro de 1986 e pelos senadores no exercício do mandato, que se reuniriam a partir de 1º de fevereiro de 1987 para elaborar uma nova Constituição. Em seguida, nomeou a Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, articulada por Tancredo. Integrada por 50 membros sob a presidência de Afonso Arinos de Melo Franco, e incumbida de, no prazo de dez meses, elaborar um anteprojeto de constituição, a comissão foi instalada em 3 de setembro.
Procurando um canal de comunicação direta com o eleitorado de maneira a fortalecer suas posições em relação aos temas políticos que entrariam em discussão, Sarney, embora anunciasse que se manteria em posição de neutralidade, estreou em outubro de 1985 o programa Conversa ao pé do rádio. Usaria o programa durante os trabalhos da Constituinte para criticar os congressistas que divergiam de seus pontos de vista e o manteria até 1989, com índices nacionais de audiência baixos. No fim de seu mandato, pesquisa feita em Curitiba revelaria que 91,2% dos entrevistados nunca tinham ouvido o programa.
Eleições para prefeitos e vereadores realizadas em 15 de novembro de 1985 em 201 cidades, inclusive as capitais, deram a vitória ao PMDB, embora o partido perdesse em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife. A Aliança Democrática saiu enfraquecida da disputa, que em várias cidades opôs o PMDB e o PFL. À esquerda, a oposição também obteve trunfos importantes, como a vitória do PDT no Rio de Janeiro e em Porto Alegre, e do PT em Fortaleza. Em 1º de dezembro, os dois partidos fizeram um acordo para iniciar uma campanha por eleições diretas imediatas para a presidência.
Para substituir os ministros que precisavam se desincompatibilizar porque pretendiam candidatar-se em novembro de 1986, e montar uma equipe de sua confiança, livre dos compromissos políticos herdados de Tancredo, Sarney procedeu, em 14 de fevereiro de 1986, a uma reforma ministerial, empossando os novos titulares: Celso Furtado (Cultura), Deni Schwartz (Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente), Íris Resende (Agricultura), Jorge Bornhausen (Educação), José Hugo Castelo Branco (Indústria e Comércio), Sepúlveda Pertence (Procuradoria Geral da República), José Reinaldo Tavares (Transportes), Marco Maciel (Casa Civil), Paulo Brossard (Justiça), Rafael de Almeida Magalhães (Previdência), Abreu Sodré (Relações Exteriores), Roberto Santos (Saúde), Saulo Ramos (Consultoria Geral da República) e Vicente Cavalcanti Fialho (Irrigação, pasta extraordinária criada em 7 de fevereiro).
O presidente se preparava, porém, para outras batalhas, sobre assuntos de seu interesse que seriam discutidos na Constituinte. Tendo recebido em 18 de setembro de 1986 o anteprojeto de constituição elaborado pela Comissão Provisória para Estudos Constitucionais, deu a entender que, embora gostasse do trabalho, só o enviaria à Constituinte se fosse solicitado. Dessa maneira, evitava comprometer-se com as teses defendidas no projeto, que incluíam a adoção do parlamentarismo, contrária à sua opção presidencialista.
Sob o impacto positivo de êxitos na luta contra a inflação, as eleições para deputados federais e senadores que comporiam o Congresso constituinte, bem como para governadores e deputados estaduais, realizadas em 15 de novembro de 1986, deram uma vitória esmagadora ao partido de Sarney. O PMDB elegeu os governadores em 22 dos 23 estados, 46 dos 72 senadores e 260 dos 487 deputados federais.
Fortalecido pelo resultado eleitoral, interpretado como uma vitória política pessoal, Sarney decretou, no dia 20 de novembro, aumento de 60% nos preços dos combustíveis e, no dia seguinte, um conjunto de medidas de restrição econômica. A insatisfação generalizada com as medidas, que atingiu até mesmo setores do PMDB e motivou manifestações populares, traduziu-se no declínio da popularidade do presidente. Com a inflação voltando a manifestar-se e desgastado politicamente, Sarney lançou a proposta de construção de um pacto social, já defendido por Tancredo. Para isso, encarregou o ministro do Trabalho, Almir Pazzianotto, de conseguir o apoio de líderes sindicais. Durante o mês de janeiro, o governo fez várias reuniões com empresários e representantes dos trabalhadores, mas o pacto não foi alcançado.
Instalada a Assembleia Nacional Constituinte em 1º de fevereiro de 1987, Sarney anunciou que se manteria neutro em face das disputas políticas, solicitando apenas que os partidos se definissem em relação aos temas que diziam respeito diretamente ao seu governo — regime de governo e tempo de mandato. Em 18 de maio, porém, fez um pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão informando que, embora, de acordo com a Constituição em vigor, seu mandato estivesse fixado em seis anos, estaria disposto a abrir mão de um ano, de forma a evitar uma discussão que poderia imobilizar a nação. Defendeu, também, a manutenção do regime presidencialista.
Ao articular politicamente a manutenção do presidencialismo e a fixação de seu mandato em cinco anos, Sarney seria objeto de graves acusações de utilização de recursos públicos na conquista do voto de parlamentares. A principal moeda de troca teria sido a concessão de canais de rádio e televisão. Segundo a Folha de S. Paulo (28/11/1993), os registros do Ministério das Comunicações revelam que, durante sua gestão, Sarney beneficiou amigos com concessões, procedimento justificado por um de seus filhos, Fernando: “É natural que se dê preferência aos amigos.” Levantamento feito pela Federação Nacional dos Jornalistas e citado pela Folha de S. Paulo (3/9/1995) demonstra que até março de 1979, data da posse de Figueiredo, havia 1.483 emissoras de rádio e TV no Brasil. Durante o governo de Sarney, foram distribuídas 1.091 concessões, 257 no mês que antecedeu a promulgação da Constituição. Daquele total, 165 beneficiaram 91 parlamentares, 90% dos quais votariam a favor do mandato de cinco anos. Também ganhariam concessões do governo ministros, governadores, jornalistas e funcionários da administração pública.
A oposição ao governo motivou manifestações de rua. A mais séria aconteceu em 25 de junho de 1987, no Rio de Janeiro, quando o ônibus que conduzia Sarney ao Paço Imperial, onde participaria de uma cerimônia, foi cercado por um grupo de cerca de mil pessoas e apedrejado. No tumulto, ficaram feridos o presidente da Legião Brasileira de Assistência (LBA), Marcos Vilaça, e o porta-voz da presidência, Frota Neto.
Nesse ínterim, a Comissão de Sistematização da Constituinte aprovou a proposta de implantação do parlamentarismo. Presidencialista, Sarney, informou em agosto ao relator da comissão, senador Bernardo Cabral (PMDB-AM), que reagiria se a proposta fosse mantida. No mês seguinte, defendeu uma proposta conciliatória, na forma de um presidencialismo em que o Congresso tivesse poder para destituir ministros mediante voto de censura. Não conseguindo mudar a tendência predominante na comissão, passou a admitir a adoção do parlamentarismo, contanto que fosse aprovado por maioria absoluta da Constituinte e incluísse o voto distrital e a possibilidade de dissolução do Congresso em caso de impasse na nomeação do primeiro-ministro.
Em meio à luta por um mandato longo e pela plenitude dos poderes presidenciais, precisou administrar séria crise em sua base, que já se vinha desgastando desde as eleições municipais do ano anterior e se agravava pelas pressões que um setor do PMDB, de orientação social-democrata, fazia para que o partido se desligasse do governo. Em fins de setembro, discutiu com Maciel e Aureliano, dirigentes nacionais do PFL, a situação da Aliança Democrática, e os três optaram por dissolvê-la. No mesmo dia, o ministro da Educação, Jorge Bornhausen, demitiu-se. Para recompor sua base, Sarney fez contatos com o PTB e o PDS e, em início de outubro, lançou à sociedade, por meio de cadeia de rádio e televisão, uma proposta de formação de um governo de união nacional. Ainda nessa direção, recebeu alguns dias depois o apoio de 22 governadores do PMDB, que redigiram a Declaração do Rio de Janeiro, defendendo, entre outros pontos, o prazo de cinco anos para o mandato de Sarney — o governador peemedebista de Alagoas, Fernando Collor, era favorável ao prazo de quatro anos — e a manutenção do presidencialismo. Sarney encontraria precioso apoio também no Centro Democrático, formado em agosto de 1987 por constituintes identificados com teses conservadoras e que ficaria conhecido como Centrão.
Nova reforma ministerial, agora acompanhada de mudanças na estrutura administrativa, foi outro recurso tentado por Sarney para debelar a crise política. As mudanças no organograma do governo, anunciadas em 21 de outubro de 1987, foram as seguintes: o Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente passou a chamar-se Ministério da Habitação, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente; o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) foi extinto e suas funções transferidas para o recém-criado Instituto Jurídico das Terras Rurais (Inter). Deixaram suas pastas Rafael de Almeida Magalhães, substituído na Previdência por Renato Archer, que passou o Ministério da Ciência e Tecnologia para o deputado Luís Henrique (PMDB-SC); Roberto Santos, substituído no Ministério da Saúde pelo deputado Luís Carlos Borges da Silveira (PMDB-PR); Deni Schwartz, substituído no Ministério da Habitação, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente pelo deputado Prisco Viana (PMDB-BA).
Em 18 de novembro de 1987, três dias depois de a Comissão de Sistematização ter aprovado a adoção do parlamentarismo e a fixação do seu mandato em quatro anos, anunciou que envidaria todos os esforços para viabilizar a realização de eleições diretas no ano seguinte. Essa fora a reivindicação feita em dezembro por partidos de oposição em comícios que reuniram milhares de pessoas no Rio de Janeiro e em São Paulo.
A crise da base agravou-se em 9 de janeiro de 1988, quando o grupo histórico do PMDB — liderado pelos senadores paulistas Mário Covas e Fernando Henrique Cardoso e pelo deputado mineiro Pimenta da Veiga — exigiu do diretório nacional que rompesse definitivamente com o governo Sarney em um mês.
Ainda em janeiro, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), motivada por informações sobre atos ilícitos do ministro do Planejamento, Aníbal Teixeira, lançou uma nota em que anunciava a corrupção no governo, afirmando que o Brasil vivia uma “crise moral”. No mês seguinte, a Folha de S. Paulo publicou material que relacionava Sarney e seu círculo pessoal com irregularidades administrativas. No centro dos fatos estava Jorge Murad, ex-genro e secretário particular do presidente, acusado de intermediar verbas federais para o Maranhão.
As denúncias contra Murad foram apuradas pela CPI instalada no Senado em 10 de fevereiro de 1988 — presidente, José Inácio Ferreira; vice, Itamar Franco; relator, Carlos Chiarelli —, com o objetivo inicial de apurar denúncias de corrupção contra o ministro do Planejamento, Aníbal Teixeira, demitido em janeiro de 1988. As investigações logo atingiram vários setores do governo, inclusive o presidente, que, inquirido pela CPI em junho de 1988, se recusou a responder às 40 perguntas que lhe foram feitas, alegando que o ofício não lhe fora entregue por meios adequados. Nos primeiros seis meses de trabalho a CPI não conseguiu provas da conivência de Sarney com as irregularidades. Nas conclusões da CPI, Sarney não chegou a ser acusado de receber propinas pela intermediação, mas aparece como um presidente que distribuía o dinheiro dos fundos especiais, controlados diretamente pela Presidência e destinados aos municípios, sem qualquer critério técnico, movido apenas por interesses políticos. Como consequência desse procedimento, os recursos nunca eram suficientes e o presidente acabava apelando para a reserva de contingência, tendo no ministro do Planejamento um prestimoso colaborador.
Em 23 de março de 1988, a Assembleia Nacional Constituinte, num dos momentos mais tensos dos seus trabalhos, aprovou a manutenção do regime presidencialista e fixou o mandato dos futuros presidentes em cinco anos. A decisão teve repercussões imediatas no PMDB: no dia seguinte, oito deputados constituintes mineiros, entre os quais o ex-líder do governo Pimenta da Veiga, e os pernambucanos Fernando Lyra e Cristina Tavares desligaram-se do partido. Em 8 de abril, surgiu o Bloco Independente do PMDB, anunciado em manifesto assinado por 93 dos 280 constituintes peemedebistas, entre os quais os senadores paulistas Mário Covas e Fernando Henrique Cardoso, e também José Richa (PR). O grupo convocava os ministros a romper imediatamente com o governo e a lutar por eleições diretas para presidente ainda em 1988.
Em 2 de junho, o plenário da Constituinte determinou que o mandato de Sarney duraria cinco anos e marcou para 15 de novembro de 1989 a escolha do sucessor. Alguns anos mais tarde, Sarney revelaria, em entrevista à Folha de S. Paulo (22/8/1993), que, na expectativa da resolução da Assembleia, informara ao ministro da Justiça, Paulo Brossard, que, caso a Constituinte optasse por reduzir seu mandato para quatro anos, entenderia o fato como uma “moção de desconfiança do Congresso” e renunciaria. A decisão da Constituinte fez com que os membros do Bloco Independente do PMDB, partidários do prazo de quatro anos, abandonassem a legenda para fundar, em 24 de junho, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).
A aprovação em 26 de julho, em primeiro turno, do texto da futura Constituição levou Sarney a novo pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão. Advertiu que se o texto prevalecesse, após a votação em segundo turno, o país se tornaria ingovernável, haveria aumento de impostos e do déficit público, recessão e desemprego. O discurso provocou crise no governo, resultando na demissão dos ministros Renato Archer, Luís Henrique e Celso Furtado. Em 5 de outubro foi promulgada a nova Constituição.
Em 2 de novembro foram anunciadas no Senado as conclusões do relator da CPI da corrupção no governo. De acordo com o relatório, que seria aprovado pela comissão em fins de novembro por nove votos a um, Sarney teria tido pleno conhecimento das irregularidades. Em seguida, o documento foi enviado ao Ministério Público, à Polícia Federal e ao Tribunal de Contas da União. Em 13 de dezembro, o presidente da CPI requereu ao presidente da Câmara, Ulysses Guimarães, o impeachment de Sarney e seu enquadramento, com cinco ministros — José Reinaldo Tavares, João Batista de Abreu, Maílson da Nóbrega, Antônio Carlos Magalhães e Saulo Ramos —, por crimes de responsabilidade, pelos quais deveriam responder criminalmente, de acordo com o estabelecido na Constituição. O pedido seria arquivado pelo novo presidente da Câmara, Inocêncio Oliveira (PFL-PE), em 22 de fevereiro de 1989, por falta de “provas conclusivas”. Quatro dias depois, os senadores que haviam integrado a CPI entrariam com mandado de segurança no STF contra a decisão do presidente da Câmara. Os advogados Raymundo Faoro e José Carlos Bruzzi Castelo entraram com mandado de segurança no STF contra o arquivamento e perderam por cinco votos a quatro.
Uma última reforma administrativa e ministerial foi anunciada por Sarney em 15 de janeiro de 1989. Entre as várias medidas tomadas, destacaram-se a extinção de órgãos federais e autarquias, além dos ministérios da Habitação e Bem-Estar Social, da Reforma e Desenvolvimento Agrário, da Irrigação, da Ciência e Tecnologia e da Administração, e a nomeação de Carlos Santana para o Ministério da Educação, de Vicente Fialho para o de Minas e Energia, de Seigo Tsuzuki para o da Saúde e de Oscar Dias Correia para o da Justiça.
Dívida externa
A Nova República herdou do último governo militar muitos problemas econômicos. Entre os mais graves destacavam-se o volume da dívida externa, que em fins de 1984 somava cerca de cem bilhões de dólares, e a espiral inflacionária, que atingiu o índice de 12,7% mensais em março de 1985.
Reproduzindo a retórica de Tancredo, Sarney anunciou que honraria os compromissos financeiros do país, mas não ao preço da miséria do povo ou da soberania nacional. O problema do endividamento externo tinha, contudo, dimensões continentais e opunha interesses dos países do Terceiro Mundo aos dos agentes financeiros internacionais, em especial americanos. No Peru, por exemplo, o recém-empossado presidente Alan García anunciou, em 28 de julho, que restringiria a 10% de suas exportações os recursos que o país destinaria nos 12 meses seguintes ao pagamento da dívida externa. Dois dias depois, o governo americano suspendeu toda a ajuda militar e econômica ao Peru.
Respaldado politicamente pelos governadores peemedebistas — que em julho de 1985 divulgaram um documento com o objetivo de fortalecê-lo nas negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI) —, Sarney procurou apoio externo para suas posições. Durante viagem ao Uruguai, em agosto, acusou o FMI de tentar impor condições contrárias aos interesses brasileiros e assinou com o presidente Julio Sanguinetti um comunicado, defendendo o pagamento das dívidas externas dos dois países sem prejuízo do crescimento sustentado e sem rebaixamento do nível de vida de suas populações. No mês seguinte, viajou a Nova Iorque e aí advertiu, em discurso na Organização das Nações Unidas (ONU), que o Brasil não pagaria a dívida externa “nem com a recessão, nem com o desemprego, nem com a fome”, porque o povo brasileiro chegara “ao limite do suportável”.
Temendo que se estabelecesse uma situação de inadimplência geral entre os países latino-americanos, o FMI e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), mais conhecido como Banco Mundial, aprovaram oficialmente, em 2 de dezembro de 1985, o Plano Baker, de ajuda aos países devedores empenhados em realizar o reajuste de suas economias em paralelo com políticas de desenvolvimento econômico. Em 17 de janeiro do ano seguinte, o governo brasileiro anunciou a prorrogação, por um ano, da suspensão dos pagamentos do principal da dívida externa.
