MONTEIRO, GÓIS

MONTEIRO, Góis

*militar; rev. 1930; comte. 2ª RM 1931-1932; comte. 1ª RM 1932; min. Guerra 1934-1935; ch. EME 1937-1943; min. Guerra 1945-1946; sen. AL 1947-1951; ch. EMFA 1951-1952; min. STM 1952-1956.

 

Pedro Aurélio de Góis Monteiro nasceu em São Luís do Quitunde (AL) no dia 12 de dezembro de 1889, filho do médico Pedro Aureliano Monteiro dos Santos e de Constança Cavalcanti de Góis Monteiro. Descendia de proprietários de engenhos, cujos métodos coloniais de produção do açúcar foram sobrepujados pelas técnicas modernas do empreendimento usineiro que dominou a economia nordestina. Era o mais velho de nove irmãos, alguns dos quais, como ele, teriam mais tarde atuação na vida política: Cícero participou da Revolução de 1930 no Rio Grande do Sul e morreu em combate contra os revoltosos paulistas em 1932; Manuel foi senador de 1935 a 1937; Ismar foi interventor em Alagoas de 1941 a 1945 e senador no período 1946-1955; Edgar substituiu Ismar na interventoria entre a queda da ditadura Vargas, em outubro de 1945, e dezembro seguinte, e Silvestre Péricles governou Alagoas entre 1947 e 1951.

Devido às dificuldades enfrentadas por sua família após a morte do pai aos 40 anos de idade, Pedro Aurélio decidiu entrar para o Exército, induzido pelas vantagens de uma carreira em que o ensino é gratuito e o aproveitamento profissional, garantido. Assim, viajou em 1903 de Alagoas para o Rio de Janeiro, então capital federal, e no ano seguinte sentou praça na Escola Preparatória do Realengo, pretendendo completar sua formação na Escola Militar da Praia Vermelha, também no Rio de Janeiro.

Em 1904 ocorreram no Distrito Federal distúrbios militares, de cunho positivista, em desafio ao poder civil. Os rebeldes aproveitaram-se para seus objetivos da insatisfação popular com o aumento dos aluguéis nas zonas pobres da capital e com a instituição da vacina obrigatória contra a febre amarela. Góis Monteiro não teve qualquer participação na chamada Revolta da Vacina, mesmo porque a Escola do Realengo, sob o comando do coronel Hermes da Fonseca, manteve-se do lado da legalidade. O episódio, no entanto, foi de importância significativa em sua vida. Concluído o curso preparatório e estando fechada, por ordem do presidente Francisco de Paula Rodrigues Alves, a Escola da Praia Vermelha, envolvida na sublevação, teve que transferir-se em 1906 para Porto Alegre a fim de prosseguir os estudos, ingressando na Escola de Guerra da capital gaúcha.

Naquele ano a política gaúcha achava-se intensamente convulsionada. Dentro do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), chefiado com mão de ferro por Antônio Augusto Borges de Medeiros e dominante no estado, esboçavam-se os primeiros movimentos dissidentes, liderados por Fernando Abott, propondo a renovação de critérios políticos e dos quadros dirigentes estaduais. A Constituição gaúcha permitia reeleições sucessivas do presidente do estado, que tinha ainda a prerrogativa de escolher seu vice-presidente à margem de consulta popular. O direito de representação das minorias era sistematicamente recusado pela situação, o que vinha gerando conflitos armados desde 1893. Numa extensão da Revolta da Armada contra o presidente Floriano Peixoto, confrontavam-se os antigos liberais de Gaspar Silveira Martins, então agrupados em torno do Partido Federalista, e os republicanos discípulos de Júlio de Castilho aglutinados pela liderança de Borges de Medeiros.

A dissidência de Fernando Abott produziu pelo menos um resultado palpável. Borges não se candidatou à reeleição em 1906, indicando para sua sucessão o republicano Carlos Barbosa Gonçalves. Pelo fato de haver candidato da oposição — o próprio Fernando Abott —, apoiado pelos federalistas e dissidentes republicanos, o pleito foi disputado com ardor e violência. Por iniciativa de Getúlio Vargas, João Neves da Fontoura, Joaquim Maurício Cardoso e Firmino Paim Filho, organizou-se na Faculdade de Direito de Porto Alegre o Bloco Acadêmico Castilhista, para dar apoio à candidatura de Carlos Barbosa. Sob a direção de Vargas, foi fundado um jornal, O Debate, órgão oficial do grupo, em que o cadete Góis Monteiro colaborava com artigos de natureza militar. Apesar dos regulamentos disciplinares que limitavam as atividades políticas dos militares, Góis acabou filiando-se ao bloco e participou da campanha eleitoral.

Como ele mesmo admitiria mais tarde, sua militância política não foi, entretanto, de grande notabilidade nesse período. Declarado aspirante, em janeiro de 1910, integrou durante algum tempo um batalhão de infantaria, enquanto aguardava ordem superior para juntar-se a uma unidade de cavalaria, especialidade a que se habilitara, embora a artilharia fosse a arma de sua preferência. O regimento para o qual tinha sido classificado ficara sem efetivos na cidade de São Nicolau, próxima de São Borja, no interior gaúcho, e ele foi então transferido para o Batalhão Ferroviário aquartelado em Cruz Alta, que construía uma estrada de ferro ligando esta cidade a Santo Ângelo. O batalhão estava sob o comando do general Fernando Setembrino de Carvalho, que seria mais tarde ministro da Guerra no governo Artur Bernardes (1922-1926).

Promovido a segundo-tenente em abril de 1914, Góis permaneceu no Rio Grande do Sul até 1916. Nesse período, foi assistente do comando da 2ª Brigada de Cavalaria e do Esquadrão do 6º Regimento de Cavalaria Independente. Em 1916 casou-se com Conceição Saint Pastous, de uma família tradicional de Alegrete (RS), e regressou ao Rio. Na capital federal fez um curso de engenharia militar, interessando-se simultaneamente pelos processos de tática e organização militar adotados pelo Exército alemão e aqui introduzidos em fins da primeira década do século, quando o marechal Hermes da Fonseca ocupava o Ministério da Guerra no governo Afonso Pena (1906-1909). Em 1918, depois de concluído o curso, voltou ao Rio Grande do Sul, em cuja fronteira platina concentravam-se várias unidades de cavalaria. No estado sulino, comandou o Esquadrão do 6º Regimento de Cavalaria Independente. Em janeiro de 1919 foi promovido a primeiro-tenente e em 1921 foi chamado ao Rio de Janeiro para participar dos cursos de aperfeiçoamento ministrados pela missão militar francesa chefiada pelo general Maurice Gamelin. Contratada para remodelar os conceitos táticos e organizacionais do Exército brasileiro, essa missão introduziu técnicas mais avançadas de ação bélica cujo esteio era a motomecanização progressiva das tropas de terra.

 

Ação legalista

Em 1922, Góis Monteiro cursava a Escola de Estado-Maior, regida ainda por instrutores franceses, quando a sucessão presidencial foi tumultuada por uma crise política violenta, envolvendo o Exército no seu desdobramento. Minas e São Paulo, recompondo a aliança política que garantia o fortalecimento civil da República, haviam decidido lançar a candidatura do presidente mineiro Artur Bernardes à sucessão de Epitácio Pessoa na chefia do Executivo federal para o período 1922-1926. Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Bahia, no entanto, com o apoio de correntes oposicionistas que se vinham formando em vários estados nordestinos, notadamente em Pernambuco, organizaram um movimento de súbita expressão nacional, denominado Reação Republicana, com a finalidade de enfrentar a máquina governamental.

Eram candidatos contra Bernardes os antigos propagandistas da República: o senador Nilo Peçanha, do estado do Rio, e o ex-ministro J. J. Seabra, da Bahia.

A exaltação estava no apogeu quando foram publicadas no Correio da Manhã duas cartas, atribuídas a Bernardes, contendo ofensas diretas ao presidente do Clube Militar e consideradas extensivas a todo o Exército. Posteriormente, apurou-se que as cartas eram falsas mas o ambiente político-militar continuou inquieto e hostil a Bernardes, que apesar de tudo em março de 1922 venceu as eleições. Pouco depois Epitácio Pessoa decretou intervenção em Pernambuco para solucionar o problema relativo à sucessão estadual e Hermes da Fonseca, na qualidade de presidente do Clube Militar, aconselhou o comandante da guarnição federal daquele estado a não participar das medidas de intervenção. Epitácio mandou fechar o Clube Militar por seis meses e ordenou a prisão do marechal Hermes. Em represália, o forte de Copacabana, no Rio de Janeiro, comandado por um dos filhos do marechal, o capitão Euclides Hermes da Fonseca, fez sobre a cidade os primeiros disparos que anunciaram a Revolta de 5 de Julho. Góis não tomou parte nos acontecimentos, mas assumiu posição ao lado da legalidade. A revolta foi esmagada no mesmo dia, embora a onda de rebeldia tenha continuado no Sul.

No ano seguinte, os federalistas gaúchos, aproveitando o fato de que Borges de Medeiros tinha lutado a favor da Reação Republicana, reiniciaram as hostilidades contra seus antigos adversários, em protesto contra a quinta eleição de Borges ao governo do estado, na suposição de que contariam com beneplácito de Bernardes, empossado na presidência da República no dia 15 de novembro de 1922. A posição de Bernardes não era de fato simpática a Borges, mas não chegava a ponto de estimular sua deposição. O governo federal desejava enfraquecer o chefe republicano gaúcho, mas sentia-se constitucionalmente obrigado a defender seu mandato, mesmo porque, encerrada a campanha eleitoral, Borges reconhecera a legitimidade dos resultados proclamados pela Comissão de Verificação de Poderes do Congresso e reprovara, de público, o recurso à luta armada, que passou a ser uma preocupação da oficialidade militar comprometida com a insurreição de julho.

Embora no posto subalterno de primeiro-tenente, Góis Monteiro, bem conceituado no julgamento da missão francesa, foi solicitado confidencialmente a preparar um plano de defesa do governo do Rio Grande do Sul contra as investidas dos federalistas. Sugeriu então ao capitão Emílio Lúcio Esteves, instrutor-chefe da Brigada Militar gaúcha, que organizasse através dos caudilhos e chefes políticos que combatiam ao lado de Borges “corpos de provisórios” compostos de peões e agregados das estâncias gaúchas, os quais, depois de algum adestramento militar de emergência, passariam a operar contra os revoltosos. A luta estendeu-se de janeiro a novembro de 1923. Com a arbitragem do governo federal, as duas facções assinaram em dezembro o Acordo de Pedras Altas, segundo o qual seria introduzido na Constituição estadual um dispositivo que vetava nova reeleição do presidente do estado, suprimia o critério de nomeação para investidura do vice-presidente e garantia à minoria federalista o direito de representação política na Assembléia e na Câmara Federal.

Em janeiro de 1924, promovido a capitão, Góis Monteiro foi nomeado professor estagiário do curso de estado-maior. O descontentamento militar permanecia não respaldando a pacificação política. A 5 de julho daquele ano, no segundo aniversário da revolta do forte de Copacabana, o general Isidoro Dias Lopes levantou contra o governo poderosas unidades federais sediadas em São Paulo, exigindo a saída de Bernardes e propondo sua substituição pelo ex-presidente Venceslau Brás. A capital bandeirante foi imediatamente ocupada pelas tropas revoltosas, que receberam a adesão de contingentes da Força Pública comandados por Miguel Costa e João Cabanas, ocasionando a fuga do presidente estadual Carlos de Campos para Quitaúna. Bernardes não teve contemplações. Mandou cercar a capital paulista, desarticulando seus meios de abastecimento e de comunicações. Em seguida, determinou que ela fosse bombardeada incessantemente. Góis fez parte das forças de ataque, como membro do estado-maior do general Carlos Arlindo, incumbido do cerco. As tropas federais desembarcaram em Santos e, logo em seguida, estabeleceram seu quartel-general em São Caetano do Sul. Além de unidades policiais de Minas, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo, havia um batalhão de marinheiros que Góis vinha instruindo no sentido de adaptá-lo às operações militares terrestres.

Certo dia o almirante José Maria Penido, que comandava a ocupação naval de Santos, foi inspecionar seus marujos em São Caetano e pediu ao capitão Góis Monteiro suas impressões sobre a maneira como a ofensiva estava sendo conduzida. Góis deu sua opinião contrária aos bombardeios indiscriminados contra a capital paulista. Informado de que ele possuía curso de estado-maior, com recomendações meritórias da missão francesa, o almirante Penido pediu-lhe sua opinião por escrito. Góis formalizou seu ponto de vista num memorando que foi imediatamente remetido ao ministro da Marinha, almirante Alexandrino de Alencar. Dali, o documento foi encaminhado ao general Antenor Santos Cruz Pereira de Abreu, chefe do Gabinete Militar, passando em seguida a servir de diretiva para o ataque das forças legalistas. No final do mês, entretanto, atendendo aos apelos de José Carlos de Macedo Soares, presidente da Associação Comercial de São Paulo, Isidoro retirou-se para o Paraná com suas tropas, que receberam o nome de Destacamento São Paulo.

 

Combatendo a Coluna Prestes

A retirada de Isidoro, porém, não arrefeceu a disposição revolucionária, que transpunha os muros dos quartéis e atingia os meios políticos civis. O nível de insatisfação com a República Velha crescia visivelmente em todos os setores. Regressando ao Rio, Góis Monteiro retomou suas funções de professor da Escola de Estado-Maior, servindo paralelamente na seção de operações do Estado-Maior do Exército (EME). No início de 1925, seguia com a família em viagem de férias para Alegrete (RS) quando teve conhecimento de que forças do governo haviam sido amplamente desbaratadas nas proximidades de Formiga (PR) pelo Destacamento São Paulo, então estacionado na área entre Catanduvas e Guaíra. Reativava-se assim a ofensiva revolucionária, temporariamente amortecida com a dispersão das tropas de Isidoro. Ao chegar a Santos, no seu trajeto para o Sul, Góis recebeu um telegrama do coronel Álvaro Guilherme Mariante, que iria assumir o comando federal naquela área e o convidava para chefiar seu estado-maior. O Destacamento Mariante fazia parte das tropas comandadas pelo general Otávio Azevedo Coutinho, que, por sua vez, integrava as forças do governo sob o comando-em-chefe do general Cândido Mariano da Silva Rondon.

