*dep. fed. RS 1927-1928; rev. 1930; min. Just. 1930-1931; min. Faz. 1931-1934; emb. Bras. EUA 1934-1937; min. Rel. Ext. 1938-1944; emb. Bras, ONU 1947; min. Faz. 1953-1954.
Osvaldo Euclides de Sousa Aranha nasceu em Alegrete (RS) no dia 15 de fevereiro de 1894, filho do coronel Euclides Egídio de Sousa Aranha e de Luísa Jacques de Freitas Vale Aranha, proprietários da estância Alto Uruguai no município gaúcho de Itaqui. Segundo entre os 12 filhos do casal, descendia diretamente, pelo lado paterno, de Maria Luzia de Sousa Aranha, baronesa de Campinas (da região paulista que hoje corresponde à cidade do mesmo nome), cujo marido foi um dos responsáveis pelo início do plantio de café na província de São Paulo. Seu pai, paulista de nascimento, exercia a chefia do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) em Itaqui. Na família de sua mãe, dedicada tradicionalmente à política em Alegrete, destacou-se Luís de Freitas Vale, barão de lbirocaí. Seu bisavô Luís Inácio Jacques presidiu a Câmara Municipal em 1860. E o tio materno, Manuel de Freitas Vale foi eleito intendente de Alegrete em 1900, 1910 e 1913. Dentre seus irmãos destacaram-se Ciro Aranha e Luís Aranha como revolucionários em 1930, tendo este último presidido o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM) em 1938. Seu primo Ciro de Freitas Vale exerceu interinamente o cargo de ministro das Relações Exteriores em 1939 e em 1949, tendo sido ainda embaixador do Brasil na Alemanha (1939-1942), na Argentina (1947-1948), no Chile (1952-1955) e na Organização das Nações Unidas (ONU, 1955-1960).
Em 1903, contando nove anos, ingressou como interno no Colégio dos Jesuítas de São Leopoldo (RS), na época denominado Ginásio Nossa Senhora da Conceição, e aí permaneceu até 1906, quando, na iminência de ficar cego, foi obrigado a interromper os estudos. Após breve período sob cuidados médicos em Buenos Aires, viajou no ano seguinte para o Rio de Janeiro, então capital federal, para dar continuidade ao tratamento, preparando-se ao mesmo tempo para a admissão no Colégio Militar, onde ingressou ainda em 1908. Concluindo o curso secundário em 1911, prestou exame para a Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, onde se matriculou em 1912. Data dessa época sua amizade com Virgílio de Melo Franco, que alcançaria projeção política com a Revolução de 1930, e com Rubens Antunes Maciel. Estreitou também amizade nesse período com José Antônio Flores da Cunha, que viria a exercer o governo do Rio Grande do Sul. Em janeiro de 1914 partiu para a Europa em companhia de Rubens Antunes Maciel. Em Paris, matriculou-se em curso de aperfeiçoamento oferecidos pela École des Hautes Études Sociales (Sorbonne). Viajou ao sul da França para tratamento de saúde e para a Itália onde tomou aulas de italiano e participou de conferências de juristas. Esteve também na Suiça e, em agosto, com o início da Primeira Guerra Mundial, reencontrou-se com Maciel e sua irmã Eloá em Paris, regressando ao Brasil. Retomou, então, o curso universitário.
Durante o período em que freqüentou a Faculdade de Direito, aproximou-se de colegas que na política gaúcha se ligavam às oposições, embora seu pai fosse um republicano. Manteve também intensa atividade política contra o candidato ao Senado, marechal Hermes da Fonseca, apoiado pelo chefe do PRR e presidente do Rio Grande do Sul, Antônio Augusto Borges de Medeiros, e contra o líder situacionista José Gomes Pinheiro Machado, senador pelo Rio Grande do Sul. Aranha chegou mesmo a liderar uma campanha estudantil contra ambos, participando de comícios e manifestações no largo de São Francisco, no Rio. Embora não fosse gasparista — designação dada aos seguidores de Gaspar da Silveira Martins, líder do Partido Liberal gaúcho, de oposição ao PRR — passou a freqüentar, provavelmente influenciado por Rubens Antunes Maciel e outros gaúchos que estudavam no Rio, o Grupo Gaspar Martins, formado por universitários.
Preocupado com a intensa participação de Osvaldo na politica estudantil, Pinheiro Machado escreveu a Euclides Aranha pedindo-lhe que interviesse junto ao filho de modo a “acalmar o ânimo dos estudantes”. Assim, em agosto de 1915, Euclides enviou uma carta ao filho aconselhando-o a moderar sua oposição a Hermes da Fonseca. A recusa em acatar as sugestões do pai resultou num estremecimento da relação que acabou sendo resolvido com a intermediação de sua noiva Delminda Benvinda Gudolle (Vindinha) e de sua mãe. No início de setembro, Pinheiro Machado foi assassinado, exacerbando os ânimos estudantis. Osvaldo continuava atuando nos meios estudantis e, logo a seguir, foi convidado a representar o Brasil no Congresso Pan-americano de estudantes em Montevidéu. Foi incumbido de saudar publicamente Rui Barbosa quando este regressou de Buenos Aires após criticar a neutralidade argentina na conflito mundial. Em 1916, quando colou grau em ciências jurídicas e sociais. Após a formatura, retornou ao Rio Grande do Sul, permanecendo por alguns meses na estância Alto Uruguai.
Em princípios de 1917 instalou sua banca de advogado em Uruguaiana, município vizinho de Itaqui e Alegrete e próximo a Santana do Livramento, São Borja e Quaraí, locais em que freqüentemente exerceu sua atividade profissional. Segundo seu biógrafo Francisco Talaia O’Donnell, o fato de Aranha não se ter estabelecido em Alegrete deveu-se talvez a um convite de Flores da Cunha, que então ocupava a intendência (atual prefeitura) de Uruguaiana. Pouco depois de haver fixado residência nessa cidade, casou-se, em meados de junho, com Vindinha. Entre 1917 e 1923 dedicou-se quase exclusivamente à advocacia, obtendo em pouco tempo alto conceito profissional. Já em meados de 1917 o também advogado Getúlio Vargas, que se formara em 1907, fazia-lhe consultas sobre assuntos jurídicos, prática que se tornaria cada vez mais freqüente entre ambos, que chegariam inclusive a ter clientes em comum. Bem sucedido profisionalmente, atuava em questões relacionadas com transações de terras e gado, inclusivecom argentinos e uruguaios. Além disso, atuava com causas familiares e de sucessão, aplicando os conceitos do novo Código Civil. Ainda nesse período, envolveu-se em política apoiando o PRR e Flores da Cunha na eleição local de 1920. Em 1921, discursou em Bagé a favor da candidatura de Nilo Peçanha para a presidência da República. No início da década de 1920 a estância do coronel Euclides Aranha foi atingida pela crise econômica que então se expandia por toda a campanha gaúcha, e seus pais enfrentaram problemas financeiros por alguns anos.
Os conflitos durante o quinto governo Borges
Ativaram-se em 1922 as articulações visando as eleições para a presidência do estado, que se realizariam em novembro. Borges de Medeiros, que presidira o Rio Grande de 1898 a 1908 e que desde 1913 voltara a chefiar o governo gaúcho, decidiu, em setembro, relançar sua candidatura, aspirando assim ao quinto mandato. Como Borges até então não tivesse concorrente, Osvaldo Aranha resolveu manifestar-se publicamente a seu favor, pressionado pelo pai e pelos amigos mais chegados, a maioria dos quais, como Getúlio Vargas, Flores da Cunha, João Neves da Fontoura e Firmino Paim Filho, já vinha participando ativamente do PRR.
No mês seguinte, contudo, a oposição — que então incluía os federalistas, os republicanos dissidentes e os remanescentes do Partido Republicano Democrático (PRD) — lançou a candidatura de Joaquim Francisco de Assis Brasil, íntimo da família Aranha apesar de seu passado como adversário de Júlio de Castilhos e de Borges de Medeiros, republicanos históricos. Em vista dessa nova indicação, Osvaldo Aranha escreveu a seu pai e a Assis Brasil. A este, Aranha pediu desculpas por não poder apoiá-lo, já que se havia comprometido com Borges. Segundo Talaia O’Donnell, essa atitude explica por que Osvaldo Aranha seria sempre muito prestigiado pelos libertadores.
Encerrou-se no Rio Grande do Sul em janeiro de 1923 a apuração das eleições de novembro do ano anterior, com Borges de Medeiros derrotando Assis Brasil e mantendo a presidência do estado. Os perdedores rebelaram-se, convencidos de que houvera fraude nas eleições, e no dia 25, quando Borges tomava posse, uma série de levantes em diversos pontos do território gaúcho deu início a um movimento que duraria cerca de dez meses. Ao se iniciar o conflito, Osvaldo Aranha, paralelamente ao exercício da advocacia, vinha desempenhando as funções de instrutor do Tiro de Guerra, o que lhe proporcionou uma certa facilidade no recrutamento de efetivos para a formação de corpos provisórios legalistas, tropas irregulares compostas por civis. Assim, organizou seu próprio grupo de provisórios, o 5º Corpo da Brigada Oeste, composto em sua maioria por pessoas de Itaqui, de Alegrete e municípios vizinhos. Para comandá-lo, recebeu a patente de tenente-coronel outorgada pelo governo do estado. O 5º Corpo serviu junto às tropas do coronel Flores da Cunha, comandante da Brigada Oeste, que por sua vez se encontrava subordinada ao comando geral do coronel Claudino Nunes Pereira.
Osvaldo Aranha combateu em Santa Maria Chico, Santa Rosa e Picada do Aipo (Campo Osório). O mais violento dos combates travou-se, contudo, em junho, quando da travessia da ponte sobre o rio Ibirapuitã, nos arredores de Alegrete, então ocupada pelas tropas do caudilho Honório Lemes, o mais popular entre os chefes rebeldes de 1923. Lutando na vanguarda da Brigada Oeste ao lado de Flores e do irmão deste, major Guilherme Flores da Cunha, que morreria em combate, Aranha foi atingido no ombro. As tropas governistas só conseguiram atravessar a ponte numa segunda carga. Recuperando-se do ferimento, Aranha participou ainda dos combates de Vista Alegre e de Quaraí-Mirim. Em fins de setembro, no entanto, adoeceu e transferiu o comando do 5º Corpo ao major Laurindo Ramos. Recolheu-se em seguida a Uruguaiana, para tratamento. Reincorporou-se à coluna de Flores em fins de outubro mas não voltou ao combate em virtude do armistício negociado por autoridade federais.
O fim do conflito foi selado no início de dezembro de 1923 com a assinatura do Pacto de Pedras Altas, que garantia a permanência de Borges de Medeiros no governo até o final do mandato, mas impedia nova reeleição. Em janeiro de 1924 Aranha foi chamado pelo presidente do estado para assumir a subchefia de polícia da região de fronteira, que tinha por sede Alegrete. Naquele momento, o cargo era dos mais delicados, exigindo de seu ocupante grande sensibilidade para o apaziguamento dos revolucionários que regressavam do exílio, de modo a evitar novos choques entre estes e os republicanos. Também em 1924 começou a lecionar direito internacional na Faculdade de Direito de Porto Alegre, muito embora só tenha sido nomeado em 1927. Por outro lado, seu pai foi eleito vice-intendente de Itaqui.
O acordo de Pedras Altas não chegou a promover a total pacificação do estado, pois os maragatos — designação inicialmente pejorativa dada às oposições pelos republicanos, que por sua vez levavam o apelido de chimangos — continuaram a reclamar de perseguições movidas pelo governo de Borges de Medeiros. Essas insatisfações confluíram com as rebeliões tenentistas que grassavam no país desde 1922. Assim, em outubro de 1924, as guarnições federais de Santo Ângelo, São Luís Gonzaga, São Borja, Uruguaiana e Alegrete, comandadas pelo capitão Luís Carlos Prestes, rebelaram-se, solidárias com a revolta tenentista chefiada a partir de julho pelo general lsidoro Dias Lopes em São Paulo. O movimento militar contou ainda com o auxílio de elementos da Aliança Libertadora, que desde janeiro de 1924 passara a congregar as oposições no estado. Osvaldo Cordeiro de Farias afirma em suas memórias que Borges de Medeiros manteve entendimentos com os conspiradores militares de 1924 e o fez através de, entre outros, Osvaldo Aranha, que teria desisitdo de apoiar a revolta ao comprovar que não tinha condições para levantar parte do PRR sem o apoio de Borges. Este, por sua vez, logo determinou a mobilização da Brigada Militar e de todos os corpos provisórios contra os revoltosos.
Achando-se a cidade de Itaqui ameaçada em duas direções pelos rebeldes — cujas forças vindas de Uruguaiana buscavam a junção com as de São Borja e São Luís, onde Prestes estabelecera seu quartel-general —, Osvaldo Aranha, não obstante o que reportou Cordeiro de Farias, reuniu novo corpo provisório, composto basicamente pelos remanescentes do conflito anterior. Já em janeiro de 1925 Borges anunciava o sufocamento do movimento revolucionário, cujas forças haviam conseguido manter ao longo de dois meses uma base de apoio na região noroeste do estado. A partir de então, Prestes comandou a marcha para o norte, tentando uma junção com as forças rebeldes paulistas. Desse encontro surgiria a Coluna Prestes, que percorreu o país até 1927, quando se internou em território boliviano.
Da Revolução de 1924 Osvaldo Aranha saiu prestigiado e politicamente fortalecido, principalmente por sua atuação decisiva na defesa de ltaqui. Assim, logo no início do ano seguinte, Borges de Medeiros indicou-o, candidato à intendência de Alegrete, então um dos maiores redutos da oposição libertadora. Apesar de sua indicação ter sido mal recebida num primeiro momento, Aranha rapidamente conseguiu controlar a situação política local. Durante sua gestão à frente da intendência, entre 1925 e 1927, foi sensível à modernização operada na cidade, que passou a ser a única do estado, além de Porto Alegre, a possuir luz elétrica nas ruas, calçamento e rede de esgotos. Para tanto, Osvaldo Aranha contou com a ajuda do governo estadual, interessado no sucesso da administração republicana naquele que até então era um dos principais municípios oposicionistas.
Em setembro de 1925 eclodiu no Rio Grande do Sul uma terceira revolta, liderada pelo “general” Honório Lemes, até então foragido, que comandou a invasão do estado por uma tropa de rebeldes, visando a derrubada de Borges de Medeiros. O movimento era hostil também ao presidente da República Artur Bernardes, a quem o caudilho considerava traidor porque este, depois de sofrer a oposição de Borges na campanha eleitoral, havia conservado o líder republicano gaúcho no poder em 1923. Imediatamente o comandante da 3ª Região Militar (3ª RM) mandou organizar um destacamento misto, com um corpo de tropas auxiliares, um contingente do Exército e outro da Brigada Militar, entregando o comando a Flores da Cunha. A esta formação se juntou Osvaldo Aranha, à frente de um grupamento integrado por moradores de Alegrete e Itaqui, entre os quais se incluía seu irmão Luís. Após alguns dias de perseguição aos rebeldes, que haviam adotado a tática do movimento, as tropas legalistas comandadas por Flores e Aranha conseguiram acuar os libertadores, acabando por aprisionar Honório Lemes junto com cinco companheiros integrantes do seu estado-maior próximo à localidade de Passo da Conceição.
Novo movimento armado, conhecido como Coluna Relâmpago, irrompeu no território gaúcho em fins de 1926, visando impedir a posse de Washington Luís na presidência da República. Concentrada basicamente numa unidade do Exército em Santa Maria, essa revolta era liderada pelos irmãos Nélson e Alcides Etchegoyen, os quais, sem conseguir controlar a cidade, acabaram por abandoná-la. Mais uma vez Aranha formou um corpo provisório com conterrâneos do Alegrete e se apresentou ao comando da 3ª RM, que o designou para chefiar a vanguarda legalista e fazer o reconhecimento da região onde provavelmente estariam as forças rebeldes. O encontro entre os dois grupos se deu nos campos do Seival, no município de Caçapava do Sul, a 25 de novembro. Nesse combate Osvaldo Aranha foi atingido no pé direito por uma bala que esfacelou os ossos do calcanhar. Levado imediatamente para Lavras, onde sua mulher Vindinha foi encontrá-lo, recebeu o primeiro atendimento sendo então transferido para Bajé, onde foi controlada forte infecção, evitando-se a amputação do pé. Durante anos, contudo, sofreu as seqüelas deste ferimento, o que o obrigou, inicialmente a usar bengalas e depois sapatos especiais.
Aproveitando o crescente prestígio de Aranha pela sua bravura no Seival, Borges de Medeiros inclui-o na chapa de candidatos do PRR a deputado estadual nas eleições de 15 de novembro de 1926. Aranha, ainda acamado, foi folgadamente eleito para a Assembléia de Representantes do estado, mas não assumiria o novo cargo pois logo seria eleito também para a Câmara Federal.