Depois que uma missão do FMI permaneceu no Brasil de 18 de agosto a 5 de setembro examinando as contas brasileiras, em dezembro de 1986, o país fechou um acordo com o Clube de Paris considerado um avanço importante no processo de renegociação da dívida externa e de regularização das relações financeiras internacionais. O acordo incluía a reabertura dos financiamentos oficiais às importações de máquinas e equipamentos e o reescalonamento dos pagamentos de 1985 e 1986 e parte dos vencimentos de 1987. Contudo, orientado pelo então ministro da Fazenda Dílson Funaro, Sarney, em 20 de fevereiro de 1987, anunciou, por cadeia de rádio e televisão, a suspensão do pagamento dos juros da dívida externa até que ficasse acertada com os credores uma forma de amortização que permitisse a recomposição das reservas cambiais. Mais tarde, na já citada entrevista à Folha de S. Paulo, rebateria a acusação de ter decretado a moratória como recurso político para angariar popularidade, garantindo que a decisão fora uma “imposição técnica”: “Simplesmente não tínhamos mais reservas internacionais. Só tive conhecimento do nível de nossas reservas quando elas já se encontravam abaixo do limite crítico.”
No primeiro dia de maio, metade da dívida externa foi agravada pela decisão, tomada pelos principais bancos americanos, de elevar a taxa preferencial de juros (prime rate) em 0,25%. Ainda nesse mês, os bancos americanos Citicorp, então o maior credor do Brasil, e Chase Manhattan Bank ampliaram significativamente suas reservas contra a inadimplência de países devedores, sendo seguidos, em junho, por mais três grandes instituições bancárias.
Em setembro, o então ministro da Fazenda, Luís Carlos Bresser-Pereira — que dois meses antes anunciara que o Brasil suspenderia o pagamento de mais de um bilhão de dólares às agências governamentais integrantes do Clube de Paris — participou em Nova Iorque, com os ministros da Argentina e do México, da criação do Grupo dos Três (G-3), num esforço de elaboração de uma saída comum para os problemas de endividamento externo. O documento divulgado na ocasião enfatizava que era necessário promover ajustes na economia mundial e tornar mais rápido o desembolso dos empréstimos acertados com os países credores. Alguns dias depois, no México, aos presidentes dos três países juntaram-se os da Colômbia, Peru, Panamá, Venezuela e Uruguai para firmar uma base comum de negociação da dívida externa com os EUA. Foram defendidas três propostas: que os juros pagos fossem financiados pelos credores; que parte da dívida fosse substituída por bônus resgatáveis a longo prazo; que as negociações com os bancos privados fossem desvinculadas do FMI.
Finalmente, em 6 de novembro o governo decretou o fim da moratória e, num ato de valor quase que apenas simbólico, efetuou o pagamento de quinhentos milhões de dólares da dívida. Em janeiro de 1988, contudo, as relações com os credores voltaram a agravar-se. Enquanto os bancos exigiam que o governo pagasse os juros da dívida vencidos nesse mês, o Citicorp anunciava ter tido grande prejuízo em 1987, atribuindo-o à moratória brasileira. Outros bancos americanos também registraram perdas atribuídas às dificuldades dos países da América Latina.
O governo, tentando regularizar as relações com as entidades financeiras internacionais, aceitou, em 1º de fevereiro, pagar parte dos juros relativos a janeiro e, um mês depois, fechou um acordo preliminar de refinanciamento da dívida externa. Assinado em 1º de julho, foi o primeiro acordo com o FMI desde o fim do governo Figueiredo. No mês seguinte, a instituição liberou um empréstimo de 1,4 bilhão de dólares para o Brasil. A regularização geral da situação se completaria em setembro, quando foi assinado com o FMI o novo acordo de reescalonamento da dívida por 20 anos.
A questão da administração da dívida externa a longo prazo não estava, contudo, resolvida. A dimensão continental da crise foi enfatizada por Sarney alguns dias depois. Discursando em 25 de setembro na 44ª Assembleia Geral da ONU, acusou os países ricos de explorar a vulnerabilidade dos países pobres, “oprimidos por uma conjuntura internacional perversa”. No mês seguinte, reforçou a acusação em duas reuniões do Grupo dos Oito, formado por Argentina, Brasil, Colômbia, México, Peru, Uruguai e Venezuela, em Ica, no Peru, e Punta del Leste, no Uruguai.
Em março de 1989, o governo dos EUA anunciou um plano para redução ou cancelamento de parte da dívida dos países latino-americanos. O plano, apresentado pelo secretário do Tesouro, Nicholas Brady, condicionava a concessão do benefício à implementação de ajustes nas economias de acordo com a orientação do FMI e do Banco Mundial. A gravidade da situação, para os credores, ficou patenteada em julho, quando o Banco Mundial, em seu relatório anual, previu uma crise na América Latina em decorrência da redução dos níveis de crescimento econômico e do vulto da dívida externa. Ainda nesse mês, os presidentes dos países integrantes do Grupo dos Sete (G-7) — EUA, Japão, Canadá, Alemanha Ocidental, Itália, França e Reino Unido —, reunidos em Paris, anunciaram, entre outras deliberações, a exclusão de Brasil e Argentina da lista de beneficiários em potencial do Plano Brady.
Depois de, em 15 de setembro de 1989, Maílson da Nóbrega – então ministro da Fazenda – ter anunciado que o Brasil não disporia de recursos para o pagamento dos juros da dívida que venceriam em três dias, Sarney, ao abrir no dia 23 a 45ª Sessão da Assembleia Geral da ONU, acusou os países ricos de adiar uma solução para o problema da dívida externa do Terceiro Mundo, em benefício dos bancos credores. No mês seguinte, participou no Peru de reunião do Grupo dos Oito — constituído, depois da exclusão do Panamá, por Argentina, Brasil, Colômbia, México, Peru, Uruguai e Venezuela —, na qual a questão da dívida externa foi o principal ponto. A essa altura, porém, as autoridades da área econômica já entendiam que a dívida externa era impagável, devendo o seu equacionamento subordinar-se a ajustes econômicos internos.
Combate à Inflação
No início do governo Sarney, houve uma relativa queda da inflação. O índice de abril de 1985 — 7,2% — foi o menor apurado desde 1983. Em julho, ressalvando que estava consolidada a abertura política e chegara o momento da “abertura econômica e social”, o governo anunciou as metas gerais para a área econômica: crescimento a taxas anuais de 5% e 6%, redução do déficit público para conter a inflação, implantação do orçamento único, saneamento financeiro das empresas estatais e combate à miséria.
Em 26 de agosto, contudo, sob intensa pressão por causa de seu programa anti-inflacionário de orientação liberal, cujas metas principais — a reversão do processo inflacionário, o saneamento do setor público e o equilíbrio das contas externas — colidiam com a prioridade dada por Sarney ao crescimento econômico, Francisco Dornelles demitiu-se do Ministério da Fazenda. Seu substituto, o empresário Dílson Funaro, assumiu o cargo anunciando a intenção de conciliar o combate à inflação com a retomada do crescimento. Já no mês seguinte, em reunião do FMI, o novo ministro pronunciou-se contra a política recessionista do órgão, defendendo a recuperação econômica pela via do desenvolvimento. O governo estabeleceu, então, a meta de 6% para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), em função da qual deveria ser equacionada a administração da dívida externa, cujo pagamento não poderia trazer recessão. Ao fim do primeiro ano de governo, porém, a inflação chegou a 255,16%, tendo registrado em janeiro de 1986 um novo recorde mensal, de 16,2%.
Em 28 de fevereiro de 1986, Sarney anunciou o Plano de Estabilização Econômica. Desde meados do ano anterior, técnicos vinham sendo enviados a Israel para estudar a experiência de combate à inflação por métodos heterodoxos, que vinha obtendo êxito no país. Recolhidos os subsídios, organizou-se um grupo, integrado pelos economistas João Sayad, Pérsio Arida, André Lara Resende e Francisco Lopes, com o objetivo de formular um programa para o Brasil. O Plano Cruzado, como ficou conhecido, visava basicamente a reverter o processo inflacionário, estabelecendo, entre outras medidas, uma reforma monetária, com o corte de três zeros no cruzeiro e sua substituição por uma nova moeda, o cruzado; o congelamento dos preços por um ano e também dos salários, pelo valor médio dos últimos seis meses, acrescido de um abono de 8%; a criação do “gatilho salarial”, pelo qual, toda vez que a inflação atingisse ou ultrapassasse o patamar de 20%, os salários receberiam um reajuste automático no mesmo valor, sendo as diferenças negociadas nos dissídios das categorias; a extinção da correção monetária; a instituição do seguro-desemprego e a criação do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) para a correção das poupanças e aplicações financeiras superiores a um ano.
Pronunciando-se por meio de cadeia de rádio e televisão, Sarney convocou a população para fiscalizar o respeito às tabelas de preços. Em resposta, estabelecimentos comerciais foram denunciados, e muitos gerentes, detidos. O plano recebeu uma adesão quase consensual, registrando-se a oposição feita pelo governador do estado do Rio, Leonel Brizola, pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pelas direções sindicais ligadas à Central Única dos Trabalhadores (CUT). Em 14 de abril, Sarney anunciou que o custo de vida caíra em março, configurando-se, portanto, uma conjuntura de deflação. Três dias depois o plano foi aprovado pelo Congresso.
Em meados de 1986, contudo, a situação econômica já se tornara crítica novamente. O fornecimento começou a ser boicotado, e as mercadorias passaram a ser vendidas com ágio. Diante do recrudescimento da inflação, em 23 de julho o governo adotou um novo conjunto de medidas econômicas, destinadas a criar condições para que o Brasil ocupasse “seu grande espaço no século XXI”. O plano previa o crescimento do PIB a taxas superiores a 7% ao ano, e os recursos para financiá-lo viriam de mecanismos basicamente fiscais que comporiam o Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND), entre os quais um empréstimo compulsório de 10% a 30% na compra de automóveis e de combustíveis, uma taxa de 25% sobre as vendas de dólares e passagens aéreas internacionais e isenção do imposto de renda para aplicações de capitais estrangeiros nas bolsas de valores.
O governo manteve o congelamento até as eleições de novembro, tentando obter maiores dividendos políticos. A popularidade de Sarney era alta, o que estimulou o ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, a propor que se criasse em torno dele um partido político. A estratégia eleitoral deu certo, e o PMDB venceu nos principais estados.
Ainda se apuravam votos quando o governo decretou, em 21 de novembro, o Plano Cruzado II, que descongelou os preços de produtos e serviços, liberou os preços dos aluguéis para serem negociados entre proprietários e inquilinos e alterou o cálculo da inflação, que passou a ser medida com base nos gastos das famílias com renda de até cinco salários mínimos. O resultado imediato foi um aumento generalizado de preços, levando a população a perder a confiança no governo.
A situação tornou-se crítica também na equipe governamental. Em fevereiro de 1987, Aureliano Chaves, ministro da Minas e Energia, declarou à imprensa que o Plano Cruzado falhara por ter sido usado com fins eleitorais. Em seguida, o ministro do Planejamento, João Sayad, que tivera recusado um conjunto de propostas de estabilização econômica, que previam um aumento e um novo congelamento de preços, demitiu-se em 17 de março, sendo substituído por Aníbal Teixeira, titular da Secretaria Especial de Assuntos Comunitários (SEAC). Ainda em março, Sarney participou em São Paulo de reunião com um grupo de empresários que o pressionaram a definir um novo programa econômico que liberasse os preços, extinguisse o “gatilho salarial” e reduzisse os custos financeiros. Também os governadores do PMDB agiam no sentido de obter do governo novas definições para a economia, exigindo ainda reformas ministeriais.
Em 26 de abril, Funaro anunciou publicamente seu pedido de demissão, apresentado ao presidente dois dias antes, e criticou “a impunidade generalizada” no governo, que teria provocado o fracasso do Plano Cruzado. Três dias depois, assumiu seu substituto, Bresser-Pereira, secretário de Ciência e Tecnologia de São Paulo.
Com a inflação de maio chegando a 23,26%, Sarney adotou, em 12 de junho, o Plano Bresser: novo congelamento, por três meses, de preços, aluguéis e salários; extinção do subsídio ao trigo e adiamento de obras públicas já planejadas, a fim de conter o déficit público, considerado responsável pela inflação. Em 9 de julho, Bresser apresentou a Sarney seu Plano de Consistência Macroeconômica, que propunha cortes nos gastos do governo em projetos e no custeio da máquina governamental e a redução da meta de crescimento do PIB nos três anos seguintes, estimada em 6% ao ano; tais medidas foram adotadas pelo governo duas semanas depois. Em 18 de dezembro, porém, o ministro se demitiu, por não ter conseguido apoio de Sarney para o novo conjunto de medidas com que pretendia resolver os problemas do déficit público e da inflação. Foi substituído por Maílson da Nóbrega, secretário-geral do Ministério da Fazenda, que assumiu interinamente. No fim do ano, a inflação atingiu o índice de 366% e, em 6 de janeiro de 1988, Maílson foi efetivado.
O novo ministro apelidou sua estratégia de luta contra a inflação de “feijão-com-arroz”. Tratava-se de conviver com a inflação sem medidas drásticas, apenas fazendo ajustes parciais com o objetivo de evitar a hiperinflação. Na gestão de Maílson, Sarney assinou, em maio, três decretos-leis e um decreto introduzindo alterações na política industrial: facilidades para a importação — redução do imposto de 105 para 70% — e exportação — suspensão do controle prévio pelo governo — e reformulação do Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI). A nova orientação rompeu com a política de substituição de importações e de protecionismo tarifário em vigor durante quase meio século, iniciando um movimento de adequação da economia ao mercado mundial que se concretizaria em governos posteriores.
Como a inflação acumulada tivesse passado dos 366% em 1987 para 933% no fim de 1988, Maílson apresentou, em 15 de janeiro de 1989, um novo conjunto de medidas, o Plano Verão: congelamento de preços, salários e tarifas; substituição do cruzado pelo cruzado novo, com três zeros a menos e desvalorizado em 18,32% em relação ao dólar; extinção da correção monetária; política de gastos do governo subordinados à arrecadação; privatização de estatais; demissão de servidores; extinção dos ministérios da Habitação e Bem-Estar Social, da Reforma e Desenvolvimento Agrário, da Irrigação, da Ciência e Tecnologia e da Administração; remanejamento de atribuições e fechamento de grande número de órgãos federais e autarquias.
O plano não obteve êxito. Em setembro, Sarney e seus ministros da área econômica atribuíram à proximidade das eleições a aceleração inflacionária do mês em curso. Ao fim do mandato de Sarney, os números mostrariam uma inflação de 2.751% acumulada de fevereiro de 1989 a fevereiro de 1990.
Política externa
A política externa da Nova República foi inaugurada em 14 de junho de 1986, com um lance de alta significação simbólica do ponto de vista do processo de desmontagem do regime militar. Nesse dia, foram reatadas as relações diplomáticas com Cuba, rompidas pelo governo militar em 1964. A medida, justificada como um passo no processo de integração latino-americana, seria complementada em janeiro do ano seguinte, com a inauguração do sistema de discagem telefônica direta entre os dois países.
Em 30 de julho de 1986, Sarney assinou em Buenos Aires, com Raúl Alfonsín, presidente da Argentina, a Ata para a Integração Argentino-Brasileira, conjunto de acordos econômicos e políticos bilaterais, mas abertos à adesão de outros países da região, voltados para a formação de um futuro mercado comum latino-americano. Alfonsín retribuiria a visita em dezembro, incrementando o processo de integração, que obedeceu, num primeiro momento, a motivações mais políticas do que econômicas. Tratava-se de, por meio da criação de interesses econômicos comuns, lançar bases para a superação da tradicional rivalidade que desde a época colonial antagonizava os dois países. O Programa de Integração e Cooperação Econômica, instituído na ocasião, anunciou, pela primeira vez explicitamente, o propósito de instituir um “espaço econômico comum” em que setores da economia dos dois países se complementariam. Com o fim da guerra fria, simbolizada pela queda do Muro de Berlim em novembro de 1989, e a consequente abertura dos países ex-comunistas aos investimentos capitalistas, iria acirrar-se a concorrência entre as áreas periféricas por capitais, e as alternativas de integração regional assumiriam importância estratégica. Nesse quadro, a aproximação com a Argentina, iniciada no governo Sarney, resultaria, em 1991, na criação do Mercado Comum do Sul (Mercosul), reunindo também o Paraguai e o Uruguai, cujo início do funcionamento foi marcado para 1995.
Outra questão importante no relacionamento externo foram os conflitos com os EUA sobre a política de reserva de mercado da informática, em vigor desde 1984. Alegando prejuízos de cerca de meio bilhão de dólares com o desrespeito aos direitos de propriedade sobre softwares praticado no Brasil, o presidente americano, Ronald Reagan, para forçar o governo a alterar a legislação, ameaçou, em fevereiro de 1986, rever as concessões tarifárias para as exportações brasileiras.
Embora resistisse a mudar a Lei de Informática, Sarney enviou ao Congresso, em abril de 1986, projeto regulamentando a venda e os direitos de propriedade dos softwares, que mantinha a reserva de mercado mas facilitava a entrada de programas estrangeiros. Insatisfeito com a posição do Brasil, o governo dos EUA extinguiu em janeiro de 1987 o sistema preferencial de tarifas que beneficiava vários produtos brasileiros, como autopeças, álcool e artigos de couro, passando a gravá-los com taxas que variavam de 5% a 10%. Em dezembro, o Congresso brasileiro aprovou a Lei de Comercialização de Softwares, regulamentada em abril do ano seguinte. Os EUA suspenderam as pressões sobre o Brasil em 1989, mas a reserva de mercado só seria extinta em outubro de 1992, em decorrência do fim da validade da lei que a criara em 1984.
