MAZZILLI, Ranieri
*dep. fed. SP 1951-1967; pres. Rep. 1961 e 1964.
Pascoal Ranieri Mazzilli nasceu em Caconde (SP) no dia 27 de abril de 1910, filho de Domingos Mazzilli e de Ângela Liuzzi Mazzilli. Seus pais, imigrantes italianos, eram comerciantes e fazendeiros no nordeste paulista.
Fez os estudos primários no grupo escolar de Caconde e o curso secundário no Colégio Brasil, em Ouro Fino (MG), e no Ginásio Estadual de São Paulo.
Em 1930 matriculou-se na Faculdade de Direito de São Paulo, mas, com a eclosão do movimento revolucionário de outubro, interrompeu os estudos, iniciando no ano seguinte suas atividades profissionais como coletor estadual em Taubaté (SP). Substituído no cargo após a Revolução Constitucionalista de 1932, retornou à capital paulista, onde passou a dedicar-se ao jornalismo, especializando-se em assuntos fiscais. Em 1933 tornou-se editor da revista Boletim Fiscal, função que lhe proporcionou novas perspectivas de análise referentes aos assuntos de sua especialidade, dedicando-se sobretudo a elucidar os problemas ligados à administração pública.
Nomeado em 1935 coletor fiscal nas cidades paulistas de Sorocaba e Jundiaí, transferiu-se no ano seguinte para o Rio de Janeiro, então Distrito Federal. Ainda em 1936 matriculou-se na Faculdade de Direito de Niterói, na então capital do estado do Rio de Janeiro, pela qual se bacharelou em dezembro de 1940, em pleno Estado Novo, implantado por Getúlio Vargas em 10 de novembro de 1937.
Devido à sua projeção no Boletim Fiscal, presidiu no recém-criado Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) a comissão designada para estudar o plano de reestruturação do aparelho arrecadador de rendas da União. Em 1942 foi nomeado diretor do Tesouro Público Nacional, empreendendo então a reforma geral da Recebedoria do Distrito Federal, órgão que passou a dirigir.
Em 1945 foi nomeado diretor da Divisão do Imposto de Renda. No início desse ano, o desgaste do regime do Estado Novo, aliado a pressões internas e externas pela redemocratização do país, possibilitou a reorganização dos partidos políticos, inexistentes desde que foram extintos pelo golpe de 1937. Mazzilli vinculou-se ao Partido Social Democrático (PSD) então criado. Em 29 de outubro de 1945, Vargas foi deposto pelas forças armadas e as eleições presidenciais de 2 de dezembro deram a vitória ao general Eurico Dutra, candidato do PSD.
Em 1946, já no governo Dutra, Mazzilli foi nomeado secretário-geral de Finanças da Prefeitura do Distrito Federal. Permanecendo no cargo até meados do ano seguinte, planejou as novas bases de financiamento das obras urbanas para a então capital federal. Em junho de 1947 foi designado diretor da Caixa Econômica Federal do Rio de Janeiro, cargo que ocupou até julho de 1948, sendo em seguida nomeado diretor do Banco da Prefeitura do Distrito Federal.
Especialista em direito tributário e administrativo, Mazzilli foi indicado em junho de 1949 para ocupar a chefia de gabinete do recém-empossado ministro da Fazenda Guilherme da Silveira. Como representante desse ministério, participou de um grupo de trabalho formado em julho de 1950 pelo primeiro administrador-geral do Plano Salte, Mário Bittencourt Sampaio, cabendo-lhe nesse grupo estudar o esquema orçamentário. O Plano Salte, cujo nome se compõe das iniciais de Saúde, Alimentação, Transporte e Energia, fora proposto ao Congresso Nacional pelo presidente Dutra em maio de 1948, e acabaria sendo abandonado em 1951, já no segundo governo Vargas, devido, entre outros fatores, a dificuldades financeiras para sua implementação. Além da chefia do gabinete da Fazenda, onde permaneceria até o final do governo Dutra, em 31 de janeiro de 1951, Mazzilli foi ainda membro do conselho de administração da Caixa de Mobilização Bancária (Camob) e da Comissão Consultiva do Comércio Exterior. Membro do Conselho Nacional do Petróleo (CNP) desde janeiro de 1950, afastou-se também dessas funções em janeiro de 1951.
Atuação parlamentar (1951-1966)
Em outubro de 1950, Mazzilli elegeu-se deputado federal por São Paulo na legenda do PSD, assumindo a liderança da bancada paulista do partido desde o início de seu mandato, em fevereiro de 1951. Nesse mesmo pleito, Vargas foi eleito presidente da República, tendo como companheiro de chapa o vice João Café Filho.
