QUADROS, JÂNIO

QUADROS, Jânio

*pref. São Paulo 1953-1954; gov. SP 1955-1959; pres. Rep. 1961; pref. São Paulo 1986-1989.

 

Jânio da Silva Quadros nasceu em Campo Grande, no então estado de Mato Grosso e atualmente capital do Mato Grosso do Sul, no dia 25 de janeiro de 1917, filho do médico paranaense Gabriel Quadros e de Leonor da Silva Quadros.

Ainda criança, mudou-se junto com sua família para Curitiba, onde fez o curso primário e parte do secundário no Ginásio Paranaense, onde foi colega de Nei Braga, futuro governador do Paraná. Seu pai ingressou no Partido Republicano Paranaense (PRP), em cuja legenda foi eleito deputado estadual. Com o triunfo da Revolução de 1930, Gabriel Quadros viajou para São Paulo e, depois de passar curtas temporadas nos municípios de Garça, Bauru e Cândido Mota, fixou-se na capital e mandou buscar a família. Jânio foi matriculado no Colégio São Joaquim, em Lorena (SP), mas em 1933 ingressou no Colégio Arquidiocesano, na cidade de São Paulo, onde concluiu os estudos secundários.

Em 1935, aos 18 anos, passou a lecionar português e geografia em algumas escolas e ingressou na Faculdade de Direito, onde começou a participar das atividades promovidas pelo Centro Acadêmico 11 de Agosto. No ano seguinte, resolvido a eleger-se secretário da entidade, fez uma campanha singular: todos os dias ficava sentado num barril, em frente às arcadas da faculdade, com uma fita no chapéu onde escrevera: “Vote em Jânio.” Os colegas acharam graça e votaram nele.

Ainda acadêmico, conheceu Eloá do Vale, de 15 anos, filha de um farmacêutico amigo de seu pai. Logo que recebeu o diploma, casou-se com ela. Montou, então, um pequeno escritório de advocacia no centro da capital e começou a lecionar em dois colégios tradicionais — o Dante Alighieri e o Vera Cruz. Com o fim do Estado Novo e a reorganização partidária ocorrida em 1945, filiou-se ao comitê da União Democrática Nacional (UDN) no bairro de Vila Mariana. No entanto, por não ter conseguido espaço nesse partido para concorrer a vereador nas eleições de 1947, candidatou-se na legenda do Partido Democrata Cristão (PDC), com o apoio de pais e alunos do colégio Dante Alighieri.

Jânio obteve 1.704 votos, insuficientes para sua eleição. Porém, com a suspensão do registro do Partido Comunista Brasileiro, então Partido Comunista do Brasil, e a posterior cassação dos mandatos de seus parlamentares, sobraram muitas cadeiras na Câmara Municipal de São Paulo, onde o PCB possuía a maior bancada. Jânio foi um dos suplentes chamados a preencher esses lugares em 1948. Seu trabalho como vereador foi muito decisivo para projetá-lo na vida política paulista, como defensor intransigente da moralização administrativa e severo crítico do governo de Ademar de Barros, líder nacional do Partido Social Progressista (PSP).

Com um estilo particular de oratória, sempre mal vestido e despenteado, encampava as reivindicações populares, visitando bairros pobres, assinando manifestos, escrevendo artigos para jornais e defendendo grande número de proposições, requerimentos e projetos de lei. Obtinha cada vez mais espaços na imprensa, que cortejava. Certa vez apresentou um projeto que isentava os jornalistas do pagamento do imposto predial. Os servidores municipais foram conquistados pelo abono de Natal, outra idéia do vereador Jânio.

Seu prestígio cresceu tanto que em outubro de 1950 foi eleito deputado estadual, concorrendo novamente na pequena legenda do PDC, com a maior votação do estado. Líder da bancada na Assembléia Legislativa, expulsou do partido quatro deputados acusados de ligações com o governador Lucas Nogueira Garcez, do PSP. No exercício do mandato, percorreu todo o interior do estado, sempre insistindo na bandeira da moralização do serviço público e pedindo sugestões ao povo para resolver os problemas de cada região.

 

Na prefeitura de São Paulo

A capital paulista assistiu no início de 1953 à primeira campanha eleitoral para a prefeitura em 23 anos, desde a Revolução de 1930. Jânio foi lançado candidato do PDC em coligação com o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e batizou sua campanha como Movimento 23 de Março, numa alusão à data do pleito. Seu lema, “O tostão contra o milhão”, procurava ressaltar a desproporção dos recursos mobilizados em seu apoio em relação aos que foram utilizados pelas máquinas políticas mais poderosas do estado, especialmente o PSP. Com o apoio do velho líder político paulista Ataliba Leonel e de Olavo Fontoura, que lhe garantiu livre acesso à Rádio Cultura, e com o espaço do jornal A Hora à sua disposição, Jânio concentrou seus ataques no desperdício de dinheiro público patrocinado pelo governo estadual do PSP, usando repetidamente o exemplo das obras em curso para os festejos do quarto centenário da cidade de São Paulo, que seria comemorado em 1954. Diante da sua insistência em propor uma limpeza nos órgãos públicos, a vassoura começou a ser usada por seus correligionários como símbolo da campanha.

Jânio foi beneficiado pela crise que surgiu no PSP, afastando Ademar de Garcez. O governador Lucas Garcez se afastava progressivamente do esquema ademarista que o elegera e, baseado numa articulação interpartidária, lançou seu secretário de Saúde, Francisco Antônio Cardoso, para a prefeitura, completando a chapa com Fernando Nobre, indicado pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Impossibilitado de lançar Ademar de Barros Filho como candidato de seu partido, o líder do PSP passou a apoiar Jânio, inclusive financeiramente. A campanha conquistou ainda dissidentes do PTB, que indicaram José Porfírio da Paz para concorrer a vice-prefeito na chapa.

Jânio venceu por larga margem as principais máquinas partidárias locais, obtendo 285.155 votos contra 115.014 dados a Francisco Antônio Cardoso (PSP), 16.662 a André Nunes Júnior, do Partido Trabalhista Nacional (PTN), e 3.901 a Osvaldo Ortiz Monteiro, do Partido Social Trabalhista (PST). A surpresa dos meios políticos foi traduzida pelo então senador Francisco de Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados: “Estamos diante de um fenômeno dos mais impressionantes da vida política brasileira. Vimos um homem sozinho derrotar o conjunto de oito partidos que dispunham de uma imensa rede radiofônica, da simpatia de poderosos jornais e outros recursos de propaganda.”

Em fins de março, logo após o pleito municipal, ocorreu em São Paulo a chamada greve dos trezentos mil, que fugiu ao controle do governo do presidente Getúlio Vargas. Coube ao governo estadual arcar com o ônus da repressão ao movimento, que durou um mês e recebeu a solidariedade de Jânio, interessado em enfraquecer as posições de Garcez e de Vargas e penetrar numa área até então privativa do ademarismo, do PTB e do PCB.

Jânio assumiu a prefeitura aos 36 anos e um dos seus primeiros atos foi promover demissões em massa de funcionários, iniciando uma cruzada moralizadora que marcou sua gestão. Passou a visitar de surpresa repartições públicas para apurar denúncias de irregularidades; institucionalizou o envio de memorandos e dos famosos “bilhetinhos”; regulamentou o uso de carros oficiais, proibindo sua circulação fora do horário de serviço; investiu na recuperação de ônibus e bondes da Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC); e nomeou o professor Carlos Alberto de Carvalho Pinto para a administração das finanças municipais, conseguindo equilibrar o orçamento da prefeitura.

Em 1954 Jânio e Porfírio da Paz se desincompatibilizaram dos seus cargos para se candidatarem a governador e vice-governador do estado.

No governo paulista

A campanha eleitoral de 1954 para o governo de São Paulo foi marcada pela polarização entre Ademar de Barros, apresentado pelo PSP, e Jânio Quadros, lançado pelo PDC em princípios de janeiro. Entretanto, não concordando com a indicação de Antônio de Queirós Filho para seu companheiro de chapa, Jânio retirou sua candidatura no dia 31 desse mês, sendo acusado publicamente pelo PDC de fazer demagogia e fugir dos compromissos partidários. Em dramática entrevista e em um manifesto divulgado no dia 3 de fevereiro, o candidato se defendeu e revelou que se comprometera a entregar ao PDC a chefia de três secretarias, do Instituto de Previdência, do Banco do Estado e da Caixa Econômica.

O PTN e o PSB mantiveram a candidatura de Jânio, cuja crescente penetração nos setores médios e populares representava uma ruptura profunda com o tradicional clientelismo paternalista de Ademar. Segundo o sociólogo Francisco Weffort, aquelas camadas não possuíam mais a expectativa de obter proteção pessoal por parte das autoridades, definindo seu voto em função da esperança de obter um governo eficiente e voltado para a justiça social.

Embora Ademar fosse o líder do maior partido político do estado e ainda detivesse influência sobre um grande número de prefeitos do interior, sua campanha se enfraqueceu muito devido ao lançamento da candidatura do engenheiro Francisco Prestes Maia, apoiada pelo governador Garcez, pela UDN e pelos partidos Social Democrático (PSD), Republicano (PR) e de Representação Popular (PRP). O PTB estava dividido em três grupos a respeito da sucessão: o primeiro era favorável à participação no esquema de alianças articulado por Garcez, o segundo apoiava Jânio e o terceiro propunha o lançamento de uma candidatura própria. Contra a vontade do líder trabalhista Hugo Borghi, que pretendia o lançamento de seu próprio nome, o PTB lançou oficialmente Vladimir de Toledo Piza para concorrer ao governo, mas alguns setores do partido continuaram apoiando Jânio Quadros e indicaram Porfírio da Paz para vice-governador em sua chapa.

Jânio não tinha um programa definido, prometendo apenas trabalhar muito e “varrer” a corrupção dos órgãos públicos. Colocava-se publicamente como um homem sem partido: “O trabalhador da cidade e dos campos que me elegeu, humilde e sofredor, não me sujeita a qualquer partido, a qualquer grupo, a qualquer indivíduo. Sujeita-me tão-só e exclusivamente ao bem comum.” Sua campanha foi marcada por comícios que enchiam praças para onde seguiam multidões com vassouras e velas acesas. Segundo Maria Vitória Benevides, “os palanques transformavam-se em palcos de tragicomédias: Jânio tomava injeções em público, simulava desmaios e comia sanduíches de mortadela levados nos bolsos. E era carregado nos ombros do povo! Numa esdrúxula mistura de radicalismo e kitsch popularesco (um admirador udenista chegou a identificá-lo como um misto de Lenin e Carlitos!), fazia violentos ou pitorescos discursos, num português precioso de sílabas escandidas, e apoiado num visual que se tornaria típico: roupas surradas e em desalinho, cabelos compridos e barba por fazer, ombros brilhantes de caspa”.

Jânio venceu as eleições de 1954 para o governo paulista com 660.264 votos contra 641.960 dados a Ademar, 492.518 a Prestes Maia e 79.783 a Toledo Piza. Porfírio da Paz foi eleito vice-governador. A vitória sobre o ademarismo só não foi completa porque Juvenal Lins de Matos, do PSP, derrotou Auro de Moura Andrade na disputa para o Senado e o PSP continuou majoritário na Assembléia Legislativa, seguido pelo PSD.

Empossado em 31 de janeiro de 1955, Jânio começou a desalojar o PSD da máquina governamental e a empreender intensa campanha de desmoralização pessoal e administrativa de Ademar. Além de transferir e demitir pessoas ligadas ao PSP, reativou o processo aberto no ano anterior sobre a compra irregular de automóveis Chevrolet durante o mandato de Ademar no governo paulista.