As lutas sociais no campo e na cidade
Refletindo o processo de concentração da propriedade rural, incrementado durante o regime militar, a partir de 1985 as reivindicações dos trabalhadores do campo se intensificaram. A radicalização dos conflitos com fazendeiros e seus empregados pela posse da terra elevaria o número de assassinatos de posseiros por grileiros de terras.
Em maio de 1985, Sarney anunciou o Plano Nacional de Reforma Agrária, cuja meta era assentar, em 15 anos, cerca de sete milhões de trabalhadores rurais, dos quais 1,4 milhão até 1989. Depois de difíceis negociações, o plano entrou em vigor por decreto de 10 de outubro.
No campo, contudo, a questão agrária assumia contornos cada vez mais violentos, e trabalhadores e proprietários rurais começavam a organizar-se, respectivamente, no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e na União Democrática Ruralista (UDR). Em maio de 1986 o padre Josimo Morais Tavares, de São Sebastião do Tocantins (PA), coordenador da Pastoral da Terra da CNBB e aliado dos posseiros da região em conflito com grandes proprietários, foi assassinado em Imperatriz, no Maranhão. Um pistoleiro confessou o crime e foi condenado a 18 anos de prisão. Conflitos semelhantes reproduziam-se nas áreas de fronteira agrícola, especialmente na Amazônia e no Centro-Oeste. Em vista das circunstâncias, Sarney, ainda em maio, delegou ao ministro da Justiça, Paulo Brossard, a coordenação do equacionamento da violência no campo, com poderes até para mobilizar as forças armadas.
A intervenção na raiz do problema — a propriedade da terra — mostrou-se, contudo, difícil, e em 23 de junho de 1987 o governo reduziu em 70% a meta de assentamentos para 1987-1988. Em dezembro de 1988, o seringueiro Francisco (Chico) Mendes, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, no Acre, foi assassinado. Sua morte tornou-se símbolo da luta contra a violência no campo, motivando amplos atos de protesto no país e no exterior.
Em outubro de 1989, a Anistia Internacional denunciou que em 1988 haviam sido registrados no Brasil 50 assassinatos em que as vítimas eram camponeses, religiosos e sindicalistas, e os assassinos, pistoleiros a serviço de proprietários rurais. No fim do mandato, Sarney assentara apenas 80 mil famílias, ficando muito aquém da meta anunciada em 1985.
A eleição de 1989
A sucessão de Sarney abriu caminho para a primeira eleição direta para presidente após 29 anos e foi a mais disputada do período republicano. Dos 24 candidatos participantes, os mais expressivos, do ponto de vista político, eram Aureliano Chaves (PFL), Fernando Collor (Partido da Reconstrução Nacional — PRN), Guilherme Afif Domingos (Partido Liberal — PL), Leonel Brizola (PDT), Luís Inácio Lula da Silva (PT), Mário Covas (PSDB), Paulo Maluf (PDS), Roberto Freire (PCB), Ronaldo Caiado (Partido Social Democrático — PSD) e Ulysses Guimarães (PMDB).
A disputa, marcada por grandes comícios, iniciou-se sob a liderança de Brizola e Lula, mas logo Collor assumiu a dianteira nas pesquisas de intenção de voto. Sua campanha girava em torno do combate à corrupçã,o e Sarney foi transformado em emblema de séculos de irregularidades administrativas.
Apenas a candidatura do empresário e animador de televisão Sílvio Santos, lançada 15 dias antes do primeiro turno pelo pequeno Partido Municipalista Brasileiro (PMB), surgiu como ameaça à trajetória fulminante de Collor. Pesquisas de opinião apontavam o apresentador como preferido de cerca de 30% das intenções de voto, a maior parte nas classes mais pobres, nas quais o candidato do PRN vinha obtendo grande apoio. Sarney, embora aparentasse neutralidade em face do processo sucessório, seria beneficiado com essa candidatura, que o livraria do risco de que Collor fizesse, como vinha ameaçando, uma devassa em sua administração, caso vencesse o pleito. Em junho de 1989, Sarney vetara alguns artigos da lei de regulamentação eleitoral aprovada no Congresso, entre os quais o que limitava o prazo de filiação partidária. Graças a isso, Sílvio Santos pudera filiar-se ao PMB e ameaçar a posição de Collor. Imediatamente, pedidos de impugnação da candidatura do empresário foram apresentados ao TSE, denunciando, principalmente, sua condição de proprietário de uma rede de televisão. A campanha do PRN capitalizaria o episódio, explicando-o como uma manobra de Sarney contra seu candidato.
Durante o horário eleitoral gratuito, em 4 de novembro, Sarney foi classificado por Collor de “corrupto, incompetente e safado”. No exercício do direito de resposta, o presidente, que abriu um processo por calúnia e difamação contra o candidato do PRN, compareceu ao seu programa eleitoral de 7 de novembro. Acusando Collor de estar “profundamente transtornado”, evocou o país como testemunha da brutalidade com que estaria sendo agredido por ele e deixou no ar a indagação: “O que não faria no poder quem não respeita, simples candidato, o presidente da República?”
Em 14 de novembro, véspera da data do centenário da República e da eleição, Sarney convocou rede nacional de rádio e televisão para reivindicar para si o mérito das conquistas democráticas registradas desde o fim do regime militar. Exaltado, listou seus feitos: estabelecimento da liberdade sindical, convocação da Assembleia Nacional Constituinte, conclusão da anistia política etc. A obra da transição democrática seria consumada com a eleição presidencial do dia seguinte, certamente “a mais livre, a mais limpa e a mais democrática de toda a nossa história”.
O primeiro turno das eleições contou com a participação de 82.074 milhões de eleitores, 88% do eleitorado. Passaram para o segundo turno Collor, com 28,52% dos votos, e Lula, com 16,08%. No dia seguinte, frisando que falava como cidadão e não como presidente, Sarney revelou ter votado em Aureliano, “porque é um homem de bem”. Em seguida, declarou que exerceria o mandato até o último dia e não negociaria uma posse antecipada de seu sucessor.
Com o apoio de candidatos derrotados no primeiro turno, a candidatura de Lula cresceu rapidamente. Para derrotá-la, Collor lançou mão de inúmeros recursos, entre os quais a radicalização do discurso de oposição a Sarney, que passou a personalizar todos os males do país: privilégios, irresponsabilidade, baixa qualidade dos políticos, negociatas etc.
Os ataques talvez tenham atingido Sarney no plano pessoal. O fato é que este, em 30 de novembro, desfrutando de índices de popularidade muito baixos e com sintomas de hipertensão arterial, cancelou sua agenda e recorreu a serviços médicos. No dia seguinte, após nova crise, circularam notícias de que estaria deprimido com injustiças de que vinha sendo vítima da parte do candidato do PRN. Posteriormente, contudo, seriam divulgadas informações sobre a verdadeira intenção das diatribes lançadas por Collor contra Sarney. Segundo o Jornal do Brasil, (22/7/1990), tratava-se de uma tática destinada a consolidar a imagem de oposicionista radical e evitar a vitória de Lula. O presidente teria sido informado da situação no início de dezembro por um emissário de Collor, que lhe pediu para assimilar os golpes em nome de um interesse comum.
Segundo o livro A história real, o presidente e os dez ministros mais importantes de sua equipe reuniram-se em 7 de dezembro de 1989 para discutir a possibilidade de renúncia de Sarney e a consequente antecipação da posse do novo presidente, prevista para 15 de março de 1990. A proposta surgira no governo, tendo partido do receio que a equipe econômica nutria de que em dezembro a inflação chegasse a 150%, deixando para o futuro presidente uma situação explosiva. Sarney, diante da falta de consenso entre os ministros, teria descartado a ideia de renúncia e, no dia seguinte, afirmou que a transição para a democracia fora “totalmente realizada” no seu governo e que seu sucessor iria “governar com o país estruturado e com um povo treinado e habituado à democracia”.
Realizado o segundo turno, Collor venceu com 35,08 milhões de votos (42,75%) contra 31,07 milhões (37,86%) dados a Lula. Iniciou-se, então, um conturbado processo de transição administrativa. Ainda sob efeito de ameaças de Collor, Sarney anunciou, em 21 de dezembro, que não temia uma devassa em seu governo e que ordenara ao chefe da Casa Civil, Luís Roberto Ponte, que liberasse todas as informações para a assessoria do presidente eleito. Logo em seguida, porém, começaram a circular rumores de que Collor pretendia ter com ele um encontro formal antes da posse. Sarney fez o último gesto de colaboração com Collor em 12 de março de 1990, quando, a pedido deste, encaminhou nomes por ele indicados para a diretoria do Banco Central e decretou feriado bancário a partir do dia seguinte. A providência constituía um preparativo para o conjunto de medidas de natureza econômico-financeira que Collor adotaria já no dia de sua posse, em 15 de março.
De volta ao Senado
Sarney não conseguiu articular sua candidatura ao Senado com as forças políticas maranhenses, que optaram por Epitácio Cafeteira, o que resultou na ruptura política dos dois. Participou, então, da primeira eleição no novo estado do Amapá, que, de acordo com as Disposições Transitórias da Constituição de 1988, deixaria a condição de território em 1º de janeiro de 1991, devendo, portanto, eleger em 1990 governador, deputados e três senadores. Lançado candidato pelo PMDB, Sarney sofreu impugnação, porque o partido registrara a chapa com apenas um suplente, contrariando a legislação, que exigia dois. Um recurso ao STF, deferido uma semana antes da eleição, garantiu-lhe o direito de disputá-la.
Cercado de grande expectativa, porque era forte a opinião de que Sarney teria mais recursos para defender os interesses do Amapá no plano federal do que o futuro governador, o pleito foi realizado em 3 de outubro de 1990. Sarney foi eleito senador com 53.004 votos (58,04%), à frente do empresário Henrique Almeida, também peemedebista, que recebeu 27.237 (29,82%). O terceiro eleito foi Jonas Borges, do PTB.
Empossado em fevereiro de 1991, nos primeiros meses de mandato Sarney deu preferência aos trabalhos de gabinete, mantendo-se afastado do plenário. Só em maio, quando ex-membros de sua equipe foram nomeados para cargos de expressão no governo federal, manifestou no Senado seu apoio político a Collor. No entanto, com o agravamento, em maio do ano seguinte, da crise desencadeada por denúncias de corrupção contra Collor e seus colaboradores, apoiou discretamente, por meio de seus filhos Roseana e José Sarney Filho, o movimento em prol da substituição do presidente pelo vice Itamar Franco.
Em meados de agosto, porém, rompeu o silêncio em relação à crise, mantido, segundo explicou, porque “não queria agravar a situação nacional”. Declarando-se estarrecido com as conclusões da CPI que investigava as relações irregulares do empresário Paulo César Farias, o PC, tesoureiro da campanha de Collor, com o governo, manifestou-se a favor da decretação do impeachment do presidente, bandeira de uma campanha que vinha empolgando o país. Do seu ponto de vista, a crise evidenciava a falência do presidencialismo — em cuja defesa, aliás, usara em 1988 de todos os poderes que a posição de presidente lhe facultava — e a necessidade de implantação do parlamentarismo, em favor da qual passou a fazer, por meio de sua filha Roseana, contatos com os demais partidos, visando ao plebiscito previsto para 21 de abril de 1994, que, no entanto, aprovaria a manutenção do regime presidencial.
Em 29 de setembro de 1992, foi aprovada na Câmara, por ampla maioria, a abertura do processo de impeachment de Collor, acusado de crime de responsabilidade por ligações com um esquema de corrupção liderado por PC. Com o afastamento de Collor da presidência em 2 de outubro e a posse de Itamar Franco, Sarney ampliou sua influência no governo federal, no qual assumiram cargos de importância integrantes de seu círculo pessoal, como Augusto Marzagão (Secretaria de Comunicação Institucional), Alexandre Costa (Ministério da Integração Regional), Hugo Napoleão (Ministério das Comunicações) e José Aparecido de Oliveira (Ministério das Relações Exteriores). Itamar foi confirmado no cargo em 29 de dezembro, após a renúncia de Collor e a aprovação, pelo Senado, do impeachment, que o tornou inelegível por oito anos.
A precariedade política do governo Itamar, sustentado por uma instável coalizão partidária nascida da necessidade de criar condições de governabilidade, deflagrou um clima de disputa presidencial prematura. Pesquisas de opinião começaram a levantar as preferências do eleitorado para outubro de 1994. Uma delas, feita em maio de 1993, apontou Sarney com 17% das intenções de voto, atrás apenas de Lula, com 20%.
Embora declarasse não ter pretensões presidenciais, Sarney passou a aproveitar todas as oportunidades que surgiam para defender publicamente aspectos de seu governo que considerava positivos. Para combater a inflação, que continuava a afligir o país, propunha a reedição do Plano Cruzado, em cuja vigência, no seu entendimento, “o povo brasileiro teve meses da maior felicidade” e que só havia fracassado porque o governo não dispunha, na época, de reservas cambiais, o que o impedira de abrir o país ao mercado mundial.
Suas possibilidades eleitorais foram, porém, seriamente abaladas em outubro de 1993, quando a CPI que investigava denúncias de corrupção contra membros da Comissão de Orçamento da Câmara levantou indícios contra amigos — Alexandre Costa e Edison Lobão — e aliados — 15 pessoas entre 29 denunciados. Sarney articulava, além da sua eleição para a presidência, a de Roseana para o governo do Maranhão e as de Costa e Lobão para o Senado.
Com sua imagem desgastada no início de 1994, o que era apontado pelas pesquisas de opinião, Sarney teve sinais de que dificilmente conseguiria candidatar-se pelo PMDB, no qual outros nomes, mais identificados com a legenda, começavam a despontar com iguais pretensões. Tentou migrar para outra legenda, mas não conseguiu aceitação no Partido Popular (PP) — um novo partido, não o que se incorporara ao PMDB em 1982 — no PL, no PTB e no PFL. Permaneceu, então, no PMDB, de cujo presidente, deputado Luís Henrique (SC), ouviu que sua possível defecção não o preocupava, pois entendia que o partido deveria ser integrado por “pessoas que se balizam pela convicção, não pela conveniência”.
Em seguida, aliou-se a Orestes Quércia — ex-governador de São Paulo — para levar o PMDB a romper com Itamar, que, a seu ver, “se distanciara da classe política”, reduzindo a governabilidade da administração. A aliança foi interpretada por setores políticos e da opinião pública como uma tentativa de abrir caminho para que um dos dois, o que estivesse mais bem situado nas pesquisas, saísse candidato à presidência pelo PMDB. Ainda em janeiro de 1994, Sarney adotou uma atitude de boicote ao governo, quando seu grupo na Câmara se ausentou da votação do projeto de aumento do Imposto de Renda das empresas, frustrada por falta de quorum.
Iniciada, em fevereiro, a revisão constitucional prevista nas “Disposições transitórias” da Constituição de 1988, a privatização das empresas estatais logo polarizou as forças políticas no Congresso. A perspectiva de redução da presença do Estado na economia, aberta pelas primeiras discussões revisionais, provocou uma vigorosa alta nos índices de negócios das bolsas de valores. Sarney tentou assumir no Congresso a liderança das forças privatistas, advertindo os parlamentares para a necessidade de prevenir uma provável vitória de Lula — identificado com a defesa da presença estatal na economia — nas eleições presidenciais de novembro: “O Lula vai ser eleito e o Brasil tem que se vacinar contra isso. Tem que se vacinar contra as ideias estatizantes.”
Durante o processo revisional, Sarney se opôs, de início, à peça central do conjunto de medidas fiscais apresentadas pelo governo como essenciais para a estabilização da economia nacional — o Fundo Social de Emergência (FSE), que ampliava a liberdade de ação do governo, permitindo que 20% dos impostos federais escapassem das vinculações constitucionais. Logo em seguida, contudo, o defenderia em artigo na Folha de S. Paulo (11/2/1994), justificando-o por sua finalidade de contornar as limitações que a Constituição de 1988 impusera ao Orçamento. Apoiou, também, as propostas do governo para a reforma nas regras da Previdência, que aumentavam a idade mínima para o trabalhador aposentar-se.
Em março de 1994, por ocasião dos entendimentos para a sucessão presidencial, apoiou a proposta do governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães (PFL), de uma aliança eleitoral entre o PFL e o PSDB. Simultaneamente, declarou que não era candidato e ainda não havia escolhido um nome para apoiar, mas que não compartilhava da “lulafobia”, referindo-se ao temor que setores políticos manifestavam de uma possível vitória de Lula, então o nome mais bem situado nas pesquisas de opinião. Permanecia, contudo, como uma das opções de que o PMDB dispunha para a eleição. Entre os possíveis candidatos do PMDB à presidência da República, situava-se, com Antônio Brito, ex-ministro da Previdência, entre os mais cotados, ambos com a preferência de 24% dos entrevistados, bem à frente do governador de São Paulo, Luís Antônio Fleury Filho, e de Quércia. Entretanto, quando as pesquisas consultavam o público externo ao partido, solicitando-lhes o nome de um candidato sem apresentar opções, Sarney era objeto de apenas 1% das intenções de voto.