Ao chegar a Formiga, Góis Monteiro reorganizou as unidades derrotadas e tomou posição, juntamente com outros três batalhões, para o ataque aos paulistas aquartelados em Catanduvas e Salto, também no Paraná, comandados, respectivamente, pelo capitão Newton Estillac Leal e pelo coronel Miguel Costa. No final de março de 1925 Catanduvas foi tomada e Salto rendeu-se com o abandono da praça. Mariante instalou aí seu quartel-general, como base de perseguição aos rebeldes. Estes, no dia 2 de abril, na altura da localidade de Benjamim Constant (PR), uniram-se às forças gaúchas comandadas por Luís Carlos Prestes, que se haviam rebelado em outubro de 1924, e formaram a Coluna Miguel Costa-Prestes. Mariante continuou avançando, transferindo o quartel-general para Cascavel, outra cidade do Paraná. Quando os revolucionários, através de Guaíra, invadiram o território paraguaio no final de abril, Mariante e Góis depois de breve permanência em Mato Grosso, adidos ao estado-maior do general Alfredo Malan d’Angrogne, foram chamados ao Rio e dispensados das operações relativas à Coluna Prestes. Góis reassumiu suas atividades de professor da Escola de Estado-Maior acumuladas com a de professor de tática na Escola Profissional da Polícia Militar do Distrito Federal.

Quando a Coluna reunificou suas tropas nas divisas ocidentais de Mato Grosso em junho de 1925, o governo designou o general Pantaleão Teles Ferreira para impedir sua travessia ao longo do estado de Goiás. Góis Monteiro foi então reconvocado para atuar como oficial encarregado das operações, partindo para Uberaba, no Triângulo Mineiro, onde Pantaleão fixara seu quartel-general. A Coluna, no entanto, penetrou em Goiás, atravessou Minas, Bahia, Maranhão, Piauí e Ceará, preparando-se para entrar no Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco e continuar rumo ao Sul pelo vale do São Francisco. Nesse momento, em janeiro de 1926, o governo determinou a Mariante, já promovido a general, que seguisse para a Bahia. Mariante assim o fez, levando Góis como seu chefe de estado-maior. Os revolucionários atordoavam as forças do governo com táticas de despistamento, sem dar-lhes oportunidades de confrontos diretos. Góis conseguiu mobilizar alguns jagunços, pagos pelos fazendeiros da região, para formar “grupos de caça”, na tentativa de localizar as áreas de maior movimentação da Coluna. Esse expediente não deu certo. Mariante instalou-se em Pirapora (MG), mas os revolucionários, percebendo que a intenção do inimigo era barrar seu percurso no vale do São Francisco, recuaram para a Bahia. As tropas federais centralizaram-se, então, em Aracaju.

Não obtendo êxito, seguiram para Goiás e montaram seu quartel-general em Ipameri.

Em outubro de 1926 Góis foi promovido a major. Nessa época, seguia com Mariante para Três Lagoas (MS), então no estado de Mato Grosso, onde permaneceu até março de 1927, quando a Coluna internou-se na Bolívia. Em abril voltou a dar aulas na Escola de Estado-Maior, no Rio. Quando, ainda em 1927, o general Mariante assumiu o cargo de diretor de Aviação Militar do Exército, Góis foi nomeado seu chefe de gabinete. Nesse cargo, trabalhou ao lado do coronel Jeaunaud, que, na missão militar francesa, tratava de assuntos ligados à especialização aeronáutica. Por essa época, juntamente com Aguinaldo Caiado de Castro, escreveu uma resenha das operações de campanha desenvolvidas no encalço da Coluna Prestes. Em outubro de 1928 foi promovido a tenente-coronel.

O início de 1929 foi marcado pelas conturbações decorrentes das articulações políticas que antecederam a escolha do sucessor do presidente Washington Luís. Dentro do esquema de rodízio entre Minas e São Paulo, política consagrada na República Velha, a vaga seria do presidente mineiro Antônio Carlos Ribeiro de Andrada se dois fatores básicos não concorressem para a ruína de suas pretensões: as divergências com Washington Luís em matéria de política financeira e monetária e a luta interna que cindia a comissão diretora do Partido Republicano Mineiro (PRM) em três frentes distintas, comandadas pelo ex-presidente Bernardes, por Fernando de Melo Viana, vice-presidente da República, e pelo próprio Antônio Carlos. Constatada a inviabilidade de sua candidatura, Antônio Carlos procurou os políticos situacionistas do Rio Grande do Sul e ofereceu o apoio de Minas à indicação de Getúlio Vargas, presidente gaúcho.

Em julho de 1929, exatamente no dia em que José Antônio Flores da Cunha deveria entregar ao presidente Washington Luís a carta de Vargas que oficializava o rompimento político do Rio Grande com o governo federal, Góis Monteiro dirigiu-se a um hotel da rua do Riachuelo, no Rio, para avistar-se com seu amigo Emílio Lúcio Esteves e seu cunhado Antônio Saint Pastous, que haviam chegado de Porto Alegre. Góis alcançou a portaria do hotel no momento em que quase todos os membros da bancada gaúcha, que ali se hospedavam, comentavam os acontecimentos do dia. Amigo de grande parte deles, Góis foi cumprimentá-los e os fotógrafos dos jornais aproveitaram para fixar os flagrantes mais expressivos. No dia seguinte sua foto apareceu estampada em vários periódicos que o davam como participante de uma reunião de líderes oposicionistas. O fato não deixou de causar preocupações ao general Mariante, pois o ministro da Guerra, Nestor Sezefredo dos Passos, havia proibido a presença de oficiais em atos ou solenidades de cunho político.

Na Escola de Aviação Militar, um dos oficiais, major Lísias Rodrigues, a despeito da ordem ministerial, fazia ostensivamente campanha a favor de Júlio Prestes, o candidato de Washington Luís, com o argumento de que, uma vez eleito, este daria grande impulso ao desenvolvimento da arma de aviação. Mariante, informado do fato, ordenou abertura de inquérito e designou Góis seu encarregado. Após as diligências efetuadas, Lísias foi considerado culpado e preso durante 30 dias num quartel. Na República Velha, era costume a realização de bailes anuais no palácio Guanabara em comemoração da data nacional de 7 de setembro. O major punido recebeu convite oficial para comparecer à festividade, mas o general Mariante não consentiu. Vários outros pedidos foram feitos, no sentido da comutação da pena, mas o general manteve a negativa.

Poucos dias depois, o ministro da Guerra comunicou a Mariante que o tenente-coronel Góis Monteiro não podia mais permanecer como seu chefe de gabinete. Seus serviços estavam sendo solicitados para inspeções que deveriam ser feitas em São Paulo, Paraná e Santa Catarina, tendo em vista a instalação de novos aeroportos militares na área. O general Nestor Passos estava propenso a tomar tais precauções em vista das informações que vinha recebendo, segundo as quais o Rio Grande do Sul se levantaria contra o governo federal se Júlio Prestes fosse reconhecido. Góis fez a viagem e deu conta de sua missão primeiramente ao general Mariante e, depois, ao ministro da Guerra. Concluída a exposição, recebeu do general Passos a notícia de sua designação para servir em São Luís das Missões (RS), perto de São Borja.

 

Em São Luís das Missões

Em seu depoimento, Góis Monteiro apontou como razão essencial de sua designação para o comando de tropa no Rio Grande do Sul uma intenção premeditada do governo de aferir o grau de sua lealdade ao poder constituído. Há, no entanto, uma outra versão. Desde julho de 1929, quando Flores da Cunha entregara ao presidente Washington Luís a carta em que Vargas comunicava a aceitação de sua candidatura à presidência da República em oposição à de Júlio Prestes, o governo federal passara a adotar medidas militares preventivas no Rio Grande do Sul, ampliando os efetivos localizados nas várias zonas estratégicas do estado e alterando os comandos cujas provas de fidelidade não fossem claramente convincentes.

Havia justificativas bastante fundadas para tais providências. A candidatura Vargas, lançada com apoio de Minas e da Paraíba, tinha como base mais sólida de sustentação a Frente Única Gaúcha (FUG), composta pela aliança do PRR com o Partido Libertador (PL), que naquele instante apagavam os efeitos de uma encarniçada rivalidade de quase meio século e juntavam suas forças para um combate que poderia não cessar após a revelação dos resultados eleitorais definitivos. O governo federal conhecia a quase incontrolável disposição bélica dos partidos políticos do Rio Grande do Sul. Não ignorava o poderio de fogo da Brigada Militar do estado e, muito menos, sua incontestável subordinação à autoridade de Borges de Medeiros. Por último, a facilidade com que os chefes políticos gaúchos mobilizavam suas peonadas, fortemente municiadas com armamentos introduzidos pelo contrabando fronteiriço, fortalecia o ânimo governamental de precaver-se quanto à súbita posição divergente do Rio Grande na campanha presidencial que se iniciava.

Nessas circunstâncias, é lógico supor que Góis Monteiro, identificado pelas autoridades militares como “herói da legalidade”, experiente na perseguição aos destacamentos da Coluna Prestes e familiarizado com as particularidades regionais da política gaúcha, tenha sido indicado para comandar uma unidade nas proximidades de São Borja como desdobramento dos planos de segurança postos em prática para neutralizar uma possível represália vinda do Sul após a proclamação de Júlio Prestes,

Em janeiro de 1930, Góis assumiu, em São Luís das Missões, o comando do 3º Regimento de Cavalaria Independente. Viajou em companhia de sua mulher e dois filhos, fazendo o percurso por via marítima até o porto do Rio Grande, onde foi recebido por seu irmão Cícero, que servia em Pelotas. Nesse encontro, Cícero, já envolvido por um ambiente agitado, colocou-o a par dos rumos da conspiração que vinha sendo desenvolvida nos altos círculos republicanos e libertadores, liderada por Osvaldo Aranha, secretário do Interior do governo gaúcho.

Ao chegar a Porto Alegre, Góis Monteiro foi surpreendido por rumorosa recepção por parte de elementos civis e militares, sem a participação, todavia, do governo estadual e do comando da 3ª Região Militar (3ª RM). Góis viu nisso a astuciosa interferência de Osvaldo Aranha, tendo como propósito o seu comprometimento com a articulação revolucionária. Teve, mais tarde, a confirmação dessas suspeitas, quando avistou-se com Aranha no escritório de seu cunhado, professor Saint Pastous, igualmente integrado na conspiração. Nessa ocasião, Aranha narrou-lhe as dificuldades que encontrara para obter a concordância de Luís Carlos Prestes em assumir o comando supremo das forças que iriam deflagrar a revolução. É que o antigo chefe do estado-maior da Coluna, embora já próximo de vincular-se ao marxismo, mantinha em relação aos civis os mesmos preconceitos sustentados pelos demais companheiros dos movimentos tenentistas de 1922 e 1924. Prestes, segundo Aranha, desejava fazer uma revolução distante da influência dos políticos, pelos quais procurava demonstrar visível e indistinta animosidade.

Terminado o encontro, Góis visitou formalmente o presidente estadual, Getúlio Vargas, e, em seguida, partiu para São Luís das Missões a fim de assumir o comando da unidade de cavalaria ali sediada. Em março, Getúlio foi batido nas urnas por Júlio Prestes. Góis prosseguiu em entendimentos com Osvaldo Aranha, João Alberto Lins de Barros e Flores da Cunha até que, com o afastamento definitivo de Prestes em abril e a morte de Antônio de Siqueira Campos em maio, num desastre aéreo perto de Montevidéu, começou a admitir a possibilidade de seu ingresso no movimento. Entretanto, a desistência de Antônio Carlos em precipitar a luta, notícia que chegara a Porto Alegre através de um cifrado de Francisco Campos, secretário do Interior em Minas, levou Aranha, em julho de 1930, a demitir-se intempestivamente do governo gaúcho.

A conspiração perdeu em grande parte a sua força. O Congresso reconheceu a vitória de Júlio Prestes e depurou a quase totalidade da bancada da Paraíba, além de 14 deputados da representação de Minas, substituindo antigos parlamentares por alguns estreantes que não tinham tradição política nos dois estados, mas haviam concorrido sem o apoio da Aliança Liberal, com a cobertura do governo federal e da Concentração Conservadora. Até Borges de Medeiros, a exemplo do que fizera em 1922 após a derrota de Nilo Peçanha, concedeu entrevista ao jornal A Noite reconhecendo a legitimidade dos resultados apurados no pleito de 1º de março.

 

Na Revolução de 1930

Parecia tranqüila a investidura de Júlio Prestes quando, a 26 de julho, o presidente da Paraíba, João Pessoa, candidato derrotado à vice-presidência da república na chapa de Vargas, foi assassinado em Recife por João Dantas, partidário da Concentração Conservadora e ligado a José Pereira Lima, chefe do levante separatista de Princesa (PB), desencadeado, segundo se dizia, com o apoio do governo federal. A agitação política, que parecia enfraquecida, voltou a incendiar o país inteiro. Osvaldo Aranha retomou seus contatos e pediu a Saint Pastous que fosse a São Luís das Missões convidar Góis Monteiro para a chefia militar do levante. O convite estava implicitamente aceito. Tanto assim que, dias depois, quando Góis recebeu a visita de João Alberto, igualmente na qualidade de emissário de Aranha, o assunto já havia saído da atmosfera das especulações para uma fase de conclusão dos preparativos revolucionários.

João Alberto deu a Góis as informações de que este necessitava. Disse-lhe que o comando das operações no Norte-Nordeste estava a cargo de Juarez Távora. No Distrito Federal, o agente de ligação era Pedro Ernesto Batista, e Virgílio de Melo Franco era quem fazia o contato dos políticos mineiros com os líderes da FUG. Por fim, João Alberto trouxe a informação mais importante para o planejamento operacional da revolução: presidente eleito de Minas, Olegário Maciel havia declarado a Lindolfo Collor, em Belo Horizonte, que o compromisso de Antônio Carlos equivalia a um compromisso de Minas e que ele, Olegário, o manteria decididamente, atribuindo aos gaúchos a incumbência de determinar o dia e a hora do levante.

De posse desses dados, Góis solicitou ao comandante da 3ª RM, general Gil de Almeida, licença para assistir em Porto Alegre a uma intervenção cirúrgica a que sua mulher seria submetida. Deferido o pedido de licença, viajou imediatamente, montando o seu quartel-general na casa de uma irmã de Osvaldo Aranha e assumindo a chefia do estado-maior das forças revolucionárias, das quais Getúlio Vargas era o comandante supremo. Seus dois subchefes seriam João Alberto e Estillac Leal, antigos comandantes de destacamentos na Coluna Prestes, enquanto Virgílio de Melo Franco atuaria como seu secretário e o comandante Herculino Cascardo, da Marinha, igualmente revolucionário de 1924, como oficial de informações.