Em seu primeiro mandato como deputado federal, Mazzilli integrou as comissões permanentes de Finanças e de Orçamento da Câmara, apresentando projetos de lei e substitutivos a projetos, todos transformados em leis, que dispunham sobre a reorganização da Bolsa de Valores, com o objetivo de disciplinar este setor financeiro. Visando disciplinar também o setor do comércio exterior brasileiro, apresentou à apreciação da Câmara projeto, também convertido em lei, propondo isentar de impostos a importação de obras de arte e de interesse cultural. Foi ainda relator do anexo “Auxílios e subvenções” ao orçamento da União nos anos de 1952, 1953 e 1954.
Em outubro deste último ano — nas eleições parlamentares que se seguiram ao suicídio de Vargas e à posse de Café Filho na presidência —, Mazzilli elegeu-se na mesma legenda para a Câmara dos Deputados. Contando com o apoio de Juscelino Kubitschek, então governador de Minas, foi o candidato oficial do PSD à presidência da Câmara. Foi porém derrotado pelo pessedista mineiro Carlos Luz, eleito em 1º de fevereiro de 1955 com o apoio da União Democrática Nacional (UDN), que então movia forte campanha contra a candidatura de Kubitschek à presidência da República nas eleições de outubro daquele ano. Esse resultado, que deu a Carlos Luz a condição de substituto legal do presidente Café Filho, foi considerado a primeira grande derrota do governador mineiro em sua marcha para a presidência. Entretanto, reunida em 10 de fevereiro de 1955, a convenção nacional do PSD homologou a candidatura de Kubitschek.
Apesar da movimentação contra a realização das eleições e a favor da intervenção dos militares defendida pela UDN, Kubitschek e o candidato à vice-presidência, João Goulart, presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), foram eleitos em outubro daquele ano. Logo após a proclamação dos resultados, a UDN e os setores militares a ela ligados deflagraram uma campanha contra a posse dos eleitos. Diante dos acontecimentos que então se sucederam, visando impugnar a eleição de Kubitschek e Goulart, forças militares sob a liderança do general Henrique Lott, ministro da Guerra demissionário, intervieram no processo político a fim de garantir o resultado das urnas e a posse dos eleitos, depondo Carlos Luz, que substituía interinamente Café Filho, no dia 11 de novembro.
Como pessedista e partidário da candidatura de Juscelino Kubitschek à presidência da República, Mazzilli votou a favor de todos os atos que visavam assegurar a posse do candidato de seu partido, entre os quais o impedimento do presidente Carlos Luz e Café Filho, nos dias 11 e 21 de novembro de 1955, assim como a posse do vice-presidente do Senado Nereu Ramos na presidência da República e a decretação do estado de sítio até 31 de janeiro de 1956.
Eleito para a direção regional do PSD em São Paulo, Mazzilli exerceu nessa legislatura (1955-1959) a função de relator do orçamento da Fazenda na Comissão de Finanças da Câmara. Foi ainda relator da comissão especial sobre a emenda constitucional que concedeu aos naturalizados o direito de equiparação aos brasileiros natos.
Reeleito deputado federal em outubro de 1958 por São Paulo, sempre na legenda do PSD, para a legislatura iniciada em janeiro de 1959, Mazzilli candidatou-se pela segunda vez à presidência da Câmara, contra a orientação de seu próprio partido, que apoiou a candidatura do pessedista baiano Antônio Ferreira de Oliveira Brito. Negociando dessa vez o apoio da UDN e de outros partidos de oposição, Mazzilli foi eleito em 2 de fevereiro de 1959 por uma diferença de 30 votos. Tomando posse em março seguinte, substituiu no posto Ulisses Guimarães, também deputado federal pelo PSD paulista.
A vitória de Mazzilli sobre Oliveira Brito resultou na renúncia do então líder do PSD na Câmara, deputado Tarcilo Vieira de Melo. Ainda em 1959, Mazzilli fez o curso da Escola Superior de Guerra (ESG), no Rio de Janeiro. Desde então, foi reeleito anualmente presidente da Câmara em seis eleições sucessivas, cargo que deixaria em fevereiro de 1965. Auxiliado durante todos esses anos pelo primeiro-secretário da mesa, o udenista José Bonifácio Lafayette de Andrada, ocupou-se também de tarefas administrativas, como o recrutamento de funcionários da casa através de concurso público. Com a mudança da capital federal para Brasília em 21 de abril de 1960, coube-lhe providenciar a transferência da Câmara dos Deputados do palácio Tiradentes, no Rio, para a nova sede do Legislativo. Em Brasília, fez construir o edifício anexo, onde se instalou a nova Biblioteca da Câmara, cujo acervo foi consideravelmente ampliado.