A postulação de Quércia à legenda do PMDB na eleição presidencial criou uma nova situação para Sarney. A bancada do partido no Senado tentou encontrar um adversário em condições de enfrentar o ex-governador paulista, e buscou convencer Sarney a disputar a consulta prévia para a indicação. Sarney, porém, condicionou sua participação à formação de um consenso sobre seu nome, situação, àquela altura, pouco plausível. Depois de tomar conhecimento dos resultados de uma pesquisa que o colocava em segundo lugar, empatado com Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e atrás apenas de Lula, viajou para Paris em fins de março, deixando para seus correligionários um recado: “Não se esqueçam de mim.” No exterior, explicou que não era candidato e que apenas desejava ajudar o PMDB a encontrar uma candidatura de consenso.
No entanto, seu nome continuava despertando resistências de setores do partido, que também rejeitavam Quércia, cuja situação nas pesquisas de intenção de voto era muito pouco alvissareira. O líder do PMDB na Câmara, Tarcísio Delgado (MG), por exemplo, era taxativo em relação a ele: “É oficialmente do PMDB, mas não é peemedebista.” Sarney, embora reconhecesse que sua convivência com o PMDB nunca fora “muito tranquila”, achava-se com “saldo credor” no partido, referindo-se à “eleição do cruzado”, em novembro de 1986: “Elegi 22 governadores do partido e a maioria do Congresso e nunca me afastei de seu programa.”
A seu favor, podia contar com a simpatia de governadores e parlamentares peemedebistas, que certamente lhe garantiriam votos na prévia e na campanha. Fora do PMDB, atrairia parcela ponderável dos pefelistas e, no PTB e no PPR, os seus tradicionais correligionários. Por fim, mas não menos importante, sua situação nas pesquisas, sempre em posição intermediária e próxima do segundo colocado, viabilizava o projeto eleitoral. Por isso, ele próprio vinha distribuindo aos senadores cópias de pesquisas de opinião em que aparecia com melhores perspectivas do que Quércia e, até mesmo, previsões de “bruxos” maranhenses que prediziam sua vitória. O mote de sua campanha seria a ideia de que era “o homem público mais experiente que existe no Brasil”. A passagem pela presidência da República teria funcionado como um laboratório: “Errei muito e foi um importante aprendizado. Agora estou muito mais preparado para tirar o país da crise.”
Todo esse empenho era, contudo, dissociado pelo deputado Sarney Filho (PFL-MA) da eleição para a presidência: “Meu pai não tem ambição de voltar a ser presidente. Mas quer ser tratado na campanha com a deferência que os índices das pesquisas eleitorais lhe garantem.” De fato, Sarney parecia atirar em várias direções simultaneamente. Fez com Quércia um acordo de não agressão dentro do partido e, ao mesmo tempo, encarregou sua filha Roseana de transmitir ao candidato do PSDB, Fernando Henrique Cardoso, sua disposição de aliar-se a ele, caso vencesse as prévias.
A consulta prévia foi marcada pelo conselho nacional do PMDB para 8 de maio de 1994, quando deveriam ser ouvidos cerca de 250 mil filiados. Quércia opôs-se à sua realização, certo de que seria vitorioso se a escolha do candidato fosse feita pela convenção — na qual, entre 168 convencionais ouvidos pela Folha de S. Paulo na última semana de março, dispunha de apenas 52% dos votos, contra 4% de Sarney —, e conseguiu que a decisão fosse transferida para o diretório nacional, alegando que o mecanismo de consulta ainda não fora regulamentado. Reunido em 6 de abril, o diretório decidiu realizar uma prévia restrita, reduzindo o colégio eleitoral de 250 mil para 30 mil — governadores, parlamentares e dirigentes do partido. A redução beneficiava Quércia. Sarney criticou a medida, mas comprometeu-se a apoiar o vencedor.
Enquanto trabalhava por seus interesses eleitorais, Sarney ausentou-se das atividades de revisão da Constituição, cuja necessidade classificara publicamente de imperiosa. A Confederação das Associações Comerciais do Brasil organizou, com base nas dez votações mais importantes do Congresso revisor, um cadastro dos parlamentares menos assíduos até fins de março, revelando-se que Sarney não estivera presente a nenhuma sessão.
Sarney increveu-se nas prévias partidárias em 12 de abril. Também registraram seus nomes Quércia e Roberto Requião, senador pelo Paraná. Todos os candidatos assinaram um termo de compromisso de apoio ao vencedor. Sarney anunciou os pontos básicos da sua plataforma, caso se tornasse o candidato da legenda: “Precisamos de uma grande parceria internacional, na qual não poderíamos prescindir de uma participação dos Estados Unidos. Precisamos instalar aqui os ‘Tigres da América do Sul’, rasgar o Brasil com estradas, construir a Norte-Sul, a Leste-Oeste. Temos que fazer o Merconorte, abrir aquela área até Georgetown, em acordo com a Guiana. Faríamos um entreposto, uma abertura do Brasil para o Caribe.” Usando, pela primeira vez na história política do país, o fracasso como argumento de campanha, arvorou-se na posição de mais credenciado para o exercício da presidência: “Tenho uma visão do país que nenhum candidato pode ter. Tenho a visão do êxito e do fracasso.” Alguns dias depois, afirmou que era o melhor candidato do PMDB porque tinha experiência e era um dos poucos ex-presidentes que admitiam os erros cometidos: “O Plano Cruzado II foi o grande erro do meu governo.”
Estimulado por pesquisas realizadas na primeira semana de abril, em que aparecia com 12% das intenções de voto, atrás de Lula (33%) e Fernando Henrique Cardoso (19%) e à frente de Quércia (8%), aproximou-se de Requião visando a uma atuação em conjunto contra o ex-governador paulista. Embora nenhum dos dois admitisse retirar-se da disputa, traçaram um plano de atuação, pelo qual Sarney manteria o estilo moderado, sem críticas diretas a Quércia, e Requião, que já promovera uma campanha agressiva contra ele, o atacaria explicitamente, explorando as denúncias de corrupção contra seu governo em São Paulo.
Enquanto um grupo intitulado Associação Brasileira dos Amigos do Plano Cruzado (Abraplac) espalhava por São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília outdoors de propaganda de sua campanha, Sarney procurava reforçar seus argumentos. Dizendo-se à disposição do povo brasileiro para “prestar este serviço à nação”, anunciava que, se vencesse, proporia a instalação de plataformas de exportação no Sul, semelhantes às da Ásia. Por entender que não se podia apresentar uma estratégia de desenvolvimento econômico desvinculada de um plano social, defendeu o restabelecimento dos programas do leite e de suplementação alimentar, que desenvolvera em seu governo, e a criação do Programa do Pão.
Às vésperas da realização das prévias, porém, Sarney manifestou restrições à sua organização: “Há um certo tumulto; os eleitores estão desmobilizados”, disse. Na verdade, a vitória de Quércia, que controlava a esmagadora maioria dos futuros convencionais, parecia inevitável. No dia 13, Sarney, denunciando a existência de um esquema de “aliciamento eleitoral” nos estados, sem, entretanto, citar nomes, anunciou que desistia de disputar as prévias. Assim evitava que, derrotado por Quércia, fosse obrigado a apoiá-lo: “Não posso encerrar minha vida pública como cabo eleitoral do senhor Quércia”, disse. Restava-lhe a possibilidade de concorrer a presidente da República através de um micropartido, o que dependia de decisão do STF quanto ao pedido de reabertura do prazo de filiação partidária, feito pelo Partido Social Cristão (PSC). Se o prazo, que se esgotara em janeiro, fosse reaberto, Sarney poderia filiar-se a uma das inexpressivas legendas disponíveis e tentar uma coligação com o PFL ou com um partido médio, como PP ou PTB, garantindo um tempo dilatado no horário eleitoral gratuito.
Alguns dias depois, a situação de Sarney como postulante à presidência da República se definiu. Realizadas as prévias em 16 de maio, Quércia saiu vencedor. O STF rejeitou no dia 18 o pedido de reabertura do prazo de filiação partidária. Finalmente, a convenção nacional do PMDB homologou, em 21 de maio, o nome de Quércia.
Com sua exclusão definitiva das eleições de 1994, Sarney passou a descrever a conjuntura política em tons sombrios. Para ele, o país atravessa uma grave crise que poderia gerar um colapso institucional e tinha raízes numa suposta instabilidade da sucessão presidencial, marcada pela “lulafobia” dos candidatos e pelo caráter elitista da candidatura de Fernando Henrique, a quem acusou de, como ministro da Fazenda, ter cortado cinco milhões de dólares dos recursos da saúde pública, enquanto transferia 15 milhões de dólares aos bancos por meio das altas taxas de juros. Entendia, também, que não havia adversários para Lula e previa dificuldades para um possível governo petista, que seria pressionado por reivindicações de melhoria de salários e distribuição de terra, vindas dos seus próprios aliados, e não teria maioria no Congresso. O quadro se agravaria em consequência do que chamou de “falta de comando” no PT, reconhecida, segundo ele, pelo próprio candidato: “Isso é um prenúncio de um caos político. Se o candidato a presidente favorito nas pesquisas não comanda o seu partido, quem comanda? Como ele vai comandar o país? Como vai tratar com a oposição?”
Em meados de maio, fechou um acordo com o candidato do PSDB à presidência. Segundo foi noticiado na imprensa, receberia por seu apoio a garantia da conclusão da ferrovia Norte-Sul e a retomada do Programa do Leite. Sarney teria exigido, também, que Fernando Henrique se empenhasse pessoalmente para que o PSDB do Maranhão apoiasse a candidatura de Roseana ao governo do estado. Em consequência do acordo, Sarney Filho passaria a integrar o comando da campanha presidencial.
Simultaneamente, Sarney e seu grupo deliberaram aproveitar o momento eleitoral para debater com aliados a criação de um partido. Seu filho explicou que o projeto se justificava porque a “democracia não sobrevive sem partidos fortes”, e seu pai já contava com uma bancada informal de 50 parlamentares de diversos partidos. Pela diversidade de suas alianças, em alguns estados o ex-presidente faria campanha contra o PMDB, o que não lhe traria problemas: “Ele não tem compromissos.”
O apoio da família Sarney à candidatura de Fernando Henrique foi oficializado em 20 de julho, quando Roseana anunciou a incorporação de seu irmão ao comando da campanha e afirmou que seu pai só divulgaria sua posição individual no segundo turno das eleições. Na prática, contudo, Sarney já trabalhava intensamente pelo candidato, articulando o fim do apoio formal do PMDB a Quércia — então processado sob a acusação de ter feito importações ilegais quando governador de São Paulo — e a adesão do partido a Fernando Henrique.
Nesse contexto, em setembro o nome de Sarney surgiu, para o PFL e o PTB, como uma alternativa para a presidência do Senado, caso o PSDB, vitorioso o seu candidato, tencionasse governar sozinho ou com alianças à esquerda. Sarney seria lançado candidato credenciado por seus laços de amizade com Antônio Carlos Magalhães, ex-governador da Bahia e um dos principais chefes do PFL, e pela confiança que a cúpula desse partido lhe creditava. O controle pefelista do Congresso se completaria com a eleição de Luís Eduardo Magalhães, filho de Antônio Carlos, para a presidência da Câmara. Em fins de setembro, Sarney declarou que aceitaria ser presidente do Senado se recebesse a missão de comandar a reforma constitucional proposta pelo candidato Fernando Henrique: “Não desejo o cargo, mas aceitaria se fosse como missão específica para executar um projeto de interesse nacional, como o projeto de reformas institucionais.”
Em 3 de outubro de 1994, Fernando Henrique foi eleito presidente da República. No Maranhão, as eleições submeteram Sarney a uma dura prova, com acusações de uso da máquina estadual, por parte da família Sarney, em benefício da candidatura de Roseana a governadora. A disputa eleitoral foi extremamente acirrada. Nenhum candidato conseguiu votos suficientes para ganhar no primeiro turno, e Roseana e Epitácio Cafeteira passaram ao segundo turno. Finalmente, Roseana foi eleita, sagrando-se a primeira governadora do país.
No Amapá, onde seu prestígio político também estava em jogo, Sarney apoiou João Alberto Capiberibe, candidato do Partido Socialista Brasileiro (PSB), vencedor no segundo turno à frente de uma coligação de partidos de esquerda. A adesão da facção liderada por Sarney foi considerada decisiva para esse resultado, porque significou ajuda dos empresários do estado e espaço em jornais e emissoras de rádio e TV, até então hostis ao candidato.
Nesse ínterim, a campanha de Sarney para a presidência do Senado, que, em vista das dificuldades eleitorais no Maranhão, fora relegada temporariamente a segundo plano, passou a sofrer oposição de senadores de PSDB, PFL e do próprio PMDB. O grupo desenvolvia uma campanha em favor da ética no Senado, tinha Sarney como exemplo de político ligado ao fisiologismo e defendia a candidatura de Pedro Simon (PMDB-RS). Sarney sofria restrições, também, por ter sido adversário do PMDB até a formação da Aliança Democrática, em 1985. Não seria, portanto, um legítimo representante do PMDB, conclusão reforçada pelo fato de seus filhos pertencerem ao PFL. Recebeu, entretanto, importante apoio do presidente eleito Fernando Henrique e de seus aliados, que o viam como mais flexível que Pedro Simon, o que poderia indicar que o relacionamento entre o governo e o Congresso seria mais fácil.
O senador eleito Íris Resende (PMDB-GO), ex-ministro da Agricultura de Sarney e ex-governador de Goiás, também postulou a candidatura à presidência do Senado. Suas propostas, que se aproximavam da plataforma de Simon, também se voltavam para a moralização do Senado. Em nome dessa afinidade conjuntural, Simon, que acusou Sarney de pretender o cargo para preparar a volta ao Planalto, e Íris combinaram que quem perdesse a disputa no primeiro turno apoiaria o outro no segundo.
Embora o líder do PMDB, Mauro Benevides (CE), tenha tentado que os três candidatos chegassem a um acordo, a disputa foi até o fim, e em 31 de janeiro de 1995 Sarney foi escolhido candidato do PMDB à presidência do Senado por 13 votos, contra cinco dados a Simon e quatro a Íris. Pelo regimento da casa, a presidência caberia ao PMDB, dono da maior bancada. No dia seguinte, por ocasião da abertura dos trabalhos legislativos, Sarney teve seu nome confirmado pelo plenário. Quebrando a tradição da posse na casa, senadores ligados a partidos de esquerda ainda lançaram a anticandidatura do petista Lauro Campos (DF) para disputar simbolicamente com o PMDB, mas só conseguiram sete votos, contra 61 dados a Sarney.
Os candidatos de Sarney conquistaram a indicação para os cargos mais importantes do Senado: a secretaria e segunda-secretaria da mesa diretora e ainda a liderança da bancada. Sarney conseguiu, também, por meio de aliados, o controle de cinco das sete comissões do Senado, justamente as mais importantes. A liderança dos dois maiores partidos na casa coube a Hugo Napoleão (PFL-PI) e Jáder Barbalho (PMDB-PA) — ambos ex-ministros em seu governo —, que indicaram para as presidências das comissões outros ex-ministros ou aliados políticos seus. A Comissão de Assuntos Econômicos coube Gilberto Miranda (PMDB-AM) — maior cabo eleitoral na sua campanha para a presidência do Senado —, a Comissão de Constituição e Justiça, a Íris Resende (PMDB-GO), a Comissão de Relações Exteriores, a Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) — titular da pasta das Comunicações e único ministro que permaneceu em seu governo do começo ao fim —, e a Comissão de Fiscalização e Controle — incumbida de fiscalizar e controlar os atos do Executivo —, a Alexandre Costa (PFL-MA), seu amigo. Dessa maneira, Sarney obteve o controle da tramitação dos projetos no Senado, já que os presidentes das comissões indicavam os relatores, encarregados de analisar as emendas e apresentar relatório.
Presidente do Senado (1995-1996)
Como o presidente do Senado comanda as sessões conjuntas do Congresso, Sarney foi incumbido de coordenar os trabalhos de reforma da Constituição, a que sempre responsabilizara pelos problemas institucionais. Prevendo que haveria dificuldades para mudar alguns pontos da Carta, como a estabilidade no serviço público e o monopólio da Petrobras, se dispôs a dar rapidez às votações para colaborar com o governo na execução das reformas. Embora o presidente Fernando Henrique contasse formalmente com a sustentação de seis partidos e quase 70% dos parlamentares, teria que negociar as medidas de interesse do governo, principalmente as modificações no capítulo “Da ordem econômica”.
À posição de força que a condição de presidente das sessões conjuntas e a pressa do governo lhe conferiam, Sarney agregou outros recursos. Em 17 de fevereiro, informou às lideranças dos partidos governistas que o “colégio de líderes” não mais seria consultado pela mesa diretora para a elaboração da pauta de votações. Extinguia-se, assim, a tradição de só submeter à apreciação do plenário os projetos avalizados pelas lideranças, que se reuniam periodicamente com os presidentes do Senado e da Câmara para escolher os temas que seriam votados. Só ia a plenário o projeto sobre o qual houvesse unanimidade. A decisão de Sarney de levar os projetos à votação, mesmo sem aprovação unânime dos líderes, foi entendida por setores do Senado como uma exorbitância, pois significava que ele teria todo o poder de escolher o que iria ou não a votação.
Do ponto de vista administrativo, sua gestão teve como objetivo imediato dar um novo ritmo aos trabalhos. Criou-se uma comissão de modernização para propor mudanças administrativas e regimentais no Senado. Em iniciativa inédita, passou-se a elaborar com antecedência a pauta do mês e, para garantir a assiduidade dos senadores, instituiu-se um sistema eletrônico de registro de presença. Com tais medidas, os trabalhos tiveram andamento mais rápido e em menos de dois meses de atividade o Senado já tinha examinado 55 dos 66 projetos que estavam prontos para votação, alguns parados por quase quatro anos.