O dia 3 de outubro de 1930 caiu numa sexta-feira. Nessa data, Góis Monteiro, juntamente com Virgílio e Cascardo, alojou-se numa das dependências do palácio do governo. Às 17:30h, o fogo irrompeu em Porto Alegre sobre a unidade das tropas federais que recusaram a opção revolucionária. A resistência legalista foi intrépida e desesperada. No quartel-general da 3ª RM, a investida revoltosa teve pela frente o próprio comandante Gil de Almeida e seu chefe de estado-maior, general Firmo Freire do Nascimento (mais tarde chefe do Gabinete Militar de Vargas), que lutaram rigorosamente até serem aprisionados. No morro do Menino Deus, onde havia grandes depósitos de armamentos e munições, o ataque comandado por João Alberto foi detido inicialmente por um regimento de cavalaria. A morte de seu comandante, no entanto, quebrou o ânimo da oficialidade, que acabou se rendendo. No quartel-general do 7º Batalhão de Caçadores (7º BC), comandado pelo coronel Benedito Marques da Silva Acauan, a determinação de resistir surpreendeu todas as expectativas. Cercado por todos os lados, implacavelmente castigado pela artilharia de Alcides Etchegoyen e quase devorado pelo fogo dos lança-chamas acionados por ordem de Góis Monteiro, o 7º BC só se entregou depois que seu comandante certificou-se de que todas as demais unidades federais de Porto Alegre haviam sido subjugadas.

Na madrugada de 4 de outubro, Góis foi informado das adesões das guarnições das cidades gaúchas de Dom Pedrito, Livramento, Boqueirão, Cruz Alta, Uruguaiana, Quaraí, Rosário, Cachoeira e Santa Maria. As reações verificadas em Rio Grande, São Borja, Bajé, São Gabriel, Alegrete, Itaqui e Passo Fundo foram prontamente controladas. Góis decidiu que os prisioneiros fossem encaminhados para dois navios ancorados no litoral, próximo de Porto Alegre, onde permaneceriam até que a revolução decidisse sobre o destino deles. Encontrava-se, entre os oficiais superiores aprisionados, o coronel Euclides de Oliveira Figueiredo, comandante da 2ª Divisão de Cavalaria aquartelada em Livramento e com quem Góis iria defrontar-se, dois anos mais tarde, no vale do Paraíba, por ocasião da Revolução Constitucionalista de São Paulo.

Concluída a ocupação do Rio Grande do Sul, Góis enviou destacamentos de vanguarda para as divisas de Santa Catarina, visando a alcançar, após a travessia daquele estado e a submissão do Paraná, as margens do rio Paranapanema, à entrada do território paulista. O destacamento principal deslocou-se por via férrea, sob as ordens de Miguel Costa, da Força Pública de São Paulo e antigo comandante da Coluna Prestes. Sem maiores obstáculos, chegou a Ponta Grossa (PR), enquanto João Alberto, enviado a Curitiba para coordenar a ação das tropas que estavam sendo transportadas do Rio Grande do Sul, não encontrando dificuldades, avançou até Capela da Ribeira, a leste de Itararé, além da divisa do Paraná com São Paulo.

A 10 de outubro, acompanhado de todo o estado-maior civil e militar da revolução, inclusive Getúlio Vargas, chefe supremo do movimento, Góis Monteiro seguiu de trem com destino ao norte do Paraná, prevendo-se choques violentos com as tropas legalistas comandadas pelo general José Pais de Andrade. O comboio revolucionário, no qual viajaram também Flores da Cunha, João Neves da Fontoura, Maurício Cardoso, Virgílio de Melo Franco e numerosos oficiais, estacionou em Ponta Grossa. Vargas e sua comitiva permaneceram em um dos vagões da composição ferroviária e Góis montou o seu quartel-general numa das dependências do grupo escolar da cidade. Ali planejou o ataque geral que, tomando como base a frente de Itararé, seria desfechado sobre São Paulo no dia 25 de outubro. Mas foi informado na véspera, pelo seu ajudante-de-ordens, das ocorrências no Rio de Janeiro que culminariam com a deposição do presidente Washington Luís. As notícias chegaram pelo rádio a Ponta Grossa, truncadas pelas dificuldades de comunicação da época, de sorte que o comando revolucionário não contava, nas primeiras horas, com elementos suficientes para avaliar o sentido dos acontecimentos. Góis determinou que alguns dos oficiais de seu estado-maior continuassem na escuta até que, por volta das nove horas da manhã do dia 24, um sobrinho de sua mulher, aluno da Escola de Aviação Militar do Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro, emitiu para Ponta Grossa uma mensagem por rádio detalhando os fatos que tiveram como conseqüência o afastamento do presidente da República.

Na hora do almoço, no vagão de comando do trem presidencial, Góis deu ciência a Vargas de tudo que sabia e, às 23 horas, entrou em contato direto com o Ministério da Guerra no Rio, quando então ficou inteirado de que a junta responsável pela queda de Washington Luís, constituída pelos generais Augusto Tasso Fragoso e João de Deus Mena Barreto e o almirante Isaías de Noronha, assumira efetivamente o governo e enviara a respeito um informe ao comando revolucionário em Ponta Grossa, sem todavia definir seus objetivos. Intrigado com o fato, Góis fez um ultimato à junta, comunicando que suas tropas reiniciariam as hostilidades se ela deixasse alguma dúvida quanto à entrega do governo à revolução. A resposta da junta foi imediata: o governo seria transmitido à revolução tão logo Vargas chegasse ao Rio de Janeiro. Diante disso Góis ordenou o levantamento das operações militares em todos os setores de ação.

O percurso ferroviário de Ponta Grossa a São Paulo foi pontilhado de discussões, mágoas e ressentimentos. A cada parada que o trem fazia em território paulista, juntavam-se à caravana revolucionária próceres exaltados do Partido Democrático (PD) de São Paulo, que desejavam substituir o Partido Republicano Paulista (PRP) na chefia do governo do estado. Esta, porém, era igualmente a meta de um grupo de “tenentes”, influenciado por Miguel Costa. Chegando à capital paulista, Vargas optou pela formação de um secretariado democrático, que deveria atuar em colaboração com João Alberto, designado delegado-militar da Revolução em São Paulo com o compromisso de ser mantido no posto apenas enquanto durassem as tarefas de supervisão do escoamento das tropas. Com a posse de Vargas na chefia do Governo Provisório da República em 3 de novembro de 1930, Góis daria início ao seu duplo procedimento de militar e político.

 

No Clube 3 de Outubro

Logo após a instalação do Governo Provisório, os principais líderes civis e militares da revolução reuniam-se todas as noites no palácio Guanabara para uma avaliação da contabilidade do novo regime ou para a identificação de atividades revanchistas supostamente desenvolvidas pelos políticos derrotados com a queda da República Velha. Góis tomava parte nessas reuniões, das quais participavam ainda o general José Fernandes Leite de Castro, ministro da Guerra, o almirante Ari Parreiras, interventor no estado do Rio, Pedro Ernesto Batista, interventor no Distrito Federal, Osvaldo Aranha, ministro da Justiça, José Américo de Almeida, ministro da Viação, o major Juarez Távora e, quando encontrava-se no Rio, o capitão João Alberto, interventor em São Paulo. Em geral essas reuniões eram presididas pelo próprio chefe do Governo Provisório. Como nem todos eram ministros, embora figuras de relevo da revolução, a imprensa carioca passou a identificá-los como componentes do “gabinete negro”.

Paralelamente, os “tenentes”, que contavam com o incentivo de Osvaldo Aranha, manifestavam seu desejo de influir na formação do suporte ideológico do movimento vitorioso. Assim surgiu, em 15 de novembro de 1930, por iniciativa de Osvaldo Aranha e Góis Monteiro, a idéia de se fundar a Legião de Outubro, cujo manifesto básico foi divulgado a 27 de fevereiro do ano seguinte. Enfatizando algumas citações nativistas de Alberto Torres, Francisco José de Oliveira Viana, Olavo Bilac, José Pereira da Graça Aranha e Euclides da Cunha, mescladas de conceitos extraídos de vagas deduções filosóficas do fascismo italiano o manifesto tinha o cuidado de distinguir seus objetivos daqueles que caracterizavam as agremiações partidárias tradicionais. Embora em muitos casos salientasse a mística do fortalecimento do Estado centralizado, o propósito legionário mais expressivo era, paradoxalmente, o de colaborar com os partidos na obra de reconstrução nacional, segundo os postulados da Aliança Liberal, defendendo a revolução das reações inconformadas de seus inimigos.

O projeto de Góis e Aranha, todavia, tangido por discordâncias internas inconciliáveis e despotencializado pela desconfiança dos partidos, que impediu seu alcance em amplitude nacional, decompôs-se antes mesmo de se organizar. Ficou na verdade restrito a São Paulo, onde, sob a liderança de Miguel Costa, João Alberto e João de Mendonça Lima, constituiu-se sob forma de apelos populistas; a Minas, onde, encabeçado por Gustavo Capanema, Francisco Campos e Amaro Lanari, revelou influências mal assimiladas de modelos autoritários europeus; e ao Rio de Janeiro, onde, dada a proximidade com o governo federal, adquiriu a feição de instrumento civil e militar de pressão contra a reconstitucionalização imediata do país. Neste último caso, o movimento resultou no Clube 3 de Outubro, no qual Aranha e Góis apareceram de novo como expoentes.

O clube foi fundado durante uma reunião realizada na residência do chanceler Afrânio de Melo Franco, ficando assim composta sua primeira diretoria: presidente, Góis Monteiro; vice-presidentes, Pedro Ernesto, Herculino Cascardo e Osvaldo Aranha; secretários, Temístocles Cavalcanti e Hugo Napoleão; tesoureiro, Augusto do Amaral Peixoto. Os seus objetivos eram “impedir ou deter a divisão nas forças armadas e as incompatibilidades no meio político” e congregar civis e militares para defender os princípios e as obras da revolução. Góis deu outra versão complementar: o clube teria por fim impedir que os “tenentes”, debatendo ali suas preocupações políticas, transferissem essas atividades para os quartéis, interferindo negativamente na preservação dos regulamentos disciplinares. A intenção de Góis, conforme ele mesmo indicou, era reconciliar os “tenentes” com outros oficiais que, por obediência hierárquica, haviam defendido o governo em 1930 e, ainda, com a grande maioria que não se interessava pela problemática política da época, mantendo-se limitada ao cumprimento de suas obrigações profissionais.

Promovido a coronel em março de 1931, menos de dois meses mais tarde Góis Monteiro alcançou o posto de general-de-brigada e foi designado para comandar a 2ª RM, em São Paulo. Deixou assim a presidência do Clube 3 de Outubro, que passou a ser exercida por Pedro Ernesto.

 

Comandante da 2ª RM

A situação política em São Paulo vinha tomando rumos perigosos. A decisão de Vargas confirmando João Alberto na interventoria não agradara nem a Miguel Costa, comandante da Força Pública, nem a Isidoro Dias Lopes, comandante da 2ª RM. Este último, por envolver-se em abril de 1931 numa tentativa de levante da Força Pública contra João Alberto, foi exonerado. Góis assumiu então, por ordem de Vargas, aquele comando, no qual foi confirmado em 1º de junho.

No mês seguinte, João Alberto demitiu-se da interventoria. Osvaldo Aranha foi a São Paulo coordenar a escolha do novo interventor e, depois de várias conversações, o Governo Provisório propôs para o cargo o magistrado Laudo de Camargo, sem filiação partidária. Prontamente aceito pelo PD e visto com simpatia pelos velhos chefes do PRP, mesmo assim Laudo formou um secretariado composto pelas principais figuras do tenentismo e por membros da Legião Revolucionária, a Legião de Outubro paulista fundada por Miguel Costa.

Góis encontrava-se no Rio, tendo deixado o coronel Manuel Rabelo no comando interino da 2ª RM, quando João Alberto chegou a São Paulo à procura do interventor, em nome de Vargas, para lhe propor modificações no secretariado, visando especialmente ao secretário da Fazenda, Numa de Oliveira. Laudo, certificando-se da autenticidade das credenciais de João Alberto, demitiu-se em caráter irrevogável, recrudescendo a crise paulista. Vargas queria que Góis assumisse a interventoria, acumulando-a com o comando da 2ª RM, mas ele recusou e o governo paulista foi entregue a Manuel Rabelo. Tal nomeação complicou muito a posição do Governo Provisório, que passou a enfrentar, além da hostilidade dos partidos paulistas, as incontinências de Miguel Costa e seus legionários. Dessa forma reavivou-se o “caso de São Paulo”, que havia perdido intensidade com a ascensão de Laudo de Camargo. Voltou a irritação dos políticos civis, bloqueados nos Campos Elíseos pelo coronel Rabelo, na chefia de polícia pelo major Osvaldo Cordeiro de Farias, e no comando da 2ª RM pelo general Góis Monteiro, sem falar na ação de Miguel Costa na Força Pública na Secretaria de Segurança.

O governo federal, no entanto, não tinha interesse na continuidade dessa espécie de beligerância sistemática contra os partidos paulistas. Quando estes evoluíram da exigência de um governador “civil e paulista” para a posição impositiva de convocação de uma constituinte, já não arrebataram a solidariedade apenas da FUG e do PRM. Inflamaram, simultaneamente, outras parcelas mais distantes e variáveis da opinião nacional, que passaram a promover ostensivas manifestações de desagrado contra as tentativas tenentistas de forçar o prolongamento do regime ditatorial.

A primeira medida de conciliação com a ordem civil tomada por Vargas foi a substituição, na interventoria, do coronel Rabelo pelo diplomata Pedro de Toledo, antigo ministro da Agricultura do governo do marechal Hermes da Fonseca, ex-embaixador brasileiro em Roma e Buenos Aires e elemento sem maiores penetrações na política paulista. Toledo foi empossado a 7 de março de 1932 e a Frente Única Paulista (FUP), constituída em janeiro através da aliança entre perrepistas e democráticos, condicionou seu apoio a uma composição do secretariado que incluísse líderes das duas correntes reconciliadas.

O interventor, prudentemente, organizou o governo com expressões da sociedade paulista não vinculadas aos partidos e alguns expoentes da Legião Revolucionária. Continuavam intocáveis, respectivamente no comando da Força Pública e na chefia de polícia, o coronel Miguel Costa e o major Osvaldo Cordeiro de Farias, apoiados na autoridade do general Góis. Nessa altura, entretanto, as relações entre Góis e Miguel Costa haviam-se tornado tensas e embaraçosas e isso acabou rompendo a unidade do esquema governamental.