Jânio nomeou um secretariado em sua maioria desvinculado dos grandes partidos: Quintanilha Ribeiro (Gabinete Civil), Carlos Castilho Cabral (Trabalho), Carvalho Pinto (Finanças), Caetano Álvares (Viação), Carolina Ribeiro (Educação), Cruz Martins (Agricultura), José Adriano Marrey Júnior (Justiça), general Honorato Pradel (indicado pelo brigadeiro Eduardo Gomes para a Secretaria de Segurança) e Scalamandré Sobrinho (Saúde). Este último era deputado estadual da bancada do PTN e sua nomeação para o Executivo abriu uma vaga na Assembléia Legislativa para Gabriel Quadros, primeiro suplente desse partido e pai do governador. Antônio Sílvio Cunha Bueno, que disputara a vice-governança da chapa de Prestes Maia, aceitou a Secretaria de Governo.

Desde o início do seu governo, Jânio procurou ampliar seu espaço político em nível nacional, estabelecendo contatos com o presidente João Café Filho, que, empossado depois do suicídio de Getúlio Vargas, organizara um ministério de hegemonia udenista no qual se sobressaíam militares antigetulistas, como Juarez Távora (chefe do Gabinete Militar), Eduardo Gomes (ministro da Aeronáutica) e Edmundo Amorim do Vale (ministro da Marinha). Para negociar em melhores condições, Jânio logo se proclamou candidato à presidência da República nas eleições previstas para outubro de 1955, reafirmando essa intenção em 1º de abril. Entretanto, Juarez Távora, provável candidato da UDN, recebeu no Rio nesse mesmo dia a visita de emissários de Jânio, que lhe transmitiram a disposição do governador paulista de se retirar da disputa e passar a apoiar Juarez em troca da indicação do candidato à vice-presidência e da maior participação de São Paulo na administração federal. Juarez respondeu que não poderia se comprometer antes de ouvir a opinião dos chefes militares e de Café Filho. Interessado na proposta, o presidente da República enviou a São Paulo o suplente de senador Reginaldo Fernandes, da UDN do Rio Grande do Norte, para realizar as negociações que resultaram, ainda no início de abril, no chamado acordo Jânio-Café, que garantia ao governador paulista o direito de escolha dos ministros da Fazenda e da Viação e Obras Públicas e do presidente do Banco do Brasil, em troca do seu apoio à chapa Juarez Távora-Bento Munhoz da Rocha.

O acordo, porém, não foi bem recebido nas fileiras udenistas. Em 3 de abril, Juarez enviou cartas a Jânio e Café recusando a indicação de Munhoz da Rocha sem consulta prévia aos partidos aliados, ao mesmo tempo em que Clemente Mariani (presidente do Banco do Brasil) e os ministros Eugênio Gudin (da Fazenda) e Rodrigo Otávio Jordão Ramos (da Viação e Obras Públicas) renunciaram, sendo substituídos por nomes indicados por Jânio: Alcides Vidigal, José Maria Whitaker e Otávio Marcondes Ferraz, respectivamente.

A aproximação entre Jânio e Café criou condições mais propícias para o governo paulista realizar um trabalho de recuperação financeira do estado, pois o acordo firmado para a unificação e consolidação de suas dívidas garantiu o pagamento escalonado do débito de mais de oito bilhões de cruzeiros, que representavam cerca de 40% da receita prevista no orçamento.

As eleições presidenciais de outubro de 1955 foram vencidas por Juscelino Kubitschek e João Goulart, candidatos da coligação PSD-PTB e representantes das forças políticas alijadas do poder com o suicídio de Vargas no ano anterior. A UDN e setores das forças armadas se colocaram então contra a posse dos eleitos, agravando assim a tensão. Em 8 de novembro, Café Filho, acometido dias antes de um distúrbio cardiovascular, transferiu interinamente o poder para Carlos Luz, presidente da Câmara dos Deputados, membro do PSD, mas muito ligado ao udenismo. No dia 11 seguinte, os generais Henrique Teixeira Lott (ministro da Guerra demissionário) e Odílio Denis (comandante da Zona Militar Leste, atual I Exército) lideraram um movimento militar visando, segundo sua versão, barrar uma conspiração em preparo no governo para impedir a posse dos eleitos.

Contando com a fidelidade da Marinha e da Aeronáutica, o presidente em exercício se refugiou no cruzador Tamandaré e rumou para Santos (SP), pois esperava obter o apoio de Jânio para transformar São Paulo na principal base de operações das forças favoráveis ao governo, especialmente a esquadra, a Força Pública (PM) paulista, a 2ª Divisão de Infantaria (2ª DI) e a IV Zona Aérea. Apesar de não se ter definido claramente em relação ao conflito, Jânio não fez qualquer objeção às manobras militares governistas em território paulista, coordenadas pelo brigadeiro Eduardo Gomes. Entretanto, a ação dos generais Olímpio Falconière da Cunha (comandante da Zona Militar Centro, atual II Exército) e Estênio Caio de Albuquerque Lima (comandante da 2ª Região Militar), fiéis a Lott, frustrou a possibilidade de resistência e definiu a situação, tornando inócuo o encontro de Jânio com Eduardo Gomes, às 15 horas do dia 11.

Neste mesmo dia, a Câmara passou a buscar uma solução política para a crise, discutindo a moção apresentada pela aliança PSD-PTB que, com base no artigo 79 da Constituição, declarava Carlos Luz impedido de exercer a presidência. O Congresso aprovou o impedimento e, seguindo a ordem constitucional de sucessão, empossou o vice-presidente do Senado, Nereu Ramos, na chefia do governo. Tentando aproveitar-se desse desfecho, o prefeito Lino de Matos e grupos paulistas de oposição articularam o afastamento de Jânio, mas o plano não obteve êxito, em grande parte devido à não adesão do general Falconière.

No dia 12, Jânio e o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo divulgaram manifesto afirmando que aguardavam o desenrolar dos acontecimentos, e se mantinham fiéis à legalidade constitucional. Falconière considerou essa declaração ambígua e exigiu um esclarecimento do governo estadual, que acabou por se pronunciar publicamente a favor do movimento político-militar chefiado pelo general Lott.

A crise voltou a agravar-se no dia 21, quando Café Filho pleiteou sua volta à presidência. Reunida em sessão extraordinária, a Câmara dos Deputados decidiu na madrugada do dia 22, por 179 votos contra 94, pelo afastamento definitivo do presidente, resultado confirmado pelo Senado horas depois. Houve grande indignação entre os grupos que apoiavam Café Filho, levando Jânio a divulgar novo manifesto em que dizia: “Essa decisão receberá um terrível julgamento da história.”

Com a posse de Kubitschek em janeiro de 1956, começou a aplicação do Plano de Metas, voltado para acelerar a industrialização com base na atração de capital estrangeiro para o país. São Paulo foi o estado mais beneficiado com a implantação de novas indústrias e a concentração de crédito, mas, apesar disso, Jânio permaneceu alinhado com a oposição udenista em relação a aspectos importantes da política econômica vigente. Apoiou em maio de 1957 o movimento dos cafeicultores paulistas, paranaenses e mineiros contra o confisco cambial, isto é, o pagamento de um preço menor pelo dólar obtido com a exportação de café, com a retenção da diferença pelo governo federal como forma de diminuir o déficit do balanço de pagamentos e financiar a industrialização. Os produtores chegaram a programar duas vezes, com apoio de Jânio, a realização de uma “marcha da produção” até o palácio do Catete, sede do governo federal, mas em ambos os casos a manifestação foi cancelada.

A expansão econômica de São Paulo nesse período se refletiu no aumento da receita tributária do estado e na criação de condições favoráveis à diminuição do déficit financeiro herdado dos governos anteriores. Com Carvalho Pinto na Secretaria de Finanças, a centralização administrativa aumentou, passando a integrar no planejamento e controle governamentais as contas das autarquias e sociedades em que o estado participava como acionista. Ao mesmo tempo, as despesas públicas foram submetidas a um controle mais rígido, inclusive com a limitação da abertura de créditos adicionais, e os sistemas de arrecadação e fiscalização tributária foram reaparelhados para enfrentar o crônico problema da sonegação fiscal. Essas medidas não eliminaram o déficit, mas melhoraram sensivelmente a situação das finanças públicas. A cotação dos títulos emitidos pelo Tesouro do estado aumentou, o desempenho da Caixa Econômica de São Paulo melhorou muito (voltando a apresentar superávits entre 1955 e 1958, depois de nove anos de déficits consecutivos), o Banco do Estado de São Paulo elevou seu lucro líquido e a situação financeira da Companhia de Armazéns Gerais do Estado foi recuperada.

No último ano de sua gestão, Jânio obteve uma receita de 41,6 bilhões de cruzeiros, equivalente ao que havia sido arrecadado durante os quatros anos da gestão de Garcez. Mesmo assim, permaneceu existindo um déficit de 4,49 bilhões e uma dívida flutuante de 19 milhões. O governo Jânio conseguiu também aumentar em 1.775km a rede de estradas pavimentadas do estado, projetar diversas usinas hidrelétricas, realizar obras nas usinas de Salto Grande, Limoeiro, Euclides da Cunha, Barra Bonita, Jurumirim e Graminha, e ampliar de forma considerável a rede de saneamento básico e abastecimento de água.

Segundo Alcindo Xavier, durante o governo Jânio houve grande limitação à liberdade de imprensa, sendo instalados 60 processos contra jornalistas somente na comarca de São Paulo. No fim do seu mandato, Jânio articulou a candidatura de Carvalho Pinto, lançado pelo PTN e o PSB e apoiado pela UDN, o PDC e o PR. Sua campanha foi baseada na imagem de administrador eficiente e na promessa de combate à inflação, atribuída à corrupção e à irresponsabilidade administrativa do governo Kubitschek. Ademar de Barros foi novamente lançado pelo PSP, com o apoio dos comunistas e de um setor do PTB, e Auro de Moura Andrade concorreu pelo PST. Ao mesmo tempo, Jânio foi lançado candidato a deputado federal pelo Paraná na legenda do PTB. Havia dúvidas sobre a possibilidade de concorrer em outro estado sem se desincompatibilizar do cargo que exercia, mas o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) garantiu sua legenda. Jânio realizou então alguns comícios no Paraná, suficientes para lhe garantir, em 3 de outubro de 1958, 78.810 votos, a maior votação proporcional do estado.

A vitória de Carvalho Pinto — com 1.312.017 votos contra 1.105.017 dados a Ademar e 170.627 a Auro — representou a continuidade do janismo em São Paulo. Segundo Alcindo Xavier, quem estava na capital paulista no dia da sucessão governamental, 31 de janeiro de 1959, “deve ter ficado admirado sem dúvida de que os festejos realizados então não tenham sido tanto em homenagem ao novo governador, que iniciava seu mandato, porém, representassem mais uma festiva despedida ao governador cujo mandato expirava. As faixas das ruas, as inscrições nas paredes e nas calçadas saudavam o sr. Jânio Quadros e não o sr. Carvalho Pinto. Mesmo automóveis particulares ostentavam faixas janistas”.

No auge do seu prestígio, Jânio viajou para o exterior, não tendo participado de nenhuma sessão do Congresso.