De fato, no início de janeiro de 1927, Borges de Medeiros colocou um trem à disposição de Aranha para trazê-lo a Porto Alegre onde foi triunfalmente recebido e recepcionado pelo próprio presidente do estado. No mesmo dia, discursou da sacada do Grande Hotel para um grande público reafirmando seus compromissos com o PRR. Após certa hesitação em razão de seu estado de saúde e de preocupações com a política de sua cidade natal da qual ainda era intendente, Aranha aceitou concorrer a uma vaga para deputado federal , aberta pela ida de Getúlio Vargas para o ministério da Fazenda. Foi eleito em 24 de fevereiro, pelo segundo distrito, juntamente com Flores da Cunha, Firmino Paim Filho, Sérgio de Oliveira e, pela oposição, Batista Lusardo. Osvaldo Aranha tomou posse do seu mandato na Câmara Federal no Rio em 26 de maio de 1927, vindo a integrar os trabalhos parlamentares.
Sua permanência na capital da República, todavia, foi breve e interrompida por duas viagens ao Rio Grande do Sul em junho-julho e em novembro para tratar de problemas políticos no Alegrete relacionados com o seu antigo vice-intendente e para providenciar nova eleição para a intendência, ocupada finalmente pelo candidato proposto por Aranha. Até 1930, continuaria a ter grande influência sobre a política de seu município natal. Com a eleição de Vargas, em novembro de 1927, para a presidência do Rio Grande do Sul, Aranha foi convidado para ocupar a Secretaria do Interior e Justiça do estado. Assumiu o cargo em janeiro de 1928. Eram da responsabilidade daquele órgão de governo as diretorias de Higiene e de Instrução Pública, a Brigada Militar e a polícia do estado, entre outros departamentos. Naquelas duas diretorias a gestão de Aranha foi caracterizada por medidas de certo modo inovadoras, tais como a criação dos primeiros postos de higiene e elaboração do Regulamento das Escolas Complementares, então uma das bases do ensino primário. Um dos estabelecimentos de ensino criados nesse período foi a Escola Complementar de Alegrete, hoje Instituto Osvaldo Aranha. O ponto básico de sua administração, no entanto, foi a preocupação em assegurar maior autonomia econômica ao estado. Vargas procurou, logo nos primeiros dias de seu governo, avaliar a situação deficitária vivida pelas indústrias gaúchas, especialmente as do vinho, da banha e do charque, principais produtos do Rio Grande. Após alguns meses de estudos, realizados por uma pequena equipe da Secretaria do Interior, Aranha apresentou um programa de ação que seria publicado em 1929 com o título O sindicalismo no Rio Grande do Sul. Esse documento, um balanço dos empreendimentos agrícolas e industriais do estado, apontava deficiências básicas da economia gaúcha, responsáveis por um processo de superprodução, dispersão do crédito e concorrência sem lucro que levou a uma crise industrial. Para eliminar tais deficiências, Aranha propunha a formação de associações ou sindicatos de produtores agrícolas industriais, primeiro passo para a eliminação do excesso de produtos e marcas. Da adoção desse programa resultou no final da década de 1920 um aumento do impulso associativo. Pelo menos três grandes sindicatos de produtores foram criados: o do charque, o da banha e o do vinho. Por seu lado, os comerciantes organizaram a Federação das Associações Comerciais do estado. A atuação de Osvaldo Aranha foi contudo desviada dos problemas gaúchos ao se iniciar no Distrito Federal o debate sobre a sucessão do presidente Washington Luís.
A Aliança Liberal e a Frente Única Gaúcha
Ao iniciar-se o ano de 1929 já havia fortes indícios de que o presidente Washington Luís não respeitaria na campanha presidencial a rotina dos acordos “café-com-leite”, ou seja, a aliança entre São Paulo e Minas Gerais na condução da política nacional, e se fixaria na candidatura de seu protegido Júlio Prestes, presidente de São Paulo, em detrimento de Minas. Com essa escolha, Washington Luís pretendia garantir a continuidade, no quadriênio seguinte, da linha mestra de seu governo: a política monetária de retorno ao padrão-ouro e de fixação da taxa de câmbio acima dos índices do mercado, prejudicando as exportações. Discordando da candidatura de Prestes, porém, Minas Gerais se aproximou do Rio Grande do Sul, visando com isso lançar um candidato de oposição. As negociações desenvolvidas pelos dois estados foram traduzidas num acordo secreto, assinado em 17 de junho de 1929 por Francisco Campos e José Bonifácio de Andrada e Silva, representantes do presidente Antônio Carlos Ribeiro de Andrada e do Partido Republicano Mineiro (PRM), e Neves da Fontoura, líder da bancada republicana gaúcha na Câmara dos Deputados e representante de Vargas e Borges de Medeiros. Por esse acordo, conhecido como Pacto do Hotel Glória, ficavam acertados, entre outros pontos, o veto de Minas ao nome de Júlio Prestes, a retirada da candidatura mineira de Antônio Carlos e o lançamento de um gaúcho, Borges de Medeiros ou Getúlio Vargas, para encabeçar a chapa oposicionista. No dia seguinte, João Daudt de Oliveira partia para Porto Alegre, levando, a pedido de João Neves, uma cópia do documento para ser entregue a Borges.
Todavia, chegando à capital gaúcha, Daudt foi retido por Vargas, que preferiu confiar a Osvaldo Aranha a missão de ir a Irapuazinho, fazenda de Borges em Cachoeira do Sul, para lhe entregar o texto do documento, acompanhado da carta de Neves e de uma outra, dele próprio, Vargas. Como o secretário do Interior ainda era considerado um dos políticos gaúchos favoráveis à indicação de Júlio Prestes, chegou-se a especular que ele teria ido ao encontro de Borges para comunicar-lhe que a candidatura do presidente paulista havia sido definida. Essa versão foi divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo. De volta de Irapuazinho, Osvaldo Aranha comunicou a Vargas que o líder republicano aprovara, em princípio, o acordo entre os dois estados, estabelecendo apenas algumas condições para referendá-lo, as quais foram logo negociadas por João Neves junto aos representantes mineiros.
Para Getúlio Vargas, no entanto, o pacto representava um acordo precipitado, que poderia comprometer a posição do Rio Grande do Sul frente a Washington Luís, com quem procurava manter uma relação não conflitante: o presidente gaúcho temia as represálias econômicas que poderiam advir de uma ruptura com o governo central. Durante o mês de julho, Vargas, assim como Antônio Carlos, trocou cartas com Washington Luís a propósito do problema sucessório, tendo então revelado ao presidente da República que era candidato, com o apoio de Minas. Poucos dias depois, determinou a ida de Osvaldo Aranha ao Rio de Janeiro com a missão de discutir com o presidente e com representantes do situacionismo federal, mineiro e paulista: o objetivo de Vargas era fazer com que Washington Luís aceitasse sua candidatura ou, pelo menos, a de um tertius que contasse com a aprovação de Minas. As conversações desenvolvidas no Rio por Aranha chegaram ao fim, todavia, sem alcançar qualquer resultado positivo. Durante sua estada na capital federal, os jornais noticiaram que o presidente da República havia oferecido ao secretário gaúcho a vice-presidência na chapa de Júlio Prestes. Segundo João Neves revela em suas memórias, essa notícia era infundada, já que o convite havia sido feito anteriormente ao governador da Bahia, Vital Soares, que aceitara participar da chapa. O principal fator do fracasso da missão de Aranha foi a intransigência do presidente da República em não abrir mão da candidatura de Júlio Prestes.
Enquanto o secretário gaúcho ainda se encontrava no Rio, a comissão executiva do PRM, no dia 30 de julho, lançou a candidatura de Getúlio Vargas e de João Pessoa, presidente da Paraíba, respectivamente à presidência e à vice-presidência da República. Vargas, todavia, condicionou sua indicação à obtenção do apoio do Partido Libertador (PL) gaúcho, o que foi garantido através da formalização da Frente Única Gaúcha (FUG), integrada pelo PRR e PL, a 1º de agosto. O rompimento oficial com o governo ocorreu durante a sessão da Câmara no dia 5, à qual Aranha esteve presente. Nessa ocasião, os deputados aliancistas procuraram justificar o rompimento dos mineiros com o argumento da interferência de Washington Luís em sua própria sucessão. Assim foi deflagrada a campanha da Aliança Liberal, cujo programa propunha a concessão de uma anistia ampla a todos os presos políticos, processados e perseguidos desde 5 de julho de 1922 e, ainda, capitaneando uma série de reformas políticas, o voto secreto.
Osvaldo Aranha seguiu dois dias depois para Minas Gerais em companhia de Francisco Campos, João Neves, José Pires Rebelo e João Simplício de Carvalho, a fim de combinar com Antônio Carlos a organização da campanha eleitoral, examinando suas necessidades e hipóteses. Encerrados os trabalhos, deixou o Rio de Janeiro para Porto Alegre em 19 de agosto. A política mineira, todavia, não entrou unida na campanha. Logo de início, Washington Luís conseguiu recrutar dois mineiros para a campanha do candidato oficial: o ministro da Justiça, Augusto Viana do Castelo, e o diretor da Carteira Comercial do Banco do Brasil, Manuel de Carvalho Brito — responsável pela criação, em Minas, da Concentração Conservadora, de apoio a Júlio Prestes —, o que representou o primeiro revés sofrido pela Aliança Liberal. Enquanto isso, Osvaldo Aranha e João Neves, pelo Rio Grande, e Afrânio de Melo Franco, Francisco Campos e José Bonifácio, por Minas, procuravam consolidar o acordo entre este estado e a Paraíba, de modo a neutralizar a campanha do governo federal, que pretendia abafar a reação contra a imposição de uma candidatura pelo Catete. Esses políticos aliancistas mostravam-se cada vez mais convencidos de que Washington Luís tudo faria para garantir a eleição e posterior reconhecimento de seu candidato, o que os levou a cogitar da possibilidade de preparar um movimento armado.
Por outro lado, após a ruptura dos estados aliancistas com o governo federal, os políticos mais radicais da Aliança, entre os quais já se situava Osvaldo Aranha, passaram a ser procurados por alguns dos “tenentes” exilados em Buenos Aires, como Juarez Távora, Luís Carlos Prestes, Antônio de Siqueira Campos, João Alberto Lins de Barros e Djalma Dutra. Em setembro, segundo seu próprio depoimento, Luís Carlos Prestes encontrou-se com Vargas em Porto Alegre. Dos entendimentos orientados a partir de então, do lado dos exilados, por Luís Carlos Prestes — que apesar de tudo ainda resistia à idéia da participação dos “tenentes” na Aliança —, resultou a ida a Porto Alegre, na primeira quinzena de outubro, de Siqueira Campos, João Alberto e Juarez Távora, que participariam também dos entendimentos com os políticos de Minas e da Paraíba. Dessa reunião entre os políticos gaúchos e os três exilados (Aranha forneceu a Juarez um passaporte falso) ficou decidida a ida de Távora para o Nordeste do país, onde procuraria articular um movimento. Antes, porém, deveria, em companhia de Siqueira, entrar em entendimento, em nome do governo gaúcho, com o presidente Antônio Carlos a respeito da possível contribuição de Minas para a compra de armas no exterior.
Poucos dias depois, a 17 de outubro, Fernando de Melo Viana, vice-presidente da República, rompeu com o PRM por discordar da indicação de Olegário Maciel para o governo de Minas, em substituição a Antônio Carlos. Indispôs-se portanto com a Aliança Liberal, após o que aderiu oficialmente à Concentração Conservadora. Apesar de a política mineira se esforçar em manter os compromissos assumidos com a Aliança Liberal, a dissidência de Melo Viana fez aflorar no PRM sinais de cisão interna. Vargas, procurando aproveitar a situação de modo a estabelecer a reconciliação com Washington Luís, fez forte pronunciamento contra o situacionismo mineiro, censurando sua liderança por não ter sabido evitar o rompimento de Melo Viana.
O presidente gaúcho deu continuidade a seus esforços de reconciliação durante todo o mês de novembro. No dia 29 reuniu-se com Borges de Medeiros, Osvaldo Aranha, João Neves e Flores da Cunha, prevalecendo então a proposta de se fazer uma sondagem junto aos “aliados” (Minas e Paraíba) sobre os termos em que a paz poderia ser negociada. Para Vargas, a manutenção da candidatura liberal não se justificaria caso Júlio Prestes aceitasse o programa da Aliança no seu todo ou mesmo em parte, mas essa opinião foi recusada por Minas, que pressionou os gaúchos a uma decisão. Vargas manteve, no entanto, a dubiedade, ora aproximando-se dos aliancistas mais exaltados, ora de Washington Luís, junto ao qual se fez representar por Paim Filho — responsável pela assinatura, no mês seguinte, de um modus vivendi com o presidente da República e com Júlio Prestes.
Prosseguiram em dezembro os contatos com os revolucionários de 1922 e 1924. Para a ala mais radical da Aliança Liberal, a adesão de Luís Carlos Prestes, que ainda se mantinha arredio a qualquer tipo de colaboração, seria fundamental não apenas para o caso de um possível movimento armado mas principalmente para a vitória da chapa aliancista nas eleições de 1º de março de 1930, uma vez que a marcha da Coluna Prestes pelo interior do país havia transformado o líder tenentista no nome de maior prestígio popular nas regiões por onde passara, tornando-o inclusive conhecido como o Cavaleiro da Esperança. Assim, no início do mês, Osvaldo Aranha, atendendo à insistência de João Alberto, Siqueira Campos e Juarez Távora, convidou Prestes para um encontro na capital gaúcha e lhe ofereceu a chefia militar do movimento. Prestes, todavia, não desejava fazer a revolução com os políticos e, sem se comprometer formalmente, impôs condições para chefiar a luta: preparação militar por ele dirigida, dinheiro e um esquema de sustentação para as manobras e viagens de seus companheiros e para ele mesmo. Tudo isso foi-lhe garantido por Osvaldo Aranha, como representante de Vargas. O dinheiro foi-lhe entregue mais tarde, parte por intermédio de um banco em Montevidéu e parte pessoalmente por Rubens Antunes Maciel. Com o rompimento de Prestes em maio do ano seguinte, no entanto, esse dinheiro não chegaria a ser utilizado pelos revolucionários, tendo sido empregado somente em 1935, quando dos preparativos para a Revolta Comunista de novembro.
Essa primeira fase do movimento conspirativo não implicava ainda uma preparação real para a luta armada. Os contatos eram realizados paralelamente à propaganda da Aliança Liberal com vistas às eleições. A idéia de uma revolução repugnava ainda a alguns dos principais aliancistas, como Borges de Medeiros e Antônio Carlos. O início de 1930 foi marcado pelo crescimento do apoio popular à Aliança. No dia 2 de janeiro, Getúlio Vargas, acompanhado de João Pessoa, leu sua plataforma de candidato numa grande manifestação realizada na esplanada do Castelo, no Rio de Janeiro. Em seguida, a Aliança Liberal organizou caravanas que percorreram os estados fazendo a pregação de seu programa. Já em fevereiro Osvaldo Aranha assumiu interinamente a presidência do Rio Grande do Sul, uma vez que Vargas não considerava lícito presidir as eleições no estado sendo ele próprio um dos candidatos à chefia da República. A indicação de Osvaldo Aranha provocou profundo mal-estar, pois João Neves da Fontoura, então vice-presidente do estado, era o substituto legal de Vargas.
A Revolução de 1930
Aplicando os métodos típicos da época aos quais, onde pôde, também não se furtou a oposição, não foi difícil a Washington Luís obter a 1º de março de 1930 a vitória de Júlio Prestes e de seu companheiro de chapa, Vital Soares, com grande diferença de votos sobre a chapa da Aliança Liberal. Ganhou força, então, a perspectiva de um movimento armado. Ao longo do mês, Osvaldo Aranha transmitiu aos governantes de diversos estados as denúncias que recebera sobre fraudes eleitorais, enviando protestos ao Ministério da Justiça por esses acontecimentos, assim como ao Ministério das Relações Exteriores pela divulgação do resultado do pleito no exterior antes do término das apurações. Trocou ainda correspondência com Washington Luís sobre o desenrolar das eleições no Rio Grande do Sul e no restante do país.
Em 19 de março, todavia, Borges de Medeiros concedeu entrevista reconhecendo a vitória de Júlio Prestes e, de modo a encerrar o assunto, considerando positivo o fato de ele ter superado Vargas por margem indiscutível de votos. Declarou ainda que o Rio Grande do Sul deveria, se convidado, cooperar com o futuro governo. Evidenciava-se assim a divergência entre os integrantes da Aliança Liberal, especialmente dentro do PRR: enquanto o grupo liderado por Osvaldo Aranha e João Neves lutava pela organização de um levante armado, outros, como Borges, davam por encerrada a coalizão. As declarações do líder republicano provocaram, portanto, forte reação. Segundo Alexandre Barbosa Lima Sobrinho, a dissidência chefiada por Aranha e João Neves correspondia à posição do PL e da população gaúcha de forma que o PRR e a FUG seriam diretamente atingidos caso esses políticos assumissem a ruptura com o governo federal. Uma reunião na chácara de Osvaldo Aranha entre este, João Neves, Lindolfo Collor e Maurício Cardoso foi objeto de grande atenção, pois ali se decidiria o rompimento com Getúlio ou a obediência ao partido. À última hora, Vargas decidiu participar do encontro, o que amenizou as diferenças. Ao término dos debates, ficou decidido não dividir o PRR, prestigiar a chefia de Borges e transmitir a este a convicção de que o Rio Grande do Sul, tendo em vista os compromissos assumidos, não poderia entrar em entendimentos com Júlio Prestes.