Presidente interino
De acordo com a Constituição de 1946, então vigente, o presidente da Câmara dos Deputados deveria assumir a presidência da República na ausência de seu titular e do vice-presidente. Em agosto de 1960, estando o presidente Kubitschek em Portugal e o vice João Goulart impossibilitado de assumir o cargo por ser mais uma vez candidato à vice-presidência da República na chapa do marechal Henrique Lott, coube a Mazzilli assumir pela primeira vez a presidência interina da República.
A segunda ocasião em que isso ocorreu foi durante a crise que se seguiu à renúncia do presidente Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961. Como o vice-presidente João Goulart se encontrasse em missão comercial na República Popular da China, o vice-presidente do Senado Auro de Moura Andrade declarou a vacância do cargo. Mazzilli, o primeiro na linha sucessória, assumiu o governo interinamente na tarde daquele mesmo dia, até que o vice-presidente fosse empossado. Porém, a aplicação pura e simples da Constituição e a perspectiva da posse de João Goulart na presidência da República originaram uma profunda crise político-militar no país. Os três ministros militares, marechal Odílio Denis, da Guerra, almirante Sílvio Heck, da Marinha, e brigadeiro Gabriel Grün Moss, da Aeronáutica, formaram uma junta militar que, contando com o respaldo de setores das forças armadas e de um grupo de civis antigetulistas, vetou a investidura de Goulart sob a alegação de que sua posse significaria grande ameaça à ordem e à segurança nacional.
Assim, nos nove dias seguintes — de 26 de agosto a 4 de setembro —, travou-se uma luta entre os ministros militares que se opunham à posse de Goulart e setores militares e políticos que defendiam a obediência aos dispositivos constitucionais. O principal núcleo de resistência ao veto militar situou-se no Rio Grande do Sul, sob o comando do governador Leonel Brizola e do comandante do III Exército, general José Machado Lopes. Nessas circunstâncias, em 28 de agosto o presidente interino Ranieri Mazzilli enviou uma breve mensagem ao Congresso informando que “os ministros militares, na qualidade de chefes das forças armadas responsáveis pela ordem interna, manifestaram a absoluta inconveniência, por motivos de segurança nacional, do regresso ao país do vice-presidente da República João Belchior Marques Goulart”.
Com isto, os ministros militares esperavam forçar o Congresso a votar o impedimento de Goulart, continuando a presidência interina com Mazzilli até as eleições que teriam lugar dentro de 60 dias. No dia 29, porém, o Congresso rejeitou o pedido de impedimento apresentado contra a posse de Goulart. O presidente da casa, Auro de Moura Andrade, organizou então uma comissão mista de deputados e senadores destinada a examinar as razões do texto enviado por Mazzilli e a encontrar uma solução para a crise, optando afinal pela adoção de um regime parlamentar de governo. Insatisfeitos com a decisão da comissão, Heck, Denis e Moss lançaram um manifesto no qual expunham suas razões para se oporem à investidura de Goulart, o qual, informado da extensão da crise, apressou sua volta ao país. Para obtenção de um acordo com os ministros militares, Mazzilli contou com a intermediação do chefe do Gabinete Militar da Presidência da República, general Ernesto Geisel, que exerceu o cargo durante o interregno de Mazzilli.
No dia 1º de setembro, Goulart desembarcou no Brasil e, no dia seguinte, foi aprovada pelo Congresso, por 253 votos contra 55, a Emenda Constitucional nº 4, que instituiu no país o regime parlamentarista, fórmula finalmente aceita pelos militares. No dia 7 do mesmo mês, Mazzilli transmitiu o governo a Goulart, reassumindo em seguida suas funções na presidência da Câmara.
Durante nove dias, em abril de 1962, Mazzilli voltou a ocupar interinamente a presidência da República em virtude da viagem de Goulart aos Estados Unidos a convite do governo desse país.
Em outubro seguinte realizaram-se as eleições parlamentares e Mazzilli foi reeleito, pela terceira vez consecutiva, deputado federal. Antes mesmo de iniciada a legislatura em 1º de fevereiro de 1963, realizou-se no dia 6 de janeiro um plebiscito que decidiu pelo retorno do país ao regime presidencialista. No dia 23, Mazzilli, como presidente da Câmara, e Auro de Moura Andrade, na condição de presidente do Congresso Nacional, promulgaram a Emenda Constitucional nº 6 revogando a Emenda Constitucional nº 4, que instituíra o parlamentarismo. O presidente Goulart passou então a governar o país investido de seus plenos poderes.