A campanha presidencial

A campanha para a sucessão presidencial de 1960 foi realizada em um quadro alterado pelas transformações econômicas e sociais ocorridas durante o governo de Kubitschek, cuja política desenvolvimentista provocou um grande crescimento das cidades. Muitos sociólogos e estudiosos de ciências políticas assinalam o crescente divórcio, neste período, entre as organizações políticas e as grandes massas urbanas que não encontravam mais sua identidade nos grandes partidos até então dominantes, especialmente o PSD e a UDN. Assim, crescia o eleitorado do PTB e, ao mesmo tempo, aumentava o peso da classe média, ansiosa por soluções para o problema da inflação e pelo combate à corrupção. Nessas condições, foi sendo construído o mito Jânio Quadros, político desligado dos partidos e investido de um messianismo puritano e moralizador, expresso em slogans como “Jânio vem aí” e símbolos como a vassoura.

No dia 20 de abril de 1959, um grupo liderado por Carlos Castilho Cabral, ex-secretário do Trabalho do governo Jânio e um dos políticos que lhe eram mais próximos, reuniu-se na Associação Brasileira de Imprensa (ABI) no Rio de Janeiro e fundou o Movimento Popular Jânio Quadros (MPJQ), lançando nessa ocasião a candidatura do ex-governador de São Paulo à presidência da República. No dia seguinte, a convenção nacional do PTN, pequeno partido de expressão apenas paulista, escolheu Jânio para disputar em sua legenda a sucessão de Kubitschek.

Nessa época, os grandes partidos começaram a mobilizar-se em torno da questão sucessória. Juscelino tentou uma aproximação do PSD e do PTB com a UDN, incentivando a candidatura de Juraci Magalhães, governador da Bahia e presidente desta última agremiação. Entretanto, essa política foi duramente criticada por Carlos Lacerda, um dos deputados federais udenistas de maior projeção, que, expressando uma posição existente em diversos setores do partido, passou a exigir publicamente o apoio imediato a Jânio. Mesmo assim, Juraci insistia na própria candidatura, advertindo para a descaracterização resultante do lançamento de um nome que não pertencia aos quadros partidários.

Frustrada qualquer tentativa de aproximação entre UDN e PSD, este partido escolheu o marechal Henrique Lott como seu candidato e se voltou para recompor a aliança com o PTB. A dificuldade estava na escolha do vice-presidente. O nome natural para esse cargo dentro da área trabalhista era o de João Goulart, que encontrava fortes resistências nos setores mais conservadores do PSD e nos meios militares. Apesar disso, a 11ª convenção do PTB, em 1º de maio de 1959, aprovou o apoio à chapa Lott-Goulart.

Nessa época, a estrutura extrapartidária do MPJQ funcionava como principal suporte da candidatura de Jânio. Juarez Távora era o patrono do movimento, Carvalho Pinto o presidente de honra e Castilho Cabral o presidente efetivo, enquanto Napoleão de Alencastro Guimarães (ex-ministro do Trabalho do governo Café Filho), João Dantas (diretor do Diário de Notícias) e Pedro Xavier de Araújo ocupavam as vice-presidências. Segundo Castilho Cabral, “a onda janista começava a rolar por todo o Brasil, enquanto os partidos se debatiam em suas contradições e indecisões”. Em setembro, ele viajou para a Bahia a fim de oferecer a vice-presidência a Juraci Magalhães, composição preferida pelo próprio Jânio. Lacerda enviou Raul Brunini para tentar impedir a concretização dessa proposta, mas sua intervenção não foi necessária, pois o governador da Bahia insistiu em disputar sua indicação para a presidência na convenção da UDN.

Jânio retornou da Europa no dia 21 de setembro de 1959 e iniciou imediatamente sua campanha, que já contava com a adesão do Partido Libertador (PL). Em 10 de outubro viajou para Aracaju a fim de participar de um encontro com governadores do Nordeste e tentar um acordo com Juraci, o que foi impossível. No dia 18, a convenção nacional do PDC homologou a candidatura de Jânio e indicou para a vice-presidência Fernando Ferrari, dissidente do PTB e fundador do Movimento Trabalhista Renovador (MTR).

Em meio a uma crise interna que provocou a renúncia de Lacerda à liderança da bancada da UDN na Câmara, a convenção nacional desse partido, reunida em 8 de novembro, apoiou a candidatura de Jânio por 205 votos contra 83 e escolheu Leandro Maciel, governador de Sergipe, para disputar a vice-presidência. A UDN decidiu também proibir a participação de Fernando Ferrari na campanha que seria iniciada no Norte, abrindo assim uma crise que levou à renúncia de Jânio, sob a alegação de que sua proposta exigia um grau de unidade política ainda não alcançado. Com a divulgação dessa notícia em 27 de novembro, o MPJQ se mobilizou e recolheu em menos de uma semana 360 mil assinaturas pedindo a reconsideração daquela decisão, que foi também um dos motivos alegados por oficiais da Aeronáutica para promoverem a efêmera revolta de Aragarças.

Em 5 de dezembro de 1959, Jânio decidiu aceitar sua indicação, obtendo maior autonomia em relação aos partidos que o apoiavam. A partir daí, fez campanha ao lado de Ferrari e chegou a estimular a criação dos comitês Jan-Jan, que promoviam o voto em Jânio e João Goulart, conhecido pelo apelido de Jango. Sempre defendendo a austeridade econômica e o saneamento das finanças públicas, afastou-se um pouco dos limites doutrinários da UDN. Em fevereiro de 1960, embarcou para Cuba a convite de Fidel Castro, levando em sua comitiva o senador Afonso Arinos de Melo Franco; os deputados federais José Aparecido de Oliveira, Carlos Castilho Cabral e Paulo de Tarso Santos; os deputados estaduais pernambucanos Murilo Costa Rego e Francisco Julião; o deputado estadual baiano Juraci Magalhães Júnior; o publicitário Augusto Marzagão; os jornalistas João Dantas, Carlos Castelo Branco, Hélio Fernandes, Rui Marchucci, Carlos Mesquita, Luís Alberto Muniz Bandeira, Fernando Sabino, Rubem Braga, Murilo Melo Filho e outros. Nessa ocasião, Jânio defendeu a reforma agrária realizada em Cuba depois da revolução, o reatamento de relações diplomáticas com a União Soviética, o reconhecimento da República Popular da China e a legalização do PCB.

O crescimento da campanha não impediu o surgimento de nova crise na UDN, com a renúncia de Leandro Maciel em abril de 1960, em protesto contra o esvaziamento de sua candidatura no interior do próprio partido. Em 9 de junho de 1960, o diretório nacional escolheu o mineiro Mílton Campos para substituí-lo.

Ainda em 11 de maio, o PR aderiu à campanha de Jânio, cujo programa de governo pouco a pouco se definia, buscando compatibilizar o combate à inflação com a manutenção de altas taxas de crescimento econômico. Jânio propunha uma política externa independente que incluía o reatamento de relações diplomáticas com os países socialistas, defendia o controle das remessas de lucros para o exterior, o fortalecimento da Petrobras e atacava a corrupção e as “irresponsabilidades do presidente voador” — conforme se referia a Kubitschek. Essa campanha se distanciava muito das realizadas até então pela UDN, mas, ainda assim, era apoiada pelo Conselho Nacional das Classes Produtoras (Conclap), as principais associações empresariais de São Paulo e importantes grupos industriais, como o Matarazzo e o Votorantim. Contava também com a simpatia dos militares identificados em campanhas anteriores com as candidaturas de Eduardo Gomes e Juarez Távora e dos oficiais pertencentes à Cruzada Democrática. Já a campanha de Lott enfrentava problemas com o pouco empenho de líderes do PSD, que se identificavam com a política econômica proposta por Jânio, e o visceral anticomunismo do candidato.

Jânio venceu as eleições de 3 de outubro de 1960 com 5.636.623 votos (correspondentes a 48% do total), contra 3.846.825 dados a Lott (32%) e 2.195.709 a Ademar de Barros (20%). Setenta e oito por cento dos votos de Jânio foram obtidos no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo. No mesmo pleito, João Goulart foi eleito vice-presidente com 4.547.010 votos, seguido de Mílton Campos com 4.237.419 e Fernando Ferrari com 2.137.382. Ao mesmo tempo, a UDN conseguiu — sozinha ou em coligações — eleger seis dos 11 novos governadores: Luís Cavalcanti (Alagoas), Carlos Lacerda (Guanabara), Newton Belo (Maranhão), Fernando Correia da Costa (Mato Grosso), José de Magalhães Pinto (Minas Gerais) e Pedro Gondim (Paraíba). Entretanto, o Congresso Nacional, eleito em 1958, apresentava uma composição em que o PSD era majoritário com 35% das cadeiras, seguido pela UDN com 21%, o PTB com 20% e o PSP com 8%, configurando uma situação de conflito potencial entre Executivo e Legislativo.

Logo depois de eleito, Jânio viajou para a Europa, retornando pouco antes de sua posse na presidência da República.

A formação do governo

Jânio Quadros e João Goulart foram empossados em 31 de janeiro de 1961. Contrariando a expectativa geral, o discurso de posse do presidente foi discreto e gentil, chegando a tecer elogios ao governo anterior. Porém, na noite desse mesmo dia, Jânio atacou violentamente o governo Kubitschek através de cadeia nacional de rádio, atribuindo ao ex-presidente a prática de nepotismo, ineficiência administrativa e responsabilidade pelos altos índices de inflação e pela dívida externa de dois bilhões de dólares.

O ministério de Jânio, composto por políticos da UDN e de outros partidos menos expressivos, foi considerado conservador pela imprensa. A pasta da Fazenda foi entregue a Clemente Mariani (Fazenda), udenista baiano, banqueiro e industrial, ex-ministro da Educação do governo de Eurico Dutra e ex-presidente do Banco do Brasil no governo de Café Filho. No Ministério da Agricultura, Jânio pôs Romero Cabral da Costa, usineiro nordestino indicado por Cid Sampaio, então governador de Pernambuco. Clóvis Pestana, pessedista gaúcho sem expressão nacional, ocupou o de Viação e Obras Públicas. Edward Catete Pinheiro, filiado ao PTN, ficou com o da Saúde. A pasta da Educação coube ao político fluminense Brígido Tinoco, dissidente do PSD que entrou para o PSB. Oscar Pedroso Horta, ex-secretário de Justiça do governo de São Paulo na gestão de Jânio, foi para o Ministério da Justiça. Nas Relações Exteriores instalou o líder udenista Afonso Arinos de Melo Franco. A pasta de Minas e Energia coube ao também udenista João Agripino, da Paraíba. O mineiro Artur Bernardes Filho, do Partido Republicano (PR), ganhou o Ministério da Indústria e Comércio. No Trabalho ficou o paulista Francisco Carlos de Castro Neves, filiado ao PDC e ligado a Fernando Ferrari; para o Gabinete Civil, Jânio nomeou o amigo Francisco de Paula Quintanilha Ribeiro.

Nos ministérios e principais postos militares predominou a escolha de elementos ligados à Cruzada Democrática, que agrupava os oficiais adversários do grupo nacionalista. O general Odílio Denis foi nomeado ministro da Guerra, porque, apesar de ter apoiado o movimento de 11 de novembro de 1955, não se identificava mais com os partidários de Lott. O Ministério da Marinha coube ao almirante Sílvio Heck, ligado a Lacerda e comandante do cruzador Tamandaré durante a viagem do ex-presidente Carlos Luz para Santos em 1955. O brigadeiro Gabriel Grün Moss, ligado a Eduardo Gomes, foi nomeado para a pasta da Aeronáutica. A chefia do Gabinete Militar foi confiada ao general Pedro Geraldo de Almeida, identificado com o pensamento da Escola Superior de Guerra (ESG) e ligado ao coronel Golberi do Couto e Silva, que passou a exercer a função de chefe de gabinete da secretaria geral do Conselho de Segurança Nacional. A chefia do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA) coube ao general Osvaldo Cordeiro de Farias.