Essas resoluções tornaram-se a base de um documento conhecido como Heptálogo do Irapuazinho. Elaborado por João Neves, fixava sete normas principais que deveriam pautar a atuação da bancada republicana frente à nova conjuntura. O documento foi integralmente aprovado por Borges, mas Getúlio Vargas se mostrou contrariado, não com as propostas em si, mas com o que representou a inversão das praxes até então adoradas pelo partido, ou seja, com o Heptálogo a bancada estaria, no entender do presidente gaúcho, determinando a orientação a ser adotada pelo PRR e pelo governo do estado. A posição de Vargas levou João Neves a anunciar que renunciaria ao mandato de deputado federal, mas a divergência foi eliminada por intermédio de Osvaldo Aranha, que era favorável ao documento. Ele foi ao encontro de Neves em Cachoeira do Sul, dizendo-se autorizado a lhe garantir o apoio de Vargas para que reassumisse a cadeira na Câmara e cumprisse integralmente as disposições do Heptálogo.
Ao mesmo tempo, no Rio, João Batista Luzardo, então um dos dirigentes do PL e deputado federal, comunicava ao político mineiro Virgílio de Melo Franco que as forças políticas gaúchas estavam dispostas a adotar o caminho armado sob a condição de que seu estado fosse acompanhado por Minas e pela Paraíba. Encontrou-se em seguida, em companhia de Virgílio, com Antônio Carlos, que o autorizou a declarar aos chefes políticos gaúchos e ao ex-presidente Epitácio Pessoa que Minas aceitaria a solução armada caso o Rio Grande a adotasse. Epitácio Pessoa concordou com os mineiros e se comprometeu a consultar o presidente da Paraíba, seu sobrinho João Pessoa, a quem caberia a última palavra sobre a atitude de seu estado. Em 25 e 26 de março Luzardo reuniu-se em Porto Alegre com Osvaldo Aranha, João Neves, Flores da Cunha, Maurício Cardoso e Lindolfo Collor, todos envolvidos na conspiração, e com Getúlio Vargas. De volta ao Rio no dia 28, relatou a Virgílio o resultado de sua viagem: Borges de Medeiros havia retificado suas declarações sobre a eleição de Júlio Prestes, Getúlio não deixara dúvidas quanto à sua disposição de desencadear o movimento e Osvaldo Aranha se encontrava em plena atividade conspiratória. Com este último ficou acertada, também, a ida de seu irmão Luís ao Rio de Janeiro e a Belo Horizonte para discutir com os políticos mineiros e paraibanos os termos em que os três estados se comprometeriam a entrar na revolução.
Chegando ao Rio em companhia de Luzardo e Virgílio de Melo Franco, Luís Aranha entrevistou-se no dia 12 de abril com Epitácio Pessoa, a quem transmitiu os preparativos para o movimento. Osvaldo Aranha acelerava a conspiração, encomendando na Tchecoslováquia cerca de 16 mil contos de réis em material bélico e munições. O Rio Grande do Sul deveria participar com a metade dessa quantia, cabendo seis mil contos a Minas e dois mil à Paraíba. Após obterem o apoio resoluto de Artur Bernardes, os três políticos seguiram para Belo Horizonte, onde conversaram com Antônio Carlos, Francisco Campos, secretário de Justiça, e Djalma Pinheiro Chagas, secretário da Agricultura. Ficou combinado que Minas daria a contribuição estipulada e que Francisco Campos acompanharia Luís Aranha ao Rio Grande para verificar o andamento dos preparativos.
O político mineiro desembarcou em Porto Alegre no dia 18. Com Getúlio Vargas e Osvaldo Aranha acertou os termos segundo os quais Minas aceitaria participar da revolução. Os mineiros se obrigavam a desencadear o movimento simultaneamente com o Rio Grande do Sul e a Paraíba no momento determinado. Militarmente, caberia a Minas desviar a atenção das tropas federais sediadas no estado, fechar as fronteiras e provocar o deslocamento das tropas legalistas do sul de São Paulo de modo a facilitar o avanço gaúcho em direção ao Distrito Federal. No Sul o movimento seria liderado por Osvaldo Aranha e João Alberto; no Nordeste, por João Pessoa e Juarez Távora; em Minas, por Antônio Carlos e o tenente Leopoldo Néri da Fonseca; e em São Paulo, por Siqueira Campos, em comum acordo com a direção do Partido Democrático (PD).
Borges de Medeiros ainda se mantinha em maio numa posição conciliadora, procurando evitar a cisão cada vez mais visível no interior do PRR, com a ala radical liderada por Aranha e Neves se contrapondo à de Paim Filho, Vespúcio de Abreu e Augusto Pestana, que consideravam a adoção da solução armada inconciliável com o partido. Vargas, por seu lado, continuava enigmático. Apesar das divergências, ainda no início do mês Aranha estabeleceu a data de 16 de julho para a eclosão do movimento, considerando que todos os “tenentes” exilados já estavam informados, que a preparação militar progredia em Minas e que fora acertada a cooperação de guarnições federais em São Paulo. Minas, todavia, encontrava dificuldades para reunir a quantia que lhe coubera para os preparativos e que era reclamada com urgência por Osvaldo Aranha: dos seis mil contos de réis que se comprometera a fornecer só conseguiu juntar dois mil. Idêntica dificuldade teve o governo da Paraíba, vítima de boicote financeiro por parte de Washington Luís, só conseguindo enviar mil contos de réis.
A publicação de um manifesto de Luís Carlos Prestes em fins de maio comunicando sua adesão ao comunismo provocou certo retrocesso nas articulações, principalmente porque veio reforçar o impacto causado, ainda no início do mês, pela morte de Siqueira Campos, a quem cabia coordenar a conspiração em São Paulo. Por outro lado, em 1º de junho, Vargas lançava um manifesto à nação denunciando os procedimentos do governo federal durante as eleições e afirmando não estar longe “a necessária retificação, para vermos a democracia brasileira no regime que exige a felicidade pátria”. Nos dias seguintes, porém, o presidente Antônio Carlos começou a recuar. Em entrevista com João Neves e Flores da Cunha, declarou que estava com o Rio Grande do Sul e seguiria a sua orientação, mas “insinuou — segundo Virgílio de Melo Franco — que o melhor seria firmar-se uma sólida aliança entre os três estados para uma campanha política, ficando de pé o compromisso com a revolução, caso o governo federal interviesse na Paraíba”. Poucos dias depois, ao ser informado de que fora escolhida, embora ainda a se confirmar, a data de 16 de julho para a deflagração do movimento, Antônio Carlos tornou a se mostrar hesitante, criticando o que considerava precipitação dos revolucionários gaúchos, aos quais acusou ainda de terem marginalizado Borges de Medeiros.
Segundo Virgílio de Melo Franco explicaria depois, em Outubro, 1930, ele e seus companheiros de conspiração em Belo Horizonte haviam exagerado muito, aos olhos do presidente mineiro, a extensão dos preparativos do movimento, não só em Minas como em outros pontos do país. Mas não puderam impedir que, em meados de junho, ao perceber que a situação não era tão favorável quanto lhe fora apresentada, Antônio Carlos acusasse Osvaldo Aranha e ele próprio, Virgílio, entre outros conspiradores, de o estarem envolvendo e a Minas em uma aventura louca. Nesse momento, mostrou-se decidido a fazer abortar o movimento. Essa opinião foi confirmada pouco depois, no dia 17 de junho, quando Antônio Carlos encarregou Francisco Campos de enviar a Osvaldo Aranha um radiograma cifrado afirmando que o presidente de Minas considerava o movimento inteiramente sem articulação, deficientemente preparado e sem probabilidade de sucesso e propondo um acerto entre os dois estados com vistas a uma campanha política. Quanto à possibilidade de intervenção na Paraíba pelo governo federal, era defendida a necessidade de um novo estudo da situação.
A resposta de Aranha foi imediata. Otimista quanto ao movimento, entendia no entanto não ser conveniente o prosseguimento dos preparativos sem um objetivo certo e definido. Nesse sentido, instou o governo mineiro a se posicionar em relação à luta armada. No dia 21, Francisco Campos voltou a se comunicar com ele, reiterando que Antônio Carlos preconizava uma ação exclusivamente política e concluindo com a opinião — que deu como sua, mas que lhe fora ditada pelo próprio Antônio Carlos — de que o chefe do governo mineiro queria evitar o movimento. Dois dias depois, veio a áspera resposta de Aranha: arcava o presidente de Minas com inteira responsabilidade da desistência (“Meu pensamento situação pior que dos negros sofreram escravidão com menor ridículo”). Preocupado com a repercussão de sua atitude, Antônio Carlos ainda tentou transferir a responsabilidade da participação ou não de Minas ao presidente do estado eleito (em março), Olegário Maciel. Percebendo a manobra, Virgílio de Melo Franco obteve de Cristiano Machado, responsável pela pasta do Interior no futuro secretariado, que enviasse a Olegário uma mensagem sugerindo uma resposta que desencorajasse Antônio Carlos.
Depois de entendimentos realizados com a direção do PRM, Virgílio de Melo Franco radiografou a Osvaldo Aranha no dia 27 de junho dizendo-lhe que a situação não deveria ser encarada com pessimismo, de vez que o presidente de Minas estava isolado em sua posição vacilante. Achava ainda que, se o Rio Grande do Sul exigisse o cumprimento do compromisso assumido, o próprio Antônio Carlos não faltaria à palavra dada. Osvaldo Aranha respondeu-lhe no dia seguinte: “Minha convicção você e eu vítimas mistificação vergonhosa. Estou farto dessa comédia. Impossível continuar sob direção chefe tão fraco que desanima os próprios soldados. Minha disposição inabalável abandonar vida política.” Por outro lado, o recuo de Antônio Carlos proporcionou a Getúlio o pretexto de que precisava para recuar ele próprio, o que levou Osvaldo Aranha a apresentar, ainda no dia 27, seu pedido de demissão da Secretaria de Justiça. Fracassava assim a primeira tentativa de desencadear a revolução: a saída de Aranha provocou profundo desânimo entre os conspiradores, levando seu principal articulador militar, o tenente João Alberto, a retornar a Buenos Aires.
No mês de julho, enquanto os conspiradores mais obstinados lutavam para manter os preparativos, que se desmanchavam sob o efeito de fracassos e discordâncias, ocorreu no dia 26 o assassinato de João Pessoa, em Recife. A chegada da notícia ao Rio Grande coincidiu com o banquete que era oferecido a Osvaldo Aranha no Clube do Comércio. Logo foram improvisados alguns discursos, o primeiro deles por Aranha, seguido pelos de João Neves e Flores da Cunha, insistindo na impossibilidade de o Rio Grande se manter impassível. No dia seguinte, Aranha e Vargas foram procurados por Virgílio de Melo Franco, que viajara a Porto Alegre, como representante formal dos mineiros, com a missão de atuar na preparação do movimento armado. De sua atuação resultou o reatamento das negociações entre os dois estados, apesar de Antônio Carlos ter mandado dizer a Getúlio que não representava o pensamento de Minas. Ao mesmo tempo, no Rio, Olegário Maciel declarava a Maurício Cardoso estar de acordo com o movimento, desde que ocorresse antes de sua posse, a 7 de setembro.
Osvaldo Aranha — que em acordo com Vargas continuava a centralizar a organização do movimento — supunha que toda a articulação revolucionária poderia ser feita até o final de agosto, prevendo assim a eclosão do movimento para o início de setembro, no mais tardar. O estado-maior que atuava na capital gaúcha era chefiado pelo tenente-coronel Pedro Aurélio de Góis Monteiro — que fora chamado a desempenhar essa função depois que Prestes recusara o convite —, sendo integrado ainda por Aranha — em dedicação exclusiva —, por Miguel Costa e Newton Estillac Leal. O andamento dos preparativos, no entanto, se ressentia da ausência de João Alberto. Em meados de agosto, retornando de Buenos Aires, ele passou a integrar o estado-maior, dando novo impulso às articulações. Opinou então que o movimento não estaria maduro antes do final do mês de modo a que se pudesse deflagrá-lo ainda durante o mandato de Antônio Carlos, com o que concordou Osvaldo Aranha. Pressionado, todavia, pelos representantes mineiros, o ex-secretário gaúcho acabou por estabelecer como data provável da deflagração a madrugada de 25 de agosto. Poucos dias antes dessa data, no entanto, ele e João Alberto chegaram à conclusão de que ainda não havia preparação suficiente. Num clima de desconfianças recíprocas entre os conspiradores dos diferentes estados, a notícia gerou grande tensão: do Nordeste, Juarez Távora escreveu a Osvaldo Aranha pedindo-lhe que apressasse o movimento para evitar um levante isolado na Paraíba, onde era grande a exaltação.
A conspiração sofreu uma de suas maiores crises no Rio Grande do Sul entre os dias 20 e 30 de agosto. Regressando da estância de Borges de Medeiros, o político Otelo Rosa, do PRR, anunciou em Porto Alegre uma entrevista em que exporia a opinião do líder republicano contrária à solução armada. Como a notícia foi utilizada pelos políticos interessados em impedir a eclosão do movimento, Aranha procurou Otelo Rosa e dele obteve o compromisso de sustar a entrevista enquanto o ex-secretário não se entendesse pessoalmente com Borges: dada a autoridade e prestígio de que Borges desfrutava junto ao partido, qualquer pronunciamento seu condenando a revolução acabaria por dividir o estado, enfraquecendo o movimento antes de seu início e excluindo a possibilidade de que as forças gaúchas marchassem de imediato para o norte.
Pouco depois desse entendimento, João Neves, que se encontrava em Porto Alegre, recebeu um telegrama de Cachoeira do Sul prevenindo-o de que o subintendente da cidade partia para a capital levando carta de Borges de Medeiros a Vargas em que o líder do PRR vetava a revolução. A notícia foi confirmada em seguida com a chegada do subintendente. Aranha, após se entender com Getúlio, convocou uma reunião, à qual compareceram Flores da Cunha, João Neves, Lindolfo Collor, João Alberto e Virgílio de Melo Franco. No encontro ficou estabelecido que, independentemente das circunstâncias, mesmo que fosse impossível a recomposição da unidade política gaúcha, a decisão de marchar para a revolução era irrevogável. Mas até lá o objetivo principal seria obter o apoio de Borges de Medeiros. Coube a Aranha, devidamente autorizado por Vargas, procurar o líder republicano em sua estância, de onde conseguiu trazer não apenas a aprovação de Borges como também sua promessa de contribuir para a revolução em tudo o que estivesse a seu alcance.
Raul Pilla, líder libertador, convocou no final do mês o diretório central de seu partido para protestar contra o que considerava exclusão sistemática do PL das deliberações revolucionárias. Em carta a Osvaldo Aranha, Pilla afirmava desconhecer a orientação que vinha sendo dada ao movimento, acusando as lideranças políticas de pretenderem afastar o PL, o que foi negado pelo ex-secretário do governo de Vargas.
Em 11 de setembro, finalmente, Góis Monteiro e Osvaldo Aranha consideraram concluída a fase de preparação. Segundo Virgílio de Melo Franco, Aranha só assumiu a responsabilidade de convidar Vargas para fixar a data da eclosão do movimento quando teve a certeza de que todos os preparativos tinham sido feitos: sua relutância em assumir o risco da revolução sem que tudo estivesse previsto decorria do fato de que Vargas lhe havia entregue “a direção dos trabalhos... com a advertência de que o movimento só seria desencadeado no dia em que ele desse por concluída a sua preparação, a qual o presidente do estado, aliás absorvido pela administração, mal acompanhava”. Mesmo assim, ao saber que a data já poderia ser marcada, Getúlio ainda exigiu a ida de um emissário ao Rio para procurar os generais Augusto de Tasso Fragoso, Alfredo Malan d’Angrogne e Francisco de Andrade Neves, todos simpáticos à Aliança Liberal, e conseguir deles o compromisso de impedir, no caso de o movimento se sair vitorioso, que o governo caísse “em mãos alheias” antes da chegada dele, Getúlio, ao Rio. Para essa consulta foi indicado Lindolfo Collor.