Ainda em sua gestão, Sarney iniciou, à frente do Senado, um conflituoso relacionamento com o Executivo, cujas iniciativas precisariam ser negociadas pessoalmente com ele. Um dos focos de tensão foi o uso da medida provisória (MP), instrumento de que o presidente dispunha para adotar providências de curto prazo, contornando a lentidão do exame no Congresso. Criada pela Constituição de 1988 para casos em que o governo não pudesse esperar pela aprovação de leis, a MP entrou na rotina presidencial desde então. Sarney se alinhava com os parlamentares que entendiam que o Executivo vinha abusando da edição de medidas provisórias e criou alguns obstáculos à sua tramitação no Senado na velocidade que interessava ao governo. O uso de MPs foi objeto de um acordo do governo com o Congresso. O presidente Fernando Henrique assumiu com líderes parlamentares o compromisso de só editá-las em caso de urgência e relevância; em contrapartida, os parlamentares se comprometeriam a votar os projetos enviados pelo governo com caráter de urgência e as dezenas de MPs acumuladas na pauta do Congresso. O governo não conseguiria, porém, fazer a sua parte, e as MPs permaneceriam como um fator de atrito nas relações do Executivo com o Legislativo.
A política econômico-financeira foi outro assunto em relação ao qual Sarney discordou publicamente do governo. Advertiu que “as taxas de juros astronômicas” poderiam levar o país à recessão e se opôs à prorrogação do Fundo Social de Emergência (FSE) até 1999, conforme projeto de emenda constitucional concebido pelo governo. Argumentando que o Congresso não poderia tornar definitivo um fundo criado para ser de emergência, Sarney entendia que o FSE prejudicava os estados e municípios. Segundo levantamento do jornal Folha de S. Paulo (22/9/1995), a parcela da receita que a União deveria repassar durante o ano a estados, municípios e fundos de investimentos das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e era desviada para o FSE para cobrir outras despesas do governo federal chegava, em 1995, a 1,6 bilhão de reais. Ao Amapá, uma das duas bases eleitorais de Sarney, caberia a perda, naquele ano, de 25,3 milhões de reais, quantia superior à receita estadual com o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) — principal fonte de receita dos estados —, calculada em cerca de 21 milhões de reais. Já o Maranhão, administrado por sua filha, Roseana, deveria perder uma parcela do Fundo de Participação dos Estados superior a 25% da arrecadação do ICMS. Sarney, inicialmente, não aceitou sequer estender a vigência do fundo por apenas dois anos, solução negociada com Fernando Henrique pelo relator da proposta na Câmara, Ney Lopes (PFL-RN): “O presidente sabe da minha posição desde quando ele era ministro da Fazenda. Eu disse a ele e ao então presidente Itamar Franco que minha resistência era doutrinária, e não política”, afirmou. Acabou, no entanto, admitindo a prorrogação por 18 meses, com a condição de que o imposto de renda retido na fonte dos funcionários públicos da União fosse incluído no total dos tributos federais transferidos a estados e municípios, que vinham perdendo cerca de quinhentos milhões de reais com a recusa do governo a proceder ao repasse.
Sarney entrou em conflito também com a política de privatizações do governo, embora a apoiasse no conjunto. Articulou, em agosto de 1995, a aprovação de um projeto do senador José Eduardo Dutra (PT-SE), que submetia a venda da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) — maior mineradora de ferro do mundo e principal empresa do programa de privatização do governo — à autorização prévia do Congresso. Sarney argumentava que, mais do que uma companhia de mineração, a CVRD era “uma agência de desenvolvimento social” e não operava em setor monopolista, não havendo, portanto, motivo para que tivesse prioridade no programa de privatização. Interesses regionais levaram senadores governistas a apoiar o projeto do parlamentar petista. O senador Edison Lobão (PFL-MA), por exemplo, embora representante de um partido que se destacava pelas acusações de lentidão ao programa de privatização, apoiou o projeto motivado pelo fato de que o Maranhão era um dos nove estados onde a CVRD tinha projetos em execução e distribuía recursos do seu fundo de desenvolvimento para municípios. A empresa, que possuía uma ferrovia e um porto no Maranhão, tinha grandes investimentos no estado — cerca de 950 milhões de reais previstos até 2000. Com a privatização, os chefes políticos perderiam recursos por meio dos quais exerciam sua influência. No caso de Sarney, a situação era ainda mais delicada, pois sua filha, Roseana, governadora de um estado pobre, deixaria de receber recursos substanciais. As lideranças governistas conseguiram adiar a votação do projeto. Em abril do ano seguinte, Sarney acertaria com o ex-presidente Itamar Franco, cujas bases eleitorais se situavam em território mineiro, e dirigentes do PT uma estratégia de luta contra a privatização da CVRD cujo eixo era a busca de uma conscientização nacional quanto ao papel da empresa como agência de desenvolvimento para Norte, Nordeste e Minas Gerais. A campanha seria promovida por meio de reuniões com sindicatos e entidades da sociedade e da aprovação do projeto de José Eduardo. Entretanto, o governo conseguiria privatizar a empresa em maio de 1997, depois de um processo jurídico-político em que expressivos setores da sociedade ficaram contra a medida.
Ainda em agosto de 1995, Sarney apoiou a instalação de uma CPI no Senado para investigar a atuação do Banco Central na fiscalização e controle de instituições financeiras, proposta pelo PT. Após uma demorada coleta de assinaturas, a CPI seria aprovada em março de 1996, causando grande apreensão no mercado de valores, traduzida em imediata queda nas bolsas de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Embora fosse notório o seu envolvimento na obtenção de assinaturas para viabilizar a CPI, Sarney procurou negá-lo. No Congresso, contudo, atribuía-se sua atitude ao relacionamento que mantinha com o presidente da República, que chegou a comentar ironicamente, durante ato público em Belo Horizonte: “Algumas vezes abelhas me picam, às vezes são até marimbondos”, numa referência ao livro Marimbondos de fogo, de Sarney. Na ocasião, segundo a revista Veja (20/3/1996), Fernando Henrique teria comentado com uma assessora o verdadeiro motivo da animosidade do presidente do Senado contra ele: “O Sarney quer fazer seu sucessor na presidência do Senado e quer ser meu sucessor na presidência da República — ele está pouco se importando com o que acontece com o país.” O ministro da Fazenda, Pedro Malan, acrescentou, em entrevista à Gazeta Mercantil, citada pela Folha de S. Paulo (7/3/1996), que o escopo da CPI, balizado pelo ano de 1995 — o primeiro do governo — revelava seu verdadeiro propósito: “É uma visão totalmente ingênua, politicamente equivocada, ou politicamente motivada, imaginar que tudo ia bem, no melhor dos mundos, e de repente, a partir de 1995, começaram a surgir problemas, gerados na administração de Fernando Henrique Cardoso.”
Publicamente, Sarney negou que sua ligação com a iniciativa da CPI tivesse qualquer vinculação com projetos eleitorais, atribuindo seus choques com o governo ao exercício das atribuições de presidente do Senado. Entretanto, em 20 de março anunciou, em entrevista a O Globo, ter rompido as relações pessoais com o presidente, que, com suas críticas, o teria agredido muito. No dia seguinte, fez publicar, no mesmo jornal, nota de desmentido à entrevista. Ainda em março, o governo conseguiria que o Senado determinasse o arquivamento da CPI.
A disposição de criticar o governo evidenciou-se também no balanço que o presidente do Senado, em entrevista à Folha de S. Paulo (18/12/1995), fez do primeiro ano de administração de Fernando Henrique na área social. Em sua opinião, o governo havia passado o ano preocupando-se apenas com a questão da estabilização da economia e deixara de lado os problemas sociais, tratando-os de forma superficial. Seria necessário, em 1996, enfrentar os problemas sociais com soluções estruturais, e não apenas conjunturais, como o principal programa do governo — Comunidade Solidária, presidido pela primeira-dama Rute Cardoso —, classificado por ele de um mero “colchão amortecedor de tensões”.
Dessa maneira, respondia a tentativas que auxiliares do presidente — em especial o ministro das Comunicações, Sérgio Mota —, determinados a ampliar a base política do governo, faziam no sentido de incorporar políticos ao PSDB, ameaçando os demais partidos situacionistas. Sarney percebeu o risco de esvaziamento do PMDB, então a maior legenda do Congresso, e reagiu. Em várias ocasiões advertiu que uma possível divisão de seu partido poderia levar o país a uma situação de ingovernabilidade, já que o PMDB era “essencial para a unidade da estrutura política do país”. Em sua coluna na Folha de S. Paulo (21/7/1995), afirmou que a “grande novidade que tem assegurado ao governo condições de equacionar problemas e encaminhar soluções não é o brilhantismo técnico de alguns homens de talento que integram a administração pública, até mesmo porque se trata basicamente da mesma equipe técnica que operou a área econômica em vários governos. A grande novidade foi a capacidade do presidente de operar uma base política que lhe assegurou governabilidade. Nesse conjunto está como base fundamental o Congresso, com sua nova postura, eficiência e consciência moral de seus deveres”. Por isso, manifestava-se preocupado com “alguns movimentos que começam a surgir, de caráter casuístico e desestabilizador, frutos de uma visão menor do período difícil que atravessamos”. Era necessário não esquecer que, apesar do êxito estabilizador do Plano Real, “os problemas de câmbio, da diminuição das atividades econômicas, do desemprego, do corporativismo, da falência dos estados, não dão margem a achar que a guerra está ganha e que é hora de selecionar os herdeiros do morgado”.
Por conta desse tipo de pronunciamento, Sarney estava sendo visto pelo governo como grande fonte de problemas, o que se explicaria por alimentar, com extrema confiança, o projeto de eleger-se presidente da República em 1998. Sarney fizera, em julho de 1995, pronunciamentos contraditórios em relação ao tema. Em Porto Alegre, onde se reuniu com empresários, declarara, segundo a Folha de S. Paulo (19/7/1995): “Sou a favor da reeleição de Fernando Henrique, não por causa de motivos pessoais, mas pelo bem do Brasil”, acrescentando que era favorável a que se estabelecesse um mandato presidencial superior a quatro anos ou a possibilidade de reeleição para prefeitos, governadores e presidente da República. Alguns dias depois, porém, escrevera ao jornal para desmentir as declarações, explicando que sua posição sobre a reeleição “era justamente o contrário do que foi publicado” e que, ao ser inquirido pelo repórter acerca da proposta da reeleição, afirmara: “Este assunto deve figurar na discussão da reforma política. Considero o período de quatro anos muito pequeno. Ou teremos de aceitar a reeleição ou aumentar o período de mandato.” Desmentidos à parte, em novembro, depois que o governo começou a articular a aprovação da proposta de emenda constitucional apresentada em 1º de fevereiro de 1995 pelo deputado José Mendonça Filho (PFL-PE), que facultava o direito de reeleição a chefes de Executivo, inclusive àqueles no exercício do cargo, Sarney, durante viagem aos Estados Unidos, fez coro com o prefeito de São Paulo, Paulo Maluf (PPB), em defesa da medida.
Caracterizado, assim como Maluf, como possível candidato ao cargo, Sarney era acusado de dificultar a tramitação de projetos de interesse do Executivo, com o objetivo de enfraquecer uma possível candidatura de Fernando Henrique à reeleição. Ainda assim, o Senado aprovara as principais propostas de emendas ao capítulo constitucional da “Ordem econômica e financeira” apresentadas pelo governo. Em agosto de 1995, haviam sido promulgadas quatro, referentes à distribuição do gás canalizado, à navegação entre os portos, ao fim da discriminação de empresas de capital estrangeiro e à extinção do monopólio estatal nas telecomunicações. Sarney afirmara que as emendas davam ao Brasil condições de abrir sua economia e, ao governo, de tomar decisões no sentido da inserção na economia mundial. De passagem, voltara a criticar a Constituição, que teria sido elaborada com os olhos voltados para o passado e criava impasses para o desenvolvimento nacional. Em novembro, foi promulgada a emenda constitucional que acabou com a exclusividade da Petrobras na pesquisa, lavra, refino e transporte do petróleo e gás natural, bem como na importação e exportação de derivados. A União ficou liberada para contratar empresas privadas ou outras estatais para explorar o setor. Sarney afirmou que o país, ao quebrar o monopólio da Petrobras, dera “um passo decisivo na conquista da confiança internacional”. Destacou, ainda, que o Congresso havia demonstrado “sintonia com o palácio do Planalto”, ao aprovar todas as emendas da ordem econômica propostas pelo governo.
Ainda em fins de 1995, o Senado precisou examinar outra questão de grande importância para o governo. Tratava-se de analisar o contrato que o governo pretendia assinar com a empresa americana Raytheon, escolhida para implantar o Projeto Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia). Orçado em 1,4 bilhão de dólares, o projeto objetivava instalar radares na região amazônica para controlar o tráfego aéreo, fiscalizar as fronteiras e combater o tráfico de drogas e o contrabando. Problemas haviam surgido em fevereiro, com denúncias de que a companhia francesa Thomson cometera irregularidades para vencer a concorrência para fornecimento de equipamentos ao projeto. O governo americano passara, então, a pressionar o Brasil a escolher a Raytheon. Em março, o senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) pedira a revisão do contrato, que, no entanto, acabaria sendo assinado em maio, para ser suspenso em julho, por liminar concedida pela Justiça Federal, cassada logo depois, sob alegação de que a interrupção do projeto causaria graves prejuízos aos interesses nacionais. Ainda em maio, a Engenharia de Sistemas de Controle e Automação (ESCA), empresa escolhida sem licitação para coordenar o projeto, seria afastada em decorrência da descoberta de que se apresentara com documentação falsa. Em novembro, foram gravadas conversas telefônicas do chefe do Cerimonial do Planalto, Júlio César Gomes dos Santos, que revelavam sua participação no tráfico de influência praticado em benefício da Raytheon. Acusado de mandante da escuta telefônica, o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Francisco Graziano, se afastaria do cargo, atitude tomada também pelo ministro da Aeronáutica, Mauro Gandra, citado nas gravações. Para evitar a formação de uma CPI para apurar indícios de corrupção na contratação do sistema, Antônio Carlos propôs o cancelamento do projeto, sendo derrotado no Senado. Em 28 de novembro, foi instalada, sob sua presidência, uma supercomissão, que reuniu três comissões do Senado, para analisar o Sivam. O escopo da comissão foi objeto de disputa política. Antônio Carlos defendia uma investigação ampla que incluísse assuntos como a escuta telefônica e o sigilo bancário dos envolvidos. A bancada do PMDB, contudo, passou a defender que a comissão analisasse apenas o contrato entre o governo e a Raytheon. A decisão nesse sentido, contrária à expectativa que se criara em torno dos trabalhos da supercomissão, foi tomada por Sarney e pelo líder do partido, Jáder Barbalho (PA), que convenceram o relator-geral da comissão, Ramez Tebet (PMDB-MS), da tese de que a competência do Senado se restringia a decidir sobre o pedido de autorização para contrair empréstimo de 1,4 bilhão de reais com o Eximbank para a instalação do Sivam.
Enquanto o Senado discutia o assunto, o contrato comercial com a Raytheon foi prorrogado pelo governo até 23 de janeiro de 1996, após o que poderia ser renovado mais vezes por períodos de 30 dias, mas só teria validade quando o financiamento, de 1,4 bilhão de dólares, fosse avalizado pelos senadores. A pressão contra a Raytheon levou, em 2 de dezembro, o secretário de Comércio americano, Ron Brown, a declarar que o escândalo do Sivam tinha sido estimulado por empresas derrotadas na concorrência, com a ajuda de parlamentares brasileiros. Sarney, na condição de presidente do Senado, exigiu que o governo tomasse providências contra essa intromissão de um estrangeiro nos assuntos nacionais: “Esse tipo de declaração não faz parte do relacionamento normal entre os países. Não é normal que o funcionário de um país faça julgamento de uma autoridade de outro país.”
O episódio contribuiu para que Sarney, até então defensor da tese de que o Senado deveria limitar-se a analisar os “aspectos técnicos” do Sivam, mudasse de posição: “Esse assunto já está contaminado pelos aspectos políticos e não pode mais ser examinado apenas do ponto de vista técnico. O Sivam tornou-se o grande fato político do país”, afirmou. Sarney apoiou a decisão de Fernando Henrique de discutir o assunto no Conselho de Defesa Nacional, órgão consultivo nos assuntos relacionados à soberania e à defesa do Estado. Após a reunião, na primeira semana de dezembro, o presidente declarou que não identificara irregularidades que justificassem rever o projeto do Sivam e esperava que o Senado aprovasse o projeto, autorizando o financiamento internacional. Sem o aval, que tinha de ser dado pelo Senado conforme previsto na Constituição, não havia como o projeto ser desenvolvido, já que o financiamento conseguido com o Eximbank era vinculado à Raytheon. A decisão presidencial de manter o projeto Sivam como estava foi recebida com irritação no Senado, mas Sarney entendeu que a casa fora prestigiada.
Em inícios de 1996, senadores do PSDB e do PFL, até então favoráveis à suspensão do contrato, começariam a dar sinais de mudança de posição, provocando uma reversão da tendência do Senado. Quase isolado, o presidente da supercomissão, Antônio Carlos Magalhães, depois de participar de reunião em 16 de janeiro com o presidente da República, anunciaria a antecipação do fim das investigações e da decisão sobre o projeto Sivam para início de fevereiro. Contra o seu voto, a supercomissão recomendou em fevereiro a aprovação do contrato com a Raytheon. Em 23 de maio o Senado aprovou o projeto que autorizava a captação dos empréstimos necessários à execução do Sivam.