No início do seu governo, Jânio tomou uma série de pequenas medidas que ficaram famosas, destinadas a criar uma imagem de inovação dos costumes e saneamento moral: proibiu a realização de provas turfísticas em dias úteis, as rinhas de briga de galo, a propaganda comercial em casas de espetáculo ou cinemas, os desfiles de misses com maiôs “cavados” e o uso de lança-perfumes nos bailes de carnaval; disciplinou o funcionamento de jogos de cartas em sedes de clubes ou entidades; e regulamentou a participação de menores em programas de rádio e televisão. Sua cruzada se estendeu desde logo à administração pública. Já em 2 de fevereiro de 1961, criou cinco comissões de sindicância presididas por militares para examinar a atuação das diretorias da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM), do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários (IAPB) e da Comissão Federal de Abastecimento e Preços (Cofap). Essa medida provocou apreensão dos meios políticos, temerosos da aproximação entre Jânio e os militares e do envolvimento de nomes da administração de Kubitschek em processos. Apesar disso, Jânio não recuou do que denominava “obra de saneamento moral da nação”, determinando mais tarde a abertura de inquéritos na Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), na Rede Ferroviária Federal, na Companhia Siderúrgica Nacional, na Companhia Vale do Rio Doce e em outras repartições governamentais.

O novo governo também investiu fortemente contra alguns direitos e regalias do funcionalismo público, começando por instituir, em 16 de fevereiro, horário integral de trabalho nas repartições federais, medida que seria revista em 8 de agosto. Decidido a realizar cortes nas despesas da união com pessoal, Jânio assinou em 21 de fevereiro um decreto exonerando, a partir de 31 de março seguinte, todos os funcionários civis contratados pelo Executivo ou autarquias federais depois de 1º de setembro do ano anterior. Com o mesmo objetivo, reduziu as vantagens até então asseguradas ao pessoal militar ou do Ministério da Fazenda em missão no exterior e extinguiu os cargos de adidos aeronáuticos junto às representações diplomáticas brasileiras. Outro alvo das primeiras decisões do novo governo foi o contrabando, com a formação, em 8 de março, de um grupo de trabalho diretamente vinculado à Presidência da República e incumbido de propor, no prazo de um mês, medidas drásticas de combate a esse tipo de contravenção.

Do ponto de vista administrativo, Jânio tentou uma maior centralização de poderes através da adoção de uma mecânica de decisões que diminuísse o peso do Congresso Nacional e ampliasse a esfera de competência da Presidência. Além disso, começou a promover reuniões com os governadores para discutir suas reivindicações. A primeira, realizada em Florianópolis no dia 24 de março de 1961, contou com a presença de Leonel Brizola (do Rio Grande do Sul), Celso Ramos (de Santa Catarina) e Nei Braga (do Paraná) e resultou na formação de um grupo de trabalho voltado para estudar a viabilidade de diversos projetos, como a criação do Instituto Nacional do Pinho, do Conselho de Desenvolvimento Regional e do Banco Regional de Desenvolvimento, a extensão das estradas BR-35, BR-37, BR-14, e a construção de uma rodovia para o escoamento da produção de café das regiões de Paranaguá e Paraná e a organização de uma empresa mista de energia hidráulica.

A segunda reunião com governadores foi realizada em 19 de abril com a presença de Fernando Correia da Costa (Mato Grosso), Mauro Borges (Goiás), Abelardo de Alvarenga Mafra (do então território de Rondônia, hoje estado) e José Altino Machado (Acre); Nela foi decidida a criação de uma escola de agronomia e uma faculdade de filosofia em Campo Grande (cidade natal do presidente); o aperfeiçoamento do transporte fluvial, a formação do Banco do Estado de Mato Grosso, a aplicação das verbas da SPVEA e da Superintendência de Valorização da Fronteira Sudoeste (SVFS); a construção de uma refinaria de Petróleo em Cuiabá; a liberação de verbas para a instalação de redes de água e esgoto em cidades de Goiás; a concessão de créditos para a exploração da borracha em Rondônia e no Acre; a conclusão da BR-29 e da BR-30; e a realização de obras urbanas em Porto Velho.

A terceira reunião foi realizada no dia 26 de maio em João Pessoa, com a presença de Pedro Gondim (Paraíba) e Cid Sampaio (Pernambuco), resultando na liberação de verbas federais para a Universidade da Paraíba, os hospitais de João Pessoa e do Câncer, o Ginásio Industrial e o programa de eletrificação de áreas rurais.

Finalmente, Jânio encontrou-se em 29 de junho no Rio com Carlos Lacerda (Guanabara), Carvalho Pinto (São Paulo) e Celso Peçanha (Rio de Janeiro). O primeiro estado recebeu verbas para água, esgoto, favelas, hospitais, prevenção de enchentes, assistência ao menor, turismo, penitenciária, educação e indústria, num total de quatro bilhões de cruzeiros. O estado do Rio foi contemplado com 1,3 bilhão de cruzeiros, para aplicar em programas de industrialização de frutas, instalação de frigoríficos em Macaé, construção de uma fábrica de papel em Magé, criação de escolas de agronomia, serviço social e filosofia em Campos e construção de uma usina termoelétrica também nesse município, além de tornar-se um estado prioritário para efeito de financiamento da Carteira de Colonização do Banco do Brasil. São Paulo recebeu 12 bilhões destinados à usina de Urubupungá e quinhentos milhões para a instalação de cursos primários e técnicos.

Através dessas reuniões e da instalação de subgabinetes da presidência da República em diversos estados, Jânio tentou reforçar os vínculos diretos entre as diversas instâncias do Poder Executivo, chegando a formar o Serviço Nacional de Municípios (Senam) para levar esse processo até os poderes de âmbito local. Entretanto, essa perspectiva centralizadora contrastava com a ausência de um planejamento econômico global, já que a Comissão Nacional de Planejamento (Coplan) só veio a ser formulada pouco antes do fim do governo.

Com o fortalecimento do movimento sindical e das ligas camponesas e o crescimento dos conflitos sociais, começou a ganhar corpo um movimento político a favor das chamadas reformas de base e de uma reorganização institucional. O próprio Jânio enviou mensagem ao Congresso em março de 1961 afirmando que “um corpo de leis adotadas para determinados estágios da nossa vida econômico-social, totalmente diversos do atual, apresenta-se hoje como entrave ao desenvolvimento do país, estimulando a sua violação, direta ou indiretamente, através de construções engenhosas dos advogados, comerciantes e industriais, mas de legalidade discutíveis”. Entretanto, tendo contra si a maioria do Congresso, articulada em torno do bloco PSD-PTB-PSP, Jânio teve que negociar com setores dissidentes desses partidos cada aspecto de seu projeto. Seu trabalho foi facilitado pela fluidez do bloco majoritário, que produzia composições diversas de acordo com o assunto em pauta. Essas divisões apareceram, por exemplo, em torno da proposta da política externa independente e do controle da remessa de lucros para o exterior. O próprio movimento sindical estabeleceu relação ambígua com o governo, apoiando a política externa, combatendo a econômica e divergindo, em sua maioria, da proposta de abolição do imposto sindical, sustentada pelo ministro Castro Neves.

A política econômico-financeira

A economia brasileira ainda experimentava em 1961 uma taxa de crescimento em torno de 7% ao ano, mas as relações com o exterior acusavam um déficit crescente, a dívida externa aumentava e o déficit orçamentário atingia ao ano a marca de 113 bilhões de cruzeiros, que seriam cobertos através da emissão de moeda, estimulando assim o crescimento da inflação. Clemente Mariani, adepto da corrente monetarista, definiu como principais metas da sua gestão a correção do desequilíbrio orçamentário e do déficit do balanço de pagamentos, o que exigia contenção dos gastos públicos, restrição do crédito e estímulo às exportações. Segundo o ministro da Fazenda, era necessário reduzir imediatamente o déficit orçamentário para conseguir eliminá-lo nos exercícios seguintes, de modo a dispensar ou diminuir drasticamente as emissões, evitar o subsídio do câmbio de importações e adotar uma política cambial capaz de melhorar a situação do balanço de pagamentos, facilitando a obtenção de novos créditos.

Em 13 de março de 1961, Jânio anunciou os rumos de sua política econômica em discurso transmitido por uma cadeia de rádio e televisão: “Com um déficit potencial de 240 milhões de cruzeiros, a situação é mais dura do que se pensava... Daí os sacrifícios que pedi e continuarei pedindo. As duas jornadas do funcionalismo, o corte de 30% nas despesas ministeriais e autárquicas, o rigor imposto na direção das empresas industriais do governo e, por isso, do povo, a redução dos gastos nas forças armadas, inclusive sua representação no exterior, a diminuição dos vencimentos dos diplomatas e a supressão dos escritórios comerciais são exemplos de economia.” Anunciou também uma reforma cambial voltada para a eliminação da “mentira do câmbio” e prometeu rever a Lei Antitruste para torná-la mais efetiva: “O desenvolvimento econômico só é admissível em ambiente de justiça social. A Lei Antitruste, a de reforma bancária, a de lucros extraordinários, a do imposto de renda e a de remessa de lucros, alguns exemplos, vão ser propostas ou revistas pelo governo. Dentro de pouco tempo, estarão encaminhadas ao Congresso Nacional.”

A reforma cambial anunciada por Jânio foi implementada através das instruções nº 204, 205 e 208 da Sumoc, que aumentaram o preço do dólar de 90 para duzentos cruzeiros e suprimiram os subsídios para a importação, unificando as taxas de câmbio. A Instrução nº 204 abriu exceções para a exportação de café e cacau e a importação de trigo, petróleo e derivados, papel e artigos de imprensa, fertilizantes, inseticidas e bens de produção sem similar nacional, e a Instrução nº 205 substituiu o confisco cambial por uma contribuição fiscal de 22 dólares por saca de café exportado. Mas, em junho de 1961, a Instrução nº 208 determinou a aplicação da taxa normal de câmbio nas operações com todos aqueles produtos.

Essa reforma cambial atendeu aos interesses do setor exportador e dos credores internacionais, punindo fortemente os grupos nacionais que haviam contraído financiamento externo durante a vigência da taxa anterior. O sistema anterior, baseado nas importações subvencionadas através de taxas múltiplas, vinha sendo combatido pelo setor exportador, transformado em financiador indireto do processo de industrialização. Algumas indústrias, sobretudo as que até aí utilizavam insumos importados com subvenção, tiveram que elevar preços, mas esses reajustes significaram também um estímulo para a industrialização substitutiva de importações. Apesar da melhoria obtida na situação orçamentária, a reforma cambial foi combatida pelos partidos de oposição, especialmente os vinculados às causas trabalhistas, pois implicou corte de subsídios para artigos essenciais de consumo popular com o conseqüente aumento do custo de vida.

Entretanto, esse conjunto de medidas do governo Jânio foi muito bem recebido pelos credores estrangeiros e resultou em novos acordos financeiros negociados por Válter Moreira Sales, Roberto Campos, Miguel Osório de Almeida e João Dantas nos Estados Unidos, Alemanha, França, Itália, Inglaterra, Holanda, Suíça e Suécia. O National Economic Development Bank, o Export-Import Bank e outros credores do Brasil aceitaram prorrogar pagamentos de parcelas da dívida e conceder novos créditos no valor total de 726 milhões de dólares, sem contar o financiamento para a compra do trigo.