Com o regresso de Collor no dia 20 de setembro, Aranha fez as consultas definitivas a Juarez Távora, encarregado da revolta nos estados do Norte, e a Minas, após o que ele e Getúlio escolheram o dia 3 de outubro para desencadear o movimento. Logo em seguida, Aranha enviou novo telegrama a Távora, comunicando-lhe que o início do levante havia sido fixado para as 17 horas e 30 minutos daquele dia. Como resposta, recebeu o pedido para que o movimento fosse iniciado na madrugada do dia 4, conforme já havia sido combinado com as chefias revolucionárias nortistas. Um fator importante no movimento era a simultaneidade das revoltas, mas devido a uma série de mal-entendidos, relacionados com a redação e leitura do telegrama, Aranha respondeu-lhe achando que ele teria concordado com sua proposta. Desse modo, as rebeliões teriam início em horas diferentes.
Durante o período em que se desenvolveram os preparativos revolucionários, dona Vindinha Aranha presenciou quase todas as reuniões realizadas no Rio Grande do Sul, tendo colaborado, nessas ocasiões, na codificação das resoluções que eram tomadas, para posterior divulgação. Auxiliou também na decifração dos telegramas recebidos.
A revolução começou em Porto Alegre precisamente às 17 horas 30 minutos do dia 3 de outubro, com Osvaldo Aranha e Flores da Cunha chefiando o ataque ao quartel general, sedes dos comandos do Exército e da Região Militar. Às 11 horas da noite estavam dominadas todas as guarnições militares da capital gaúcha, à exceção do 7º Batalhão de Cavalaria, comandado pelo coronel Benedito da Silva Acauã, que opôs forte resistência aos rebeldes até constatar a inutilidade de tal esforço. No resto do estado os acontecimentos decorreram mais ou menos da mesma forma. Em 48 horas todas as guarnições já se haviam rendido ou aderido ao movimento. Depois de controlada a situação em todo o Rio Grande do Sul, as forças revolucionárias foram reestruturadas em batalhões, formados pelas tropas federais e voluntários. Assim, já no dia 5 partia o primeiro batalhão gaúcho, sob o comando do tenente Alcides Etchegoyen, para tomar Santa Catarina. No dia seguinte, Aranha telegrafou a João Neves da Fontoura informando-o de que, além do Rio Grande, os revolucionários já tinham o controle de Santa Catarina e do Paraná, mas que o Norte e Minas ainda resistiam.
Decidido a assumir o comando revolucionário, Getúlio Vargas transferiu o governo do estado a Osvaldo Aranha, muito embora devesse fazê-lo a João Neves, que ocupava a vice-presidência. Em carta enviada a este último, Vargas alegava que, dada a incerteza do desfecho do movimento, não poderia prescindir de sua atuação como líder da bancada republicana na Câmara Federal. Descontente com a solução, Neves decidiu embarcar com as tropas revolucionárias, apresentando sua renúncia ao cargo. A indicação de Aranha gerou profundo mal-estar entre ele e João Neves e entre este e Vargas, tendo sido feitas diversas tentativas para dissipá-lo, sem que fossem obtidos maiores resultados. Em relação a Getúlio, o incidente foi dado por encerrado por João Neves ao receber uma carta daquele afirmando a continuidade da amizade entre ambos a despeito da divergência política. Quanto a Aranha, contudo, permaneceu a incompatibilidade. Assim, no dia 11 de outubro, após nomear novamente Aranha secretário do Interior, Getúlio Vargas transmitiu-lhe o governo gaúcho, assumindo ele próprio o comando das tropas que marchavam em direção ao Distrito Federal. Na presidência do estado, Osvaldo Aranha teve que enfrentar de imediato a falta de armamentos para os revolucionários. Manteve, então, correspondência com Lindolfo Collor, que se encontrava em Buenos Aires procurando obter armas com o Estado-Maior argentino.
A ofensiva que estava sendo preparada em Itararé (SP), onde se concentravam cerca de 40 mil homens das tropas revolucionárias, foi suspensa a 24 de outubro por Góis Monteiro, que recebera a notícia da deposição de Washington Luís por uma junta governativa provisória formada pelos generais Tasso Fragoso e João de Deus Mena Barreto e pelo almirante Isaías de Noronha. À falta de maiores informações, o estado-maior revolucionário ficou apreensivo quanto ao rumo dos acontecimentos na capital da República. Por outro lado, a junta mantinha uma atitude ambígua: a nomeação de seu ministério e a adoção de várias medidas legislativas traduziam certa intenção de permanecer no poder. Consultado Afrânio de Melo Franco, pai de Virgílio, nomeado para a pasta das Relações Exteriores, o estado-maior revolucionário obteve a justificativa de que tais nomeações se faziam indispensáveis à manutenção da ordem pública e que a junta aceitava a posse de Vargas na presidência da República.
Os planos de Getúlio, contudo, não previam a partilha do poder. Assim, encarregou Osvaldo Aranha de partir para o Rio a fim de negociar com a junta sua posse no governo. No dia 25, ainda no Rio Grande do Sul, Aranha telegrafou a Tasso Fragoso: “A V. Excia. com a Junta Governativa, assim como às classes armadas e às populações ainda não libertadas cabe não só o dever de não resistir, senão o de incorporarem-se à insurreição geral dos brasileiros, cooperando com ela sem preconceitos.” Como resposta, Tasso Fragoso definiu como exclusivamente patrióticos os objetivos que nortearam a junta. Paralelamente, foi dada ordem às tropas rebeldes de continuarem seu avanço em direção à capital.
Aranha chegou ao Rio no dia 27, acompanhado de dona Vindinha, Lindolfo Collor e Herculino Cascardo, reunindo-se em seguida com os membros da junta governativa para esclarecer em que condições seria dada posse a Getúlio. Após longa e detalhada exposição dos propósitos revolucionários, a junta acabou por ceder aos aliancistas e entregou o poder a Vargas, que se tornou chefe do Governo Provisório instalado em 3 de novembro de 1930.
Ministro da Justiça: a implantação da nova ordem
No dia 5 de novembro Aranha assumiu a pasta da Justiça e Negócios Interiores. Já como ministro, concedeu entrevista ao jornal carioca Correio da Manhã na qual declarou: “A revolução não reconhece direitos adquiridos. Esses direitos eram decorrentes da Constituição: mas esta já não existe. Estamos diante de uma situação revolucionária plenamente vitoriosa... O próprio Supremo Tribunal Federal, a cujas portas se bate pedindo habeas-corpus, está inibido de agir. Ele existe em função da Constituição. Estando esta suspensa, ele não poderá fazer sentir sua ação... Temos que começar vida nova, em tudo.”
Devido à pressão de elementos militares e à influência de políticos civis liderados pelo novo ministro da Justiça, foi baixado no dia 11 de novembro o Decreto-Lei nº 19.398, institucionalizando os poderes discricionários do chefe do Governo Provisório, o qual passava a reunir em suas mãos as funções e atribuições não só do Poder Executivo como também do Legislativo, expressas pela faculdade de governar através de decretos-leis. Pelo mesmo instrumento, ficavam dissolvidos o Congresso Nacional, as câmaras estaduais e municipais, além de todos os demais órgãos legislativos ou deliberativos existentes no país, criando-se um quadro de exceção que deveria perdurar até a eleição de uma assembléia nacional constituinte. Era determinada também a substituição dos governadores de estado por interventores, responsáveis apenas perante o presidente da República.
Pelo artigo 16 do mesmo decreto criou-se o Tribunal Especial, cuja função era apurar e identificar os responsáveis pela prática de atos contrários à vida constitucional e por irregularidades administrativas que teriam sido praticadas durante o governo de Washington Luís. A partir de fevereiro de 1931 o Tribunal Especial ficou incumbido também de julgar todos os fatos que comprometessem a “obra de reconstrução”. Sua duração, todavia, foi efêmera. No mês seguinte, quando do processo de proibição da saída de Artur Bernardes do país, verificaram-se profundas divergências entre seus juízes, a maioria dos quais se demitiu. Partindo de uma orientação mais flexível, foi criado no final de março o segundo órgão da justiça revolucionária, a Junta de Sanções. Instalada no mês seguinte, compunham-na Osvaldo Aranha, o general José Fernandes Leite de Castro, ministro da Guerra, Francisco Campos, ministro da Educação, e dois procuradores aos quais cabia preparar os relatórios sobre os diversos casos para posterior exame dos ministros. Em agosto foi aumentado para cinco o número de juízes, que passariam a ter poder decisório desde que com maioria. Essa alteração deve ter resultado possivelmente da dificuldade dos três ministros em se reunirem com freqüência para estudar e julgar os processos instruídos pela procuradoria. Poucos dias depois verificou-se na Junta de Sanções a crise final, provocada pela renúncia de Leite de Castro, que discordava da natureza dos processos levados a julgamento: para esse militar, somente as lideranças deveriam ser julgadas e não o grande número de pessoas que vinha sendo envolvido nos processos.
Assim, frente à necessidade de revisão das diretrizes da justiça revolucionária, determinou-se a extinção da Junta de Sanções substituída em setembro de 1931 pela Comissão de Correição Administrativa que sugeria medidas e aplicava sanções às autoridades administrativas, encaminhando os eventuais processos, com os respectivos pareceres, ao chefe do Governo Provisório. A grande dificuldade enfrentada pelo órgão — integrado por Osvaldo Aranha, pelo major Juarez Távora, pelo capitão Ari Parreiras, pelo procurador Temístocles Cavalcanti e pelos subprocuradores Miguel de Oliveira e Benjamim Reis Júnior — foi o processo referente à má administração do Banco do Brasil, a qual, segundo fora apurado anteriormente em sindicância ordenada pelo Tribunal Especial, havia causado aos cofres públicos, entre 1922 e 1930, prejuízos da ordem de 240 mil contos de réis. A campanha contra o julgamento desses casos foi intensificada, já que muitas vezes as investigações envolviam os interesses de pessoas ligadas à indústria e às finanças. Segundo os jornais da época, esse teria sido também o motivo do pedido de demissão do ministro da Fazenda, José Maria Whitaker, em novembro de 1931. A Comissão de Correição Administrativa, último órgão da justiça revolucionária, seria extinta em 1932, com a Revolução Constitucionalista.
Ainda durante sua gestão no Ministério da Justiça e Negócios Interiores, Osvaldo Aranha foi responsável pela elaboração do decreto do Governo Provisório concedendo “anistia a todos os civis e militares que direta ou indiretamente se envolveram nos movimentos revolucionários ocorridos no pais” (9/11/1930), pela criação da Corte de Apelação (19/11/1930) e pela reforma do Supremo Tribunal Federal (STF), que teve o número de seus membros reduzido para 11 (3/2/1931).
Ao promulgar o decreto que institucionalizava os poderes discricionários do chefe do Governo Provisório, Vargas alegara que esta situação deveria perdurar apenas até que fosse eleita a Assembléia Nacional Constituinte, que se tornou assim a principal questão do quadro político. Em fevereiro de 1931 o ministro da Justiça apresentou a Vargas, para sua assinatura, decreto criando uma comissão para estudar e rever toda a legislação eleitoral devendo apresentar por fim um projeto de novo código na matéria. Esta foi a primeira iniciativa formal do governo para encaminhar a questão da constitucionalização. Instalada em maio, só em janeiro de 1932 a comissão iria acelerar seus trabalhos, pouco depois da posse de Maurício Cardoso no Ministério da Justiça, em substituição a Osvaldo Aranha. Este, durante sua permanência à frente da pasta, foi contrário, por sua ligação com os “tenentes”, a uma reconstitucionalização imediata do país, defendendo, ao invés disso, a “reconstrução autêntica” da nação.
O “Gabinete Negro” e as legiões revolucionárias
Ante a precariedade do programa da Aliança Liberal e a necessidade de definições dos rumos do Governo Provisório, um grupo de civis e militares identificados como os “verdadeiros revolucionários” passou a se reunir no palácio Guanabara, ainda em novembro de 1930, para discutir aquelas questões. Contando com a participação de Osvaldo Aranha, Leite de Castro, Ari Parreiras, José Américo de Almeida, Juarez Távora, Pedro Ernesto e João Alberto (que, embora interventor em São Paulo, vinha ao Rio freqüentemente) e presidido por Getúlio Vargas, esse grupo foi denominado pela imprensa “Gabinete Negro”. Nos encontros verificou-se a dificuldade de se estabelecer um denominador comum entre os diferentes setores que haviam apoiado a revolução. Assim, sob a inspiração de Osvaldo Aranha e a liderança de Góis Monteiro, Miguel Costa, João Alberto e Juarez Távora, seria criada a Legião de Outubro (também denominada Legião Revolucionária), visando dar conteúdo, organização e unidade aos princípios da revolução. No dia 12 de novembro foi divulgado o primeiro manifesto do segmento paulista da Legião, assinado pelos líderes tenentistas João Alberto e Miguel Costa, além de João de Mendonça Lima. O documento apresentava a idéia do ministro da Justiça de se formarem agremiações com o objetivo de congregar as forças adeptas da revolução.
Um segundo manifesto, assinado pelo próprio Aranha e por Góis Monteiro, foi divulgado pela imprensa três dias depois. Além de enfatizar a necessidade do incentivo ao trabalho revolucionário, o novo texto insistia em que a organização a ser criada deveria ser de âmbito nacional, com características de um “exército civil”. Ao contrário do manifesto de João Alberto, declarava que os propósitos da futura organização não se limitariam aos da Aliança Liberal, buscando uma transformação mais profunda da vida nacional. Um dos pontos mais polêmicos foi a afirmação de que a Legião de Outubro não seria um partido político e nem concorreria com as organizações partidárias já constituídas: sua intenção seria “colaborar com os grupos existentes para o bem do Brasil como um todo, subordinando interesses regionais ao bem comum”.
Para formar a Legião foram realizadas diversas reuniões, a primeira e a mais importante delas na casa de Aranha, a 15 ou 16 de novembro, quando se iniciou a discussão da estrutura e do programa da nova organização. Estavam presentes, entre outros, Plínio Salgado, Augusto Frederico Schmidt, Francisco Clementino de San Tiago Dantas, Gílson Amado, Antônio Gallotti, Américo Jacobina Lacombe e Alfredo Egídio Aranha, primo de Osvaldo, que mais tarde viriam a compor as fileiras da Ação Integralista Brasileira. A presença dessas pessoas mostrava a intenção de Aranha, que ficara encarregado de organizar a Legião no Distrito Federal, de conquistar antigos críticos da revolução. Na reunião seguinte ele indicou Cristiano Buys para o cargo de chefe nacional da organização. Quanto aos estatutos, sua elaboração coube, sob a supervisão do ministro da Justiça, a Raul Bittencourt e a Valdemar de Vasconcelos.
“O papel pessoal de Osvaldo Aranha”, escreve Peter Flynn, “é inconfundível. Seu objetivo, conforme ele declarou mais tarde, era organizar a vitória da mesma forma que tinha organizado a revolução; muitas das idéias que informavam a Legião podem ser encontradas em discursos seus que remontam a dezembro de 1916. Todas as provas sugerem, de modo inequívoco, que nessa fase Osvaldo Aranha foi o principal inspirador da Legião”, contando, para tanto, com o apoio da maioria dos políticos mais radicais e dos líderes e porta-vozes do tenentismo. Ainda segundo Flynn, “este é um aspecto que deve ser ressaltado porque, quando mais tarde o movimento revolucionário se dividiu em torno da questão de São Paulo, Aranha foi acusado de ser o único responsável pela criação da Legião e pelo agravamento da crise paulista”.
Na concepção de Aranha, a Legião deveria promover basicamente a educação do povo. O movimento seria também uma “garantia contra as revoluções” e os partidos políticos só teriam a ganhar com sua instalação. O ministro da Justiça achava que o exercício do governo revolucionário deveria obedecer a uma orientação suprapartidária e que os partidos deveriam estar voltados para a problemática nacional, deixando de lado as rivalidades locais, pois ainda não era hora de lutarem pela conquista de postos. Naquele momento, o regime era ditatorial e os partidos de todo o país deveriam, segundo ele, fazer como os do Rio Grande do Sul, ou seja, dar integral apoio ao governo central e esperar o momento de entrar em ação. A FUG era vista como um mecanismo acima dos partidos, destinada, como a Legião de Outubro, a apoiar a implantação das metas revolucionárias.
Paralelamente a essas primeiras tentativas de organização, como o regime continuasse sem rumos concretamente definidos, Osvaldo Aranha, Juarez Távora, Góis Monteiro e João Alberto se reuniram em dezembro de 1930, na cidade mineira de Poços de Caldas, para discutir e definir as linhas mestras de um programa de ação. O matutino carioca O Jornal chegou a publicar no dia 12 desse mês um apanhado de decisões tomadas por aqueles líderes, batizando o encontro de Pacto de Poços de Caldas. As conversações não lograram, porém, a definição de um programa com objetivos e linhas de ação estabelecidos. Ficara delineado, no entanto, um compromisso a ser assinado por militares graduados garantindo apoio integral ao chefe do Governo Provisório para a realização das metas fundamentais da revolução. Mas esse compromisso não chegou a ser formalizado.