O motivo da incompatibilidade era precisamente a posse de Toledo, contra a qual Miguel Costa insurgira-se através de repetidas ameaças de contestação, enquanto Góis, fortalecido por um apelo de Maurício Cardoso, estava disposto a garanti-la. A política paulista, no entanto, sob controle absoluto da FUP, não correspondia à postura pacificadora do comandante da 2ª RM. As sucessivas manifestações de rua organizadas pelos partidários da FUP não excluíam o general Góis como um dos alvos de suas deliberadas hostilidades. A 30 de abril de 1932, depois portanto da posse de Toledo, uma passeata de calouros da Faculdade de Direito apresentava uma alegoria na qual Góis era satirizado na figura de um estudante japonês, caracterizando sua admiração, repetidamente declarada, pelos rituais disciplinares do militarismo nipônico. Em represália, o comandante da 2ª RM remeteu a Vargas um “plano estratégico para normalização de São Paulo”, prevendo a decretação do estado de sítio, a censura à imprensa, a organização de um governo militar — reforçado com tropas provenientes da 1ª e 5ª RMs, sediadas respectivamente no Rio e em Curitiba, batalhões da Força Pública de Minas, contingentes de aviação e da concentração de forças navais no porto de Santos.

Vargas, no entanto, contrariando as obstinações tenentistas, preferiu o caminho das solicitações políticas. A 14 de maio de 1932, publicou o Decreto nº 21.402 criando uma comissão para elaborar o anteprojeto da futura constituição e fixando o dia 3 de maio do ano seguinte para a realização de eleições constituintes. O decreto, no entanto, não conteve a insatisfação paulista. A FUP acatou a autoridade de Pedro de Toledo, mas quis constituir integralmente o secretariado. Góis Monteiro retomou então suas proposições pacifistas e, já totalmente rompido com Miguel Costa, reiniciou suas confabulações com os líderes frentistas, procurando convencê-los de que o Governo Provisório não se opunha à participação do PRP e do PD no secretariado.

Vargas ratificou as promessas de Góis e mandou Osvaldo Aranha a São Paulo para a confirmação desses compromissos. O ministro da Fazenda chegou no dia 23 de maio, mas foi recebido como inimigo. O tumulto tomou conta da capital. Incitada pelo promotor Ibraim Nobre, do PRP, considerado o principal orador da revolta de 9 de julho, a multidão exacerbou-se em suas manifestações. Foram arrancadas as placas que identificavam as ruas com os nomes de Siqueira Campos e João Pessoa. Sempre estimulados pelos próceres, perrepistas e democráticos, os manifestantes invadiram a sede do Partido Popular Paulista, nova denominação da Legião Revolucionária, e depredaram as instituições dos jornais A Razão e Correio da Tarde, ligados aos movimentos políticos liderados pelo coronel Miguel Costa. No ataque aos jornais, os partidários da Legião que se encontravam nas imediações decidiram resistir. Houve tiros de lado a lado e, quando a ordem foi restabelecida, quatro mortes foram registradas no lado paulista: Mário Martins de Almeida, Cláudio Bueno Miragaia, Dráusio Marcondes de Sousa e Américo Camargo de Andrade. Eram todos jovens e conhecidos no âmbito de suas relações por Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo. Das iniciais desses nomes e prenomes formou-se a sigla MMDC para designar o movimento que se transformaria numa das místicas mais significativas da revolução constitucionalista.

Apesar de tudo isso, autorizado por Vargas, Osvaldo Aranha negociou com Toledo a posse do novo secretariado. Valdemar Ferreira, prócer do PD, foi nomeado secretário da Justiça e Segurança Pública. Tomou posse no dia 26 e nesse mesmo dia destituiu Miguel Costa do comando da Força Pública e Cordeiro de Farias da chefia de polícia. A FUP apoderou-se do governo paulista, alcançando em seguida seu último objetivo, que era o afastamento de Góis do comando da 2ª RM. Deixando o coronel Manuel Rabelo à frente da tropa sediada em território paulista, Góis regressou ao Rio nos primeiros dias de julho, com ordens de receber do general João Gomes o comando da 1ª RM, que abrangia as guarnições da capital da República e dos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo.

Ainda por interferência da FUP, Vargas nomeou o general Luís Inácio Pereira de Vasconcelos para comandar a 2ª RM. Luís Início embarcou para São Paulo no dia 8 de julho, pelo trem noturno da Estrada de Ferro Central do Brasil, e Góis acompanhou-o à estação D. Pedro II para as despedidas protocolares. As notícias recebidas de São Paulo não eram tranqüilizadoras para o governo federal. A situação permanecia tensa e, mesmo antes de qualquer confirmação dos fatos, Góis determinou ao seu chefe de estado-maior, general Pantaleão Pessoa, que pusesse de prontidão toda a tropa da 1ª RM.

 

Combatendo os constitucionalistas

As precauções de Góis tinham fundamento. Efetivamente, naquele sábado, 9 de julho de 1932, Valdemar Ferreira, das sacadas dos Campos Elíseos, anunciou o início das operações militares contra o Governo Provisório, “em nome do povo, do Exército e da Força Pública”. O interventor Pedro de Toledo enviou longo telegrama a Vargas demitindo-se do cargo de confiança que vinha exercendo, mas permaneceu à frente do governo estadual, a partir daquele momento na qualidade de mandatário da nova situação revolucionária.

Góis foi chamado ao palácio Guanabara na noite do dia 9, sendo informado dos pormenores do levante. Tentou contato telefônico com Toledo, mas percebeu logo, pelas evasivas do interventor, que ele assumira a posição da FUP. Tentou comunicar-se com o coronel José Joaquim de Andrade, comandante das forças federais de Caçapava (SP), onde havia desembarcado o novo comandante da 2ª RM, general Luís Inácio Pereira de Vasconcelos. Ambos haviam aderido à causa paulista. Chamou em Lorena (SP) o comandante federal daquela praça, coronel Ascendino Ávila Melo, certificando-se igualmente de sua solidariedade aos revoltosos.

Diante disso, Góis passou a elaborar o plano inicial de operações contra o movimento rebelde. Depois de historiar os antecedentes políticos do “caso de São Paulo”, tomou como base da contra-ofensiva federal a imediata penetração em território paulista de tropas governamentais de todas as procedências possíveis, com o fim de isolar a insurreição em seu ponto principal de irradiação. O plano previa ainda o deslocamento de tropas da 5ª RM para a rota de Itararé, ocupando de imediato o eixo da Estrada de Ferro Sorocabana, a concentração de efetivos no vale do Paraíba, guardando as linhas de comunicações rodoviárias e ferroviárias com o Rio de Janeiro, o cerco naval do porto de Santos e a utilização de esquadrilhas aéreas para observar a movimentação do inimigo em suas áreas de atuação.

Nomeado pelo Governo Provisório comandante do Destacamento do Exército de Leste, Góis acertou sua substituição no comando da 1ª RM pelo general Álvaro Mariante e combinou com o chefe de polícia do Distrito Federal, capitão João Alberto, medidas preventivas de segurança na retaguarda, para evitar que manifestações públicas de simpatia aos rebeldes, que já começavam a surgir entre a população carioca, servissem de estímulo para que alguns generais descontentes com o governo repetissem contra Vargas a atitude que a junta de 1930 havia tomado contra Washington Luís. Góis presumia que essa era a expectativa dos paulistas, único motivo que explicava a paralisação das tropas rebeldes de Euclides Figueiredo em Cruzeiro (SP), quando a lógica seria que elas avançassem pelo menos até Barra do Piraí (RJ).

Como Euclides permanecesse inativo em seu quartel-general, aguardando provavelmente o golpe que não veio e o apoio de Flores da Cunha, que preferiu ficar ao lado do governo federal, Góis instalou a 13 de julho o seu comando de operações em Barra do Piraí. O Exército de Leste era dividido em dois setores, separados pela serra da Mantiqueira: o de Minas, que se estendia ao longo da fronteira de São Paulo, composto de tropas da 4ª RM, com jurisdição sobre o estado de Minas, e da Força Pública, sob o comando do general Jorge Pinheiro; e o do vale do Paraíba, tendo por eixo as vias de comunicação entre Rio e São Paulo, sob as ordens diretas de Góis. O setor do vale do Paraíba ficou subdividido em três destacamentos, comandados pelos coronéis Manuel Daltro Filho, que operava no eixo da Central do Brasil; João Guedes da Fontoura, na antiga rodovia Rio-São Paulo, e Colatino Marques, entre a estrada de rodagem e o leito da ferrovia.

Iniciados os primeiros combates, Góis transferiu seu quartel-general para Barra Mansa (RJ), ao sentir que as tropas de Euclides baixavam seus impulsos ofensivos. Com a chegada de novos reforços federais, outros dois destacamentos foram criados na frente mineira: um, sob o comando do coronel Eurico Gaspar Dutra, engrossado pelos “batalhões patrióticos” que Flores enviara do Sul sob o comando de Benjamim Vargas, e outro, tendo à frente o coronel Cristóvão Barcelos, reforçado com unidades da Força Pública de Minas, que desalojou os paulistas da região do túnel da Mantiqueira abrindo caminho para a tomada de Limeira e Campinas, no estado rebelde.

À medida que as tropas federais iam ganhando terreno, o quartel-general de Góis mudava de posição. Depois de Barra Mansa, fixou-se numa cidade fluminense vizinha, Resende. Em setembro, quando a penetração federal em São Paulo era já bastante profunda, abrigou-se em Cruzeiro, onde no início da luta se estabelecera o posto de comando do coronel Euclides Figueiredo. Com a ocupação de Campinas, a resistência paulista perdeu qualquer esperança de recuperação. A 29 de setembro seu comandante-em-chefe, general Bertoldo Klinger, enviou uma mensagem por rádio ao chefe do Governo Provisório propondo a “imediata suspensão das hostilidades em todas as frentes”, com o fim de “não causar à nação maiores sacrifícios de vidas”. Vargas respondeu ao chefe revoltoso determinando que ele entrasse em contato com o general Góis, com quem deveria discutir as bases da capitulação.

Klinger enviou a Cruzeiro o seu chefe de estado-maior, tenente-coronel Osvaldo Vilabela, e o comandante de aviação major Ivo Borges. Góis apresentou-lhes as condições para a cessação da luta, mas Vilabela declarou não se sentir devidamente autorizado para ratificar os termos de um armistício, voltando a São Paulo para novas consultas a Klinger. A esse encontro entre Vilabela e Klinger compareceu o comandante da Força Pública, coronel Herculano de Carvalho e Silva solicitando permissão para que a milícia paulista também participasse dos entendimentos.

Dois dias depois, novos emissários rebeldes apresentaram-se em Cruzeiro: o mesmo tenente-coronel Vilabela e o tenente José Correia Velho, pelo Exército, e os tenentes-coronéis Otaviano Gonçalves da Silveira e Euclides Machado, pela Força Pública. Góis tratou com as delegações adversárias separadamente. Já então, o lado governamental contava com mais dois negociadores: o major Cordeiro de Farias, representando o general Valdomiro Lima, comandante da frente sul, e o capitão Américo dos Reis, da parte do almirante Protógenes Guimarães, ministro da Marinha. Enquanto os delegados do Exército retornavam a São Paulo para as conversações com Klinger, Góis conseguiu persuadir a Força Pública a render-se. Mandou Herculano depor Pedro de Toledo e assumir o governo do estado, para evitar que a derrota pudesse gerar desordens incontroláveis, principalmente na capital.

Apesar de pressionado por Vargas, Góis recusou a interventoria paulista e ordenou a Daltro Filho que assumisse o comando das tropas de ocupação. De Cruzeiro regressou ao Rio. No dia 6 de outubro foi promovido a general-de-divisão com apenas 42 anos de idade. No inicio de ano seguinte, foi nomeado inspetor das regiões militares do Norte, abrangendo as guarnições sediadas no Distrito Federal, Rio de Janeiro, Espírito Santo e todo o Norte-Nordeste.

 

Na comissão constitucional

Após a derrota dos paulistas, teve início um esforço político de reconciliação nacional. Assim, em novembro de 1932, sobre a presidência do chanceler Afrânio de Melo Franco, foi composta a chamada Subcomissão do Itamarati, com a finalidade de elaborar um anteprojeto de Constituição, que seria levado à apreciação da Assembléia a ser eleita em maio do ano seguinte.

O general Góis Monteiro fez parte dessa comissão, na qual combateu inicialmente a representação classista, logo mudando de opinião. Acabou por aceitar os argumentos de Vargas segundo os quais essa representação seria o expediente mais adequado para se evitar o domínio do Congresso pelas bancadas de Minas e São Paulo, tal como acontecia na República Velha. A representação classista ou profissional, inspirada pelo Clube 3 de Outubro com a discordância dos setores revolucionários ligados ao governador Olegário Maciel, de Minas Gerais, e ao interventor Flores da Cunha, do Rio Grande do Sul, iria tornar-se realidade após o decreto nº 22. 653, de 20 de abril de 1933. Determinava ele que da Assembléia Constituinte fariam parte 40 deputados classistas assim discriminados: 17 representantes dos empregadores, 18 dos empregados, três dos profissionais liberais e dois dos funcionários públicos. Seriam eleitos por delegados-eleitores indicados por organizações patronais e trabalhistas reconhecidas pelo Ministério do Trabalho.

Góis bateu-se também pela concessão da anistia aos militares que lutaram do lado de São Paulo em 1932 como forma de eliminar as tensões dentro das forças armadas. Participou ativamente das discussões em torno do capítulo constitucional denominado “Defesa nacional”, sustentando a institucionalização do critério de merecimento para reger as promoções militares. Em sua opinião, o Conselho Superior de Segurança Nacional, cujas atribuições seriam mais tarde fixadas pelo artigo 159 da Constituição, deveria ser o órgão responsável pela determinação de diretrizes políticas para o setor, sem intromissão nas atividades específicas do Exército.

Ainda na Subcomissão do Itamarati, Góis manifestou-se contrário à extinção das forças policiais dos estados, contrariando o ponto de vista de Augusto do Amaral Peixoto. Opôs-se também à idéia de federalização dessas milícias, sob a alegação de que isso acarretaria encargos financeiros insuportáveis para a União. Em princípio, era contrário ao reconhecimento ao direito de voto para os militares. Votou, no entanto, pela concessão desse direito, em virtude da existência de uma quantidade apreciável de oficiais, tanto do Exército quanto da Armada, envolvidos na política partidária, sem que essa atividade implicasse a interrupção ativa da carreira.

A Subcomissão do Itamarati encerrou seus trabalhos em maio de 1933. Nesse mês realizaram-se as eleições e em novembro seguinte instalou-se a Constituinte.