Em 15 de março de 1961, Jânio enviou ao Congresso Nacional o projeto da nova lei antitruste e da criação da Comissão Administrativa de Defesa Econômica (CADE), vinculada ao Ministério da Justiça e voltada para “embaraçar a criação ou funcionamento de empresas que pretendam monopolizar certa atividade, ou estabelecer a exclusividade de determinada produção, ou distribuição de mercadorias, com o objetivo de controlar o mercado interno”. O projeto encontrou resistências dentro do próprio primeiro escalão do governo e foi combatido também pela Conclap, que enviou memorial ao presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, afirmando que “os maiores abusos do poder econômico neste país foram praticados até hoje pelo próprio Estado”.  A lei antitruste só seria aprovada durante o governo de João Goulart.

No dia 7 de julho, Jânio reuniu todo o seu ministério para estudar as reformas do imposto de renda e dos códigos penal, civil e de contabilidade. À noite, anunciou ao país o envio ao Congresso do projeto de lei sobre a remessa de lucros para o exterior. Assim como o anterior, este projeto também suscitou grande polêmica dentro do próprio governo, onde Clemente Mariani propunha uma linha de favorecimento ao ingresso de capital estrangeiro, oposta àquela defendida por João Agripino, ministro de Minas e Energia. A Lei da Remessa de Lucros só seria aprovada em setembro de 1962, durante o governo João Goulart, na forma de um substitutivo apresentado pelo deputado Celso Brant, com características ainda mais restritivas do que o projeto inicial enviado por Jânio.

Em agosto, diante da elevação do custo de vida provocada pela reforma cambial e das dificuldades de conciliar o programa antiinflacionário de Clemente Mariani com o crescimento da economia, Jânio chegou a criticar violentamente seu ministro da Fazenda. Aproximou-se então dos economistas da escola desenvolvimentista, defensores da tese de que medidas de combate à inflação tornavam-se inadequadas fora de um plano mais amplo, capaz de assegurar a ampliação dos investimentos públicos e a continuidade do processo de industrialização. Clemente Mariani chegou a enviar uma carta de demissão ao presidente, que solicitou sua permanência no cargo até a realização da Conferência de Punta del Este, no Uruguai, prevista para a primeira quinzena de agosto, com o patrocínio do Conselho Interamericano Econômico e Social. Concordando em permanecer até agosto, Mariani exerceria suas funções até o fim do governo de Jânio, no final desse mesmo mês.

A política externa

Enquanto Jânio Quadros desenvolvia uma política interna considerada conservadora e plenamente aceita pelos Estados Unidos, procurou afirmar no plano externo os princípios de uma política independente e aberta a relações com todos os países do mundo. Essa orientação provocou protestos de inúmeros setores e grupos que o apoiavam, inclusive os jornais O Globo, O Estado de S. Paulo e Tribuna da Imprensa, defensores da manutenção do alinhamento automático com os Estados Unidos.

Um mês depois de sua posse, Jânio reuniu-se com Adolf Berle Junior, enviado especial do governo norte-americano, mas negou-se a apoiar a incursão armada que os Estados Unidos estavam preparando contra Cuba, declarando publicamente sua oposição a qualquer ação intervencionista. A invasão foi realizada no dia 16 de abril, levando Jânio a afirmar: “O Brasil, reiterando sua decisão inabalável de defender neste continente e no mundo os princípios de autodeterminação dos povos e de absoluto respeito à soberania das nações, manifesta a sua mais profunda apreensão pelos acontecimentos que se desenrolam em Cuba.” Apesar da derrota das tropas invasoras, depois de dois dias de luta, o governo norte-americano continuou a articular outras formas de pressão sobre Cuba para preparar as condições de uma nova intervenção. O embaixador John Moors Cabot tentou insistentemente obter a concordância do governo brasileiro para uma ação efetiva da Organização dos Estados Americanos (OEA) contra Cuba, mas não obteve êxito.

Jânio também levou adiante seu projeto de estabelecer relações com as nações do bloco socialista. De imediato, determinou o restabelecimento da validade dos passaportes brasileiros para estes países e enviou duas missões comerciais ao Leste europeu: uma, chefiada por Paulo Leão de Moura, foi à União Soviética e a outra visitou a Bulgária, Hungria, Romênia, Iugoslávia e Albânia, sob a chefia de João Dantas. Em maio, Jânio recebeu no palácio do Planalto a primeira missão comercial da República Popular da China enviada ao Brasil e o mesmo fato se repetiu em julho com a missão soviética de boa vontade, que pretendia incrementar o intercâmbio comercial e cultural. As primeiras providências para o reatamento diplomático entre os dois países começaram a ser tomadas em 25 de julho, mas este processo só seria concluído durante o governo Goulart.

Pretendendo ampliar a presença brasileira na África, o governo brasileiro abriu embaixadas no Senegal, Gana, Nigéria e Zaire, ao mesmo tempo em que condenava implicitamente o colonialismo remanescente nesse continente, reafirmando sua posição a favor da autodeterminação dos povos. Apesar das posições contrárias ao intervencionismo, Jânio ficou apreensivo com a aproximação da independência das Guianas e solicitou por escrito a vários auxiliares civis e militares a discussão de medidas voltadas para evitar que esses países se tornassem comunistas e garantir para o Brasil a posição de mediador entre eles e as antigas metrópoles.

As relações entre os países americanos e os Estados Unidos foram debatidas em agosto na reunião extraordinária do Conselho Interamericano Econômico e Social, conhecida como Conferência de Punta del Este. Na tentativa de impedir a repetição da revolução cubana, os Estados Unidos haviam planejado aumentar sua ajuda econômica ao continente, lançando a Aliança para o Progresso, programa que mobilizaria cerca de 20 bilhões de dólares no período de dez anos. Ao fim da reunião, Ernesto Che Guevara, ministro da Economia de Cuba (único país que não assinou a Carta de Punta del Este), viajou para a Argentina e, depois, para o Brasil a fim de agradecer a posição tomada por esses dois países de impedir a discussão de qualquer tema político na conferência. Jânio aproveitou o encontro com Guevara em 18 de agosto para pedir, com êxito, a libertação de 20 padres espanhóis presos em Cuba e discutir as possibilidades de intercâmbio comercial através dos países do Leste europeu. No dia seguinte, condecorou o ministro cubano com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, o que provocou a indignação dos setores civis e militares mais conservadores. Em represália, Carlos Lacerda, crítico contumaz da política externa de Jânio, entregou as chaves do estado da Guanabara ao líder anticastrista Manuel Antônio de Verona e vários oficiais devolveram ao governo suas condecorações.

A renúncia

Passados os primeiros seis meses do mandato, Jânio começou a amadurecer a idéia de promover “uma reforma muito séria e profunda no país”, segundo as palavras de Pedroso Horta. Em meados de agosto, o ministro da Justiça chegou a afirmar a Carlos Lacerda: “O Jânio acha que é impossível governar com o Congresso e pretende fazer uma reforma na Constituição que reforce o Poder Executivo”, esclarecendo ainda que este projeto exigiria a decretação de um estado de exceção. Na noite do dia 24, o governador da Guanabara proferiu violento discurso pela televisão afirmando que fora convidado por Pedroso Horta para participar de um golpe em apoio às reformas institucionais pretendidas pelo presidente: “A crise resume-se em uma trama palaciana, de homens medíocres, tentando resolver por meios ilegítimos as dificuldades do regime brasileiro. O motivo do nosso protesto é a esperança de que o barulho de tantas vozes acorde a consciência do presidente da República que jaz adormecida no ermo de Brasília... Constatei que não tinha o direito de silenciar diante da trama. Quero ser, pois, o intérprete do povo carioca, que é a sentinela que deve alertar todos, mesmo com o sacrifício próprio.” Ainda segundo a denúncia de Lacerda, o governo federal tentara obter seu apoio para, em seguida torná-lo intermediário junto ao ministro da Aeronáutica, já que os titulares das pastas do Exército e da Marinha estavam cientes da idéia.

A atitude de Lacerda causou grande impacto. Na madrugada do dia 25 de agosto, os deputados José Maria Alkmin e Paulo Lauro redigiram um requerimento a Pascoal Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara, solicitando a convocação do ministro da Justiça e Negócios Interiores, “a fim de prestar, urgentemente, informações a esta casa do Congresso Nacional sobre os fatos graves denunciados ontem pelo sr. governador da Guanabara através das estações de televisão e rádio daquele estado”. Ao mesmo tempo, começou a circular a notícia de que outras convocações seriam feitas, inclusive a do próprio presidente.

Jânio tomou conhecimento das denúncias de Lacerda às seis horas do dia 25, através do Correio Brasiliense. Chamou então Quintanilha Ribeiro e manifestou sua decisão de renunciar. Rumou em seguida para o palácio do Planalto, sede do governo, onde encontrou o general Pedro Geraldo de Almeida, que confirmou as informações e acrescentou que estava sendo preparado um manifesto de civis e militares em repúdio à política externa do governo, além de uma devolução coletiva de medalhas de oficiais superiores em protesto contra a condecoração de Che Guevara. Jânio reafirmou sua disposição de renunciar, declarando: “A conspiração está em marcha, mas vergar eu não vergo.” Depois de alguma relutância, decidiu manter sua agenda normal, que previa seu comparecimento às oito horas à cerimônia em homenagem ao Dia do Soldado, onde discursou em defesa da sua política externa e procurou tranqüilizar os militares, reafirmando seu compromisso com os ideais democráticos e cristãos e repudiando qualquer forma de “infiltração ideológica ou subversão política”.

De volta ao palácio do Planalto, informou a Pedroso Horta, Quintanilha Ribeiro, José Aparecido de Oliveira e ao general Pedro Geraldo de Almeida sua decisão de renunciar em caráter irrevogável, pedindo que o deixassem sozinho para redigir seu último documento como presidente. Não houve ponderações. Solicitou também o comparecimento dos ministros militares a seu gabinete e ouviu sem se alterar seus pedidos para que recuasse da decisão. Agradeceu em seguida a colaboração de todos e afirmou: “Minha última instrução, senhores ministros, é que mantenham a ordem em todo o país. Tomem suas providências.” Ao deixar seu gabinete às 10:25h, Jânio ordenou que o ministro da Justiça levasse o documento de renúncia ao Congresso Nacional às 15 horas e se comunicasse com os governadores a fim de garantir a manutenção da ordem em todo o país.

A mensagem ao Congresso era formada de dois textos diferentes. O primeiro, extremamente sucinto, dizia: “Nesta data, e por este instrumento, deixando com o ministro da Justiça as razões de meu ato, renuncio ao mandato de presidente da República. Brasília, 25 de agosto de 1961.” No anexo, explicava seu gesto: “Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, neste sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou indivíduos, inclusive do exterior. Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou difamam, até com a desculpa da colaboração. Se permanecesse, não manteria a confiança e a tranqüilidade, ora quebradas, indispensáveis ao exercício da minha autoridade.” Depois de fazer alguns apelos e agradecimentos, o presidente encerrava o documento se dirigindo às forças armadas, “cuja conduta exemplar em todos os instantes, proclamo nesta oportunidade”.