No início de 1931, alegando ser a mais autêntica expressão dos ideais revolucionários, a Legião de Outubro tentou, ao contrário do que fora afirmado inicialmente, sobrepor-se aos partidos políticos regionais, constituindo uma agremiação única e exclusiva que se chamaria Partido Nacional Revolucionário. Essa tentativa resultou na formação de vários núcleos estaduais, em vez de um organismo nacional centralizador, o que acabou por opor os jovens revolucionários aos velhos chefes políticos, receosos de que a radicalização do processo viesse a ameaçar suas lideranças. Em fins de março foram feitas negociações para a instalação de legiões em diversos estados. Osvaldo Aranha estabeleceu intensos contatos nesse sentido com os interventores no Norte e Nordeste. No Rio Grande do Sul, onde a lealdade partidária sempre foi muito acentuada, Borges de Medeiros resistiu à idéia de que a Legião de Outubro viesse a se transformar num partido nacional, admitindo apenas a possibilidade de uma liga ou federação dentro da qual os partidos existentes mantivessem sua autonomia. Assim, apesar de todos os esforços realizados por Osvaldo Aranha, a Legião de Outubro não conseguiu se organizar no seu estado. No Rio de Janeiro ela não chegou sequer a existir realmente, tendo-se limitado, segundo Michael Coniff, a uma mera extensão do Ministério da Justiça.
Em pouco tempo as legiões revolucionárias envolveram-se em lutas políticas locais e evidenciou-se a necessidade de uma organização que realmente canalizasse e expressasse as reivindicações tenentistas. Em fevereiro de 1931, por sugestão de Góis Monteiro, os “revolucionários históricos” se reuniram em casa de Afrânio de Melo Franco, ministro das Relações Exteriores, e lançaram as bases do que viria a ser o Clube 3 de Outubro, que congregaria “tenentes” históricos e civis ligados ao tenentismo. Sua proposta básica era atuar como grupo de pressão sobre Vargas, além de procurar sanar os erros cometidos pelas legiões, cada vez mais ocupadas com assuntos exclusivamente regionais. A criação do Clube 3 de Outubro foi oficializada em maio de 1931, definindo-se a sua primeira diretoria com Pedro Ernesto na presidência e Osvaldo Aranha na terceira vice-presidência. Com o intuito de viabilizar alguns dos itens mais radicais do programa da revolução, o clube mostrou-se desde o início decididamente contrário à reconstitucionalização do país.
Convencido da impossibilidade de transformar as diversas organizações revolucionárias em um único partido, em outubro de 1931 Aranha retirou seu apoio à Legião de Outubro, o que coincidiu com a rápida desarticulação dos agrupamentos estaduais, embora alguns de seus dirigentes tentassem salvá-los transformando-os em partidos. Por outro lado, começou a evidenciar-se a divergência entre Aranha e Góis Monteiro quanto à função a ser desempenhada pelo Clube 3 de Outubro e ao futuro da revolução. Enquanto o primeiro era a favor de um governo civil, o outro defendia um governo militar, o que acabou por provocar dentro do movimento tenentista um conflito entre as duas facções, principalmente porque, já em princípios de 1932, 2/3 dos filiados àquela agremiação eram oficiais das forças armadas. Em 18 de março, Aranha enviou telegrama a Pedro Ernesto comunicando seu rompimento oficial com o clube uma vez que desaprovava sua dominação pelos “tenentes”, segundo ele contrários aos interesses da revolução e do Brasil.
O caso da interventoria de São Paulo e a crise mineira
Com a vitória da Revolução de 1930 surgira a questão da interventoria de São Paulo, reivindicada pelo Partido Democrático (PD), que havia integrado a Aliança Liberal e participado do movimento revolucionário. Ao passar por São Paulo em seu trajeto rumo à capital da República, ainda em 30 de outubro de 1930, Vargas organizara um governo provisório do estado, constituído, segundo as reivindicações locais, exclusivamente por civis e paulistas. À frente desse governo ficara José Maria Whitaker, poucos dias depois substituído, ao ser nomeado ministro da Fazenda, por Plínio Barreto, que ocuparia o cargo de 6 a 25 de novembro de 1930. No mesmo período, João Alberto exercia a função de delegado revolucionário, o que lhe dava o controle das forças militares estaduais. Ao longo de todo o mês de novembro, Osvaldo Aranha empenhara-se junto a Vargas para a nomeação de João Alberto como interventor, o que acabaria ocorrendo no dia 25.
A interventoria de João Alberto correspondeu a um momento especialmente agitado, principalmente após a saída de Vicente Rao, membro do diretório central democrático, da chefia de polícia de São Paulo em dezembro de 1930. Isso marcou o início da deterioração das relações do PD com o interventor. Já durante o congresso do partido, realizado a 2 de fevereiro de 1931, mal se disfarçou o antagonismo existente entre as elites paulistas e João Alberto, apesar de ter sido aprovada uma moção de apoio ao interventor. No dia 25 desse mês Osvaldo Aranha foi procurado no Rio por uma delegação do PD integrada por Francisco Morato, Paulo de Morais Barros, Vicente Rao e Paulo Nogueira Filho, entre outros. O objetivo do grupo era expor a situação de São Paulo e solicitar a intermediação do ministro da Justiça. Nesse momento, todavia, Aranha, junto com Góis Monteiro, sustentava a posição de João Alberto.
No início de abril configurou-se o agravamento da crise paulista, com as forças políticas do estado hostilizando abertamente o interventor, alvo de um manifesto de rompimento lançado pelo PD no dia 7. Em vista disso, João Alberto foi ao Distrito Federal e daí a Petrópolis (RJ), onde se reuniu com Vargas, Aranha e Flores da Cunha, então interventor no Rio Grande do Sul. Desse encontro resultou um comunicado no dia 16: “O Governo Provisório decidiu definitivamente manter em absoluto o status quo em São Paulo.” Em declaração à imprensa sobre o caso, o ministro Osvaldo Aranha afirmou: “É um incidente até salutar para a Revolução, deixando patente que já passamos da fase em que não se podia divergir do governo.” Enquanto isso, o general Isidoro Dias Lopes pedia demissão (não efetivada) do comando da 2ª RM, por ter sido ela declarada não-revolucionária, e acusava Osvaldo Aranha, juntamente com Góis Monteiro, João Alberto, Miguel Costa e João de Mendonça Lima, pela desmoralização de sua atuação frente àquele comando militar.
Pressionado por todas as forças tradicionais do estado, João Alberto enfrentava ainda dificuldades com a Legião Revolucionária, que se vinha transformando quase num segundo poder, com uma atuação que prejudicava os seus esforços para se aproximar dos produtores de café. Simultaneamente, acentuava-se a divergência entre o interventor e Miguel Costa, que foi ao Rio para pleitear junto a Vargas, Aranha e Góis Monteiro sua destituição do governo estadual. Em julho, numa tentativa de apaziguamento, João Alberto apresentou pedido de exoneração. Entendimentos entre Aranha, Vargas e o próprio interventor decidiram a indicação de Plínio Barreto para substituí-lo, de modo a obter o apoio do PD. Esse nome, porém, não contava com o apoio de Miguel Costa, que colocou a Força Pública de prontidão e mobilizou a Legião Revolucionária para impedir que o novo interventor viesse a tomar posse.
No dia 23 de julho Aranha viajou para São Paulo. Em reunião em casa de Plínio Barreto, que transmitiu sua decisão de não aceitar o cargo por considerar impossível governar tendo contra si a Força Pública e a Legião, o ministro da Justiça renovou-lhe o apoio do Governo Provisório, dizendo-se disposto a garantir sua posse. Irredutível na recusa, Barreto sugeriu a indicação de Laudo de Camargo para a interventoria. No dia seguinte os jornais publicaram comunicado oficial de Aranha informando que as negociações para a solução do caso paulista haviam chegado a termo com a aceitação, por todas as correntes, do nome de Camargo.
Durante a nova gestão, todavia, a luta entre os tenentistas e as forças políticas tradicionais do estado tornou-se ainda mais acentuada, principalmente pelo agravamento da crise entre o governo federal e os cafeicultores paulistas, que exigiam maior assistência pública, reforma das tarifas alfandegárias, ampliação do crédito, revisão dos contratos de empréstimo e amparo ao preço do café no mercado de Santos (SP), além de criticarem a criação do Conselho Nacional do Café (CNC), que transferia para o Estado decisões relativas a seus negócios. As reivindicações dos fazendeiros, agrupados em torno do Instituto do Café, eram defendidas por João Alberto, representado no ministério do Governo Provisório por Osvaldo Aranha, que deste modo entrou em choque com a orientação dada pelo ministro da Fazenda, José Maria Whitaker.
O conflito entre os dois ministros já se vinha delineando desde maio, quando Aranha recebera autorização do chefe do Governo Provisório para constituir uma comissão de estudo sobre a situação econômica e financeira dos estados, os seus desempenhos administrativos e a possibilidade de extinção gradual dos impostos de exportação. Na realidade, essa autorização representara uma interferência de Aranha em área de competência exclusiva do ministro da Fazenda. Em agosto, as críticas de Aranha levaram José Maria Whitaker a lhe enviar carta afirmando que nada tinha a retificar na orientação que vinha seguindo e comunicando que pedia demissão. O ministro da Justiça considerou a carta de Whitaker, conforme expressão sua, um verdadeiro “bilhete azul” para ele, Aranha, já que Vargas continuava aprovando a orientação dada à economia nacional. Assim, em carta ao chefe de governo, no dia 13, apresentou seu pedido de demissão. Getúlio, no entanto, recusou-se a aceitar tanto esse quanto o outro pedido, o de Whitaker. Por outro lado, também em agosto de 1931 Aranha apoiou uma tentativa de levante militar em Minas, ocorrida no dia 18 durante a convenção do PRM em Belo Horizonte. O movimento, que visava depor o presidente estadual Olegário Maciel e colocar no poder Virgílio de Melo Franco, foi desfechado pelo comandante do 12º Regimento de Infantaria, coronel Júlio Pacheco de Assis, em cumprimento de ordens transmitidas por Aranha, com o beneplácito de Vargas. O tumulto criado pela convenção resultou na detenção de Artur Bernardes e de outros membros do PRM. No entanto, a ameaça de resistência por parte de Maciel e Gustavo Capanema, respaldados pela Força Pública, fez com que o ministro da Justiça recuasse e ordenasse ao mesmo coronel a defesa do governo do estado.
Naquele momento, segundo Helena Bomeny, “apesar de a autoria e a responsabilidade do golpe terem recaído sobre o PRM, o Governo Provisório não conseguiu ficar isento das acusações. A divulgação da cumplicidade federal — diretamente, através da pessoa de Osvaldo Aranha, e indiretamente através de Getúlio Vargas — provocou reação principalmente da parte de Aranha, que tentou explicar o fato em termos de um ‘equívoco’. O equívoco para Aranha consistia no fato de o Governo Provisório haver dado crédito a uma informação distorcida de que Olegário Maciel não teria resistido a um golpe e que o estado de Minas havia ficado acéfalo; conseqüentemente, decidira o governo federal nomear um interventor provisório, até uma nomeação definitiva. O ‘equívoco’, todavia, pode ser pensado de outra forma: houve precipitação e erro político de previsão dos interessados na queda de Olegário Maciel, que anteciparam os acontecimentos com uma ordem telegráfica nomeando um interventor interino”. O fato é que a repercussão desse incidente levou Aranha a apresentar mais uma vez um pedido de demissão do Ministério da Justiça no final de agosto, novamente rejeitado por Vargas.
No início de novembro, os cafeicultores paulistas, apoiados pelo ex-interventor João Alberto, que exigia a recomposição do secretariado estadual, conseguiram o afastamento de Numa de Oliveira, secretário da Fazenda, que continuava firme na recusa em suspender as cobranças de suas dívidas com o banco do estado. Em seguida, Laudo de Camargo renunciou, considerando-se incapaz de governar efetivamente. A demissão do secretário paulista enfraqueceu ainda mais a posição de Whitaker, que tinha em Numa de Oliveira importante auxiliar na aplicação da política econômica e financeira, e levou-o a apresentar novo pedido de exoneração. No dia 16 de novembro, Whitaker foi finalmente substituído por Osvaldo Aranha, que passou a acumular as duas pastas. No início de dezembro, Aranha comunicou a Vargas sua intenção de afastar-se do Ministério da Justiça devido às repercussões do caso de São Paulo. Getúlio só concordou com o afastamento sob a condição de vê-lo à frente de outro ministério. Aranha decidiu permanecer na pasta da Fazenda e, no dia 21 de dezembro, foi substituído no Ministério da Justiça pelo político gaúcho Joaquim Maurício Cardoso.
Ministro da Fazenda
No novo cargo Aranha teve que enfrentar a violenta crise econômica oriunda da grande depressão mundial de 1929, que abalou gravemente as exportações brasileiras. Entre esse ano e 1933, a redução em valor do comércio mundial foi de mais de 60% e o seu volume físico também diminuiu. O Brasil foi um dos países mais atingidos, tendo suas exportações caído de 95 milhões de libras esterlinas em 1929 para uma média anual de 38 milhões entre 1931 e 1933. O preço do café em 1931 era 1/3 do que fora em 1929 e as enormes safras continuavam a aumentar os estoques do produto, levando os cafeicultores a exercer forte pressão sobre as autoridades fazendárias para que o governo comprasse o excedente. Essa tendência verificava-se desde a gestão de Whitaker.
Paralela à crise do comércio exterior, verificou-se a redução da disponibilidade de divisas, que se limitaram praticamente ao saldo da balança comercial. Por outro lado ainda em 1931, a insistência do Governo Provisório em honrar integralmente os compromissos de pagamento da dívida externa, aliada à falta de restrições a qualquer outro tipo de remessa para o exterior, acabou por agravar a crise cambial, ao provocar substancial desvalorização da taxa de câmbio. Poucos meses antes da indicação de Aranha para a pasta da Fazenda, o governo já havia sido obrigado a suspender parte dos pagamentos para o exterior, iniciando negociações para um novo acordo de consolidação da dívida externa (agosto de 1931), e, em seguida, a introduzir o controle de câmbio, com monopólio através do Banco do Brasil e escala de prioridade para a compra de divisas (setembro de 1931).
Assim, ao assumir o ministério, Aranha já encontrou em fase bastante adiantada as negociações para a consolidação da dívida, que resultariam na assinatura do terceiro funding loan em março de 1932. Esse acordo, que incluía todos os programas financeiros, consistia em regularizar o pagamento dos juros dos empréstimos externos que o governo federal havia contraído diretamente, bem como daqueles por cujo serviço ficara responsável. Foram acertados, também, o pagamento de atrasados comerciais e outras questões polêmicas, como o caso do empréstimo para as estradas de ferro Goiás e Vitória-Minas. A prorrogação dos prazos de pagamento das dívidas e juros aliviou os compromissos imediatos do governo federal, mas não conseguiu eliminar as dificuldades cambiais — o país ainda carecia de divisas não apenas para atender os compromissos da dívida mas também para enfrentar as remessas de lucros e juros de capitais particulares e de imigrantes. Essas dificuldades continuaram em 1932, dando origem ao mercado negro, tolerado durante algum tempo pelas autoridades fazendárias, que para combatê-lo decidiram estabelecer em 1933 uma taxa intermediária conhecida como “taxa cinzenta”.
As metas principais da política econômico-financeira de Osvaldo Aranha eram a restauração do crédito exterior e o estabelecimento do equilíbrio orçamentário. Nesse sentido, orientou seus esforços para a redução dos gastos públicos, contando com medidas centralizadoras adotadas ainda durante a gestão de Whitaker, como um decreto de agosto de 1931 que impunha rígidas normas orçamentárias aos estados e municípios e os proibia de contrair empréstimos no exterior. A aplicação desse decreto reduziu efetivamente os empréstimos do Banco do Brasil aos governos estaduais e municipais, contribuindo portanto para a redução do déficit orçamentário federal.
A grande dificuldade encontrada para a obtenção do equilíbrio do orçamento foi a redução das importações, que afetou basicamente os bens de capital e de consumo. Essa redução, conseqüência da rígida política fiscal adotada pela administração fazendária anterior, foi a grande responsável pela diminuição de boa parte da receita federal, já que o imposto sobre os produtos importados era uma das principais fontes de arrecadação do governo. Apesar de sensível, a redução das despesas governamentais foi ainda insuficiente para as necessidades tendo em vista a redução das tarifas alfandegárias. Assim, para fazer frente à ameaça de déficit, foi determinado ainda em 1931 o aumento dos impostos, o que possibilitou o crescimento relativamente pequeno da arrecadação baseada no consumo e em taxas administrativas. Se, por um lado, essa política freou o déficit orçamentário que se originaria da queda do comércio exterior, por outro, segundo Carlos Peláez, atuou decisivamente para agravar a depressão econômica interna. Já no ano seguinte, fatores estranhos à orientação governamental, como a seca que atingiu os estados do Nordeste e o aumento da despesa militar imposto pela Revolução Constitucionalista de São Paulo, contribuíram para a recuperação da economia estimulando a produção, muito embora aumentassem o déficit orçamentário.