 

Pretensão frustrada: a presidência

Em 18 de janeiro de 1934 Góis Monteiro foi nomeado ministro de Guerra, em substituição ao general Augusto Inácio do Espírito Santo Cardoso, que assumira aquele posto alguns dias antes de eclodir o movimento rebelde paulista. No ministério, Góis passou a ser assediado pelos adversários de Vargas, que desejavam lançar sua candidatura à presidência da República para o período 1934-1938 nas eleições indiretas a serem realizadas pela Constituinte. Raciocinavam os opositores de Vargas que, envolvendo o ministro da Guerra na disputa, o Exército se incumbiria de tornar inarredável essa candidatura. A iniciativa foi lançada em sessão da Constituinte no dia 11 de abril de 1934, por intermédio do deputado mineiro Cristiano Machado, do PRM.

O pronunciamento de Cristiano surpreendeu a maioria dos constituintes, pois era a primeira vez, em toda a sua história, que o PRM invocava argumentos militares para deter a evolução normal dos acontecimentos políticos em lutas sucessórias. O ex-secretário do Interior de Minas Gerais foi incessantemente aparteado. Cristóvão Barcelos, “progressista” fluminense, embora general, frisou na ocasião que “é de admirar que Minas civilista adote uma candidatura militar”. Os deputados do Partido Progressista (PP) mineiro (chefiado por Antônio Carlos) mais chegados à intimidade do interventor Benedito Valadares (sucessor de Olegário Maciel, morto em setembro de 1933) foram os que mais contestaram as justificativas de Cristiano, destacando-se nos debates as intervenções de Odilon Braga, João Beraldo, Celso Machado e Clemente Medrado.

A articulação de Cristiano não prosperou na área política. A bancada de maior peso na Constituinte era, sem dúvida, a de São Paulo, da qual Cristiano foi aliado nas jornadas constitucionalistas de 1932. E os paulistas não encontram nenhuma razão para expressar entusiasmo pela candidatura do antigo comandante do Destacamento do Exército de Leste, responsável pelas derrotas que haviam sofrido nas frentes da Mantiqueira e do vale do Paraíba. Góis, entretanto, acreditou no êxito da sugestão perremista e procurou, dentro dessa perspectiva, efetuar modificações nos principais comandos militares. Uma de suas exigências, levadas ao exame de Vargas, foi a de substituir o general José Maria Franco Ferreira no comando da 3ª RM.

Flores da Cunha, quando descobriu a manobra, alertou Vargas para os perigos que ela representava. Vargas já indentificara os objetivos das movimentações políticas de seu ministro da Guerra, mas entendeu que precisava agir com moderação e prudência. Góis, nessa época, estava muito popularizado no meio da oficialidade em função de suas reiteradas e tempestuosas declarações aos jornais do Rio e de São Paulo defendendo o reajuste dos vencimentos militares, cujos percentuais vinham sendo igualmente pleiteados pelo funcionalismo público civil da União. Para não desagradá-lo, o chefe do governo decidiu remover o general Franco Ferreira para o comando da 5ª RM. Mas as posições de Valadares e Flores, favoráveis à candidatura Vargas, desmantelaram as pretensões do ministro da Guerra, isolando na Constituinte a palavra do deputado Cristiano Machado, que não chegara nem mesmo a suscitar a vibração de seus companheiros da bancada perremista. Em 17 de julho de 1934 Vargas foi eleito por 175 votos contra 59 conferidos a Borges de Medeiros, apoiado pela minoria oposicionista, tendo à frente a unanimidade da Chapa Única por São Paulo Unido.

 

Ministro da Guerra

A gestão do general Góis no Ministério da Guerra não foi das mais amenas. Ele era, por temperamento, incapaz de situar-se à margem das crises políticas, que naquela época passavam facilmente do estado latente para a fase explosiva. A Câmara ordinária eleita em 14 de outubro de 1934 e empossada em 3 de maio de 1935 não ostentava a mesma placidez da Constituinte. De volta do exílio, vários adversários encarniçados de Vargas reconquistaram mandatos parlamentares. Figuravam, entre eles, Artur Bernardes, Otávio Mangabeira, João Neves da Fontoura, João Batista Luzardo, Borges de Medeiros e José Joaquim Seabra. Era rara a sessão da Câmara em que os debates não se travavam numa atmosfera carregada de ressentimentos e animosidade, clima que a imprensa, apesar da censura, transferia para os setores mais influentes da opinião pública.

Góis Monteiro estava, infalivelmente, envolvido nos acontecimentos políticos. Desentendeu-se com Flores da Cunha e Pedro Ernesto. Tinha freqüentes incidentes com o general João Guedes da Fontoura e demitiu o general José Pessoa do comando da Escola Militar devido a uma greve geral de cadetes. Com Pedro Ernesto e Flores da Cunha, segundo relato do próprio Góis, os estremecimentos resultavam da diferença de critérios de ação política. Ambos qualificam Góis de bonapartista, pela maneira enérgica com que costumava impor suas soluções. Com Guedes da Fontoura o desentendimento era bem mais profundo. O movimento encabeçado por Guedes pleiteando reajustes de vencimentos para os militares coincidia com um período de intensa atividade política desencadeada pela Aliança Nacional Libertadora (ANL), que aglutinava um grande número de oficiais antifascistas favoráveis às reivindicações salariais da tropa. No Clube Militar, as assembléias convocadas com o fim de discutir tabelas de aumentos do soldo não se conduziam, segundo o ministro da Guerra, de conformidade com os padrões disciplinares.

O Legislativo era o alvo principal da hostilidade militar, pelo fato de condicionar os reajustes às disponibilidades orçamentárias do Tesouro. O exame prolongado do problema pelo Congresso era tomado como exemplo de menosprezo do meio político pela classe militar e a posição do ministro da Guerra, em relação ao litígio, era dúbia.

Apologista, antes de 1930, de um exército totalmente distanciado do curso dos acontecimentos políticos internos, concepção que adquiriu no tempo em que foi aluno da missão militar francesa, Góis deixou-se absorver paulatinamente pelas intempestividades do radicalismo tenentista, através de suas íntimas ligações pessoais e políticas com Osvaldo Aranha, Cordeiro de Farias e Virgílio de Melo Franco. Essa sua condescendência, no entanto, dizia respeito apenas à oficialidade. Nesse particular, já depois de haver deixado o ministério, combateu numa reunião de generais o texto da Emenda Constitucional nº 2, proposta pelo Executivo, segundo o qual, por simples decreto presidencial, “perderá patente e posto, sem prejuízo de outras penalidades e ressalvados os efeitos de decisão judicial que no caso couber, o oficial da ativa, da reserva ou reformado que praticar ato ou participar de movimento subversivo das instituições políticas e sociais”. Aos sargentos, todavia, Góis negava qualquer iniciativa de natureza associativa que, segundo ele, poderia transformar-se com o tempo em base para discussões políticas. Em 1934, criou o Sistema de Previdência dos Subtenentes e Sargentos do Exército, com a finalidade de conceder empréstimos, custear despesas de hospitalização, construir moradias e assegurar pensões para os familiares dos militares daquelas duas categorias. Mas essa previdência veio seguida da advertência de que a entidade seria drasticamente suprimida na hipótese de ser notada, em suas reuniões, qualquer manifestação não relacionada com seus fins assistenciais.

A 7 de maio de 1935, Góis pediu demissão do Ministério da Guerra, sendo substituído pelo general João Gomes. Apresentou como causa de sua decisão a campanha que contra ele vinha movendo o governador Flores da Cunha através dos representantes do partido Republicano Liberal (PRL) do Rio Grande do Sul na Câmara e no Senado. Como Flores ainda era uma das peças mais valiosas no esquema de sustentação de Vargas, Góis julgou essa realidade incompatível com sua permanência dentro do governo. Mesmo fora do ministério e sem posto de comando, era constantemente solicitado por Vargas para aconselhá-lo em suas apreensões quanto à gravidade do ambiente político. Uma das sugestões de Góis, que Vargas demorou a acatar, foi no sentido do fechamento da ANL, posta na ilegalidade em 11 de julho de 1935. Quando do levante comunista deflagrado em novembro no Rio de Janeiro, Recife e Natal pela ANL, Góis estava ainda sem funções militares, mas tomou parte ativa na repressão ao movimento, participando do ataque desfechado contra o 3º Regimento de Infantaria (RI), na Praia Vermelha, no Rio.

 

Na preparação do golpe do Estado Novo

A partir desse momento, Góis Monteiro iria dedicar-se aos preparativos do golpe que viria a ser consumado em 10 de novembro de 1937. Mesmo antes do levante, no entanto, já se procurava formar ambiente no país com o propósito de evitar a consolidação do regime constitucional estabelecido pela Carta de 1934. O principal instrumento dessa indução à anormalidade era, sem dúvida, a Ação Integralista Brasileira (AIB), fundada por Plínio Salgado em outubro de 1932, que lutava para fazer generalizar a convicção de decadência mundial da democracia liberal. A ANL, por outro lado, composta de liberais antifascistas, socialistas e comunistas, apresentava como ponto principal de sua mensagem política o combate ao totalitarismo de direita, conduzindo sua campanha de forma tão radical que muitos setores da sociedade duvidavam de sua fidelidade à ordem constitucional, que tinha como base a realização de eleições presidenciais em janeiro de 1938. Essa radicalização, que punha em posição permanente de choque a AIB e a ANL, favorecia as tentativas de interrupção do processo eleitoral.

A Lei de Segurança Nacional (4/4/1935), anterior à revolta da Praia Vermelha, fixava penas que oscilavam de seis a dez anos de prisão para quem tentasse mudar pela violência a Constituição da República. Com uma condenação superior a dois anos, o oficial das forças armadas, além disso, perdia definitivamente a patente. Os chefes militares da época, no entanto, e de modo especial o general Góis Monteiro, consideravam a legislação extremamente benigna e estimulante para novas investidas contra o regime. O ministro da Guerra, general João Gomes, reuniu em 3 de dezembro de 1935, em seu gabinete, todos os generais que serviam na capital com o fim de estudar medidas que fossem capazes de desencorajar novos levantes. Segundo ele, era necessário, primordialmente, modificar os textos legais repressivos até então vigentes, tornando mais duras as penalidades impostas e mais eficientes os castigos aplicados.

Góis Monteiro, nessa altura, ainda encontrava-se sem funções militares, mas João Gomes fez questão de ouvi-lo. Como os demais generais participantes da reunião, Góis fez uma longa declaração de voto escrita, na qual propunha que a Constituição fosse alterada no prazo de 48 horas, dando ao governo plenos poderes “para enfrentar a situação sob todos os aspectos”. O governo acatou a sugestão de Góis, encaminhada através do ministro da Guerra, e já no dia seguinte o professor Vicente Rao, titular da pasta da Justiça, entrou em entendimentos com as principais lideranças partidárias para tratar da reforma da Carta. Dessa forma, a 18 de dezembro de 1935, o Congresso promulgou as emendas nos 1, 2 e 3, punindo com severidade os militares e civis, mesmo que da reserva ou inativos, envolvidos em “movimento subversivo das instituições políticas e sociais”. Essas emendas seriam posteriormente reforçadas com a instituição do estado de guerra (21/3/1936), que suspendia a vigência de inúmeros dispositivos do artigo 113 da Constituição, e com a criação do Tribunal de Segurança Nacional (11/9/1936) para o julgamento sumário dos incursos nas leis de exceção.

Em 13 de janeiro de 1936, a convite de João Gomes, Góis Monteiro assumiu o cargo de inspetor das Regiões Militares do Norte, que se estendiam do Rio de Janeiro até o Amazonas, função que já havia exercido em 1933. Os estados da Bahia e de Pernambuco, incluídos nessa jurisdição militar, eram governados, respectivamente, por Juraci Magalhães e Carlos de Lima Cavalcanti, que, embora resistissem a todo tipo de solução fora dos quadros constitucionais, ainda desfrutavam da confiança de Vargas. Quem passava a incomodar o governo federal era o governador Flores da Cunha, do Rio Grande do Sul, acusado desde o início de 1935 de interferir na questão sucessória de vários estados, assumindo posição de arbitragem nos entendimentos que visavam às eleições presidenciais.

Vargas andava preocupado com a intensa movimentação de Flores, que se recusava a desarmar os “provisórios” organizados em 1932 para combater a revolta de São Paulo. O chefe do governo federal sabia que a permanência da milícia florista na posse dos armamentos que recebera do Exército em 1932 sensibilizava fortemente a área militar e, por isso, deliberou tomar a opinião do general Góis Monteiro. O ex-ministro considerou esse privilégio do governador do Rio Grande do Sul uma anomalia dentro do esquema de segurança nacional e frisou que a desativação dos “provisórios” constituía tarefa da competência do Exército que não podia ser mais adiada.

Vargas aprovou as considerações de Góis e determinou que ele levasse o problema ao general João Gomes. O ministro da Guerra, no entanto, que cultivava a amizade de Flores, procurou atenuar a importância da rebeldia gaúcha. Prestigiado por Vargas, Góis voltou a insistir e pediu sua transferência para o cargo de inspetor das Regiões Militares do Sul, que envolviam São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, além de Minas, Goiás e Mato Grosso. Pediu ainda que fossem colocadas à sua disposição várias unidades aéreas e navais e das polícias militares dos estados situados dentro da jurisdição.

João Gomes não aprovou a idéia, mas Vargas ponderou que a medida era necessária. Estabelecido o impasse, João Gomes deixou em dezembro de 1936 o Ministério da Guerra, no qual, por indicação de Góis, foi substituído pelo general Eurico Gaspar Dutra, então comandante da 1ª RM. Prosseguiria, assim, a ação contra os “provisórios” de Flores. Eleito presidente do Clube Militar em 22 de janeiro de 1937, já no dia seguinte Góis Monteiro assumia o comando das operações preliminares de intervenção no Rio Grande do Sul. Sua primeira providência foi efetuar uma viagem de inspeção às guarnições que seriam eventualmente utilizadas com esse objetivo.

Em fins de dezembro de 1936, no entanto, Armando de Sales Oliveira renunciou ao governo paulista para candidatar-se à presidência da República, lançado pelo Partido Constitucionalista de São Paulo, por ele fundado em fevereiro de 1934. Góis procurou dissuadi-lo dessa iniciativa. Além das correntes oposicionistas dos demais estados, Armando de Sales só contava com o apoio dos governadores de São Paulo, José Joaquim Cardoso de Melo Neto, que o substituíra, e Flores da Cunha, do Rio Grande do Sul. O apoio de Flores, segundo Góis, iria acentuar as incompatibilidades de Armando com o Exército. O candidato não aceitou as ponderações de Góis, declarando-lhe que, uma vez eleito, procuraria remover todos esses mal-entendidos entre a política paulista e as forças armadas.