Jânio embarcou em seguida em um avião que o conduziu à base aérea de Cumbica, em São Paulo, onde recebeu visitas e telefonemas de vários governadores, inclusive Leonel Brizola, do Rio Grande do Sul, garantindo-lhe apoio. Na História do povo brasileiro, escrita em parceria com o próprio Jânio, Afonso Arinos de Melo Franco afirmou: “A crise deflagrada fora inevitável. Entendia o presidente, e com ele os ministros mais diretamente ligados às instituições, que a administração pública se fazia cada vez mais difícil, senão impossível. O governo encontrava-se desaparelhado para a obra a que se propusera, também porque lhe faltava a indispensável sustentação parlamentar. O mais grave era a discrepância entre as exigências político-administrativas do país, de um lado, e a débil estrutura político jurídica, constitucional e legal, de outro. Havia tempos o próprio presidente, o ministro Pedroso Horta e os ministros militares — particularmente o general Denis, cujo prestígio no Exército era incontestado —, convencidos dessa verdade, examinavam fórmulas tendentes a fortalecer a autoridade governamental sem o sacrifício da mecânica democrática. O que aconteceu, então, foi se frustrarem esses anseios de reforma institucional, ficando o governo à frente do seguinte dilema: permitir seu aviltamento pela Câmara, que não se achava em consonância com o pensamento político do país, nem queria ser o instrumento hábil para as reformas, até porque estava interessada em manter a estrutura e os privilégios vigentes, ou implantar a ditadura. À ditadura, recusou-se o presidente.”

Entretanto, no mesmo livro, Afonso Arinos sugere que o presidente tinha em mente um projeto diferente da renúncia pura e simples: “Seu raciocínio foi o seguinte: primeiro, operar-se-ia a renúncia; segundo, abrir-se-ia o vazio sucessório, visto que a João Goulart, distante na China, não permitiriam as forças militares a posse, e destarte ficaria o país acéfalo; terceiro, ou bem se passaria a uma fórmula em conseqüência da qual ele mesmo emergisse como primeiro mandatário, mas já dentro do novo regime institucional, ou bem, sem ele, forças armadas se encarregariam de montar esse novo regime, cabendo, em conseqüência, depois, a um outro cidadão — escolhido por qualquer via — presidir o país sob novo esquema viável e operativo. Como, em tudo, o que importava era a reforma institucional, não o indivíduo ou os indivíduos que a promovessem, sacrificando-se ele ou não se sacrificando, o essencial iria ser atingido. O plano, porém, falhou exatamente na vacilação dos chefes militares.”

Há, entretanto, outras versões veiculadas por pessoas igualmente próximas de Jânio nessa época. Segundo Cordeiro de Farias, “a renúncia foi apenas uma explosão emocional. Ele não se controlou diante das dificuldades do momento e renunciou. Ele não havia preparado nada. Basta ver a surpresa que o gesto causou a seus auxiliares mais diretos como Pedroso Horta, Quintanilha e José Aparecido”. O secretário de imprensa de Jânio, Carlos Castelo Branco, reproduziu assim as palavras do presidente na base aérea de Cumbica: “Não farei nada para voltar, mas considero minha volta inevitável. Dentro de três meses, se tanto, estará na rua, espontaneamente, o clamor pela reimplantação do nosso governo. O Brasil, no momento, precisa de três coisas: autoridade, capacidade de trabalho, e coragem e rapidez nas decisões. Atrás de mim não fica ninguém, mas ninguém, que reúna esses três requisitos.”

A crise da sucessão

Ranieri Mazzilli tomou conhecimento do documento de renúncia do presidente em uma reunião com os três ministros militares, realizada ainda no dia 25 no gabinete do general Denis. De volta à sede da Câmara, soube que Auro de Moura Andrade, presidente em exercício do Senado, convocara, em caráter extraordinário, uma sessão conjunta do Congresso para as 16:45h. A presença de 46 senadores e 230 deputados garantiu o quórum necessário para a reunião, que durou apenas 20 minutos, pois, segundo esclareceu Auro de Moura Andrade, a renúncia era um ato de vontade, cabendo ao Congresso apenas tomar conhecimento dela. O senador concluiu afirmando que, em virtude da ausência do vice-presidente do território nacional, a chefia do governo federal passaria provisoriamente ao presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, cuja posse estava marcada para as 17:15h no palácio do Planalto.

Estava deflagrada uma grave crise política. A posse de João Goulart, então em visita oficial à China, seria o desdobramento legal da renúncia, mas enfrentava o veto dos três ministros militares, que o consideravam comprometido com o movimento sindical e grupos de esquerda. As primeiras tentativas de superar a crise ainda giravam em torno de evitar a concretização da renúncia. Muitos líderes políticos, inclusive os governadores de Minas (Magalhães Pinto), São Paulo (Carvalho Pinto), Paraná (Nei Braga) e Goiás (Mauro Borges), viajaram até a base de Cumbica para tentar convencer Jânio a voltar atrás, mas não obtiveram êxito.

No próprio dia 25, ocorreram as primeiras manifestações populares e, a partir das 16:30h, os ferroviários da Leopoldina decretaram greve. No dia seguinte foram divulgados dois importantes manifestos: o primeiro, assinado por dirigentes sindicais da Guanabara, acusava as forças internacionais e os grandes grupos econômicos pela renúncia e oferecia todo o apoio para que Jânio retornasse ao poder; o segundo, assinado pelos governadores do Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Piauí e São Paulo, exortava o Congresso a não aceitar a renúncia. Ao mesmo tempo, o governo da Guanabara estabeleceu censura aos jornais e colocou suas forças de segurança em prontidão, quando o governo gaúcho começava um amplo movimento em defesa da legalidade, isto é, da posse de João Goulart, apoiada também pelo marechal Lott, que foi preso depois de divulgar um manifesto a favor do respeito à Constituição.

No dia 27, o presidente demissionário embarcou em um navio com destino a Londres, levando os chefes militares a cogitarem de enviar um barco de guerra para forçar seu desembarque em Salvador, onde seria embarcado em um avião militar de volta a Brasília. Este plano não foi concretizado. Em meio à ameaça de golpe, o Congresso continuou reunido, tomando conhecimento no dia 28 da mensagem enviada pelos ministros militares ao senador Auro de Moura Andrade: “Na apreciação da atual situação criada pela renúncia do presidente Jânio da Silva Quadros, os ministros militares, na qualidade de chefes das forças armadas e responsáveis pela ordem interna, manifestaram a absoluta inconveniência, por motivos de segurança nacional, do regresso ao país do vice-presidente João Belchior Marques Goulart.” Entretanto, essa posição não refletia um consenso entre os chefes militares mais importantes do país, pois o general José Machado Lopes, comandante do III Exército, avisou ao general Denis que só receberia ordens do chefe constitucional das forças armadas, João Goulart. Também a maioria dos governadores se manifestou a favor da sucessão nos marcos legais, enquanto as manobras militares cresciam em intensidade.

Diante do impasse que ameaçava se transformar em guerra civil, os parlamentares formaram uma comissão mista de seis senadores (Jefferson de Aguiar, Benedito Mário Calasans, Heribaldo Vieira, Argemiro Figueiredo, Manuel Novais e Camilo Nogueira da Gama) e seis deputados (Antônio Ferreira de Oliveira Brito, Paulo Fernandes, Plínio Salgado, Paulo Lauro, Antônio de Novais Filho e Alô Guimarães), encarregada de dar um parecer sobre o veto dos ministros militares e apresentar uma proposta de superação da crise. Desde o início, essa comissão se colocou contra a aceitação do veto. Sabedores dessa inclinação, os ministros militares lançaram em 30 de agosto violento manifesto afirmando que Goulart sempre promovera agitações sociais e facilitara a infiltração comunista e que, se assumisse a presidência “em um regime que atribui ampla autoridade e poder pessoal ao chefe do governo”, o país iria caminhar para “o caos, a anarquia e a luta civil”. Ainda segundo o documento, “as próprias forças armadas, infiltradas e domesticadas, transformar-se-iam, como tem acontecido noutros países, em simples milícias comunistas”.

Nessa mesma data, o Congresso aprovou, por 264 votos contra dez, o parecer da comissão mista, que recomendava a adoção do regime parlamentarista através de uma emenda constitucional como forma de viabilizar a posse de Goulart. Foi formada então uma comissão especial, sob a presidência do deputado Antônio Chagas Freitas, para formalizar a proposta de reforma da Constituição.

João Goulart desembarcou em Porto Alegre em 1º de setembro, quando as manobras militares ainda eram intensas, envolvendo efetivos das três forças armadas, das forças estaduais e de voluntários. No dia seguinte, o Congresso aprovou o Ato Adicional, promulgado em 3 de setembro, garantindo o mandato de Goulart até 31 de janeiro de 1966 em regime parlamentarista. Foi definida também a realização de um plebiscito “nove meses antes do termo do atual período presidencial” para que o povo decidisse sobre a manutenção do sistema parlamentarista ou a volta ao presidencialismo. Ante a concordância dos ministros militares com essa fórmula, Goulart foi finalmente empossado no dia 7 de setembro. Entretanto, a crise não foi solucionada, pois enquanto as forças reformistas tentavam antecipar o plebiscito sobre a volta do presidencialismo, os setores conservadores começavam a articular um movimento político-militar para derrubar o novo governo. Ao mesmo tempo o aprofundamento da crise econômica e os conflitos sociais contribuíam decisivamente para a criação de uma atmosfera tensa em todo o país. Nesse contexto, foram realizadas as eleições estaduais de outubro de 1962.

Novo confronto com o ademarismo

Jânio retornou da Europa a tempo de disputar o governo paulista e foi lançado pelo PTN e MTR, tendo José Vicente Faria Lima como companheiro de chapa. Entretanto, além do desgaste provocado pela renúncia, o ex-presidente não conseguiu unir novamente as forças que o haviam apoiado na eleição anterior, pois o governador Carvalho Pinto articulara o lançamento da chapa José Bonifácio Coutinho Nogueira-Laudo Natel, apoiada pela coligação PR-PDC-UDN-PTB-PRP. Outro elemento significativo em meio à profunda modificação do quadro político paulista depois da renúncia era a recuperação de Ademar de Barros, mais uma vez lançado candidato do PSP com o apoio do PSD e tendo Teotônio Monteiro de Barros como companheiro de chapa. Nessa época, Ademar assumia o papel de defensor da ordem e da tranqüilidade sociais, ameaçadas “pelos fermentos da subversão” patrocinada, segundo os setores conservadores, pelo governo Goulart. O PSB fechou o espectro de candidaturas lançando a chapa Cid Franco-Remo Forli, sem nenhuma chance de vitória.

Ademar venceu o pleito de outubro de 1962 por pequena margem, obtendo 1.249.414 votos contra 1.125.941 dados a Jânio, 722.823 a José Bonifácio e 35.653 a Cid Franco. No mesmo pleito, Laudo Natel foi eleito vice-governador com 1.200.807 votos contra 944.604 dados a Faria Lima. Segundo pesquisa de Francisco Weffort, Jânio recebeu a maioria dos votos na capital e, “no interior, tendia a ser mais votado quanto maior a importância urbana e industrial” da região.

Com esse resultado, Jânio sofreu sua primeira derrota eleitoral e ficou em uma posição relativamente marginal à vida política nacional até a eclosão do movimento político-militar que derrubou o governo Goulart em 31 de março de 1964.

A cassação e a retomada da atividade política

Os chefes do movimento vitorioso indicaram o nome do general Humberto Castelo Branco para ocupar a presidência da República. Antes do referendo formal do Congresso, o próprio Castelo solicitou a Jânio que redigisse um documento pedindo apoio dos civis para sua investidura na chefia do governo. A concordância de Jânio e a posterior publicação deste texto pela imprensa não impediram que, com base no Ato Institucional nº 1 (AI-1), ele tivesse seus direitos políticos cassados em 10 de abril de 1964 por decisão do Comando Supremo da Revolução, integrado pelo general Artur da Costa e Silva, o almirante Augusto Rademaker e o brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo.