Em junho de 1963, Mazzilli voltou a substituir o presidente Goulart, que viajou para o Vaticano a fim de assistir à coroação do papa Paulo VI. Em março de 1964, pela sexta vez consecutiva, elegeu-se presidente da Câmara. Em 31 de março, depois de um processo de radicalização política que se acentuou ao longo de 1963 e do primeiro trimestre de 1964, Goulart foi deposto por um movimento político-militar. Configurada a vacância do cargo, Mazzilli assumiu novamente a presidência da República na madrugada do dia 2 de abril. No entanto, seu poder foi apenas formal, pois o poder de fato estava nas mãos de uma junta militar formada pelos ministros da Marinha, almirante Augusto Rademaker, da Guerra, general Artur da Costa e Silva, e da Aeronáutica, brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo.
A junta militar, autodenominada Comando Supremo da Revolução, editou como tal, no dia 9 de abril, o Ato Institucional nº 1, divulgando no dia seguinte a primeira lista de cassações de mandatos parlamentares. No dia 11, o Congresso Nacional elegeu para a presidência da República o general Humberto Castelo Branco, ao qual Ranieri Mazzilli transferiu o poder no dia 15.
Retomando então suas funções como presidente da Câmara, Mazzilli passou a defender as prerrogativas do Legislativo e do Judiciário, gradualmente sufocados pela supremacia do Executivo, decorrente da vitória do movimento de 31 de março.
O pós-1964
Em junho de 1964, devido à cassação do mandato e da suspensão dos direitos políticos do senador Juscelino Kubitschek, o PSD desligou-se do bloco da maioria parlamentar que integrava com a UDN em defesa da política governamental. Em fevereiro de 1965, quando tentou sua última eleição para a presidência da Câmara, Mazzilli enfrentou a oposição do presidente Castelo Branco e foi derrotado pelo político patrocinado pelo governo federal, o deputado udenista Olavo Bilac Pinto.
Com a dissolução dos partidos políticos através do Ato Institucional nº 2, editado em 27 de outubro de 1965, Mazzilli filiou-se ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB), agremiação de oposição ao governo. Em outubro de 1966, embora o presidente da Câmara dos Deputados, Adauto Lúcio Cardoso, tenha resistido a novas cassações de mandatos parlamentares, o presidente Castelo Branco cercou o Congresso com uma tropa sob o comando do general Carlos de Meira Matos para fazer cumprir o ato de cassação, que atingiu, entre outros, os deputados Armindo Marcílio Doutel de Andrade, do MDB de Santa Catarina, César Prieto do MDB do Rio Grande do Sul e Sebastião Pais de Almeida, do MDB da Guanabara. Nessa ocasião correram rumores de que Mazzilli também seria punido pela Revolução, o que de fato não ocorreu.
No entanto, no pleito de novembro de 1966, Mazzilli não conseguiu reeleger-se, ficando com a sexta suplência. Desde então, afastou-se da política, deixando a Câmara em janeiro de 1967 e dedicando-se à plantação de café na fazenda Santa Isabel, em Ouro Fino, no sul de Minas, que recebera de herança.
Em janeiro de 1973 reingressou na vida partidária ao aceitar o convite do senador Lino de Matos para presidir a Comissão de Ética do MDB de São Paulo, sendo este o último cargo político que ocupou.
Faleceu na cidade de São Paulo no dia 21 de abril de 1975.
Era casado com Sílvia Serra Mazzilli, com quem teve três filhos.
Além de artigos sobre assuntos políticos fiscais e financeiros, publicou Problemas de arrecadação (1942), A reorganização da Recebedoria do Distrito Federal (1944) e O fisco no Estado Novo (1945).
Vera Calicchio
FONTES: Almanaque Abril (1975 e 1976); Almanaque mundial (1962); BANDEIRA, L. 24; BENEVIDES, M. Governo Kubitschek; CACHAPUZ, P. Cronologia; CAFÉ FILHO, J. Sindicato; CÂM. DEP. Deputados brasileiros. Repertório (5); CÂM. DEP. Presidentes; CASTELO BRANCO, C. Militares; CISNEIROS, A. Parlamentares; COUTINHO, A. Brasil; CURRIC. BIOG.; Encic. Mirador; Estado de S. Paulo (22/3/81); FIECHTER, G. Regime; Globo (22/4/75); Grande encic. Delta; HIRSCHOWICZ. E. Contemporâneos; INST. NAC. LIVRO. Índice; Jornal do Brasil (22/4/75); KUBITSCHEK, J. Meu; LEITE, A. História; Novo dic. de história; PINTO, A. Caixa; QUADROS, J. História; REIS JÚNIOR, P. Presidentes; SILVA, H. História; SILVA, H. 1964; Veja (30/4/75); VIANA FILHO, L. Governo; VÍTOR, M. Cinco.