Ainda dentro do esforço para equilibrar o orçamento, foi aplicada uma orientação creditícia restritiva, dando ênfase à “política do dinheiro caro”, através de aumentos das taxas de juros e dos depósitos compulsórios dos bancos comerciais. Essa linha só foi alterada em 1932, quando o governo, para fazer frente às despesas militares provocadas pela Revolução Constitucionalista, se viu obrigado a emitir quatrocentos mil contos de réis em notas do Tesouro. Mesmo assim, logo após o término do conflito, as autoridades fazendárias decidiram frear a expansão do volume dos meios de pagamento, medida que foi efetivada através da incineração de papel-moeda à medida que as obrigações do Tesouro iam sendo vendidas.
Em sua política monetária, Osvaldo Aranha deu continuidade às medidas que já vinham sendo adotadas para a manutenção da confiança no sistema bancário. Nesse sentido, foi criada em 1932 a Caixa de Mobilização Bancária, do Banco do Brasil, que teria a função de conceder aos bancos empréstimos prorrogáveis por até cinco anos em troca de seus ativos, de modo a evitar a insolvência. Os recursos obtidos através da Caixa de Mobilização só poderiam ser empregados em operações relacionadas com os ativos apresentados àquela instituição, sendo portanto vedado o seu uso em novas operações bancárias. Sua criação representou, assim, um primeiro esforço no sentido de suprir crédito a médio e a longo prazos.
O café
A questão central da economia brasileira ainda era, no entanto, o café. Segundo Aníbal Vilela e Wilson Suzigan, “é fora de dúvida que a crise dos anos trinta na economia brasileira se resumiu na crise do setor cafeeiro”. A posse de Osvaldo Aranha no Ministério da Fazenda registrou considerável alteração na política de sustentação do produto adotada pelo governo federal. Até então, a compra do café vinha sendo financiada através dos seguintes meios: empréstimos de 150 mil contos de réis concedidos pelo Banco do Brasil; fundos obtidos pelo acordo assinado com a empresa norte-americana Hard, Rand & Co., que em troca recebeu o monopólio de venda dos estoques cafeeiros; e produto da venda no mercado interno do trigo trocado pelo café (trocando cerca de 1.275.000 sacas de café, essa medida acabava por lançar num mercado já inelástico estoques adicionais, arriscando provocar uma queda ainda maior nos preços mundiais do produto).
Em 7 de dezembro de 1931, o chefe do Governo Provisório promulgou decreto que expressava nova orientação do Ministério da Fazenda. Dentre outras questões ficava estabelecido: 1) o aumento do imposto de exportação de dez para 15 shillings/saca, sendo estes cinco shillings adicionais destinados à amortização do empréstimo feito em 1930, enquanto o restante constituiria um fundo para o programa de auxílio à cafeicultura, a ser administrado pelo Conselho Nacional do Café (CNC); 2) a destruição de 12 milhões de sacas, à razão de um milhão por mês; 3) e a compra do excedente de produção do café pelo CNC. Também em dezembro de 1931 o Governo Provisório autorizava a Carteira de Emissão e Redescontos do Banco do Brasil a aumentar seu fundo de operações para quatrocentos mil contos e a descontar títulos do CNC, com base nos dez shillings provenientes do imposto sobre a exportação de café.
Essa nova diretriz, de modo geral, assimilava as decisões estabelecidas pelo novo Convênio dos Estados Cafeeiros, firmado ainda no início do mês, que em termos práticos representou em parte a abdicação dos direitos dos produtores de dirigirem a política do café, transferindo sua orientação ao CNC, ao mesmo tempo em que diminuía a importância de São Paulo. Por outro lado, as freqüentes divergências entre grupos dos estados cafeicultores, que já haviam levado o ministro Whitaker à demissão, e o protesto dos exportadores de café contra determinados contratos de propaganda feitos pelo CNC e contra o próprio monopólio do produto pelo governo federal, dentre outros motivos, levaram Osvaldo Aranha e Getúlio Vargas a pensarem no fortalecimento daquele órgão para que pudesse resistir às pressões e manter uma política própria. Segundo Edgar Carone, este projeto foi adiado pela Revolução Constitucionalista e pela instabilidade financeira. Além disso, estava sendo prevista para o biênio 1933-1934 uma safra recorde de 30 milhões de sacas, que exigiria medidas bem mais enérgicas.
A partir de 1933, contudo, verificou-se a ampliação dos poderes do governo federal sobre a política cafeeira. No início do ano, o Ministério da Fazenda propôs a extinção do CNC e a criação de um Departamento Nacional do Café (DNC), medida que foi oficializada por decreto. A partir desse momento, a direção administrativa do órgão responsável pela política cafeeira passava para a competência do Governo Provisório e a escolha de seus diretores ficava sob a responsabilidade do ministro da Fazenda. A criação do DNC possibilitou a adoção de um sistema de cotas para a safra de 1933-1934, pelo qual uma parte consistia em café de qualidade inferior e era compulsoriamente vendida ao DNC por um preço inferior aos custos para ser destruída, enquanto a restante, de melhor qualidade, seria diretamente embarcada para os portos de exportação ou ficaria estocada nos armazéns daquele órgão.
Segundo exposição do próprio Osvaldo Aranha, caso o governo federal não houvesse coordenado retiradas maciças do mercado, o estoque de café teria chegado, no período 1930-1934, a 54,5 milhões de sacas. Disse o ministro que tal medida fora posta em prática basicamente através do imposto de exportação, sem que fossem necessários empréstimos estrangeiros ou emissões de papel-moeda, medidas de caráter inflacionário. A atuação do DNC foi desde o início auxiliada pelo Banco do Brasil, que lhe abria créditos rotativos, pagos através do imposto de exportação.
As autoridades fazendárias deram início em abril de 1933 a um processo mais amplo para a sustentação da economia cafeeira, tomando medidas básicas que envolviam não apenas a compra de café e o adiamento do prazo das dívidas — como ocorrera em 1932, quando o governo prorrogara para 90 dias o prazo de exigibilidade dos títulos e obrigações em moeda nacional — mas até o próprio cancelamento de parte delas. A primeira dessas medidas foi a chamada Lei da Usura, que fixava um juro máximo de 8% ao ano nos empréstimos em que a propriedade agrícola era dada como garantia e de 6% ao ano nos empréstimos para o financiamento das atividades agrícolas ou para a compra de equipamentos. Proibia ainda aos credores exigirem que o pagamento da dívida fosse feito em parcelas anuais superiores a 10% do total.
Essa lei foi complementada em dezembro do mesmo ano com a Lei do Reajustamento Econômico — baseada no Agricultural Adjustment Act, aprovado pelo Congresso norte-americano em 1933 —, criada para auxiliar os fazendeiros de café cujas dívidas tivessem aumentado em virtude da política cambial do governo, em especial o confisco das receitas de exportação e sua conversão a uma taxa desfavorável. Por essa lei, ficavam reduzidos em 50% os débitos de todos os agricultores, desde que tais débitos tivessem sido contraídos antes de 30 de junho do mesmo ano. Caberia ao governo federal restituir aos credores o montante desse desconto, considerado pagamento antecipado das primeiras cinco parcelas anuais de 10%, de acordo com a Lei da Usura. Desse modo, a Lei do Reajustamento Econômico determinava que durante os primeiros cinco anos de sua vigência os credores só poderiam exigir os juros dos empréstimos.
A federalização da política açucareira
Em 1931, a superprodução canavieira reduziu pela metade os preços da cana bruta e do açúcar. O governo federal — que, no esforço de reduzir a superprodução, já havia estabelecido a aquisição obrigatória de álcool, na proporção de 5% da gasolina importada (fevereiro de 1931), e obrigado os produtores a recolherem em armazéns do governo de Pernambuco 10% da safra de açúcar das usinas (setembro de 1931) — viu-se forçado a adotar novas medidas, entre elas a criação da Comissão de Defesa da Produção Açucareira (dezembro de 1931), com a finalidade de estudar a situação do produto para tentar reduzir sua oferta. Diferentemente da questão do café, porém, as autoridades fazendárias procuraram não se comprometer diretamente com o trabalho dessa comissão, preferindo que ele resultasse da cooperação entre os usineiros e lavradores de cana, sob os auspícios dos respectivos governos estaduais. Ao Ministério da Fazenda deveria caber apenas a aprovação e fiscalização dos trabalhos.
Como resultado dos estudos dessa comissão, em 1932 foram promulgados decretos estabelecendo, entre outros pontos, a diminuição da produção a partir da média do último qüinqüênio. Devido à falta de fiscalização junto às usinas, no entanto, esses decretos tornaram-se inoperantes, o que levou o governo pernambucano, pressionado pela situação crítica que se criara, a assinar outro decreto, em janeiro de 1932, regulando as relações entre usineiros e fornecedores. Essa medida foi ratificada, em abril, pelo ministro da Fazenda, o que foi recebido com hostilidade pelos usineiros, que, em protesto, paralisaram suas atividades e demonstraram a falta de precisão técnica da nova lei: o decreto estadual, no qual se baseara o federal, fixava o preço, mas para tanto não considerava a qualidade da cana e outros fatores importantes.
Os debates que então se seguiram só foram superados em junho de 1933, com a criação do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA). Antes, porém, as autoridades fazendárias fizeram nova tentativa para controlar a superprodução, através de decreto que limitava a produção de açúcar em todo o território nacional e incrementava a do álcool motor (novembro de 1932). Com a criação do IAA, o controle da política açucareira foi assumido pelo governo federal. Complementarmente, foi também decretada, em julho de 1933, a proibição da montagem em todo o território nacional de novas usinas, engenhos e bangüês sem a consulta prévia do IAA e sua aprovação dos planos, exigências que seriam revogadas em julho do ano seguinte.
A política de industrialização
O setor industrial sofreu menos do que o agrícola as conseqüências da depressão de 1929, o que pode ser explicado, em grande parte, pela própria situação do comércio exterior brasileiro. Segundo Vilela e Suzigan, “a rápida deterioração das relações de trocas levou a dificuldades com o balanço de pagamentos, que então dependia exclusivamente do saldo da balança comercial, uma vez que a partir de 1931 cessaram as entradas de capitais. Apesar de a balança comercial ter apresentado saldos em 1931 e 1932, a demanda de divisas para atender ao serviço da dívida externa causou dificuldades no mercado cambial, o que levou o governo a estabelecer o controle cambial... durante três anos, a maioria das transações foi realizada através do mercado oficial, com a prioridade para as compras do governo, o serviço da dívida externa e as importações prioritárias”. A indústria viu-se beneficiada pelas constantes desvalorizações cambiais que visavam favorecer as exportações e elevar os preços das importações, as quais foram efetivamente reduzidas.
Já em meados de 1932, a produção manufatureira apresentava indícios de crescimento. A partir do ano seguinte, as alterações introduzidas pelas autoridades fazendárias na política cambial implicaram novas e freqüentes desvalorizações cambiais, que igualmente beneficiaram não apenas o setor exportador, mas também a indústria, devido à elevação das tarifas de importação. Segundo Stanley Hilton, essas tarifas, de caráter eminentemente protecionista, foram conscientemente empregadas pelo Governo Provisório para encorajar a industrialização. Através da manipulação das importações, as autoridades alfandegárias, por um lado, encorajavam a entrada no país de produtos vitais e, por outro, mantinham sobre as importações não essenciais tarifas cujos níveis permitiam às indústrias nacionais competirem eficientemente. De modo geral, os benefícios tarifários ficavam restritos àquelas manufaturas que contribuíam para aumentar a auto-suficiência brasileira sem que o ônus maior recaísse sobre o consumidor.
A orientação econômica ressentia-se, no entanto, da inexistência de dados estatísticos sobre as diversas atividades. O próprio Osvaldo Aranha constatou, em 1932, que os dados precários que existiam eram colhidos apenas em função das exportações. Dessa dificuldade resultou a criação, em 1933, de uma comissão interministerial para estudar a reorganização geral da coleta e processamento das estatísticas. Das deliberações apresentadas por essa comissão surgiu, em julho de 1934, o Instituto Nacional de Estatística.
A política protecionista foi reforçada em março de 1934 por um decreto estipulando que, independente dos termos de regulamentos que estabeleciam isenção ou diminuição de direitos sobre produtos importados, em caso algum esses favores poderiam ser aplicados aos produtos que tivessem similar na indústria nacional e cuja produção estivesse abastecendo o mercado interno de modo suficiente para o consumo. Ao mesmo tempo, havia grande facilidade para a entrada de matérias-primas secundárias e de toda a espécie de aparelhagem necessárias à produção industrial. Os fabricantes brasileiros foram ainda beneficiados com outras medidas, como o tratamento “altamente preferencial” em relação ao câmbio: os fabricantes que exportavam seus produtos desfrutavam de uma taxa de câmbio mais elevada ao converterem as moedas estrangeiras em dinheiro brasileiro.
O comércio exterior
O ponto central da política econômica do Governo Provisório foi a ênfase na exportação, traduzida nos esforços para a manutenção, expansão e diversificação dos mercados. Tradicionalmente, a venda de café para o mercado norte-americano havia permitido uma balança comercial favorável, normalmente usada pelo governo para atender à maior parte da dívida externa. Com a queda do preço desse produto, todavia, a balança comercial com os EUA sofreu um grande desequilíbrio: as vendas caíram de 99 milhões de dólares em 1929 para 51 milhões em 1934, embora nesse último ano aquele país tenha comprado 55% das nossas exportações.
A situação tornou-se mais delicada em 1933, quando, de passagem por Washington, a delegação brasileira que iria a Londres para a Conferência Monetária e Econômica confirmou os rumores de que o Congresso norte-americano pretendia instituir direitos de entrada ou alguma taxa interna sobre a importação do café, verde ou torrado. Segundo a explicação dada então, o Departamento de Estado norte-americano vinha tentando evitar a aprovação desse projeto, mas teria melhores condições de fazê-lo caso o Brasil considerasse mais favoravelmente os interesses dos exportadores norte-americanos, proporcionando-lhes a reciprocidade.
A possibilidade de o café brasileiro sofrer uma taxa de importação nos EUA levou o governo brasileiro a aceitar a proposta norte-americana para a negociação de um tratado de comércio recíproco; em troca da manutenção das principais exportações brasileiras na lista livre dos EUA, o Brasil deveria considerar uma redução das tarifas sobre os produtos norte-americanos, o que se tornou o ponto central do tratado comercial de 1935, cujas negociações foram conduzidas, pelo lado brasileiro, por Osvaldo Aranha, então embaixador em Washington.
Ainda visando a conquista de novos mercados para as exportações brasileiras, as autoridades fazendárias propuseram a criação, efetivada no início de 1934, do Conselho Federal de Comércio Exterior, diretamente subordinado ao chefe do governo. Integrado por ministros de Estado e representantes dos setores bancário, agrícola e industrial, esse órgão se encarregaria da formulação da política industrial em sua relação com o comércio exterior.
O “esquema Aranha”
O empréstimo de consolidação da dívida externa estabelecido em 1931 não logrou estabilizar as finanças do país. No final daquele ano, o Ministério da Fazenda criou a Comissão de Estudos Econômicos e Financeiros dos Estados e Municípios, presidida pelo próprio Aranha, visando estabelecer diretrizes que rompessem o impasse financeiro dos estados e saldassem os compromissos decorrentes dos empréstimos externos contraídos anteriormente, que ultrapassavam as possibilidades financeiras do país. Dos trabalhos dessa comissão resultou o chamado “esquema Aranha”, aprovado em fevereiro de 1934, que teve por base a capacidade do Brasil de continuar pagando não só a dívida como os compromissos comerciais. Para tanto, Aranha conseguiu que os credores estrangeiros concordassem com a redução temporária dos juros e com a consolidação da dívida, dando prioridade ao pagamento das amortizações de modo a manter a respeitabilidade internacional do país.
O ministro da Fazenda teve que enfrentar, todavia, a oposição dos que defendiam uma moratória para a dívida externa brasileira, calculada em 250 milhões de libras em 1933. Segundo esses críticos, o capital utilizado pelo “esquema Aranha” para amortizar a dívida externa poderia ter sido utilizado, no caso da decretação da moratória, na compra de equipamentos para as ferrovias, portos e linhas de navegação, por exemplo. Todavia, ao contrário dos funding loans realizados anteriormente, o “esquema Aranha” possibilitou uma redução real da dívida externa. Segundo Aníbal Vilela e Wilson Suzigan, “durante os quatro anos do esquema, o país pagou 33,6 milhões de libras, quando deveria ter pago 90,7 milhões de libras”, o que proporcionou um ganho real, considerados a redução real dos pagamentos de juros e o adiamento dos pagamentos dos fundos de amortização, de 57,1 milhões de libras em quatro anos.