No segundo semestre de 1996, Sarney intensificou sua articulação visando a tornar-se candidato do PMDB à sucessão de Fernando Henrique. Aliou-se, em agosto, ao ex-presidente Itamar Franco, que retornava ao partido e com quem divulgou um comunicado em que ambos criticavam a maneira como o governo vinha conduzindo a inserção do país no mercado mundial e reivindicavam a imediata retomada do desenvolvimento econômico. A nota era imprecisa quanto à proposta de reeleição, que tramitava no Congresso. Sarney, embora interessado na sua derrota definitiva, já que pretendia candidatar-se a presidente, precisava levar em consideração a posição do PMDB, que decidira adiar a discussão do tema para o ano seguinte.
Seu projeto político sofreu forte revés com as eleições municipais de 3 de outubro de 1996, cujos resultados trouxeram a derrota do PMDB nas principais capitais. Sarney, que participara ativamente da campanha eleitoral, perdeu nas 17 cidades do Amapá e no Maranhão. Embora tenha mantido o controle da maioria das cidades maranhenses, assistiu ao avanço da até então inexpressiva oposição, vitoriosa em 50 das 217 prefeituras. As derrotas mais importantes em termos individuais aconteceram em São Luís, em Amapá do Maranhão — assim chamada em sua homenagem —, em Pinheiro, sua cidade natal — onde dominava a vida política desde 1964 —, e em Presidente Sarney, cujo prefeito eleito declarou que sua primeira providência seria convocar um plebiscito para mudar o nome da cidade. Sarney atribuiu a derrota dos candidatos por ele apoiados no Maranhão à indecisão do PMDB, que não se teria apresentado nem como governista nem como oposicionista. A oposição interpretou a derrota política de Sarney como uma manifestação da sua impopularidade, tão expressiva que seu apoio explícito fora rejeitado publicamente pelos dois candidatos ao segundo turno das eleições para a prefeitura de São Luís, Jackson Lago (PDT) e João Castelo (PPB).
Em novembro de 1996, após mobilização de setores da sociedade e da Coordenação Nacional de AIDS, o Congresso Nacional aprovou a Lei 9.313, de sua autoria (ficaria conhecida como Lei Sarney), que obrigou o Estado a, através do Serviço Único de Saúde (SUS), fornecer medicamentos para todos os cidadãos e cidadãs portadores do vírus da AIDS. Sarney concluiu o mandato na presidência do Senado satisfeito com seu desempenho. A avaliação positiva não fora afetada pelo descontentamento que, em julho de 1996, os líderes dos partidos governistas manifestaram com a sua atuação, acusando-o de autoritário, de tomar todas as decisões sozinho e de não consultar os senadores sequer sobre a agenda das votações. Sarney tomou essas restrições como manifestações de ciúme da parte de políticos que estariam tentando aparecer para o público como responsáveis pelas decisões no Senado. No seu modo de ver, sua passagem pela presidência do Senado se teria caracterizado pela transparência com que foram tomadas decisões, para o que teria contribuído com a instalação da TV Senado, do Jornal do Senado, de uma estação de rádio e da linha telefônica Senado em Linha Direta, aberta para quem desejasse comunicar-se com a casa.
Sarney passou a presidência do Senado para Antônio Carlos Magalhães em 4 de fevereiro de 1997. Em seguida, embarcou para a Europa, onde lançou seu livro O dono do mar, com apresentação do antropólogo Claude Lévi-Strauss, um dos professores franceses que, na década de 1930, inauguraram a Universidade de São Paulo.
Nas eleições de 1998 e 2002
Em 21 de maio de 1997, o Senado eliminou o único aspecto de indefinição das eleições do ano seguinte, aprovando a emenda que facultava a reeleição de presidente da República, governadores e prefeitos, que seria promulgada em 4 de junho. Sarney vinha se pronunciando favoravelmente ao apoio do PMDB à reeleição de Fernando Henrique, mas, depois que, em reunião em São Luís, líderes peemedebistas aprovaram a tese de que o partido deveria apresentar candidato, mudou oficialmente de posição e passou a admitir que estava disponível para a disputa. Em 11 de julho, uniu-se ao senador Roberto Requião (PR) e ambos se apresentaram informalmente como candidatos a candidato do PMDB à sucessão presidencial, postulação que seria feita também pelo ex-presidente Itamar Franco.
Enquanto se aguardava a convenção nacional do PMDB, que em 8 de março de 1998 decidiria se o partido lançaria candidato, Sarney retirou-se da competição em 4 de fevereiro. Embora situado na melhor posição entre os três postulantes nas pesquisas de opinião, abriu mão de concorrer para apoiar Itamar, por ele considerado em melhores condições de viabilizar politicamente a candidatura do partido. Realizada a convenção, contudo, venceu a tese de que o PMDB não deveria lançar candidato. Embora reconhecendo a irreversibilidade da decisão dos convencionais, Sarney deixou claro que poderia vir a apoiar a reeleição de Fernando Henrique, mas não desempenharia um papel de “aliado cego”. Fazendo o que chamou de “colocações de natureza programática”, defendeu a mudança do modelo político-econômico, principalmente a “abertura selvagem” da economia, e o projeto neoliberal do governo, “sem políticas compensatórias de natureza social”. A questão, contudo, permaneceu aberta, uma vez que a legislação eleitoral determinava que as convenções nacionais dos partidos ocorressem no mês de junho.
Sarney presidiu de 3 a 5 de maio de 1998, no Rio de Janeiro, a 16ª Reunião do Conselho de Interação Mundial (CIM), organização não governamental fundada em 1983 e integrada por ex-chefes de Estado e Governo de todo o mundo. Foi a primeira reunião do CIM na América Latina. Durante os trabalhos, advertiu para o problema da corrida armamentista que poderia estar sendo iniciada pelos Estados Unidos quando, em agosto do ano anterior, o país levantou o embargo à venda de armas para a América Latina e, pouco tempo depois, convidou a Argentina para integrar, como membro especial, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Sua preocupação encontrou eco em importantes participantes da reunião, como Oscar Arias — ex-presidente da Costa Rica e premiado com o Prêmio Nobel da Paz em 1987 — Malcolm Fraser — representante da Austrália e presidente do Conselho — e Robert McNamara — ex-secretário de Defesa dos EUA e ex-presidente do Banco Mundial. A reunião aprovou a Declaração Universal de Responsabilidades do Homem, a ser encaminhada a organismos internacionais, com o objetivo de ver suas propostas transformadas em linhas de ação, como já ocorrera com deliberações anteriores, que resultaram no Acordo para Limitação de Armas Estratégicas entre os Estados Unidos e a União Soviética, o Acordo de Desnuclearização da Península da Coréia e o Encontro Mundial sobre o Meio Ambiente, realizado no Rio de Janeiro em 1992. A declaração final do conselho incluiu várias recomendações, como a transparência nas relações financeiras internacionais, a restrição à produção e venda de armas e o aprofundamento da democracia na América Latina.
Em junho, a obrigatoriedade da realização de nova convenção nacional reabriu a discussão sobre uma candidatura própria do PMDB. O grupo comprometido com o apoio à reeleição de Fernando Henrique chegou a tentar a destituição do presidente do partido, deputado Pais de Andrade, mas não teve sucesso. Sarney voltou a defender a tese da candidatura própria, mas, na véspera do encontro, anunciou novamente que se retirava da disputa, alegando que a decisão da convenção poderia ser questionada na Justiça e ele não desejava envolver seu nome numa luta que dividiria ainda mais o partido. No dia 28 de junho, a convenção se realizou sob boicote do grupo governista e não conseguiu reunir delegados suficientes para formar o quorum necessário, ficando o partido sem posição oficial a respeito da opção entre uma candidatura própria e o apoio a Fernando Henrique.
Sarney definiu-se como candidato à reeleição a senador pelo Amapá e, em agosto, declarou publicamente que apoiaria a reeleição do presidente. O apoio não extinguia, contudo, focos de divergência, que nunca deixou de manifestar, principalmente em sua coluna na Folha de S. Paulo, na qual tecia críticas a importantes aspectos da política econômica do governo. Martelando na tecla de que o modelo neoliberal estava impondo prejuízos, chamava a atenção para os riscos de estruturar a estabilidade da moeda com base nos fluxos de capitais especulativos, que lançava a todos na armadilha dos juros, deixava a empresa nacional à beira do desastre, fazia o desemprego explodir e a dívida e o déficit públicos se elevarem incontrolavelmente, conduzindo à recessão. Pronunciou-se, também, contra a abertura total do mercado bancário ao capital estrangeiro, advertindo que os bancos estrangeiros captavam recursos no exterior a taxas mais de cinco vezes inferiores àquelas cobradas aos brasileiros no mercado nacional, inviabilizando qualquer estratégia baseada na livre concorrência. No seu modo de ver, em breve o setor seria controlado pelo capital estrangeiro, que fixaria prioridades e discriminaria a empresa nacional, impondo-lhe taxas de juros de sua conveniência. Estariam dadas as condições para a formação de um oligopólio bancário controlado de fora, o que atentaria contra o interesse nacional.
As críticas à política do governo eram acompanhadas de esclarecimentos acerca da natureza de suas posições em relação ao capital estrangeiro. Não se opunha à sua forte presença na economia nacional, mas ao seu domínio total em qualquer setor. Entendia que desde 1990, com o governo de Fernando Collor, assistia-se à “abertura selvagem” da economia ao capital estrangeiro, inclusive em setores estratégicos, como as telecomunicações. Não considerava modernizadora essa política e, numa de suas colunas, vaticinava: “Quando tudo isso estiver a pleno vapor, o capital investido retornando, os lucros e royalties também, estaremos definitivamente condenados a um estágio de colônia, pagando dízimos incomensuráveis. É o futuro? Não, é o passado.”
Em outubro de 1998, Fernando Henrique foi reeleito presidente da República em primeiro turno. Também reeleito senador com 59,31% dos votos válidos, Sarney não foi o único da família a disputar um mandato: dois filhos (Roseana e José Sarney Filho), um irmão, um sobrinho e dois primos também concorreram a cargos na política maranhense. Sarney — que se apresentou por uma coligação encabeçada pelo PMDB e integrada por PFL, PSDB, PPB, PL, PTB e outros partidos menores — alegou que insistia em representar o Amapá porque se tratava de um estado pobre, que precisava dele mais do que o Maranhão. Seus opositores, contudo, acusavam-no de ter atuado no Senado preferencialmente em benefício de seu estado natal, em detrimento do Amapá.
Um dos poucos senadores a renovar o mandato, Sarney foi empossado em fevereiro de 1999. Em estreita ligação com o PFL, principalmente através de Antônio Carlos Magalhães (BA), então presidente do Senado, em meados de 2000 iniciou articulações para suceder ao senador baiano no cargo. Previa-se que os processos sucessórios no Senado e na Câmara, em eleições marcadas para o início de 2001, constituiriam um elemento importante da reforma política que o governo federal patrocinaria naquele ano. Pelos procedimentos tradicionais, o PMDB, na condição de partido com maior número de senadores, indicaria o presidente do Senado. O lançamento da candidatura de Sarney a partir de fora do PMDB seria uma forma de fortalecer a posição do PFL na futura reforma ministerial e, taticamente, de não entrar em disputa direta com Jader Barbalho (PA), então presidente do PMDB e candidato da direção e da bancada do partido, que tornou pública essa posição em nota divulgada em 17 de outubro.
Acusado por setores do PMDB de divisionista, Sarney assumiu publicamente, em novembro, a posição de postulante à presidência do Senado, mas com a condição de que esta fosse a vontade consensual dos partidos, ainda que não implicasse unanimidade por parte dos senadores. Desde então, passou a defender sua candidatura invocando seu “passado político” e sua “condição de parlamentar mais antigo no Congresso” e desvinculando-a das disputas entre Antônio Carlos Magalhães e Jader Barbalho, marcadas por violenta troca de acusações de corrupção. Barbalho foi afinal eleito em fevereiro de 2001, mas as denúncias continuaram e alimentaram uma grave crise, levando Antônio Carlos a renunciar ao mandato em maio, e Barbalho, a afastar-se da presidência do Senado em julho. Assumiu provisoriamente seu lugar o primeiro-vice-presidente Edison Lobão (PFL-MA).
Sarney voltou então a ser cogitado para a presidência do Senado, para completar o mandato de Barbalho. Embora fosse publicamente considerado por setores governistas como o senador com mais autoridade política e moral para recuperar a imagem do Senado, abalada pela crise, manteve a posição de não entrar em disputa e só aceitar o cargo como nome de consenso entre os partidos. Mas isso não aconteceria, já que o próprio PMDB se dividiu entre seu então presidente, Renan Calheiros (AL) e outros senadores, entre os quais Ramez Tebet (MS), então ministro da Integração Nacional. Tebet reassumiu o mandato para ser eleito presidente do Senado em 20 de setembro.
Iniciadas as primeiras tratativas políticas visando o processo sucessório para a presidência da República em 2002, Roseana Sarney, então governadora do Maranhão, despontou como forte postulante a candidata do PFL, chegando seu nome a ser apontado, por pesquisas preliminares, em segundo lugar nas intenções de voto no país. Entretanto, denúncias de corrupção envolvendo seu nome e o de seu marido abalariam fortemente sua candidatura. O episódio, interpretado por muitos como parcialmente resultante de uma encenação de provas montada pelo PSDB, preocupado com o crescimento da candidatura de Roseana, levou o PFL a retirar o apoio que dava ao governo havia oito anos. Em consequência, o deputado José Sarney Filho deixou o Ministério do Meio Ambiente em março de 2002, alegando solidariedade à irmã, e Sarney passou a criticar o governo e a trabalhar para que o PMDB se afastasse do PSDB no processo sucessório. Roseana acabaria desistindo da candidatura , elegendo-se senadora pelo Maranhão em outubro de 2002.
Sarney, após ter tentado a viabilizar a candidatura da filha, acabou apoiando o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), Luís Inácio Lula da Silva. Anunciado o apoio em 28 de agosto, dois dias depois Lula defendeu o restabelecimento do Programa do Leite, por meio do qual, durante a presidência de Sarney, o produto era distribuído gratuitamente para a população pobre. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo (24/9/2002), Sarney defendeu o apoio ao candidato do PT em nome de uma necessidade histórica: “Será o primeiro presidente da história do Brasil oriundo da área do trabalho e não dos interesses consolidados capitalistas. Nós temos que passar por esse gargalo, passar pelo PT. Então, vamos passar logo”. Tratava-se, mais do que uma posição eleitoral, de uma precaução política contra as consequências de uma crise social que poderia advir da situação vivida pelo país: “O tecido social do Brasil está tão esgarçado, a violência e o desemprego são tão grandes que, se nós não tivermos um governo extremamente capaz de conter essas tensões, o país pode marchar para um instante de grandes dificuldades e até de rupturas. O Lula vai conter as tensões sociais na área do campo, na área sindical, e vai ao mesmo tempo ter condições de negociar concessões da área conservadora. Vai fazer o pacto social que eu não consegui fazer em meu governo. Eu tinha uma vontade pessoal, mas não tive as condições políticas. Com Lula é diferente. Ele representa um segmento da sociedade que quer esse pacto. Ele tem força, autoridade e biografia para encaminhar essas forças nessa direção”.
Apontando a importância que a presidência do Senado assumiria caso Lula vencesse, o que implicaria amplas reformas políticas, Sarney entrou mais uma vez em campanha para disputar o cargo, com a mesma condição que já havia exposto antes: “congregação de forças em torno de seu nome”. Agora, contudo, enfatizava o desejo de estar na posição de presidente do Congresso Nacional para contribuir para um eventual governo de Lula.
Após a vitória de Lula no segundo turno das eleições, em 27 de outubro de 2002, Sarney foi logo apontado como candidato do novo governo à presidência do Senado e possível elemento de contato com a área militar, devendo sua opinião ser levada em conta para a indicação do ministro da Defesa. Em 5 de novembro, foi firmado um acordo pelo qual o PT apoiaria o candidato a presidente do Senado indicado pela bancada do PMDB, que, em troca, votaria no candidato petista à presidência da Câmara dos Deputados. Em 24 de janeiro de 2003, as diversas correntes do PMDB se comprometeram com a candidatura de Sarney, o que significou a garantia do apoio do PT. Em 1º de fevereiro, a vitória de Sarney foi eleito por 76 votos a 2 e uma abstenção. Em seu discurso de posse, convocou o Congresso a trabalhar pela aprovação das reformas previdenciária, tributária e trabalhista, e conclamou as “elites” do país a “ceder espaço, para ganhar o principal, que é a paz social”.
Presidente do Senado (2003-2004)
Depois de cerca de três meses de atividade legislativa em apoio a Lula, em troca de cargos para senadores do PMDB e seus indicados, Sarney propôs a realização de uma convenção extraordinária do partido para deliberar sobre a possibilidade de participação no governo, que se esforçava por atrair forças de centro e direita para viabilizar as reformas. Finalmente, a comissão executiva do partido decidiu, em 27 de maio, apoiar oficialmente o governo, passando a integrar seus órgãos de coordenação e decisão política.