Fixando o seu quartel-general em São Paulo, Góis deixou instruções com o general Almério de Moura, comandante da 2ª RM, e pediu ao governador Cardoso de Melo Neto que colocasse sob seu comando sete batalhões da Força Pública, deixando-o a par das disposições do governo federal em relação a Flores da Cunha. Cardoso tentou desviar-se do assunto, alegando que a experiência de 1932 tinha sido muito amarga para seu estado, que não desejava mais envolver-se em novas lutas políticas internas. Góis retrucou que São Paulo não era uma potência autônoma, fazia parte da União e não estava dispensado das responsabilidades de manutenção de sua integridade. O governador acabou cedendo e Góis viajou para o Paraná e Santa Catarina, que compunham a 5ª RM, avistando-se com seu comandante, general João Guedes da Fontoura. Depois foi ao Rio Grande do Sul, onde o general Emílio Lúcio Esteves, comandante da 3ª RM, não se mostrou entusiasmado, da mesma forma que seu cunhado, Guedes da Fontoura, com a idéia de dissolução dos “provisórios”.

De regresso à capital bandeirante, Góis encontrou-se com Dutra no Hotel Esplanada, onde mantiveram demorada conferência. Dutra revelou-lhe que importantes documentos referentes à ação contra Flores haviam sido divulgados com a cumplicidade de vários oficiais do Estado-Maior do Exército (EME), cuja chefia Góis deveria assumir em substituição ao general Armando de Sousa Pais de Andrade, contanto que concordasse com a permanência de Dutra no Ministério da Guerra. Góis concordou, desde que o comando das tropas que deveriam agir no Sul fosse entregue a um militar de sua confiança. E propôs, para aquela missão, o general Manuel de Cerqueira Daltro Filho, que foi aceito por Dutra. Acertadas essas condições, Góis assumiria a chefia do EME em julho de 1937.

 

O golpe

A renúncia de Armando Sales ao governo de São Paulo ocasionara o pedido de demissão, da pasta da Justiça, do professor Vicente Rao, que o representava no governo federal. Até o final de maio, havia respondido interinamente pelo ministério o titular da pasta do Trabalho, Agamenon Magalhães. Tendo por objetivo dividir a política de São Paulo para evitar o fortalecimento de Armando Sales em seu próprio estado, Vargas convidou para ocupar o cargo o paulista José Carlos de Macedo Soares, diplomata e empresário, que assumiu em 30 de maio. Como as forças governistas já houvessem indicado a candidatura à presidência do ex-ministro da Viação José Américo de Almeida, o ambiente político nacional caracterizava-se, em meados de 1937, pela suposição generalizada de que o país caminhava serenamente para as eleições. Um dado significativo para essa conclusão consistia na suspensão do estado de guerra, que suprimia as imunidades parlamentares, mantinha a censura aos jornais e dava ao governo poderes para decretar o estado de sítio sem audiência do Congresso.

A 2 de junho, o novo ministro da Justiça, depois de visita à Casa de Detenção, mandou soltar 308 presos sem culpa formada. Dez dias mais tarde, percorreu as dependências do Regimento de Cavalaria da Polícia Militar, da Polícia Especial e do hospital da milícia, resultando daí a soltura de mais uma centena de presos, episódio que ficou conhecido na época como a “macedada”. O capitão Filinto Müller, chefe de polícia do Distrito Federal, ficou transtornado com a medida. Escreveu ao presidente da República salientando que todo o esforço das autoridades repressoras no combate ao comunismo vinha sendo desestimulado pelas providências do ministro da Justiça. Diante disso, o endurecimento político não tardou a ressurgir.

Em setembro a agitação voltou a se intensificar, com reflexos bastante profundos nos meios militares. A preparação do golpe de Estado caminhava rapidamente, agora com a participação declarada do integralismo, que anunciou a existência de um vasto plano de conflagração violenta de todos os setores da vida nacional patrocinado pelos comunistas sob orientação do Komintern. Tratava-se do Plano Cohen, que o major Aguinaldo Caiado de Castro descobriu em poder do capitão Olímpio Mourão Filho e que o EME encampou para justificar o endurecimento da situação política. O plano, elaborado pelos integralistas, estava sendo datilografado cautelosamente por Mourão quando Caiado, tomando conhecimento de seu conteúdo, advertiu o colega de que o documento deveria ser entregue ao chefe do EME. Mourão relutou, preferindo entregar uma de suas cópias ao general Álvaro Mariante, que na manhã seguinte enviou o texto ao general Góis.

No dia 30 de setembro a existência do plano, sem referência a seus pormenores exceto à assinatura “Cohen”, foi noticiada na Hora do Brasil. Diante do estardalhaço daí decorrente, Góis, Dutra e o ministro da Marinha, Aristides Guilhem, pressionaram o chefe do governo para que recorresse de novo ao estado de guerra. No dia 1º de outubro a mensagem presidencial nesse sentido chegou à Câmara e, no mesmo dia, em sessão noturna, contra os votos da União Democrática Brasileira (UDB), exceto o do senador José de Alcântara Machado, foi aprovada por 138 votos a 52.

Apertou-se, em seguida, o cerco ao governador Flores da Cunha. Intimado a colocar a Brigada Militar gaúcha sob o comando do Exército, Flores aconselhou-se com seu secretariado e recebeu a sugestão de renunciar, o que acabou fazendo a 17 de outubro. No dia seguinte refugiou-se no Uruguai e Daltro Filho foi nomeado interventor. A 10 de novembro inaugurou-se o Estado Novo.

 

Aproximação com os EUA e entrada na guerra

A justificativa proclamada para a criação do Estado Novo foi a de que tanto a legislação vigente no regime constitucional quanto as agitações políticas indissociáveis da natureza polêmica de uma campanha eleitoral favoreciam a ação de elementos esquerdistas que, segundo as autoridades repressoras, permaneciam infiltrados nos sindicatos, nas cátedras das universidades, no Congresso e até mesmo nas forças armadas. Outra causa, não declarada, consistia no proveito que o Brasil poderia tirar de um conflito mundial que, naquela época, com o rearmamento alemão, a invasão italiana da Etiópia e a queda da república espanhola, estava na iminência de desabar sobre a Europa.

O Brasil mantinha boas relações com o Reich, do qual comprava armamentos. Havia mesmo indicações de que vários generais brasileiros com funções de destaque no alto comando tinham afinidades com as doutrinas de guerra do Exército germânico, cujas normas administrativas e disciplina, inspiradas na tradição prussiana, eram acentuadas pela ideologia nazista. Geopoliticamente, no entanto, o Brasil não podia desconhecer o grau de seu comprometimento com os Estados Unidos e, muito menos, que a nação norte-americana, mais cedo ou mais tarde, seria inevitavelmente colhida pela propagação do conflito.

O Estado Novo, portanto, paradoxalmente, marcou com maior intensidade a aproximação do país com os Estados Unidos. E o general Góis Monteiro foi no campo militar, da mesma forma que Osvaldo Aranha na esfera diplomática, um elemento-chave no fortalecimento dessa aliança. Os acertos militares entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos tiveram início em 1936, quando o presidente Franklin Roosevelt, a caminho de Buenos Aires para participar de uma conferência das repúblicas americanas, fez escala no Rio de Janeiro e manteve prolongadas conversações com Vargas. No encontro realizado na capital argentina foi introduzido entre os países do continente o sistema de consultas entre governos toda vez que se tornasse imperiosa uma tomada de posição em relação à crise internacional que se agravava sistematicamente.

Dois anos depois, em 1938, na conferência de Lima, a inevitabilidade da guerra e o possível envolvimento do continente americano foram os temas principais de discussão, gerando a proposição de um pacote de segurança coletiva, no qual teve destaque a participação do chanceler Osvaldo Aranha. Em 1939, enquanto a embaixada do Reich no Rio de Janeiro convidava Góis Monteiro para assistir às manobras de outono do exército alemão na Silésia, o general George Marshall, então subchefe do Estado-Maior norte-americano, anunciava sua vinda ao Brasil. Marshall chegou ao Rio em 25 de maio de 1939, a bordo do cruzador Nashville, à frente de numerosa comitiva militar. Em seus contatos com Góis Monteiro, ficou desapontado com o despreparo das forças armadas brasileiras, carentes de treinamento adequado e armamentos modernos, questionando assim o material bélico importado da Alemanha.

Marshall sugeriu que o governo brasileiro enviasse sem demora uma missão militar aos Estados Unidos. Vargas aprovou a sugestão e, no mês de junho, no mesmo navio em que Marshall regressava, viajaram o general Góis, o coronel Canrobert Pereira da Costa, os majores José Machado Lopes e Aguinaldo Caiado de Castro e os capitães Orlando Eduardo da Silva e Ademar José Alvares da Fonseca. Góis e sua comitiva visitaram arsenais, fábricas de munições e instalações de adestramento de pessoal militar. Estiveram com Roosevelt na Casa Branca e dele ouviram a afirmação convicta de que a guerra estouraria ainda na naquele ano. Góis ficou fascinado com o poderio dos Estados Unidos. Em carta ao presidente Vargas, exprimiu sua súbita admiração pelos americanos e aconselhou ao governo brasileiro maior estreitamento de suas relações comerciais, culturais e militares com aquele país. De volta ao Brasil, trocou correspondência amistosa com Marshall e estabeleceu amizade com o coronel Lehman Miller, adido militar da embaixada dos Estados Unidos no Rio.

A 1º de setembro de 1939, as tropas de Hitler invadiram a Polônia. Dois dias depois a França e a Inglaterra declararam guerra ao Reich. Estava, portanto, deflagrado o conflito mundial. No dia 23, as nações americanas reuniram-se na cidade do Panamá, onde os temas relativos à segurança do hemisfério assumiram grande importância nas discussões. Uma política mais vigorosa de cooperação militar entre o Brasil e os Estados Unidos foi no entanto protelada porque o Congresso Brasileiro, dominado por uma maioria pacifista, ainda não aceitara as advertências de Roosevelt de que a intensificação da guerra na Europa e no norte da África terminaria por alcançar inevitavelmente o continente americano. Lehman Miller levou várias vezes seu desânimo e sua irritação ao chefe do Estado-Maior brasileiro.

Vargas não pensava em cooperação com os Estados Unidos apenas do ponto de vista militar. As contingências criadas pela guerra persuadiram-no de que havia chegado o grande momento de introduzir no país um sistema siderúrgico, cuja implantação dependeria da cobertura de crédito externo. Os Estados Unidos, para contrabalançar o interesse alemão no setor, estavam dispostos a oferecer empréstimos em condições vantajosas desde que os grupos privados norte-americanos participassem do empreendimento, o que não era desejado pelo governo brasileiro. Depois de várias negociações realizadas em Washington pelo embaixador Carlos Martins e pela missão chefiada pelo coronel Edmundo de Macedo Soares e Silva, atuando ambos sobre a supervisão dos ministros Osvaldo Aranha (Exterior) e Artur de Sousa Costa (Fazenda), prevaleceu o ponto de vista do governo brasileiro. Em novembro de 1940, Vargas recebeu a notícia do empréstimo de 20 milhões de dólares, resgatáveis após o terceiro ano de vigência do contrato, em 20 prestações, e prevendo para o término das obras o prazo de dois anos e seis meses.

Enquanto as negociações sobre o sistema siderúrgico se desenrolavam, um incidente entre o Brasil e a Inglaterra veio complicar o e esforço norte-americano de unir o continente em torno da causa aliada. Em outubro de 1940, as autoridades navais britânicas em Gibraltar decidiram deter o cargueiro brasileiro Siqueira Campos, que transportava armamentos adquiridos na Alemanha, das fábricas Krupp, e pagos antes que Londres estabelecesse o bloqueio marítimo contra o Reich. O episódio gerou reação no meio militar. O governo brasileiro esclareceu que os equipamentos haviam sido encomendados em março de 1938, quando as hostilidades ainda não tinham sido iniciadas na Europa. Diante da negativa inglesa em aceitar satisfações, o governo brasileiro proibiu a exibição em território nacional de jornais cinematográficos que focalizassem triunfos militares da Grã-Bretanha. Góis ameaçou punir o Correio da Manhã e o Diário Carioca, que exaltavam a resistência londrina aos bombardeios germânicos e Dutra chegou a pedir demissão do Ministério da Guerra. O secretário de Estado norte-americano, Cordell Hull, atuou fortemente na questão, pressionando os ingleses a liberar o Siqueira Campos. Em dezembro o navio foi finalmente liberado. Outros cargueiros brasileiros seriam depois aprisionados, mas igualmente liberados.

Por outro lado, ainda em outubro de 1940, Marshall promoveu em Washington uma reunião de todos os chefes de Estado-Maior dos países americanos. Góis viajou no mesmo navio em que seguia para a capital norte-americana o seu colega argentino, que procurou convencê-lo da existência de profunda diferenciação entre os problemas militares da América do Sul e os das Américas do Norte e Central. Talvez por isso, Góis tenha sido tratado nos Estados Unidos com especial deferência. Teve encontro separado com Roosevelt na Casa Branca, durante o qual abordaram a necessidade de reforçar o sistema defensivo do Norte e Nordeste do Brasil. Roosevelt temia que as guarnições francesas de Dacar, no Senegal, em poder dos partidários do governo capitulacionista de Vichy, cedessem aos alemães o controle de suas bases aeronavais, tornando vulneráveis tanto a região Nordeste brasileira quanto o tráfego marítimo na rota sul-norte do Atlântico.

Nesse mesmo encontro, os planos de cooperação militar começaram a se definir. O general Amaro Soares Bittencourt foi designado representante permanente do Estado-Maior brasileiro junto às autoridades militares de Washington. Uma missão militar norte-americana, conforme ficou combinado na ocasião, viria ao Brasil em tempo oportuno para participar de estudos relativos aos planos de defesa do Nordeste. Essa missão chegou sigilosamente ao Brasil em julho de 1941, quando Góis se encontrava em Buenos Aires chefiando uma delegação enviada por Vargas aos festejos de aniversário da independência argentina. A chamado de Dutra, teve que regressar imediatamente ao Rio para tomar parte nas conversações. Os trabalhos foram concluídos no segundo trimestre daquele ano, no Nordeste, para onde foi enviado, por ordem de Góis, um grupo de oficiais de seu estado-maior chefiado pelo general Ari Pires, do qual faziam parte os coronéis Canrobert Pereira da Costa e José Bina Machado. Nessa ocasião, os Estados Unidos ainda não haviam sido atacados e o Brasil reiterava seus compromissos de neutralidade. Não obstante, os dois governos não admitiam dúvidas quanto à propagação do conflito e sua extensão ao continente americano. Em face disso, a instalação de bases militares brasileiras no Nordeste com a participação de tropas aeronavais norte-americanas teria que ser efetuada sob um disfarce que não comprometesse a não beligerância dos dois países, notadamente do Brasil, que mantinha relações normais com os países do Eixo. O expediente encontrado foi o Decreto nº 3.462, de 25 de julho de 1941, através do qual o governo brasileiro atribuía à Panair do Brasil, na época subsidiária da Pan American World Airways, concessão para ampliar as pistas e as dimensões dos aeroportos do Amapá, Belém, São Luís, Fortaleza, Natal, Recife, Maceió e Salvador a fim de que pudessem oferecer condições de pouso para aviões de grande porte. A base de Natal (Parnamirim) foi considerada prioritária, uma vez que Recife e Salvador dependiam apenas de pequenas adaptações. Sua construção foi iniciada a 11 de novembro de 1941 e a 6 de janeiro seguinte já acolhia em suas pistas as famosas fortalezas voadoras B-17, de fabricação norte-americana.