Jânio passou então a dedicar-se a atividades privadas. Foi coordenador de uma coleção intitulada Gramática da língua portuguesa, que obteve grande sucesso editorial; junto com Afonso Arinos de Melo Franco, escreveu a História do povo brasileiro, publicada em 1967, e, com Ubiratan Rosa, escreveu o Dicionário prático da língua portuguesa; participou de alguns escritórios de advocacia sediados na capital paulista e exerceu atividades de consultoria a diversas empresas. Além disso, dedicou-se à pintura, chegando a realizar uma exposição de cerca de 40 obras em uma galeria paulista. Nesse período, participou da vida política de forma moderada e indireta, acompanhando candidatos e distribuindo declarações à imprensa, assinadas por sua esposa Eloá Quadros. Em 1968, desrespeitou a proibição de fazer pronunciamentos políticos e foi punido com um confinamento em Corumbá (MS), então no estado de Mato Grosso, por 120 dias, conforme portaria assinada pelo ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva.

Com a política de distensão implantada pelo presidente Ernesto Geisel a partir de 1974, Jânio voltou a aparecer com alguma freqüência no noticiário político, respondendo a perguntas sobre seu mandato presidencial, emitindo opiniões sobre o movimento de 1964 ou tratando de temas do momento. Criticava sistematicamente o bipartidarismo implantado no país em 1966 e o regime militar, defendendo uma “democracia forte”, isto é, uma combinação entre regime centralizado e mecânica democrática. Em 1976, participou de um comício a favor de Antônio de Sousa Neto, candidato à prefeitura de Guarujá na legenda da Aliança Renovadora Nacional (Arena), ocasião em que reiterou suas críticas ao regime, mas enalteceu a “figura límpida e pura do presidente Ernesto Geisel, um homem bom, decente, que qualquer um receberia em sua casa”. Ao longo de 1977 e 1978, passou a defender a convocação de uma assembléia nacional constituinte que promovesse a institucionalização do movimento de 1964 e implantasse a “democracia forte”.

Em entrevista à Rede Bandeirantes de Televisão em setembro de 1978, Jânio defendeu a adoção do voto distrital e extensivo aos analfabetos. Prosseguiu em 1979 alternando declarações de elogio e de crítica ao governo. Manifestou-se em julho desse ano contra a concessão da anistia ampla, geral e irrestrita reivindicada pela oposição, defendendo que esse benefício não atingisse os acusados de ações armadas. Com o início da organização de novos partidos políticos no segundo semestre de 1979, manifestou simpatia pelo PTB e declarou que apoiaria sua reorganização desde que os comunistas fossem mantidos afastados e a referência política do partido fossem as grandes democracias ocidentais. Sempre ressaltando sua confiança no presidente João Figueiredo, que havia sido empossado em março de 1979, denunciou sistematicamente a “infiltração comunista... articulada, inteligente, conduzida de maneira hábil, como os comunistas sabem fazer”.

A sigla PTB passou a ser disputada por dois grupos rivais, um liderado por Ivete Vargas e o outro por Leonel Brizola. Jânio apoiou o primeiro grupo, vitorioso na disputa pela sigla, ao mesmo tempo em que participava de articulações sobre a sucessão paulista, prevista para 1982. Defensor de uma “oposição construtiva”, reuniu-se diversas vezes com o ministro do Planejamento, Antônio Delfim Neto, recebendo duras críticas de expressivos setores oposicionistas. Em 11 de junho de 1980, Ivete Vargas aventou publicamente a possibilidade de que Jânio viesse a ser o candidato petebista ao governo de São Paulo e, quatro dias depois, o ex-presidente lançou o seu decálogo de propostas fundamentais para o país: convocação de uma assembléia nacional constituinte; realização de uma reforma agrária para fixar o homem à terra; controle das multinacionais e disciplina da remessa de lucros; controle dos bancos privados; adoção de um orçamento rigoroso; reforma do ensino, com a estatização do sistema educacional; liberdade sindical e negociação direta entre empregados e patrões; criação de uma rigorosa lei de responsabilidades que seria aplicada aos ocupantes de cargos públicos e estendida a outras situações, inclusive delitos de imprensa; reafirmação de uma política externa independente.

Jânio ingressou oficialmente no PTB em 15 de novembro de 1980, sendo lançado candidato ao governo paulista na convenção realizada pela agremiação em abril de 1981. Continuou a declarar-se admirador do presidente João Figueiredo, “um Hércules a sustentar sobre os ombros toda essa estrutura da neodemocracia que ele promoveu”. Ao mesmo tempo em que tentava capitalizar o legado político de Getúlio Vargas e do antigo PTB, empreendeu esforços para aproximar-se do Partido Popular (PP), mantendo com esse fim sucessivos encontros com Olavo Setúbal, Miro Teixeira e Tancredo Neves. Em 18 de junho de 1981 sugeriu a fusão entre o PTB e o PP, e a criação de um novo partido presidido por Tancredo, reafirmando essa proposta dois dias depois. Nessa ocasião, chegou a afirmar que se esse projeto não fosse realizado ingressaria no PP. Com a divulgação da informação de que o governo proibiria coligações partidárias nas eleições de 1982, Jânio publicou um manifesto, em 26 de junho de 1981, comunicando seu afastamento do PTB e defendendo a fusão de todos os partidos de oposição. A partir daí, começou a aproximar-se do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), alvo de muitos ataques seus nos meses anteriores.

Em 27 de agosto de 1981, depois de nova viagem à Inglaterra, Jânio preencheu sua ficha de filiação ao diretório do PMDB de Vila Maria, onde se localizava sua mais forte base de apoio na capital paulista. Seu ingresso no PMDB foi facilitado pelo deputado estadual José Storopoli, presidente daquele diretório, que não consultou as direções regional e nacional. A decisão de Jânio provocou desde logo reações contrárias dentro do PMDB, com a multiplicação de moções de repúdio em outros diretórios distritais e a decisão da comissão executiva regional, tomada em 13 de outubro, de considerá-lo inconveniente nos quadros partidários. O veredicto final passou para a comissão executiva nacional que, reunida no dia 20 seguinte, rejeitou a filiação de Jânio por 13 votos contra dois. Apenas o senador paulista Orestes Quércia e o então ex-deputado paranaense José de Alencar Furtado votaram a favor do ex-presidente, que, pouco depois, encaminhou recurso, em linguagem veemente, ao Supremo Tribunal Federal.

Depois de recusar convites dos partidos Democrático Trabalhista (PDT) liderado por Leonel Brizola e Democrático Republicano (PDR), que não chegou a obter registro definitivo na Justiça Eleitoral, Jânio se filiou novamente ao PTB em 3 de novembro e, no fim desse mês, anunciou que concorreria à Câmara dos Deputados e não ao governo paulista. Entretanto, voltou atrás dessa decisão e aceitou reassumir sua candidatura nos moldes anteriores. No pleito de novembro de 1982, concorreu ao governo de São Paulo na legenda do PTB, sofrendo aí a segunda derrota eleitoral em toda sua carreira política, tendo sido o terceiro colocado, com Franco Montoro, do PMDB, em primeiro, e Reinaldo de Barros, do Partido Democrático Social (PDS), em segundo.

Durante o ano de 1983, manteve-se afastado de uma atuação mais direta na vida política, vindo a manifestar suas posições por meio da imprensa em fevereiro de 1984, quando se desenrolava a campanha pelo retorno às eleições diretas para a presidência da República. Na ocasião, fez restrições à campanha das diretas por considerar que os comícios que se alastravam pelo país estavam “infiltrados de radicais, sobretudo marxistas-leninistas”. Com relação à sucessão presidencial, inicialmente Jânio manifestou apoio a Aureliano Chaves, em seguida expressou sua aprovação ao nome de Paulo Maluf, para finalmente aderir à campanha de Tancredo Neves.

Nesse mesmo ano, publicou o livro de ficção intitulado Quinze contos.

Em 1985, retornou ao centro da política lançando-se candidato à prefeitura de São Paulo pelo PTB, no pleito de 15 de novembro desse ano. Durante a campanha, Jânio repetiu os gestos e o esquema que o elegeram em 1954. Foi flagrado com os sapatos trocados e com um quimono de samurai que lhe presentearam em uma visita ao bairro da Liberdade, reduto de orientais. Declarou que ia colocar São Paulo em ordem com seus bilhetinhos e varrer a corrupção com sua vassoura, numa referência a dois dos símbolos da administração janista nos anos de 1950. Uma importante estratégia de campanha foi o fato de ter encampado o anseio dos paulistanos por mais segurança, prometendo espalhar policiais em cada quarteirão da cidade.

Seu principal adversário foi o candidato do PMDB, o senador Fernando Henrique Cardoso, favorito nas pesquisas de opinião. O embate entre Jânio e Cardoso marcou a campanha com lances jocosos. Aproveitando-se de algumas declarações polêmicas de Cardoso como a de que havia experimentado um cigarro de maconha nos anos 1960 e que era “ateu, graças a Deus”, Jânio reforçou o conteúdo moralista de seu estilo em várias oportunidades. Numa delas, alertou os eleitores, em rede de televisão, para o perigo de Fernando Henrique, caso eleito, colocar maconha na merenda das crianças. Em outra, reafirmou que acreditava em Deus e iria “governar com o povo e a cristandade”.

Na verdade, segundo avaliação do deputado Gastone Righi do PTB e braço direito de Jânio na campanha, o grande lance de Jânio foi ter conseguido os votos do centro à direita enquanto os do centro à esquerda ficaram divididos entre Cardoso e o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), Eduardo Matarazzo Suplici. Jânio obteve a adesão de alguns deputados do Partido da Frente Liberal (PFL), em troca de apoio à candidatura do ministro das Relações Exteriores, Olavo Setúbal, para o governo de São Paulo.

Questionado sobre o programa de governo que iria adotar na prefeitura, respondeu mais de uma vez: “Eu sou o programa.” Ao mesmo tempo, fez muitas promessas e acabou definindo um programa “informal” que incluía o retorno dos velhos bondes, a criação de uma guarda municipal, a implantação do monotrilho e a transferência da companhia do metrô para a prefeitura. Comprometeu-se, ainda, a criar subprefeituras a ele diretamente subordinadas e não mais administrações regionais, que agiriam com total independência, inclusive orçamentária. A idéia era manter uma administração municipal aberta à população como no passado, quando Jânio recebia as pessoas no seu gabinete, retomando as audiências públicas, a exemplo do que fez quando prefeito em 1953.

Contrariando as pesquisas de opinião, a votação obtida por Jânio superou a de Fernando Henrique Cardoso nas regiões norte e leste de São Paulo, as mais populosas e carentes, estabelecendo um recorde em Vila Maria, seu reduto eleitoral histórico, com 48,8% dos votos.

Na prefeitura de São Paulo

Em 1º de janeiro de 1986, logo após a cerimônia de posse, Jânio dirigiu-se ao seu gabinete, onde, na presença de jornalistas, desinfetou com inseticida a cadeira do prefeito, na qual o seu adversário, Fernando Henrique Cardoso, havia posado perante fotógrafos que documentaram a cena durante a campanha eleitoral.