Enquanto no Senado e na Câmara iniciavam-se negociações visando à elaboração de uma emenda constitucional que introduzisse a reeleição para a presidência das duas casas, Sarney, em parceria com Antônio Carlos Magalhães, atuava de maneira decisiva junto à bancada da oposição – PSDB e PFL – na Câmara dos Deputados para obter, em 7 de agosto, os votos necessários à aprovação do item da reforma que estabelecia a contribuição previdenciária dos servidores inativos e dos pensionistas. Aprovada no Senado em 11 de dezembro, a emenda constitucional, que modificou as regras gerais da aposentadoria dos funcionários públicos, foi promulgada pelo Congresso oito dias depois, juntamente com a primeira etapa da reforma tributária.
Em 2004, Sarney foi peça importante para o governo federal na inviabilização de duas CPIs que não interessavam ao situacionismo. Em março, recusou-se a indicar os representantes dos partidos governistas na CPI encarregada de investigar denúncias de lavagem de dinheiro por meio de casas de bingo e máquinas caça-níqueis, que envolviam Waldomiro Diniz, ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Presidência da República, acusado, com base em flagrante obtido por filmagem em 2002, de, quando era presidente da Loteria do Rio de Janeiro (Loterj), cobrar e receber propina de um empresário do ramo lotérico. Como Sarney alegasse que a indicação dos representantes dos partidos não era tarefa do presidente da casa e sim dos líderes, e como estes não os indicassem exatamente para barrá-la, a CPI dos Bingos, como ficaria conhecida, não prosperou na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Mais à frente, a CPI acabaria sendo criada, após intervenção do STF, iniciando seus trabalhos em junho de 2005 e apresentando o relatório final em junho de 2006.
Ainda em março de 2004, Sarney atuou no sentido de abortar a proposta de criação de uma CPI para investigar eventuais relações entre o assassinato, em janeiro de 2002, do petista Celso Daniel, então prefeito de Santo André (SP), com um esquema de corrupção que se supunha existir na Prefeitura. Sarney e os demais líderes governistas conseguiram convencer os senadores a retirar suas assinaturas do requerimento de criação da CPI, que acabou arquivado. O caso, no entanto, acabaria sendo investigado pela CPI dos Bingos.
Embora com sua posição política em fortalecimento — segundo o jornal Los Angeles Times (17/5/2004), para alguns, estava sendo mais influente do que quando governava —, Sarney não deixava de encontrar resistências no interior do PMDB. Em abril de 2004, a comissão executiva nacional do partido rejeitou, em votação secreta e por grande maioria, a proposta de emenda constitucional em tramitação no Congresso que permitiria a reeleição dos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, numa decisão que fortalecia as pretensões ao cargo do líder do partido, senador Renan Calheiros. No dia 4 de maio, contudo, a comissão especial da Câmara dos Deputados encarregada de examinar a emenda aprovou o projeto, que precisaria, em seguida, passar por duas votações, na Câmara e no Senado. Derrotada no plenário da Câmara 15 dias depois, a emenda recebeu um reforço em setembro, quando o presidente Lula declarou considerar a reeleição dos presidentes das duas casas fundamental para a sua pretensão de ter maioria no Congresso. Afinal, a questão acabaria se resolvendo em 14 de fevereiro de 2005, com a eleição de Renan Calheiros para presidente do Senado, enquanto a Câmara escolhia para presidi-la Severino Cavalcanti (PP-PE).
Ainda em 2004, em 17 de novembro, Sarney conduziu no Senado um rito de aprovação acelerada da proposta de emenda constitucional de reforma do Poder Judiciário, que tramitava havia quase 13 anos: em um mesmo dia, fez a votação em primeiro turno, reabriu a sessão para discussão em segundo turno e aprovou a redação final em segundo turno, ficando alguns temas para promulgação imediata pelo Congresso Nacional e outros para devolução à Câmara dos Deputados, em virtude de alterações feitas pelos senadores na proposta. A reforma alterou o funcionamento do Judiciário, criando órgãos e estabelecendo o controle externo das suas atividades.
Substituído por Calheiros na presidência do Senado em fevereiro de 2005, Sarney perdeu espaço político na casa, já que todos os seus candidatos a vagas na mesa diretora foram derrotados por nomes do PFL, assim como na Câmara. Ainda assim, negociou e obteve de Lula um aumento expressivo da participação do PMDB no governo, que não foi bem recebido pela ala oposicionista do partido, liderada por seu presidente, deputado Michel Temer (SP).
Criticado pela ala oposicionista do PMDB por ter aprofundado a presença do partido no governo, Sarney fez várias apologias de Lula. Em julho de 2006, defendeu, em discurso no plenário do Senado, sua reeleição: “O meu candidato é o presidente Lula, que trouxe ao poder uma esquerda responsável e equilibrada”. No mês seguinte, voltou a elogiar Lula e a esquerda por ele representada. A despeito da gravidade de denúncias contra o governo relativas à formação de “caixa dois eleitoral” e à compra de votos de parlamentares, entendia que não havia conduta do presidente Lula que “nem de leve” pudesse atingir o seu mandato.
No plano estadual, Sarney enfrentaria em 2006 uma situação eleitoral inédita em sua trajetória de político situacionista. Depois de 40 anos de poder inconteste no Maranhão, seu grupo, reunido em torno da candidatura de Roseana ao governo estadual, precisou enfrentar uma oposição integrada pelo governador e a maioria dos deputados e vereadores. O governador José Reinaldo Tavares (PSB) crescera politicamente na corrente de Sarney, mas rompera com ela em 2004, e apoiava agora três candidatos ao governo: Edson Vidigal (PSB), Jackson Lago (PDT) e Aderson Lago (PSDB). Após uma campanha marcada por pesada troca de acusações, Jackson Lago venceu o segundo turno da eleição, com 51,82% dos votos, derrotando Roseana, que recebeu 48,18%.
No Amapá, embora contasse com o apoio do presidente Lula, do governador Waldez de Goes (PDT), de todos os 16 prefeitos do estado, de 22 dos 24 deputados estaduais e dos três jornais diários de Macapá, Sarney não conseguiu uma reeleição tranquila. Venceu no primeiro turno, mas com 53,87% dos votos contra 43,59% de sua principal adversária, Maria Cristina do Rosário Almeida (PSB), neófita em eleições.
Empossado em fevereiro de 2007, Sarney assumiu publicamente posição diante da candente situação política da Venezuela. Em outubro, durante a discussão no Senado sobre a possibilidade de ingresso daquele país no Mercosul, acusou o presidente Hugo Chávez de ter dado início a uma corrida armamentista no continente e de conduzir antidemocraticamente a política em seu país, de que seriam evidências alterações legais que ampliariam seus poderes. Por isso, sugeria ao Senado que vetasse a presença venezuelana no Mercosul, já aprovada em comissão da Câmara dos Deputados. No mês seguinte, participando da 7ª Conferência Anual da América Latina, no Conselho das Américas, em Nova Iorque, voltou a atacar o presidente venezuelano, com os mesmos argumentos. Em resposta, o deputado Carlos Escarrá, vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Assembleia Nacional da Venezuela, classificou Sarney de “lacaio” e “servil”, acusando-o de tentar chantagear seu país, ao condicionar o ingresso no Mercosul à emissão de sinais expressos de que seus governantes eram democratas. Ressalvando que nada tinha contra o presidente Lula e o povo brasileiro, disse que Sarney parecia um boneco de ventríloquo.
Em dezembro de 2007 Sarney apoiou Garibaldi Alves (PMDB-RN) para substituir Renan Calheiros na presidência do Senado, depois que nome deste foi envolvido em denúncias de diversos tipos que o levaram a renunciar para não ter o mandato de senador cassado. Eleito em dezembro, Garibaldi, em discurso veiculado pela imprensa, atribuiu sua vitória às articulações de Sarney.
Quando se discutia o aniversário da Lei de Anistia de 1979, Sarney afirmou, em agosto de 2008, desconhecer a prática de tortura durante o regime ditatorial instalado no Brasil após o golpe que derrubou o presidente João Goulart em 1964. Em face da proposta de revisão da lei para que fossem processados e punidos agentes do Estado envolvidos com a prática de violências contra presos políticos, então examinada por membros do governo federal, assumiu a defesa de sua manutenção, argumentando que a anistia fora negociada com os militares, no contexto de uma transição de regime de cujo controle os militares não tinham sido derrubados, não havendo por que voltar a mexer com o problema.
Nessa mesma época, deixou claro, em diversas oportunidades, que não pretendia mais disputar cargos de presidente. Em janeiro de 2009, contudo, admitiu ser candidato à presidência do Senado, explicando que a mudança de posição se devia à situação internacional, pois sua candidatura era importante num momento de crise financeira mundial. Durante a disputa, surgiram denúncias de irregularidades no Senado, relativas ao uso irregular de telefones celulares, pagamento de horas extras em janeiro e número excessivo de diretores.
Presidente do Senado (2009-2010)
Em fevereiro de 2009, Sarney foi eleito pela terceira vez presidente do Senado, apoiado pelo PMDB, o Democratas (DEM) – oriundo da refundação do PFL –, o PTB, o PP e o Partido da República (PR), derrotando Tião Viana (PT-AC), apoiado pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), o Partido Republicano Brasileiro (PRB), o PDT, o PSB e o PSDB. Ao lado de Michel Temer (PMDB-SP), que foi escolhido presidente da Câmara dos Deputados, consolidou assim sua posição de pilar estratégico do governo Lula, em pleno processo de preparação para a sucessão presidencial em 2010. Ao tomar posse, anunciou um corte linear de 10% do orçamento do Senado.
Ainda em fevereiro, os jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo divulgaram a gravação de um diálogo entre Sarney e seu filho Fernando, superintendente do sistema de comunicação maranhense Mirante. Na conversa, ocorrida no dia 17 de abril de 2008, Sarney perguntava ao filho se ele havia recebido informações da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) sobre um processo judicial que o envolvia e corria em sigilo. A gravação também registrou Sarney instruindo Fernando a pôr no ar, pela TV Mirante, uma matéria para atingir Aderson Lago, chefe da Casa Civil do governo Jackson Lago, e seu filho, Aderson Neto, o que constituiria crime, de acordo com a legislação de concessões de meios de comunicação, que proíbe seu uso para fins políticos.
O mês de março foi crítico para a imagem do Senado e de Sarney. A imprensa trouxe à luz inúmeros fatos escandalosos que o envolviam. Segundo a Folha de S. Paulo (1/3/2009), Agaciel Maia, que ocupava o cargo de diretor-geral do Senado (portanto, era responsável pela ordenação de despesas) desde 1995 (portanto, fora nomeado por Sarney), usara o irmão e deputado João Maia (PR-RN) para esconder da Justiça, desde 1996, a propriedade de uma casa avaliada em cerca de cinco milhões de reais. Pressionado, Agaciel se demitiu. Nova reportagem do jornal (10/3/2009) revelou que o Senado pagara 6,2 milhões de reais em horas extras para 3.883 funcionários durante o recesso de janeiro, período em que não houve sessões, reuniões ou qualquer outra atividade parlamentar. O jornal O Estado de S. Paulo (12 e 18/3/2009) noticiou por sua vez que Sarney usara – durante dez dias e ao custo de 30 mil reais em diárias e passagens – sete policiais do Senado para vigiar sua mansão na Praia do Calhau, em São Luís, receoso de uma eventual reação popular à cassação do governador Jackson Lago (PDT), que seria substituído por Roseana Sarney, na condição de segunda colocada na eleição. No dia 13, outro alto funcionário do Senado ligado a Sarney, João Carlos Zoghbi, diretor de Recursos Humanos havia 14 anos, perdeu o cargo, depois que o jornal Correio Braziliense o denunciou por ter cedido seu apartamento funcional para familiares estranhos ao Congresso. Em maio, Zoghbi seria acusado de usar uma ex-babá de sua família como “laranja” para abrir empresas que atuavam na intermediação dos empréstimos consignados no Senado e, pelo serviço, recebiam de bancos comissões milionárias. Zoghbi foi indiciado pela Polícia do Senado por formação de quadrilha e corrupção. Matéria da Folha de S. Paulo (19/3/2009) revelou que, nos últimos oito anos, o número de cargos de direção do Senado passara de 32 para 181, numa média de mais de dois diretores para cada senador, e que Sarney estivera à frente dos atos que criaram, pelo menos, 70% desses cargos.
Em 24 de maio, o Jornal Pequeno, de São Luís, revelou que, durante pelo menos quatro anos, José Sarney omitira da Justiça Eleitoral e da Receita Federal que era proprietário de um castelo em Sintra (Portugal), adquirido quando era presidente do Brasil. Quatro dias depois, o jornal Folha de S. Paulo informou que vários parlamentares haviam recebido ilegalmente, por dois anos, auxílio-moradia, inclusive Sarney, que dispunha de residência privada e oficial em Brasília. Sarney alegou que o auxílio vinha sendo depositado em sua conta bancária à sua revelia e sem o seu conhecimento.
A revelação pelo jornal O Estado de S. Paulo, em junho de 2009, de que um neto de Sarney fora nomeado e exonerado do cargo de secretário parlamentar de um senador por ato secreto, chamou a atenção para esse tipo de procedimento. Desde 1995, mais de quinhentas medidas administrativas haviam sido tomadas por atos secretos.
Essas denúncias, e muitas outras, provocaram grave crise no Senado. Em meados de julho, Sarney determinou a anulação de todos os atos secretos. No fim do mês, contudo, havia 11 pedidos de investigação contra ele correndo no Conselho de Ética do Senado. Quebra de decoro parlamentar, uso de atos secretos, manipulação irregular de recursos públicos eram algumas das acusações de que era alvo.
Apoiado pelo presidente Lula, que sustentou a tese de que ele tinha história no Brasil suficiente para não ser tratado “como se fosse uma pessoa comum”, Sarney defendeu seu mandato em discurso pronunciado em 5 de agosto no plenário do Senado. Apresentando-se como vítima de uma campanha da imprensa, garantiu que resistiria no cargo. No mesmo dia o Conselho de Ética reuniu-se, e seu presidente, o senador Paulo Duque (PMDB-RJ), arquivou quatro denúncias contra Sarney e outra contra o líder do PMDB, Renan Calheiros. A decisão, tomada com o apoio do PT, foi justificada com o argumento de que as acusações se baseavam em matéria de imprensa e não demonstravam a relação de Sarney com os fatos apontados. Em protesto contra o arquivamento, os senadores oposicionistas renunciaram às vagas de titulares e de suplentes que ocupavam no Conselho de Ética, e sete deles entraram com mandado de segurança no STF para tentar reverter a medida. Alguns dias depois, o Conselho de Ética arquivou os outros sete pedidos de abertura de processo.
José Sarney, além dos cargos públicos que ocupou, foi também professor da Faculdade de Administração do Maranhão, professor honoris causa da Faculdade de Economia da Universidade do Maranhão, professor da Faculdade de Serviço Social da Universidade Católica do Maranhão, membro do conselho administrativo da Fundação Cultural de Brasília, presidente da Academia Brasiliense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e da Academia Maranhense de Letras, assim como do Diretório Regional de Geografia e Estatística. Foi, ainda, redator de O Imparcial, jornal editado na capital maranhense, e colaborador das revistas Realidade, Senhor, O Cruzeiro e Manchete.
No ano seguinte José
Sarney empenhou-se na campanha para a reeleição de sua filha Roseana para o
quarto mandato no governo do Maranhão. No plano federal, apoiou a candidatura
da petista Dilma Rousseff à presidência da República, cujo candidato a vice era
Michel Temer, do seu partido, o PMDB, que integrava a coligação liderada pelo
PT. No pleito de outubro de 2010 Roseana foi eleita logo no primeiro turno,
derrotando seus principais opositores Jackson Lago, do PDT, e Flávio Dino, do PCdoB.
Para a presidência da República, Dilma Rousseff venceu no segundo turno o
candidato tucano José Serra. Quando das articulações da presidente eleita para
a composição do seu ministério, Sarney indicou seu aliado Edison Lobão
(PMDB-MA) para o Ministério de Minas e Energia.
Novo mandato na Presidência do Senado (2011-2012)
Ao se recuperar da
crise decorrente das denúncias que enfrentou em 2010, no início da nova
legislatura, em fevereiro de 2011, Sarney foi reeleito presidente do Senado, o
que o transformou no mais forte aliado do novo governo no Congresso.
Em julho de 2011, Sarney tornou-se,
mais uma vez, o centro de uma polêmica envolvendo seu nome como um dos
favorecidos que recebiam supersalários no Senado. Na oportunidade, o então
presidente do Senado ganhava R$ 26.700 e, segundo o Ministério Público,
acumulava mais duas aposentadorias, o que fazia com que seus vencimentos
extrapolassem em muito o teto constitucional estabelecido.
Também em julho, o Senado cortou
todos os pagamentos de seus servidores que ultrapassem R$ 26,7 mil, valor que
correspondia ao salário de um ministro do STF, o teto constitucional do
funcionalismo. Assim sendo, nenhum servidor público poderia ganhar acima deste
valor. No mês anterior, a 9ª. Vara Federal de Brasília havia decidido que esta
regra deveria ser cumprida à risca e determinou que os três poderes fizessem o
chamado abate-teto, ou seja, o corte nos excedentes. Tal decisão fez com que o Senado diminuísse
o valor do pagamento de pelo menos 464 servidores. Porém, a liminar só atingiu os funcionários,
deixando de lado os parlamentares que acumulassem o que recebiam no Congresso
com aposentadorias, e assim ultrapassassem o teto estabelecido. Embora
discordasse do corte, o Senado entrou com recurso no Tribunal Regional Federal
da 1ª. Região (TRF-1), de modo a invalidar a decisão. Em agosto seguinte, o
presidente dessa Corte, Olinto Menezes, derrubou a determinação que mandava
cortar os supersalários.