A missão norte-americana viajou de regresso aos Estados Unidos em fins de 1941 e poucas semanas depois ocorreu o ataque japonês a Pearl Harbor, transferindo a prioridade das preocupações de Marshall para a guerra que se generalizava no Pacífico.

Diante da agressão nipônica a Pearl Harbor, os governos dos países do continente decidiram realizar no Rio de Janeiro a III Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas. O encontro durou de 15 a 23 de janeiro de 1942, ficando resolvido que os governos participantes romperiam de imediato suas relações diplomáticas e comerciais com as potências do Eixo. Apesar das resistências levantadas pela Argentina e pelo Chile, os demais países, inclusive o Brasil, cumpriram as resoluções da conferência.

A atitude brasileira suscitou imediatas represálias por parte da Alemanha e da Itália. A 15 de fevereiro, o navio mercante Buarque foi torpedeado pelo submarino germânico U-432. Dez dias depois, o submarino italiano Leonardo da Vinci pôs a pique o Cabedelo, igualmente da frota do Lóide Brasileiro. Em março foram afundados o Arabutam e o Caru. Em maio a frota mercante brasileira perdeu o Parnaíba e o Comandante Lira e, em junho, o Alegrete, o Paracuri e o Pedrinhas. Em julho, os submarinos alemães fizeram naufragar o Tamandaré e o Piave. Entre 15 e 19 de agosto, um só submarino alemão, o U-507, destruiu os cargueiros brasileiros Baependi, Araraquara, Aníbal Benévolo, Itagiba, Arará e Jacira. A 22 desse mês, o governo brasileiro, depois de fortemente pressionado pela opinião pública indignada com a reincidência das agressões, expediu o ato formal de declaração de guerra à Alemanha e à Itália.

Roosevelt considerou, diante desses fatos, que era necessário combinar com as autoridades brasileiras medidas mais conclusivas de defesa da integridade das Américas, temendo que a guerra alcançasse o continente através das costas brasileiras, imensas e desguarnecidas. Levando em conta esses fatores, já que o Brasil era o único país americano atacado diretamente em suas águas territoriais, Roosevelt resolveu enviar ao Rio de Janeiro seu secretário da Marinha, Frank Knox, que ali desembarcou em setembro de 1942. Oficialmente, a visita de Knox destinava-se a inspecionar a frota norte-americana do Atlântico Sul comandada pelo vice-almirante Ingram e já com bases instaladas em Recife e Natal. Mas a finalidade real da missão foi verificar até onde a cooperação do Brasil era viável no sentido de garantir o resguardo das áreas atingidas pela ação dos submarinos do Eixo. Góis reuniu apressadamente o seu estado-maior e conseguiu elaborar um plano de defesa que a missão considerou satisfatório para os objetivos que preconizava.

No começo de 1943 os entendimentos entre o Rio de Janeiro e Washington já evoluíam para aumentar o nível de participação do Brasil na guerra. Tratava-se, positivamente, do envio de tropa brasileira para lutar fora do continente, mas para a organização dessa tarefa o general Góis Monteiro não foi convocado. Constituiu-se um estado-maior autônomo sob a chefia do general Anor dos Santos para cuidar da escolha dos comandantes de unidades, treinamento e mobilização de efetivos. A 2 de julho de 1944, o 1º escalão da Força Expedicionária Brasileira (FEB), sob o comando do general João Batista Mascarenhas de Morais, embarcou no porto do Rio de Janeiro com destino a Nápoles, Itália.

 

A redemocratização

Em dezembro de 1943 Góis deixou a chefia do EME, sendo substituído pelo general Maurício Cardoso, e em janeiro de 1944 embarcou para Montevidéu na qualidade de embaixador extraordinário do Brasil junto ao Comitê de Emergência e Defesa Política da América, criado na conferência dos chanceleres americanos realizada no Rio de Janeiro em 1942. Na capital uruguaia, tomou conhecimento de várias ocorrências nos meios político e militar do Brasil indicando que o Estado Novo começava a se desagregar. Uma caravana de estudantes pernambucanos que chegou a Montevidéu e o procurou com uma recomendação do interventor Agamenon Magalhães informou que nos comandos militares nordestinos Juraci Magalhães, Eduardo Gomes e Ari Parreiras discutiam abertamente sobre a volta do Brasil ao regime constitucional.

Com a saída de Osvaldo Aranha do Ministério das Relações Exteriores em agosto de 1944, em decorrência do fechamento da Sociedade Amigos da América, da qual o chanceler brasileiro era vice-presidente, Góis decidiu largar seu posto no Comitê de Emergência. Regressou de trem ao Brasil e, ao chegar a Santana do Livramento, na fronteira gaúcha, foi recebido pelo general Salvador César Obino, comandante da 3ª RM, de quem ouvira considerações sobre a mudança do regime. Em São Paulo obteve as mesmas impressões do general Júlio Caetano Horta Barbosa e do general Tasso Tinoco. No Rio, o estado de espírito dos comandos militares não era diferente. O próprio general Dutra andava assustado com os acontecimentos.

Diante do que viu e sentiu, Góis resolveu levar o assunto ao conhecimento do presidente da República. Vargas pediu-lhe então que, juntamente com o ministro da Guerra, procurasse Alexandre Marcondes Filho, ministro do Trabalho e interino da Justiça, para uma troca de impressões sobre a melhor forma de se chegar à reconstitucionalização. Os jornais, entretanto, burlando a vigilância da censura, publicavam entrevistas de políticos falando de eleições e liberdade de imprensa. A 22 de fevereiro de 1945, o Correio da Manhã publicou longa entrevista de José Américo de Almeida criticando duramente o Estado Novo e anunciando que as oposições já tinham um candidato para suceder a Vargas. No dia seguinte o próprio José Américo informou a O Globo que o candidato oposicionista era o brigadeiro Eduardo Gomes. Finalmente, a 28 de fevereiro, saiu publicado o Ato Adicional nº 9 marcando eleições presidenciais e constituintes para o dia 2 de dezembro.

Lançada pelas Oposições Coligadas a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes, a expectativa nacional era de que Vargas aceitasse o desafio de seus adversários e disputasse nas urnas um novo mandato presidencial. No entanto, advertido por Benedito Valadares e Agamenon Magalhães, Vargas percebeu logo que as origens militares da indicação do brigadeiro significavam que a opção oposicionista não se fixava nos limites restritos de uma campanha eleitoral. Foi dessa dedução que surgiu a candidatura do general Eurico Gaspar Dutra, seu ministro da Guerra, apoiada pelo Partido Social Democrático (PSD), constituído de antigos interventores e prefeitos do Estado Novo.

Mas logo depois do lançamento da candidatura Dutra, com a qual o governo formalmente se comprometeu, apareceu o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), criado por inspiração de Vargas e baseado nas organizações sindicais existentes sob controle do ministro Alexandre Marcondes Filho e do diretor do Departamento Nacional do Trabalho, José de Segadas Viana. O PTB não se afeiçoava ao nome do ministro da Guerra. Enquanto o Partido Comunista Brasileiro, então Partido Comunista do Brasil (PCB), em sinal de descontentamento com as duas candidaturas militares, pugnava pela convocação de uma assembléia nacional constituinte que traçasse as normas do futuro pleito presidencial, os trabalhistas, nacionalmente conhecidos como “queremistas”, simplificação popular da fórmula “Queremos Getúlio”, desejavam que Vargas se desligasse de seus compromissos com a candidatura Dutra e concordasse em concorrer às eleições. Para isso, ele teria que se desincompatibilizar até 2 de setembro, três meses antes da data do pleito, conforme estipulava o Ato Adicional nº 9.

Como Vargas não deixasse o poder no dia determinado, sua candidatura só seria possível com a alteração das regras estabelecidas pelo ato, ou seja, com o afastamento das duas candidaturas militares e, conseqüentemente, com a supressão das eleições presidenciais de 2 de dezembro, quando então o pleito, a exemplo do que tinha acontecido em 1891, se destinaria apenas à escolha de deputados e senadores constituintes. A partir daí, os “queremistas” transformaram o lema de sua campanha de “Queremos Getúlio” em “Queremos a Constituinte com Getúlio Vargas”. Essa mudança de enfoque aproximou os “queremistas” dos comunistas, que se batiam pela Constituinte desde que Luís Carlos Prestes fora anistiado, sem todavia enfatizar a constituinte da permanência de Vargas.

De qualquer forma, as duas reivindicações, feitas em campos paralelos, tornavam-se de certa maneira associadas e a imprensa oposicionista insistentemente acentuava a proximidade dos dois movimentos. Essa aparente homogeneidade de objetivos assustava as camadas dominantes da sociedade brasileira e a grande maioria das altas patentes militares. O horror ao comunismo conservava a mesma temperatura da década de 1930 e a perspectiva de que Vargas, em aliança com Prestes, tentasse permanecer no poder, com o sacrifício de dois nomes militares de relevo, estava muito longe de ser admitida.

O general Góis Monteiro, ao assumir novamente o Ministério da Guerra a 9 de agosto de 1945, em substituição ao general Dutra, que se desincompatibilizara para concorrer às eleições, estabeleceu como condição para ocupar a pasta, como ele mesmo revelaria mais tarde, o não-comprometimento do governo com as campanhas políticas desencadeadas pelo PCB. Nessa época o país vivia momentos intensos de vibração política não apenas em função da luta eleitoral. Depois de julho, começaram a chegar ao Rio, parceladamente, os contingentes da FEB que haviam combatido na Itália. Cada efetivo da FEB que desembarcava e desfilava pelas ruas cariocas era recebido com delírio pela população. Fechando os desfiles, Vargas recebia aclamações que deixavam seus adversários desconcertados. Para a imprensa oposicionista, a massa que o ovacionava nessas ocasiões não era o povo. Seriam “queremistas” e comunistas tirando partido dos aplausos para os ex-combatentes com o objetivo de forçar o continuísmo.

 

A queda do Estado Novo

Os jornais da oposição estavam, evidentemente, formando opinião dentro das forças armadas, que em contrapartida assumiam o papel de fiadoras da realização de eleições livres em 2 de dezembro. Essa determinação, de iniciativa do general Góis, pulverizou de fato qualquer possibilidade de êxito da campanha pró-Constituinte. De setembro em diante, através de Virgílio de Melo Franco, secretário-geral da União Democrática Nacional (UDN) e desde 1930 amigo pessoal do novo ministro da Guerra, a oposição armou um plano no sentido de convencer o general Góis de que Vargas estava conspirando para continuar no poder com o apoio e a cumplicidade do PCB. Góis acreditava na origem dessas conspirações mas, segundo o próprio Virgílio, suspeitava igualmente que a UDN também se encaminhava para uma solução fora dos limites da legalidade.

A 16 de outubro de 1945, Vargas baixou o Decreto nº 8.063 determinando que a 2 de dezembro as eleições, além do presidente da República, senadores e deputados federais, escolheriam ainda 20 governadores estaduais e suas respectivas assembléias legislativas. Cada governador, segundo o decreto, teria dez dias de prazo para outorgar uma constituição estadual provisória, até que uma carta definitiva fosse promulgada pelas assembléias legislativas eleitas. O Exército recebeu mal a inovação. Reunidos no palácio da Guerra a 18 de outubro, os generais em função de comando no Rio aprovaram exposição do chefe do EME, general Cristóvão Barcelos, que depois seria levada por Góis ao conhecimento de Vargas. A exposição fazia duras críticas ao Estado Novo, declarava inaceitáveis novas modificações no texto do Ato Adicional, assegurava eleições para 2 de dezembro e observava que, não sendo possível a revogação do Decreto nº 8.063, fossem todos os interventores substituídos pelos presidentes dos tribunais de justiça, as mais altas cortes judiciárias de cada estado.

Nos dias 24 e 25, Góis atacou pelos jornais o prócer udenista mineiro Odilon Braga e foi por ele contestado no mesmo tom. Odilon foi chamado de “inimigo encapuzado do Exército” e a UDN qualificada de “corja de aventureiros que, por todos os modos, quer lançar o país na luta civil”. Mas a discussão logo em seguida cedeu espaço nos jornais aos acontecimentos que resultaram no golpe de 29 de outubro.

Logo pela manhã desse dia, João Alberto, chefe de polícia do Distrito Federal, procurou o ministro da Guerra e disse-lhe que Getúlio nomeara seu irmão Benjamim Vargas para substituí-lo no comando policial. João Alberto seria o novo prefeito do Rio e Henrique Dodsworth, que deixaria este cargo, seria contemplado com um posto diplomático. Góis ficou irritado e afirmou que tal notícia derrubava as combinações celebradas entre o governo e as forças armadas, segundo as quais o calendário eleitoral estabelecido não seria modificado. João Alberto manifestou-se surpreso com a reação de Góis. Chegando ao ministério, encontrou os generais sobressaltados. Para eles, a nomeação de Benjamim equivalia ao golpe.

Nessa ocasião, Góis declarou que não era mais ministro, recebendo a solidariedade dos generais, almirantes e brigadeiros, que o convidaram a assumir, daquele momento em diante, o comando-em-chefe das forças armadas. Ele aceitou o encargo e nomeou o general Osvaldo Cordeiro de Farias seu chefe de estado-maior. Góis emitiu um comunicado à imprensa dando conta de sua renúncia do ministério e, logo após, o comandante da 1ª RM, general Valentim Benício de Silva, ordenou “prontidão rigorosa” em todas as unidades aquaterladas no Rio. Mas tarde, Góis anunciou em novo comunicado que o presidente Getúlio Vargas, “diante dos últimos acontecimentos e para evitar maiores inquietações”, decidira afastar-se do governo e que, nesse sentido, faria uma proclamação ao país. Os generais haviam resolvido que não seria mais possível a continuação de Vargas. Esta resolução foi comunicada ao ministro da Justiça, Agamenon Magalhães, que se tinha dirigido ao Ministério da Guerra, segundo se afirma, para negociar com os chefes militares sublevados uma forma de superar a crise. Os generais não aceitaram as sugestões de Agamenon, que regressou ao palácio Guanabara em companhia do general Osvaldo Cordeiro de Farias, o qual notificou Vargas de sua deposição. Em acordo com os dois candidatos, Dutra e Eduardo Gomes, o general Góis ficaria encarregado de convidar o ministro José Linhares, do Supremo Tribunal Federal (STF), para assumir a presidência da República.