Sua administração foi marcada por medidas de impacto e por manifestações de protesto. Já nos primeiros meses de sua gestão, Jânio anunciou a decisão de demitir 12 mil servidores municipais. Em reação, foi realizada uma manifestação de protesto que reuniu cerca de mil funcionários públicos em frente ao gabinete do prefeito, no parque Ibirapuera. O objetivo era conseguir uma audiência com Jânio, visando a revogação dos decretos que definiam a dispensa dos servidores. No dia seguinte, Jânio expediu memorando ao chefe da assessoria militar proibindo qualquer manifestação no parque Ibirapuera.

Outra medida polêmica foi a apreensão e a destruição dos exemplares de um fascículo da revista Retrato do Brasil e das edições dos Programas de primeiro grau, distribuídos gratuitamente às escolas da rede municipal e elaborados na administração do prefeito anterior, Mário Covas. A revista, que tratava do tema “Constituição e Assembléia Nacional Constituinte”, dando ênfase à ampla participação popular, foi considerada por Jânio obra de “comunistas, comunistóides e inocentes úteis”.

A partir de abril de 1986 até o final de seu mandato, Jânio iniciou um processo de afastamentos temporários da prefeitura para tratar de problemas de saúde de sua esposa, Eloá Quadros. Durante o primeiro período de afastamento, de 10 de abril a 12 de julho de 1986, Jânio foi substituído pelo vice-prefeito Artur Alves Pinto.

O ano de 1987 foi marcado por manifestações populares contra certas medidas tomadas pelo prefeito. Em fevereiro, cerca de mil pessoas lideradas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra da Zona Leste de São Paulo concentraram-se em frente da prefeitura para reivindicar terras e financiamento para material de construção. Jânio mandou a polícia controlar a área e não recebeu os manifestantes. Outra manifestação, em abril, reuniu dois mil servidores municipais no portão principal do Ibirapuera para reivindicar aumento salarial. Jânio informou aos manifestantes que não atenderia ninguém enquanto houvesse greve — realizada principalmente pelos setores de educação e saúde — e, no dia seguinte, assinou a demissão de quatrocentos trabalhadores que não haviam retornado ao trabalho.

Em maio, sucedendo outras licenças, o pedido de afastamento de Jânio criou um problema jurídico, pois o vice-prefeito também pedira licença para ir ao exterior, desobrigando-se de assumir a prefeitura, o que o faria perder o mandato de deputado estadual. Nesse período, o presidente da Câmara, Antônio Sampaio, o segundo na linha de substituição, estava hospitalizado. Assim, seguindo a Lei Orgânica dos Municípios, o cargo foi ocupado pelo secretário dos Negócios Jurídicos, Cláudio Lembo.

Em outubro, Jânio expediu memorando dirigido ao secretário municipal de Cultura, Renato Ferrari, proibindo o ingresso de homossexuais na Escola Municipal de Bailado, instituição que formava bailarinos desde 1940 e, à época, contava com cerca de mil alunos. Para fazer cumprir a ordem, a Guarda Civil metropolitana cercou a escola, provocando protestos dos próprios alunos. Diante dessa reação e do pronunciamento de organizações como o Grupo de Apoio e Prevenção à AIDS (GAPA) e o grupo Lambda (Movimento pela Reorientação Sexual), Jânio ameaçou fechar a escola, caso suas ordens não fossem cumpridas, e expulsar qualquer aluno que criticasse suas determinações. A diretora da escola, Mariana Natal, que também era professora de balé da Penitenciária Feminina, não só acatou as ordens do prefeito, como divulgou uma lista eliminando 25 alunos classificados como “anormais”.

Em 1988, último ano de seu mandato, um balanço de sua administração informava que Jânio realizara, entre outras obras, a pavimentação de cerca de 700km de vias, a instalação de luz em 91% da área habitada da cidade e a canalização de 11 córregos (das quais apenas duas foram concluídas). Seu programa incluiu ainda a restauração do Teatro Municipal, de outros três teatros e de 12 bibliotecas públicas, reurbanização do centro da cidade através de obras no vale do Anhangabaú, com a construção de calçadões, praças e áreas verdes. No setor da saúde, Jânio Quadros inaugurou dois novos hospitais e recuperou outros seis, além de 58 unidades médicas. Na área habitacional, desenvolveu um vasto programa de construção de habitações populares. Para evitar que a maior parte da arrecadação do município fosse gasta com o pagamento do funcionalismo, Jânio fez uma lei determinando que esse comprometimento não poderia superar os 57%, congelando os salários dos servidores por quase um ano e meio.

Jânio concluiu seu mandato na prefeitura em dezembro de 1988, sendo sucedido por Luísa Erundina, do PT. Cumprindo a intenção declarada anteriormente de tornar irreversível as obras iniciadas em sua gestão, Jânio deixou uma dívida de 150 milhões de dólares em pagamentos não efetuados às empreiteiras que executaram as obras de seu projeto viário, em especial a reurbanização do vale do Anhangabaú e os túneis sob o rio Pinheiros e o parque Ibirapuera. Frente a esta situação, a administração petista anunciou a disposição de concluir as obras principais, em razão dos recursos econômicos já investidos e de seu adiantado estado de execução, apesar de não considerá-las prioritárias, bem como de dar continuidade aos projetos de canalização dos córregos que se incluíam na chamada área social ao lado de obras ligadas à construção de creches, escolas e hospitais.

Em abril de 1989, Jânio realizou viagem de turismo pela Europa e Oriente Médio, recebendo na ocasião convites de partidos políticos como o Partido Social Democrático (PSD) e o PFL que disputavam sua adesão para formar chapa na disputa à presidência da República. Após seu retorno ao Brasil, em maio, filiou-se ao PSD. Em seguida, o presidente do partido, Luís Pacce Filho, e o fundador e secretário-geral, o ex-ministro de Minas e Energia César Cals, anunciavam que tinham em Jânio o candidato preferencial para concorrer à presidência da República. Poucos dias depois, Jânio anunciou publicamente a impossibilidade de disputar qualquer cargo público devido aos graves problemas de saúde que prejudicavam seu desempenho, reafirmando, contudo, que não abria mão da condição de cidadão brasileiro. E assim o fez em dezembro de 1989, quando divulgou manifesto de apoio à candidatura Fernando Collor de Melo, candidato do Partido da Reconstrução Nacional (PRN), em que convocava os janistas a fazerem o mesmo.

Em novembro de 1990, já sofrendo problemas de saúde, Jânio foi abalado pela morte de dona Eloá. Nos dois anos posteriores, seu estado de saúde agravou-se, vindo a falecer em 16 de fevereiro de 1992, em São Paulo. Após sua morte, uma comissão coordenada pelo vereador Miguel Colassuono, líder do Partido Progressista Reformador (PPR) na Câmara Municipal de São Paulo, iniciou, em agosto de 1993, estudos para construir um museu que reunisse o espólio material deixado por Jânio. Em março de 1996, ficou decidida a construção de um memorial projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer para abrigar livros, fotografias e outros documentos públicos pertencentes a Jânio.

Jânio teve uma filha, Dirce Tutu Quadros, eleita deputada federal constituinte pelo PTB, exercendo mandato no período 1987-1991.

Dois livros publicados em 1996 abordaram um tema que foi insistentemente relembrado pelos jornais ao longo da vida pública de Jânio: a sua renúncia à presidência da República. Lançada postumamente, A renúncia de Jânio: um depoimento foi escrita com base nas informações reunidas pelo autor, o colunista político Carlos Castelo Branco, secretário de imprensa de Jânio no período da presidência. Já o livro organizado por seu neto, Jânio John Quadros Neto, e por Eduardo Lobo Botelho Gualazzi, intitulado Jânio Quadros: memorial à história do Brasil, trouxe, como novidade, a confissão de Jânio sobre os motivos de sua renúncia à presidência, feita ao neto no quarto do hospital onde passou seus últimos dias. A renúncia fora uma estratégia política que não dera resultados. Jânio esperava que o povo, seguido pelos militares, não aceitasse a sua renúncia e o reconduzisse ao poder, o que de fato não aconteceu.

Entre as obras que abordam mais diretamente sua trajetória política, destacam-se: Fenômeno Jânio Quadros (1959), de Viriato de Castro; Jânio, vida e carreira política (1961), de José Iamashiro; O 24 de agosto de Jânio Quadros (1961, 2ª ed. 1981), de Luís Alberto Muniz Bandeira; JQ, Brasília e a grande crise (1961) e Anatomia da renúncia (1962), de Gileno de Carli; Jânio deposto (1962), de Moacir Ribeiro; Tempos de Jânio e outros tempos (1962), de Carlos Castilho Cabral; e O governo Jânio Quadros (1981), de Maria Vitória Benevides.

Além das obras citadas, escreveu Curso prático da língua portuguesa e sua literatura (6v., 1966) e Os dois mundos das três Américas (1972).

Jorge Miguel Mayer/Libânia Xavier

 

FONTES: Almanaque Abril (1975 e 1976); Almanaque Mundial (1961 e 1962); ARQ. DEP. PESQ. JORNAL DO BRASIL; BANDEIRA, L. 24; BENEVIDES, M. Governo Jânio; CABRAL, C. Tempos; CAFÉ FILHO, J. Sindicato; CARDOSO, F. Partidos; Correio da Manhã (13/9/66); EIeitos; Encic. Mirador; Estado de S. Paulo (18/2 e 22/10/54, 6/5/58, 21/4, 2 e 22/10/81, 10/18/82, 30/1 e 4/3/86, 21/10/87, 21/8/88, 31/3/89); FERREIRA, O. Crise; Folha de S. Paulo (19/12/85, 18 e 30/1, 10/4, 31/6, 3 e 16/12/86, 10/2/87, 1/7 e 19/11/88, 28/2, 3 e 17/3, 11/10, 2 e 15/12/89, 28/7/90); Globo (17/11/79, 15/6/80, 26 e 27/1, 18 e 21/2, 26/4, 24/5, 19/6, 7/7, 30/9, 21 e 24/10 e 11/11/81, 17/1 e 3/4/86, 25/4 e 23/10/87, 28/2, 12 e 28/5, 23/6 e 1/11/89); Grande encic. Delta; História (22); IANNI, O. Estado e planejamento; IstoÉ (8/76); Jornal do Brasil (7/4/74, 4/9 e 12/11/76, 30/10 e 12/12/77, 29/1 e 27/9/78, 16/5, 3/7, 6/9 e 11/11/79, 25/1, 3 e 29/2, 22 e 29/5, 11/6, 26/8 e 28/11/80, 21/2, 10 e 17/4, 10/5, 19 e 26/6, 5/8, 30/9, 1, 9, 14, 22, 23, 29 e 30/10, 5, 12, 19 e 29/11, 2 e 6/12/81, 5/5/86, 22/4/87, 6/10/88); KUBITSCHEK, J. Meu; LACERDA, C. Depoimento; LEITE, A. História; LEITE, A. Páginas; LESSA, C. Quinze; LOURENÇO, M. Jânio; MIN. GUERRA. Subsídios; NÉRI, S. 16; NICOLAS, M. Cem; Nosso (5); Novo Dic. de História; OLIVEIRA, C. Biografias; PESQ. F. BARBOSA; QUADROS, J. História; Realidade; REIS JÚNIOR, P. Presidentes; Rev. Bras. Estudos Pol. (1965-18); Rev. Brasiliense (1958-2); Rev. Civilização Brasileira (1965-2); RIBEIRO, I. Jânio; SILVA, H. 1964; SILVA, H. História; SKIDMORE, T. Brasil; Veja (9/10, 17 e 27/11/68, 25/8/71, 20/3, 4/9, 6 e 20/11 e 18/12/85); VÍTOR, M. Cinco; WROBEL, F. Movimento.