Com relação à ação do MP, foi
realizado inquérito civil após a notícia de que Sarney recebia cerca de R$ 52
mil por mês. Na ocasião, o procurador Francisco Vollstedt Bastos informou à
Justiça que o próprio senador “reconheceu” ganhar acima do teto do
funcionalismo. Segundo o apurado, Sarney recebia, além do salário de senador em
Brasília, duas aposentadorias: uma como ex-governador do Maranhão e outra como
servidor do Tribunal de Justiça do mesmo estado. Já em 2009, uma matéria do
jornal Folha de S. Paulo havia mostrado que as
duas aposentadorias somavam R$ 35.560,98, em valores de 2007. Com o salário de
senador da época (R$ 16.500), ele estaria ganhando R$ 52 mil. Como o salário de
senador em 2011 era de R$ R$ 26.723,00, a remuneração recebida pelo presidente
do Senado girava em torno de R$ 62.284,00, considerando-se as informações
divulgadas pelo jornal e sem considerar eventuais reajustes nas aposentadorias.
Com base na informação, o procurador Vollstedt Bastos instaurou inquérito,
questionando formalmente o senador e o governo do Maranhão. O MP relatou que
eles se negaram a informar detalhadamente os valores recebidos a título de
pensão, mas admitiram o recebimento dos pagamentos, considerados indevidos pelo
procurador, como destacou na ação.
Foi sua filha, então governadora do
Maranhão, quem saiu em defesa de Sarney. No documento que ela enviou ao
MP, Roseana manifestou-se dizendo que o procurador queria “invadir a
privacidade” do pai, embora garantisse a legalidade de tudo que ele recebia. Para
o MP, porém, esse direito à não se aplicava ao caso. De acordo com o
procurador, a defesa da constitucionalidade dos pagamentos foi feita por Sarney
e pela governadora “com base no entendimento equivocado quanto à aplicação do
teto remuneratório, bem como em inexistente direito adquirido à pensão”.
Na ação do MP, o procurador Vollstedt
Bastos pediu que a União e o governo do Maranhão suspendessem os pagamentos destinados
ao senador que estourassem o teto e que o parlamentar escolhesse qual fonte de
rendimentos utilizaria para se manter dentro do limite constitucional. Pediu
ainda que Sarney fosse condenado a devolver aos cofres públicos tudo o que havia
ganhado nos últimos cinco anos além do permitido. Para fazer valer isso, o MP
pediu uma liminar à Justiça para obrigar o senador e o governo do Maranhão a
informarem, com detalhes, os valores das aposentadorias recebidas. A liminar
foi negada pela juíza substituta Raquel Chiarelli, da 21ª Vara, para quem o
valor exato da aposentadoria de Sarney poderia ser obtido no transcorrer do
caso. A Justiça determinou ainda que o procurador informasse outras partes
interessadas na ação. Em recurso, o MP informou que não havia mais partes a
indicar. O recurso foi negado pela juíza.
A Secretaria de Imprensa da
Presidência do Senado lembrou que o acórdão 2274/09, do Tribunal de Contas da
União (TCU), autorizava pagamentos de fontes diferentes que extrapolassem o
teto. Nesse acórdão, os ministros do TCU decidiram que o corte na renda vinda
de várias fontes “dependia da implementação do sistema integrado de dados”
entre estados, prefeituras e o governo federal. Se houvesse uma comparação do
caso de Sarney e de outros senadores com o dos servidores do Senado, seria
possível concluir que realmente havia uma diferença. No caso dos servidores,
era o próprio Senado quem pagava os valores excedentes; no caso de Sarney e de
outros senadores, o salário pago pelo Senado não ultrapassava o teto. O que
gerava o excedente era a soma com as aposentadorias. Assim sendo, a assessoria
do Senado informou que nenhum senador ganhava mais que o teto, o que podia ser
comprovado pela folha de pessoal da Casa. O salário de R$ 26.700 havia sido
definido pelos próprios senadores e deputados em 2010, oportunidade em que
também elevaram para o mesmo valor a remuneração da presidente da República, de
seu vice e de seus ministros de Estado.
No final
de 2012, na condição de presidente do Senado, e portanto o terceiro na ordem de
sucessão, Sarney voltou a ocupar interinamente a Presidência da República, em
virtude de viagens simultâneas da presidente Dilma Rousseff, do
vice-presidente, Michel Temer, e do então
presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS). Também nesse período ficou afastado
do Senado por quase dois meses, após ser diagnosticado com dengue aguda e
pneumonia.
Concluindo
seu mandato como presidente do Senado, José Sarney foi sucedido pelo senador
Renan Calheiros (PMDB-AL) no início de fevereiro de 2013. A partir de então
passou a cumprir as atividades parlamentares regulares de senador, e se
tornou um importante aliado do governo.
Durante
a convenção estadual do PMDB, realizada a 27 de junho de 2014, em Macapá, o
senador José Sarney anunciou
oficialmente sua desistência em concorrer ao Senado nas eleições de outubro. Na
oportunidade declarou que era uma decisão definitiva, que a vida estava lhe
pedindo um tempo e a política teria se tornado “muito desestimulante".
Garantiu, entretanto, que não deixaria a vida pública. Em sua fala destacou
ainda que a política “só tem uma porta que é a de entrada, não tem de saída”,
mas que o seu espírito público e tudo que ele devia ao povo brasileiro o
obrigava, até o fim da vida, dedicá-la a “continuar ajudando o país”. No
entanto, Sarney já havia comunicado, oficialmente, no dia 23, sua desistência
ao presidente do PMDB-AP, Gilvan Borges, e há na semana anterior havia
informado aos seus amigos e aliados, acrescentando que precisava cuidar de sua
saúde, bem como da de sua esposa.
O pleito de outubro de 2014 reservou para
Sarney e seu grupo político uma situação inédita no Maranhão, com a derrota de
seus candidatos ao governo do estado, Lobão Filho (PMDB), e ao Senado, deputado
Gastão Vieira (PMDB), para, respectivamente, Flávio Dino (PCdoB) e Roberto
Rocha (PSB). Isto expôs alguns sinais de desentendimentos no grupo e a
incerteza quanto ao futuro político, em função da ausência de um nome forte que
pudesse assumir a liderança. A eleição de Dino pôs fim a cinco
décadas de hegemonia do grupo político ligado a Sarney no Maranhão,
interrompida apenas de 2007 a 2009, quando Jackson Lago, do PDT, fora governador.
No plano federal,
nas eleições para a Presidência da República, Sarney vinha se mostrando como um
dos mais fortes aliados do governo federal, não apenas ao longo da campanha
eleitoral, mas desde o governo Lula. Apesar disso, no dia da eleição, o senador
José Sarney foi flagrado na cabine de votação pelo cinegrafista da TV Amapá,
assinalando o número 45, de Aécio Neves (PSDB), mesmo portando adesivos da
candidata do PT, Dilma Rousseff. O que provavelmente pesou na decisão de Sarney
foi a forte oposição do PT na política do Amapá e a falta de apoio da direção
nacional do partido da presidente Dilma. Embora tenha negado o fato por meio de sua assessoria, aos mais
próximos Sarney justificou sua atitude antes mesmo do vídeo circular na
internet, afirmando que fora “um voto de gratidão ao Tancredo”, avô do candidato
tucano de quem havia herdado a Presidência da República em 1985.
Durante
as eleições deste ano, PSDB e PT protagonizaram uma discussão pública sobre a
autoria de programas sociais como, por exemplo, o Bolsa Família. Para o senador
e ex-presidente da República José Sarney, o grande responsável pela aplicação deste
tipo de plano social não é Lula nem Fernando Henrique Cardoso, e sim ele
próprio. No artigo “O roubo dos personagens”, artigo publicado no jornal
O Estado do Maranhão, de sua
propriedade, no dia 14 de dezembro, pouco antes, portanto, de sua despedida do
Senado, Sarney chamou para si a responsabilidade pela implementação dos
programas sociais do governo federal. Nele, destacou que todos os programas
sociais que se encontram implementados, começaram com ele: “farmácia básica,
aposentadoria do trabalhador rural, cota a deficiente, extensão dos benefícios
da previdência ao trabalhador do campo, o 13º salário para o funcionalismo
público civil e militar e, o maior de todos, a universalização da saúde”,
afirmou o senador. No artigo, Sarney escreveu ainda que “muitos dos [seus]
pensamentos, [...] e iniciativas foram apropriados, sem o menor respeito”. Ainda
segundo o artigo foi ele quem primeiro falou de desenvolvimento com justiça
social no Brasil, no manifesto da Bossa Nova da UDN, ao tempo de Juscelino
Kubitschek, que falava muito em desenvolvimento, mas nada em social. Destacou
ainda que era esse o lema do governo quando assumiu a chefia do Executivo no
Maranhão, em 1966; e que o slogan ‘Tudo pelo Social’ foi adotado por ele como
presidente da República.
José Sarney despediu-se
do Senado no dia 18 de dezembro, com discurso em que lembrou a primeira vez que
ocupou a tribuna no Congresso, em 1955, como deputado federal. Em sua fala
defendeu o fim da reeleição e a reforma política. Segundo ele, nos últimos anos
o país avançou na área social, mas regrediu na área política. Responsabilizou o
sistema político brasileiro por todo o resto do que acontece no nosso país.
Defendeu a necessidade de evitar a proliferação de partidos políticos que,
segundo afirmou, “constituem verdadeiros registros eleitorais que só servem
para negociações materiais”. Falou também sobre o fato de ter voltado a ocupar
um cargo público depois da presidência da República, quando se tornou o
primeiro presidente civil depois dos 21 anos do Regime Militar, mas que se
arrependia. Com base nessa sua “mea culpa”, entendia ser importante, e até
mesmo necessário que fosse proibido aos ex-presidentes ocupar qualquer cargo
público, mesmo sendo ele de natureza eletiva, tal como ocorre nos Estados
Unidos.
Com a
deflagração da Operação Lava-Jato, quando a Petrobras tornou-se alvo de
denúncias sobre esquemas de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas
envolvendo diretores da empresa, políticos de diversos partidos e as grandes
empreiteras, José Sarney pronunciou-se afirmando ser necessária a criação de um
estatuto que controlasse os diretores das estatais e assim evitasse um “estado
de deterioração e corrupção”. Segundo comentou, o estatuto das estatais deverá
criar um sistema de controle das companhias estatais de tal modo que evitará
esse livre arbítrio que assistimos, criando um estado de deterioração das
companhias e de corrupção, dando poderes aos diretores, mas sem controle,
inclusive do Tribunal de Contas da União.
Sobre o último discurso
na tribuna do Senado, antes de deixar o mandato, ocasião em que afirmou ter se
arrependido de retornar à vida pública, o parlamentar comentou que “houve uma
certa confusão” quanto às declarações que dera. Justificou-se então afirmando
que se referira à necessidade de o Brasil ter um novo modelo político, e que
quando falara isso, fora como estadista, fazendo uma referência a um novo
sistema eleitoral brasileiro, “e não a esse que vivemos”. Explicou que achava
importante que não houvesse reeleição, e que o presidente, ao terminar o seu
mandato, não deveria concorrer a nenhum outro cargo para que, na condição de
ex-presidente, consiga ficar acima de qualquer disputa partidária. Ratificou
que não estava arrependido de ter sido senador. Pelo contrário. “O Amapá me fez
muito bem e me rejuvenesceu, sendo o meu primeiro e último amor”, disse,
acrescentando ter deixado legado no estado, a exemplo da Área de Livre
Comércio. Concluiu, por fim, explicando a decisão de não concorrer a outro
mandato eleitoral, pois assim seu sentimento não seria de encerrar a carreira,
mas de simplesmente terminar o mandato e
não concorrer mais. “Quero sair bem, atuando e trabalhando. E não ficar como um
velho arrastando o pé no Senado”.
No dia 31 de janeiro de
2015 José Sarney concluiu seu mandato no Senado, tendo sido o político
brasileiro que no plano nacional teve a mais longa carreira (60 anos),
superando assim o senador
do Império, Antônio Paulino Limpo de Abreu, o Visconde de Abaeté (53 anos de
carreira política e 36 como senador vitalício). Como parlamentar integrou 13
legislaturas, quatro como deputado federal e seis como senador.
Críticas ao Governo Dilma
Depois que se despediu da política, o ex-presidente e
agora ex-senador José Sarney passou a fazer duras críticas ao governo Dilma
Rousseff em sua coluna publicada semanalmente no jornal da família, O Estado do Maranhão. Na edição do dia
1º de fevereiro de 2015, o alvo principal de sua crítica foi o cancelamento
(anunciado a 28/jan.), pela Petrobras, da construção da refinaria Premium 1,
cujas obras estavam em andamento no município de Bacabeira, a 53 km de São Luís,
e que, segundo a empresa, já tivera, desde 2007, investimentos federais da
ordem de R$ 1,8 bilhão, valores não atualizados monetariamente. Sarney
classificou o ato como “uma decisão que é uma manifestação de discriminação,
desprezo, ingratidão e injustiça”. E questionou: “Que culpa tem o Maranhão pela
corrupção e pela bagunça da Petrobras? Pagamos nós pela Lava-Jato!".
Prosseguindo disse que “o Maranhão esperou 30 anos por um grande projeto de
estrutura de base, para mostrar que o Brasil não pode continuar a ser dois
Brasis, um rico e um pobre". O ex-senador conclamou o Estado a se unir
para que as obras fossem retomadas e defendeu uma "luta" dos nomes
maranhenses pela retomada das obras. Disse não aceitar a decisão de acabar com
a refinaria em seu estado e, perguntando se faltava dinheiro na Petrobras, sugeriu
a abertura da construção a empresas estrangeiras – pois aí estavam capitais
chineses, americanos, ingleses, holandeses, sauditas, árabes e tantos outros –;
e acreditar que, se fosse mantida a luta, com classes empresariais, povo, e governo
todos unidos, essa decisão seria revertida e um dia o Maranhão teria a
refinaria.
As críticas do ex-senador e ex-aliado da presidente não
se restringiram à refinaria, atingindo também a política econômica de Dilma,
classificada por ele de “hostil”. Sarney alegou que os fundos de participação
dos Estados eram contidos em limites precários, incapazes de fazer a diferença;
que não havia incentivos efetivos aos empréstimos dos bancos de
desenvolvimento, como taxas de juro diferenciadas das dos estados ricos.
Finalizou dizendo que a área econômica do governo era indiferente a medidas que
pudessem tornar competitivos os estados pobres, capazes de atrair investimentos
que normalmente são destinados para os estados ricos.
José Sarney, além
dos cargos públicos que ocupou, foi também professor da Faculdade de
Administração do Maranhão, professor honoris causa da Faculdade de Economia da
Universidade do Maranhão, professor da Faculdade de Serviço Social da
Universidade Católica do Maranhão, membro do conselho administrativo da Fundação
Cultural de Brasília, presidente da Academia Brasiliense de Letras, do
Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e da Academia Maranhense de
Letras, assim como do Diretório Regional de Geografia e Estatística. Foi,
ainda, redator de O Imparcial, jornal editado na capital maranhense, e
colaborador das revistas Realidade,
Senhor, O Cruzeiro e Manchete.
Casou-se com Marli
Sarney, com quem teve três filhos. entre eles, Roseana Sarney, deputada federal
pelo Maranhão no período 1991-1994, governadora desse estado de 1995 a 2002 e
de 2009 a 2014; e senadora de 2003 a 2009; e Sarney Filho que também foi
deputado federal pelo Maranhão de 1983 a 1998 e a partir de 2002; e ministro do
Meio Ambiente de janeiro de 1999 a março de 2002 durante o segundo período de
governo de Fernando Henrique Cardoso.
Além de ensaios,
conferências, artigos e contos editados em jornais e revistas, assim como
discursos e mensagens publicados pelo governo do Maranhão, publicou A canção
inicial (poesia, 1950), Estudo sobre a pesca de curral na ilha Currupi (ensaio,
1952), Norte das águas (1969), Governo e povo (1970), Cantigas de Pericumã
(poesia, 1978), Marimbondos de fogo (poesia, 1979), O parlamento necessário
(discursos, 1982), Falas de bem-querer (discursos, 1983), Brejal dos Guajas e
outras histórias (1985), Palavras do presidente José Sarney (1985-1990), Nova
República: 120 dias (1985), Brazil: a president’s story (1988), Brazil: a
president’s story (1988), Sexta-feira, Folha (coletânea de artigos publicados
na Folha de S. Paulo, 1994), O dono do mar (1995), Amapá, a terra onde o Brasil
começa, com Pedro Costa (1999), A onda liberal na hora da verdade, (crônica,
1999), Saraminda (romance, 2000), Saudades mortas (poesia, 2002), Canto de
página (crônica, 2002), Crônicas do Brasil contemporâneo (2004), Tempo de
pacotilha (2004), 20 anos de democracia (discursos, 2005) 20 anos do Plano
Cruzado (discursos, 2006) Semana sim, outra também (crônica, 2006), e A duquesa
vale uma missa (romance, 2007), Meditação sobre o rio Bacanga, A maré de
agosto, Veneza da miséria e As têmporas pedem roxo.
Sobre o governo
Sarney foram publicados: Sarney, difícil equilíbrio, de Arnaldo Lacombe (1985),
O último trem para Paris - de Getúlio a Sarney, de João Paulo dos Reis Velloso
(1986), De Jango a Sarney, de Raimundo Oliveira (1986), Brasil provisório – de
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