No dia seguinte, 30 de outubro, Linhares tomou posse e organizou os seguintes ministérios: Justiça, Antônio de Sampaio Dória; Agricultura, Teodureto de Camargo; Fazenda, José Pires do Rio; Viação e Obras Públicas, Maurício Joppert; Guerra, Góis Monteiro; Marinha, Jorge Dodsworth Martins; Aeronáutica, Armando Trompowsky; Trabalho, Indústria e Comércio, Roberto Carneiro de Mendonça; Educação e Saúde Pública, Raul Leitão da Cunha; Relações Exteriores, Pedro Leão Veloso; Prefeito do Distrito Federal, Filadelfo de Azevedo; chefe de polícia, Álvaro Ribeiro da Costa; chefe da Casa Militar, general-de-brigada Francisco Gil Castelo Branco; presidente do Banco do Brasil, Guilherme Guinle. As escolhas não agradaram a todos e desagradaram ao PSD. Por outro lado, das 20 unidades federativas existentes na época, 13 tiveram seus interventores saídos dos quadros do Judiciário. Para os demais, prevaleceu a escolha pessoal. Para o caso de Alagoas, por exemplo, o interventor deposto foi o capitão Ismar de Góis Monteiro, irmão do ministro da Guerra. Foi substituído por Edgar de Góis Monteiro, igualmente irmão do ministro. Dois dias depois, o governo Linhares revogou o Decreto nº 8.063. A normalidade, entretanto, não foi integralmente restabelecida. O governador mineiro, Benedito Valadares, sentiu-se ludibriado porque, tendo apoiado o movimento de 29 de outubro, não conseguiu fazer do secretário de Finanças de Minas, Ovídio de Abreu, seu sucessor no palácio da Liberdade.

Nos primeiros dias de novembro sucederam-se nos jornais entrevistas agressivas de chefes militares contra o ex-presidente Vargas. Manifestaram-se Salvador César Obino (3ª RM), Valentim Benício (1ª RM), Raimundo Sampaio (4ª RM), outros oficiais responsáveis por comandos inferiores, como José Pessoa, Álcio Souto e Ângelo Mendes de Morais, e até alguns sem comando, como era o caso de Bertoldo Klinger. A campanha de Eduardo Gomes tomou grande impulso, enquanto se acentuava o esvaziamento da candidatura do general Dutra, que via indícios de parcialidade do governo Linhares a favor do brigadeiro.

Numa das reuniões do ministério, Linhares indagou sobre a possibilidade de aplicação de penalidades a Vargas e às principais figuras do Estado Novo. Góis foi contrário, dizendo que, nesse caso, ele e o general Dutra seriam suscetíveis de castigos, porque ambos haviam tido responsabilidades inquestionáveis na implantação e manutenção do regime ditatorial. Diante disso, Linhares deu o assunto por encerrado. O PSD continuava perplexo com a evolução dos acontecimentos, até que em fins de novembro Vargas enviou mensagem de apoio trabalhista, articulada pelo embaixador João Neves da Fontoura, ao seu ex-ministro da Guerra.

Dutra acabou derrotando seu concorrente por uma diferença superior a um milhão de votos. Com isso, lentamente, o general Góis Monteiro foi-se apagando do cenário político. Continuou ministro da Guerra de Dutra até as vésperas da promulgação da Constituição de 18 de setembro de 1946, quando se exonerou e seguiu novamente para Montevidéu, reassumindo o cargo de delegado brasileiro junto ao Comitê de Emergência e Defesa Política da América, ainda em funcionamento.

 

No Senado

Em 19 de janeiro de 1947, com 32.875 votos, Góis foi eleito para o Senado na legenda do PSD alagoano, ao qual estava filiado juntamente com seus irmãos. Um deles, Ismar, vitorioso no pleito de 2 de dezembro de 1945, já ocupava uma cadeira nessa casa desde 1946. Outro irmão, Silvestre Péricles de Góis Monteiro, também em janeiro de 1947, foi eleito governador de Alagoas. Até 1950, os irmãos Góis Monteiro, detentores do poder em seu estado, voltariam a ocupar, embora por razões puramente regionais, grandes espaços no noticiário da imprensa política.

Em virtude de seu estado de saúde, a passagem do general Góis pelo Senado não foi particularmente notável. Atacado quase que diariamente no Correio da Manhã por Pedro da Costa Rego, seu adversário na política de Alagoas, por Geraldo Rocha em O Mundo e pelos editoriais do Diário de Notícias, que na época estavam a cargo de Osório Borba, ia freqüentemente à tribuna para revidar seus acusadores.

Em meados de 1949, quando já se iniciavam os debates em torno da sucessão do presidente Dutra, manteve uma discussão áspera com o senador José Américo, que a certa altura dos debates disse-lhe: “De V. Excia. eu só respeito a invalidez.” Góis avançou sobre o senador paraibano, mas foi contido por seus colegas, obrigando o presidente da casa, Nereu Ramos, a suspender a sessão por alguns minutos.

Nessa ocasião, a política alagoana começava a afetar a própria unidade da família Góis. Antigas rixas entre o governador Silvestre Péricles e o senador Ismar começaram a encher as páginas dos jornais. Quando discursava num comício em Mata Grande, no interior do estado, atacando alguns atos de seu irmão e governador, Ismar e seus correligionários foram agredidos pela polícia e por correligionários de Silvestre Péricles, generalizando-se o conflito com vários ferimentos e ameaças de morte de lado a lado. O general Góis não chegou a tomar posição nessa luta, mas o desgaste político que sofreu foi bastante significativo.

Os adversários de Vargas costumavam, por essa época, comemorar o golpe de 29 de outubro com discursos e moções de solidariedade às forças armadas. Mas em 1949 a volta de Vargas já era tida como certa no meio político, de forma que no dia 29 de outubro daquele ano as comemorações da queda do ex-presidente foram convenientemente esquecidas. Góis reclinou da mesa do Senado, e como Nereu Ramos explicasse que não havia qualquer requerimento propondo sessão especial alusiva à data, o general deu um “Viva!” ao seu ex-amigo e antigo chefe do governo.

Em 1950, já acertado o lançamento da candidatura Vargas à presidência da República com o apoio do governador paulista Ademar de Barros, Danton Coelho tentou reconciliar Vargas e Góis. O primeiro encontro, todavia, só aconteceria alguns meses mais tarde, quando a indicação de Vargas já estava homologada pelo PTB. Ocorreu na residência do senador Epitácio Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, quando Vargas iniciava o seu percurso pelo Brasil em campanha eleitoral. Embora ficasse decidido que o fato não transpiraria, os jornais do dia seguinte não só deram destaque ao acontecimento como ainda colocaram em foco o principal assunto tratado durante o encontro: Vargas convidara Góis para seu companheiro de chapa.

Uma vez revelado, o encontro foi motivo de mais um discurso pitoresco de Góis no Senado, em que disse não censurar os antigos adversários de Vargas que agora o procuravam na certeza antecipada de sua vitória, porque “eu também já fui à Canossa”. Aludia, evidentemente, a uma cidade da região de Vezzano del Crostollo, na Itália, onde em janeiro de 1077 o imperador Henrique IV esperou três dias, descalço, sob violenta nevasca, pelo perdão do pontífice Gregório VII.

Sempre que Vargas regressava de suas viagens pelo interior do Brasil, procurava avistar-se com Góis em casa de Epitácio. João Café Filho, da bancada do Partido Social Progressista (PSP) do Rio Grande do Norte, já havia sido proposto por Ademar de Barros para vice-presidente na chapa trabalhista, sob a justificativa de dar um colorido mais popular à campanha. Vargas, no entanto, acossado por resistências do clero e das classes conservadoras, não se acomodava com a sugestão de Ademar. Preferia o general Góis, que, além de não tropeçar naqueles obstáculos, serviria para reduzir as objeções militares ainda influenciadas pelos acontecimentos de 29 de outubro de 1945. Góis, entretanto, alegou que pertencia ao PSD e seu partido já escolhera um candidato, que era o deputado Cristiano Machado, de Minas Gerais. Em face dessa incompatibilidade, Vargas desistiu e acabou acolhendo o nome de Café Filho.

Em 3 de outubro de 1950, Góis tentou reeleger-se senador por Alagoas, mas foi derrotado pelo candidato udenista Ezequias Rocha. Concluído seu mandato em janeiro de 1951, deixou o Senado.

 

Chefe do EMFA

Consolidada sua vitória e reconhecido pela Justiça Eleitoral, o presidente Getúlio Vargas instalou-se no Hotel das Paineiras, no Rio de Janeiro, onde recebia políticos e cuidava da organização do ministério. Góis Monteiro foi escolhido chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA), órgão criado em 25 de julho de 1946, através do Decreto nº 9.520, com o nome Estado-Maior Geral e que, em 24 de dezembro de 1948, em decorrência da Lei nº 600-A, aprovada pelo Congresso, adquiriu sua atual denominação.

Uma das primeiras tarefas de Góis juntamente com os chefes do Estado-Maior das três armas consistiu na elaboração de um dossiê que o ministro João Neves da Fontoura deveria apresentar em Washington por ocasião da IV Conferência dos Chanceleres Americanos, na qual o conflito coreano seria o assunto prioritário. A ação militar dos Estados Unidos no Extremo Oriente começara em junho de 1950, sob o comando do general Douglas McArthur, por força de uma resolução das Nações Unidas. Os países aliados, no entanto, apesar de formalmente solidários com a iniciativa norte-americana, não tinham intenções de interferir diretamente no conflito. O presidente Harry Truman passou então a pressionar os governos da América Latina e, de modo particular, o governo brasileiro. Vargas reuniu o Conselho de Segurança Nacional e, depois de ouvir as explanações do general Góis Monteiro a respeito do nosso despreparo militar para intervir no conflito, decidiu que o chefe do EMFA, em missão sigilosa, fosse aos Estados Unidos para um contato pessoal com as autoridades militares norte-americanas. Era secretário de Estado na época o general George Marshall, que durante a Segunda Guerra desempenhara o cargo de chefe do Estado-Maior do Exército de seu país.

Góis chegou a Washington em julho de 1951 e encontrou Marshall com várias prevenções contra o governo brasileiro, claramente descrente de que nossas tropas lutariam na Coréia, como haviam feito na Itália. Essa desconfiança norte-americana aumentou no ano seguinte, por ocasião dos debates na Câmara em torno do Acordo Militar Brasil-Estados Unidos, combatido pela quase unanimidade da bancada do PTB. A presunção de Truman e Marshall era de que Vargas não se ajustaria mais a uma política de solidariedade incondicional com os Estados Unidos, ao contrário do que fizera no tempo de Roosevelt.

Na qualidade de chefe do EMFA, Góis participou também, no começo de 1952, dos entendimentos com a missão norte-americana que aqui chegou com a finalidade de negociar as bases do acordo militar. Em seguida, realizou uma viagem diplomática a Buenos Aires, para desfazer junto ao governo de Juan Perón as desconfianças do presidente argentino de que o Acordo Militar Brasil-Estados Unidos tivesse sido forjado com o objetivo de isolar a nação platina no continente. Góis foi bastante contundente na negação disso, mas discordou da proposta argentina para a formação de um bloco sul-americano sem a participação da América Central e dos Estados Unidos. Ao contrário, repisou a necessidade de fortalecimento da solidariedade continental no seu sentido mais amplo, motivada especialmente pelo agravamento da crise internacional resultante das possibilidades do conflito coreano converter-se em novo confronto mundial. Esta foi sua última missão como chefe do EMFA, cargo que deixou em 1º de dezembro de 1952. Quinze dias depois, foi nomeado ministro do Superior Tribunal Militar (STM), no qual permaneceu até sua morte, ocorrida no Rio de Janeiro no dia 26 de outubro de 1956.

Seu filho, Pedro, cadete da antiga Escola de Aviação Militar, morreu em desastre aéreo no Campo dos Afonsos em 2 de outubro de 1936, quando fazia exercício de reconhecimento. Sua filha Maria Luísa casou-se com o comandante Euclides Quandt de Oliveira, que seria ministro das Comunicações no governo Ernesto Geisel (1974-1979).

Além de inúmeros artigos saídos em várias publicações especializadas em assuntos militares, o general Góis Monteiro escreveu Operações do Destacamento Mariante no Paraná ocidental e A Revolução de 30 e a finalidade política do Exército. Em 1955, ditou para o jornalista Lourival Coutinho suas memórias, publicadas sob o título O general Góis depõe (1956). A sua vida política e militar foi objeto de pesquisa do canadense Peter Seabom Smith, que publicou Góis Monteiro and the role of the army in Brazil (1980).

Plínio de Abreu Ramos

 

 

FONTES: ARAÚJO, M. Cronologia 1943; ARQ. CLUBE 3 DE OUTUBRO; ARQ. GETÚLIO VARGAS; ARQ. OSVALDO ARANHA; BARATA, A. Vida; BIJOS, G. Clube; BRAYNER, F. Verdade; CAFÉ FILHO, J. Sindicato; CARONE, E. República nova; CARONE, E. Segunda; CONSULT. MAGALHÃES, B; CORRESP. ESTADO-MAIOR DAS FORÇAS ARMADAS; CORRESP. SECRET. GER. EXÉRC.; CORTÉS, C. Homens; COUTINHO, I. General; Diário Carioca (26/10/56); DOCCA, E. História; DULLES, J. Getúlio; Efemérides paulistas; Encic. Mirador; FERREIRA FILHO, A. História; FICHÁRIO PESQ. M. AMORIM; FRANCO, V. Campanha; FRANCO, V. Outubro; Grande encic. Delta; HIPÓLITO, L. Campanha; HIRSCHOWICZ, E. Contemporâneos; INST. NAC. LIVRO. Índice; LAGO, L. Generais; LEITE, A. História; LEVINE, R. Vargas; LOPES, T. Ministros; MIN. GUERRA. Almanaque; Novo dic. de história; PEIXOTO, A. Getúlio; REIS JÚNIOR, P. Presidentes; SILVA, H. 1935; SILVA, H. 1937; SILVA, H. 1942; SILVA, H. 1944; SMITH, P. Góis; TÁVORA, J. Vida; VALADARES, B. Tempos; WANDERLEY, N. História.