Revolução Constitucionalista
Entre novembro de 1931 e janeiro de 1932 a situação em São Paulo sofreu uma radicalização, com o PD se esforçando em obter alianças com os outros estados e com os demais segmentos da oposição paulista, acabando por romper publicamente com Vargas. No final de janeiro, em carta ao chefe do Governo Provisório, Osvaldo Aranha externou sua preocupação com a crise paulista, pedindo-lhe urgência em solucioná-la. Todo o mês de fevereiro transcorreu inquieto, sendo marcado pela formação da Frente Única Paulista (FUP) e por manifestações de solidariedade aos políticos de São Paulo por parte do PRR e do PL do Rio Grande do Sul e de outras oposições estaduais, o que acabou por esvaziar, mal se esboçavam, diversas candidaturas para a interventoria paulista. No dia seguinte à promulgação do novo Código Eleitoral (24/2/1932), elementos vinculados ao Clube 3 de Outubro empastelaram o Diário Carioca, um dos órgãos que mais se destacava na defesa da constitucionalização. Ante a relutância do Governo Provisório em apurar as responsabilidades, Maurício Cardoso pediu demissão do Ministério da Justiça no dia 3 de março, sendo acompanhado no gesto por outros gaúchos que então ocupavam importantes cargos na administração federal: Lindolfo Collor, Batista Luzardo e João Neves da Fontoura. Enquanto isso, procurando contemporizar a situação paulista, Getúlio Vargas nomeou Pedro de Toledo para substituir Manuel Rabelo na interventoria: embora civil e paulista como queriam os membros da FUP, Toledo não tinha assinado o manifesto de rompimento com Vargas, apesar de membro do PRP.
Em março, os líderes gaúchos tentaram inutilmente uma conciliação com Vargas, lançando dois documentos. O primeiro, conhecido como Heptálogo, foi de iniciativa de Assis Brasil; o outro, um Decálogo, teve o patrocínio de Borges de Medeiros e Raul Pilla e apresentava reivindicações da FUG, recusadas pelo chefe do governo. Essa recusa provocou a ida de Flores da Cunha ao Rio para encontrar-se com Getúlio, que reafirmou seu apoio à constitucionalização do país e concordou com os pontos apresentados nesse sentido por Flores, discordando apenas quanto à forma de execução de alguns deles. No final do mês, Maurício Cardoso, que apesar de ter deixado o ministério não rompera com o governo, foi enviado por Getúlio e Aranha ao Rio Grande do Sul, onde participou de um encontro em Cachoeira do Sul com a presença de Flores, Borges de Medeiros, Assis Brasil, João Neves, Lindolfo Collor e Batista Luzardo, entre outros. Ali ficou decidido o apoio às reivindicações contidas no Decálogo, o afastamento do PRR e do PL do governo federal e a indicação de Flores da Cunha para representar a FUG junto a Vargas. Com isso, estancou momentaneamente a tensão entre os partidos gaúchos e o Governo Provisório, apesar do abalo sofrido pelo situacionismo gaúcho com a notícia de que o Clube 3 de Outubro decidira expulsar Flores dos seus quadros. O mal-entendido foi desfeito por Osvaldo Aranha, que passou a se dedicar à elaboração de um programa revolucionário com os políticos de Minas. Estes, unidos desde fevereiro pelo chamado Acordo Mineiro, do qual resultara a criação do Partido Social Nacionalista (PSN), vinham atuando em coordenação com o Governo Provisório no sentido de conciliar as frentes únicas gaúcha e paulista com a orientação federal.
Contando com o andamento dessas negociações, Osvaldo Aranha viajou para Porto Alegre, onde chegou no dia 10 de abril de 1932. Pretendia a reaproximação do Rio Grande com o Governo Provisório através do fortalecimento dos laços econômicos. Em seus contatos com as classes conservadoras do estado enfatizou as concessões econômicas feitas pelas autoridades federais, além de prometer maior apoio ao comércio e à indústria gaúchos. Quanto à política, reafirmou a constitucionalização como meta a ser atingida e a formação de um partido nacional como tarefa imediata. Com isso, conseguiu esvaziar algo do radicalismo da liderança política gaúcha.
Em fins de abril, poucos dias depois de seu retorno ao Rio, Aranha comunicou a Flores da Cunha que as negociações entre uma proposta mineira para o processo de constitucionalização do país e o Programa Revolucionário elaborado por ele com a colaboração, entre outros, de Juarez Távora, José Américo e Góis Monteiro, haviam chegado a bom termo. Pelo acordo ficavam estabelecidos o prazo máximo de um ano para a eleição da Constituinte, que seria marcada por decreto imediato, a nomeação, também imediata, de uma comissão para elaborar um anteprojeto de constituição, e o sistema de eleições indiretas, entre outros pontos. Contando já com o apoio do general Leite de Castro, ministro da Guerra, do almirante Protógenes Guimarães, ministro da Marinha, de Pedro Ernesto, interventor no Distrito Federal, e de João Alberto, esse acordo objetivava basicamente servir à reabertura das negociações do governo federal com o Rio Grande e São Paulo. Suas principais propostas foram efetivamente aceitas pelos gaúchos, que estavam dispostos a negociar desde que o governo se mostrasse de fato decidido à constitucionalização.
Antes porém que o Governo Provisório publicasse o decreto marcando a data das eleições, eclodiu a crise do secretariado paulista, que acabou por esvaziar a força política da proposta mineira, relegando-a a segundo plano. Logo ao tomar posse, Pedro de Toledo foi obrigado a conciliar com Miguel Costa e os “tenentes”, nomeando um secretariado no qual predominavam elementos da Legião Revolucionária. As tradicionais forças políticas paulistas continuaram a pressionar, negando-se a aceitar a continuidade de um governo aparentemente neutro mas cujos cargos principais permaneciam nas mãos de outras forças. No início de maio, num clima de revolta iminente, o general Góis Monteiro, comandante do 2º Grupo de Regiões Militares, em São Paulo, chegou a promover encontros entre os líderes constitucionalistas e Getúlio Vargas, nos quais os paulistas exigiram a recomposição do secretariado e o afastamento de Miguel Costa da Força Pública. As negociações cessaram quando a imprensa oficiosa comunicou que Vargas resolvera manter Miguel Costa e usar as suas prerrogativas de escolha do secretariado. Surgiu, em seguida, um boato de que Osvaldo Aranha se deslocaria a São Paulo. Essa viagem foi considerada uma intervenção indevida nas questões políticas do estado e o prenúncio de que seriam negadas as exigências de constituição de um novo secretariado. No dia 23 de maio, ante a notícia de que o ministro da Fazenda já se encontrava a caminho, a FUP conclamou a população paulistana a se reunir na praça do Patriarca, onde se realizaria um comício para defender suas exigências. Ao chegar em São Paulo, Aranha encontrou as portas do comércio fechadas, numa demonstração de hostilidade, e manifestações de rua em que os acadêmicos incitavam a Força Pública a aderir ao movimento.
No encontro que teve ainda nesse dia com o interventor Pedro de Toledo e os líderes da Frente Única, foram feitos os primeiros acertos para a formação do novo secretariado. Enquanto isso, era distribuído pela cidade um boletim em que se lia: “Mais uma vez, o ministro Osvaldo Aranha, como enviado especial do ditador, veio a São Paulo com o intuito de arrebatar, ao povo paulista, o sagrado direito de escolher os seus governantes.” Nessa mesma noite, Aranha telegrafava a Getúlio informando-o da gravidade da situação que encontrara na capital paulista, onde já se preparava um movimento articulado com outros estados. No telegrama, manifestou-se favorável à reorganização do secretariado com os nomes indicados pelos partidos, uma vez que a FUP se comprometia a cooperar com o governo de Pedro de Toledo, concluindo que naquele momento se fazia impossível a substituição de Toledo ou qualquer outra solução. Em resposta, Vargas autorizou-o a agir como lhe parecesse mais conveniente, desde que a solução final implicasse a solidariedade com o Governo Provisório.
Ainda na noite de 23 de maio ocorreram vários motins de rua em São Paulo que resultaram no empastelamento dos jornais A Razão e Correio da Tarde, favoráveis ao governo. Num dos choques então verificados entre os constitucionalistas e membros do Partido Popular Paulista (de João Alberto), morreram quatro acadêmicos. As iniciais dos nomes desses estudantes, formando a sigla MMDC, passariam a designar a principal sociedade secreta civil de caráter autonomista e constitucionalista no estado. No dia seguinte, quando Osvaldo Aranha já regressara ao Rio, Pedro de Toledo organizou seu novo secretariado, desvinculado do Governo Provisório e composto exclusivamente por nomes da FUP.
O período de final de maio e início de junho de 1932 foi marcado por agitações nos meios militares paulistas: boatos sobre a articulação de um golpe extremista encabeçado por João Alberto, prisão do coronel Teopompo de Vasconcelos, da Força Pública, e desbaratamento de uma tentativa, dentro dessa instituição, sob a liderança do irmão de Miguel Costa, de depor Pedro de Toledo e todo o seu secretariado. Os “tenentes” pretendiam que o Governo Provisório não reconhecesse o novo secretariado, mas a opinião de Aranha acabou prevalecendo. No dia 4 de junho os jornais de Porto Alegre publicavam o telegrama que o Clube 3 de Outubro enviara a Flores da Cunha protestando contra a manifestação de solidariedade prestada pela liderança da FUG aos paulistas, considerada uma forma de hostilizar Vargas. Esse telegrama veio a consumar o afastamento de Aranha do Clube 3 de Outubro.
Flores da Cunha chegava ao Rio pouco depois para entender-se com Aranha e acertar questões como o preenchimento das pastas vagas desde a crise dos demissionários e outras formas de aproximação da FUG com o Governo Provisório. Retornando ao Rio Grande no dia 24 de junho, o interventor gaúcho reabriu negociações com a FUG visando a formação de um ministério de união nacional, daí resultando como principal exigência a substituição do general Leite de Castro, segundo Edgar Carone um “ferrenho partidário do tenentismo” que participava de reuniões revolucionárias em seu ministério. Embora a idéia da recomposição ministerial tenha sido aprovada pelos ministros, que chegaram a apresentar o pedido de demissão coletiva no dia 28, ela foi recusada por Getúlio, que se limitou a efetivar a saída do ministro da Guerra, substituído pelo general Augusto Inácio do Espírito Santo Cardoso, nome imposto pelos “tenentes”. A nomeação desse militar acabou por provocar o rompimento da FUG com Vargas.
Pouco antes da eclosão do movimento constitucionalista, houve tentativas de conciliação conduzidas primeiro por Olegário Maciel, e em seguida por Osvaldo Aranha, que procurou evitar a revolução através de um entendimento conjunto das frentes únicas com a participação dos mineiros. No dia 4 de julho, em carta a Flores da Cunha, após relatar seu encontro com o político paulista Francisco Morato, o ministro da Fazenda afirmava: “Estamos ante um dilema: ou revolução ou eleição. A primeira seria um crime, por isso dela só podemos esperar maior anarquia e outras revoluções, senão a guerra civil ou secessão. A vantagem seria conquistar o poder para os homens das frentes únicas. Não há necessidade de lutar... vamos caminhar para a eleição. As frentes únicas tratarão de sua organização política e o governo manterá a ordem por uma ação imparcial. Fora disso, antevejo os piores dias para o nosso país.” No dia 6, Aranha avisava o interventor gaúcho sobre a chegada ao Rio de Janeiro de um oficial da guarnição de Mato Grosso com um ofício de seu comandante, general Bertoldo Klinger, ao ministro da Guerra, negando-lhe obediência. Como conseqüência, foi decretada a reforma administrativa de Klinger, o que provocou a deflagração do levante em São Paulo no dia 9 de julho, pois os revolucionários contavam com o apoio das tropas estacionadas em Mato Grosso.
Quatro dias depois de iniciado o movimento, chegou ao Rio o ex-deputado federal Carlos Cirilo Júnior, encarregado pelos rebeldes paulistas de tentar um contato com o ministro da Marinha, almirante Protógenes Guimarães, cuja arma se havia revelado inteiramente solidária com o Governo Provisório e que havia enviado para o Sul após a eclosão revolucionária grande número de fuzileiros navais. Portador de uma carta dos revoltosos, Cirilo Júnior apresentou-se a Protógenes, que considerou suas credenciais insuficientes e deu por encerrada a entrevista. Todavia, não desejando que o ex-deputado regressasse a São Paulo sem um conhecimento exato da posição do governo, o almirante propôs ao emissário um encontro com Osvaldo Aranha, o qual expôs a Cirilo os propósitos oficiais de opor resistência ao movimento constitucionalista.
Depois de quase três meses de combate em que os paulistas não conseguiram estender seu domínio além do território do estado, em 2 de outubro foi assinado um armistício selando a derrota dos rebeldes. No final desse mês, em carta a Flores da Cunha, Aranha comentou o movimento constitucionalista e suas conseqüências: “A revolução paulista”, disse ele, “foi tipicamente uma revolução do alto, feita pelos erros das valorizações do café, das indústrias alfandegárias, das fortunas fáceis, criando uma mentalidade de grandezas, de ganâncias, de exaltações, de incontinências e de hegemonias, incompatível com a nova política do país, de economia e igualdade dos estados. Foi assim que a despeito de todas as concessões do governo e de todos os favores do Tesouro, a união dos elementos representativos dessa falsa civilização... fez-se com o fim de restabelecer a velha ascendência econômico-política a cuja sombra prosperavam com o empobrecimento e o sacrifício do resto do país. A revolução era, como foi, inevitável... Nada evitou, nem evitaria, a eclosão paulista, salvo a devolução integral do poder a São Paulo.”
O processo de constitucionalização
Com a derrota do movimento paulista, o governo deu prosseguimento ao processo de constitucionalização, após haver confirmado a data de 3 de maio do ano seguinte para a realização de eleições para a Assembléia Nacional Constituinte. Visando o pleito, Osvaldo Aranha dedicou-se à articulação de um partido situacionista no Rio Grande do Sul. Segundo Maria Helena de Magalhães Castro, “a reorganização política do Rio Grande do Sul foi regida a oito mãos, ou seja, pela ação conjunta de Getúlio Vargas, Osvaldo Aranha e Flores da Cunha, contando com a mediação do novo ministro da Justiça, (Francisco) Antunes Maciel”. Ao ministro da Fazenda coube a definição inicial da orientação política a ser adotada pelo novo partido, o que foi feito não apenas por intermédio de carta ao então interventor gaúcho, Flores da Cunha, como também através de Antunes Maciel, que atuou como representante de Aranha na comissão encarregada de elaborar o programa da nova agremiação, o Partido Republicano Liberal (PRL). A orientação de Osvaldo Aranha teve por base a conciliação dos interesses políticos, de modo a subordinar o programa do novo partido à composição de forças de que o poder central necessitava.
O ritmo intenso com que foram conduzidos os trabalhos deveu-se, sobretudo, à necessidade de se aproveitar, para a reorganização política do situacionismo gaúcho, a derrota da FUG no levante que promovera em setembro em apoio à Revolução Constitucionalista e o reequilíbrio obtido então pelo próprio poder central. Por outro lado, procurou-se elaborar um programa suficientemente impreciso de modo a omitir definições, possibilitando a não exclusão de tendências políticas — o Rio Grande, até 1929, tinha sua política tradicionalmente radicalizada entre republicanos e libertadores. Assim o programa do novo partido pôde ser elaborado em menos de 20 dias. Para tanto, contribuiu de modo decisivo o fato de que a formação do PRL se antecipou à elaboração do anteprojeto constitucional, o que eliminou a possibilidade de se colocarem grandes divergências e, por conseguinte, facilitou a arregimentação levada a cabo por Flores da Cunha visando a rearticulação do situacionismo estadual num contexto de comprometimento com o poder central.
No início de novembro de 1932, Osvaldo Aranha viajou a Porto Alegre, onde presidiu, entre os dias 15 e 19, a convenção promovida por Flores para a fundação do PRL. A atuação do ministro da Fazenda foi decisiva para a inclusão de dispositivos centralizadores que não constavam do projeto inicial do programa. Esses dispositivos incidiam principalmente sobre a esfera financeira e eram justificados pela orientação de Aranha em defesa dos princípios ortodoxos de equilíbrio orçamentário e de estabilização da moeda.
Ainda em prosseguimento ao processo de constitucionalização, foi assinado a 1º de novembro de 1932 um decreto acelerando e regulamentando os trabalhos da comissão encarregada de elaborar o anteprojeto de constituição. Por ocasião da posse de Antunes Maciel no Ministério da Justiça, no dia 7 do mesmo mês, foi constituída uma subcomissão, conhecida como do Itamarati, para atender aos termos do decreto, integrada por Afrânio de Melo Franco (presidente), Osvaldo Aranha, Assis Brasil, Temístocles Cavalcanti, José Américo de Almeida, Carlos Maximiliano Pereira dos Santos, Antônio Carlos de Andrada, Artur Ribeiro, Prudente de Morais Filho, Agenor de Roure, João Mangabeira, Francisco José de Oliveira Viana e o general Góis Monteiro. Os trabalhos dessa subcomissão estenderam-se de novembro de 1932 até maio de 1933, quando foi aprovado o anteprojeto. Seus pontos principais eram: um Legislativo composto de uma Câmara única, a Assembléia Nacional, com a supressão do Senado e a criação de um conselho federal; a eleição da Assembléia pelo voto direto; a participação dos ministros de Estado no Legislativo; a rejeição da representação parlamentar de classe; a criação de uma legislação trabalhista e de segurança social, e a proteção e nacionalização da economia.
Em abril de 1933, cerca de um mês antes da realização do pleito, Getúlio Vargas teve assegurado pelo presidente de Minas Gerais, Olegário Maciel, o apoio irrestrito da futura bancada do Partido Progressista (PP) mineiro na Assembléia. Por sua vez, o chefe do Governo Provisório prometeu a Maciel apoiar a indicação de um candidato mineiro à presidência da Constituinte. Nesse momento, delineava-se a indicação de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, já então comprometido com a eleição de Vargas para a presidência do primeiro governo constitucional após a Revolução de 1930, a ser realizada pela Constituinte. Esse acordo seria consolidado em agosto, quando o ex-presidente mineiro foi procurado por Juarez Távora, ministro da Agricultura, e pelos interventores Carlos de Lima Cavalcanti, de Pernambuco, e Juraci Magalhães, da Bahia, que lhe asseguraram sustentação a sua candidatura em troca do apoio da bancada de Minas às reivindicações dos estados nordestinos. Depois que Antônio Carlos reafirmou sua posição, Vargas tornou público que o apoiava para a presidência da Constituinte.
Osvaldo Aranha, porém, apoiava a indicação de Virgílio de Melo Franco. Na realidade, o ministro da Fazenda pretendia ainda torná-lo interventor em Minas, para que assim o estado se integrasse “política e administrativamente” no novo regime. Entretanto, o nome de Virgílio — que foi eleito em maio para a Assembléia Constituinte, assim como Antônio Carlos, na legenda do PP — era problemático para Vargas, não só do ponto de vista de suas reais possibilidades de coordenar a maioria governista na Assembléia, como também em relação à garantia da eleição do chefe do Governo Provisório para a presidência da República. A morte de Olegário Maciel, no início de setembro, veio atenuar a disputa pela presidência da Assembléia, muito embora precipitasse a política mineira em nova crise. Na disputa pela interventoria de Minas, além de Virgílio de Melo Franco, ligado a Aranha, surgiu o nome de Gustavo Capanema, apoiado pelos interesses das tradicionais forças políticas e cuja nomeação era reivindicada por Flores da Cunha. Enquanto a questão não era definida, Capanema assumiu interinamente o governo mineiro. Num primeiro momento, Getúlio optou por Virgílio e chegou a preparar o decreto de nomeação, mostrando-o a seu pai, o ministro Afrânio de Melo Franco. Recebeu, entretanto, a visita de Flores da Cunha, que argumentou importar a nomeação de Virgílio no rompimento com o governo da maioria da bancada mineira na Constituinte, liderada por Antônio Carlos.
“Para Vargas”, escreveu Helena Bomeny, “mais importante do que consolidar uma ligação de compromisso político com Aranha ou Flores da Cunha, pelo atendimento de suas aspirações na solução do caso mineiro, era garantir sua eleição à primeira presidência constitucional do país. O reconhecido peso político da bancada mineira no processo eleitoral era uma força de barganha que não poderia descartar. Fortalecer a um ou a outro desses políticos de legitimado peso nacional era, entre outros fatores, reconhecer a possibilidade de suas próprias eleições. A habilidade de Vargas caracteriza-se justamente pela forma como associa a presidência da ANC à solução do caso mineiro. Ele apóia incondicionalmente o nome de Antônio Carlos para esse cargo, e em troca desse apoio recebe do líder progressista a confirmação de sua autoridade para escolher o novo interventor.”
Assim, Vargas não resolveu o problema mineiro antes da definição da situação da Constituinte. No dia 12 de novembro, Antônio Carlos foi eleito presidente da Constituinte e, no dia 14, Osvaldo Aranha foi designado líder da maioria. A partir de então, Getúlio deixou transparecer sua intenção de não nomear nem Capanema nem Virgílio. Encomendou ao PP listas de candidatos nas quais os dois não figuravam. Conseguiu que fosse acrescentado o nome do deputado progressista Benedito Valadares, pouco mais que obscuro, mas que acabaria nomeado para a interventoria no dia 12 de dezembro. Dessa forma, neutralizou os esforços de Aranha e Flores, controlando ao mesmo tempo o avanço político de Antônio Carlos. Mais do que isso, estabeleceu um pacto político entre o poder federal e a política mineira.
Em sinal de protesto, Afrânio de Melo Franco e Osvaldo Aranha pediram exoneração, sendo que este último formalizou também sua renúncia à liderança da maioria na Constituinte. Embora inicialmente tenha recusado os pedidos (Aranha chegou a concordar em recuar), Vargas acabou por aceitá-los, conforme nota divulgada no dia 28 de dezembro. A partir de então, os trabalhos da Comissão dos 26 — formada para elaborar o substitutivo do projeto constitucional apresentado pelo governo —, que já vinham sofrendo um retardamento pelo grande número de emendas apresentadas, foram praticamente paralisados. A renúncia de Osvaldo Aranha, oficializada apenas na sessão do dia 5 de janeiro de 1934, encontrou fortes oposições na Assembléia. Durante um curto período, a liderança da maioria permaneceu vaga, enquanto se faziam negociações. Vargas acabou escolhendo o deputado baiano Antônio Garcia de Medeiros Neto, o que provocou forte reação, pois a escolha significou uma interferência direta de Getúlio nos assuntos da Constituinte.
Enquanto Aranha exerceu a liderança da maioria, o principal debate girou em torno da anistia para os revolucionários de 1932. Às pressões para que fosse votado o projeto nesse sentido Aranha contrapunha que se votasse primeiro a nova Constituição. O comparecimento do ministro da Fazenda às sessões da Assembléia foi criticado pelo deputado Antônio Covelo, contrário ao artigo 53 do regimento interno da Constituinte, que reconhecia esse direito aos ministros de Estado. Para Covelo, tratava-se de uma interferência do governo nos trabalhos da Assembléia, com o que não concordavam os membros da maioria.
Uma última tentativa conciliatória visando a permanência de Aranha no ministério foi feita por Flores da Cunha, que no dia 10 de janeiro reuniu Osvaldo com todos os ministros, os interventores Carlos de Lima Cavalcanti, Pedro Ernesto, Ari Parreiras, Juraci Magalhães e Armando Sales, além do general Góis Monteiro. Nessa reunião, ficou acertada sua reintegração na equipe de governo. Neste mesmo dia, Vargas escrevia a Aranha, dando por encerrado o incidente que dera origem a seu afastamento e convidando-o a reassumir o posto. O arranjo, no entanto, teve breve duração. No dia 21 de fevereiro, o novo líder da maioria apresentava à Assembléia uma proposta — conhecida como emenda Medeiros Neto — sugerindo a reforma do regime interno a fim de se inverter a ordem dos trabalhos, permitindo assim que se efetuasse a eleição do presidente da República antes da aprovação definitiva do texto constitucional. Essa proposta encontrou forte resistência e já no dia seguinte, ao tomar conhecimento dela, Aranha escreveu ao chefe do Governo Provisório, em caráter confidencial, procurando fixar sua atitude política e sua conduta pessoal. Lembrando que a proposta do líder da maioria contrariava tudo quanto ficara acertado entre Flores, Vargas e ele próprio em recente reunião, Aranha afirmou que a inversão da ordem dos trabalhos lhe parecia não só um disparate mas também um atentado contra o regime pregado e prometido pela Revolução de 1930. Ressaltou, contudo, que embora se pusesse contra a inversão, continuava a apoiar a eleição de Vargas para a presidência da República, que em época normal, no seu entender, seria quase unânime. Após afirmar que não havia sido ouvido pelos responsáveis diretos e indiretos nesses acontecimentos — preferindo assim manter a atitude de reserva que adotara desde a última crise governamental, em dezembro de 1933 —, colocou seu cargo à disposição do chefe do governo para substituí-lo quando e como quisesse.
Após várias articulações políticas, das quais participaram ministros, interventores e líderes das grandes bancadas, encontrou-se uma solução conciliatória, a “fórmula Simões Lopes”, proposta pelo deputado Augusto Simões Lopes, líder da bancada gaúcha, que acabou sendo aceita como alternativa à emenda Medeiros Neto. A fórmula dispensava a discussão preliminar do texto constitucional em plenário, considerando que ela já ocorrera na Comissão dos 26, quando as comissões parciais apresentaram suas emendas ao anteprojeto. Isso possibilitava a votação em bloco do substitutivo imediatamente, de modo a realizar a eleição presidencial no prazo de um mês sem que houvesse a inversão dos trabalhos. Segundo carta de Simões Lopes a Flores da Cunha, essa solução conciliatória contou com o apoio de Osvaldo Aranha.
Partidário da eleição de Getúlio Vargas à presidência da República pela Constituinte, Aranha contribuiu decisivamente para o malogro da candidatura de Góis Monteiro, articulada pelo Clube 3 de Outubro e cujo lançamento coincidia com uma onda de rumores sobre um iminente golpe de Estado — ocorreram na época vários pronunciamentos de comandantes militares contra a Constituinte e contra a implantação de uma ordem liberal no país. Entre março e abril, Aranha participou de algumas reuniões para que fosse discutida a escolha do primeiro presidente constitucional. Numa delas, realizada em sua casa no dia 12 de abril, com a presença de José Américo de Almeida, Juarez Távora, Protógenes Guimarães e Pedro Ernesto, discutiu-se a organização de “um trabalho profícuo e certo para prestigiar a candidatura de Vargas à presidência da República”. Ao término do encontro ficou decidido que os ministros lançariam publicamente a candidatura de Getúlio.
Concluídos os trabalhos da Assembléia, a nova Constituição foi votada a 16 de julho e, no dia seguinte, Getúlio Vargas foi eleito o primeiro presidente constitucional da República após a Revolução de 1930. No mês de agosto, em entrevista concedida ao jornal argentino Crítica, Aranha acusou a nova Carta constitucional de não satisfazer as necessidades dos brasileiros: “Paulatinamente, foram diminuindo os brios revolucionários para evitar choques, ressentimentos e crises de interesses políticos incompreensíveis... Não se consagrou na estrutura do Estado, nem uma União, nem uma Federação... O único aspecto aceitável da nova Carta diz respeito aos direitos sociais frente aos quais o Brasil começou a se colocar.” Quando da formação do novo ministério, seu nome fora excluído e ele havia deixado oficialmente a pasta da Fazenda no dia 24 de julho, passando-a a Artur de Sousa Costa.
Embaixador em Washington
Dias após sua saída do Ministério da Fazenda, Osvaldo Aranha foi nomeado embaixador do Brasil em Washington. Antes de assumir o novo cargo, fez breve viagem à Itália, quando tentou marcar, sem sucesso, uma audiência com o chefe de governo daquele país, Benito Mussolini. Assumindo a embaixada a 17 de setembro, encontrou em andamento as negociações para um tratado de comércio, iniciadas em fins de 1933. A iniciativa partira do Departamento de Estado dos EUA, que insistia em reduzir as tarifas brasileiras de importação sobre produtos norte-americanos em troca da manutenção das principais exportações brasileiras na lista livre daquele país. No início de 1934 os atrasados comerciais continuaram a crescer e o pagamento da dívida externa tornou-se problemático, mesmo com os esforços representados pelo “esquema Aranha”, o que aumentou a importância do tratado para o governo brasileiro. Vargas, todavia, procurara adiar ao máximo qualquer decisão sobre o acordo, principalmente por temer uma campanha de opinião pública que colocasse em risco sua eleição para a presidência da República pela Constituinte. Para essa eleição era essencial o voto da bancada classista, em especial dos deputados ligados à indústria, que seria prejudicada com o barateamento das importações de produtos norte-americanos. Mesmo depois de eleito, porém, houve novo adiamento, já que o Itamarati não se encontrava em condições de negociar antes da escolha do novo chanceler. Com a posse de José Carlos Macedo Soares no Ministério das Relações Exteriores e a chegada de Osvaldo Aranha a Washington, criou-se então a oportunidade para retomar as conversações.
No início de outubro, enquanto Aranha tratava do acordo de comércio com o governo norte-americano, o Brasil era visitado por uma delegação alemã que oferecia mercado para diversos produtos brasileiros — especialmente algodão, fumo, lã, banha, couros e arroz — em regime de compensação, ou seja, através da troca de produto por produto. Esse tipo de comércio, embora não gerasse divisas, garantia mercado para uma parcela da produção brasileira e supria algumas necessidades de importação, mas chocava-se diretamente com o princípio do livre comércio, que vinha sendo a tônica do pensamento norte-americano. Com a notícia da chegada da delegação alemã, o Departamento de Estado dos EUA se recusou a ampliar as negociações com o Brasil. Em um de seus primeiros encontros com os técnicos norte-americanos, Aranha foi informado de que ou o governo brasileiro mantinha a cláusula de “nação mais favorecida” como base para um tratamento igualitário ou o Departamento de Estado passaria a exigir garantias para as exportações daquele país destinadas ao Brasil. Após uma série de telegramas trocados com o Itamarati, Aranha recebeu instruções para prolongar as negociações em sua fase preliminar pelo menos até o dia 14 de outubro, quando se realizariam as eleições para o Congresso, dando ainda tempo para que o CFCE e o Conselho de Tarifas concluíssem o estudo sobre o acordo. Enquanto isso, as negociações com a Alemanha nazista seriam desenvolvidas em caráter secreto.
Em fins de outubro, o Departamento de Estado enviou à embaixada do Brasil um memorando que foi interpretado por Aranha como uma indicação de que o tratado dependia exclusivamente do compromisso brasileiro de proteger as exportações norte-americanas de qualquer tipo de controle cambial, declarando por escrito sua oposição ao sistema de comércio compensado. Após algumas entrevistas com o subsecretário Sumner Welles e outros técnicos daquele departamento do governo norte-americano, Aranha conseguiu a adoção de nova fórmula. Interessados em estabelecer com o governo brasileiro as bases de uma política recíproca que levasse à formação de um bloco de livre comércio em oposição à Alemanha, os Estados Unidos se comprometeram a oferecer créditos ao Brasil e a permitir que o país entrasse em acordo com seus credores caso garantisse um tratamento de igualdade cambial, fizesse concessões tarifárias e seguisse uma política liberal dentro de suas possibilidades, o que não anulava o comércio de compensação.
Os primeiros dias de 1935 foram marcados no Brasil por sensível crise cambial. Com a escassez de divisas, estabeleceu-se dentro do governo uma polêmica sobre a prioridade com que elas seriam aplicadas: enquanto algumas autoridades defendiam a manutenção do pagamento da dívida externa, outras advogavam a utilização das reservas no financiamento do comércio, através do pagamento de atrasados e de compras correntes. Vargas decidiu por fim enviar aos EUA e à Inglaterra uma missão econômica para debater os problemas e tentar uma solução.
Ao receber o comunicado de Getúlio sobre a missão chefiada pelo novo ministro da Fazenda, Artur de Sousa Costa, o embaixador brasileiro alertou-o para a inoportunidade dessa viagem, já que para os norte-americanos ela traduzia a desorientação da política financeira do Brasil, além de enfraquecer sua posição como negociador. Para Osvaldo Aranha, a escassez de reservas cambiais devia-se basicamente às grandes transferências de lucros feitas pelas companhias estrangeiras estabelecidas no país. Assim, segundo ele, a principal medida deveria ser a de sustar essas transferências, mesmo com prejuízo para os investidores estrangeiros, o que garantia divisas em quantidade suficiente para atender aos atrasados comerciais e financeiros. Aranha afirmou, ainda, nessa oportunidade, que a viagem de Sousa Costa, sem convite do governo norte-americano, poderia ser atribuída à incompetência sua, como embaixador ou à falta de confiança do governo brasileiro em sua atuação à frente da embaixada.
O acordo comercial foi assinado afinal, em Washington, a 2 de fevereiro de 1935, pelo secretário de Estado Cordell Hull e por Osvaldo Aranha, na presença do presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt e do ministro Sousa Costa. Este, por seu lado, conseguiu o congelamento dos atrasados comerciais até que se fizessem novos acordos de pagamento. “O tratado”, escreve Gérson Moura, “consagrava o princípio de nação mais favorecida, que se aplicaria a regulamentação tarifária, controle cambial, taxas de importação etc., e garantia a manutenção ou redução de tarifas para os itens do comércio brasileiro-norte-americano.”
Entretanto, no Brasil, a assinatura do acordo provocou forte reação do empresariado industrial, que se julgou prejudicado e tentou promover a rejeição do projeto de lei que o ratificaria no Congresso, ao mesmo tempo em que procurava sensibilizar a opinião pública por intermédio de campanhas na imprensa. Esses esforços baseavam-se em dois argumentos: o tratado fora negociado sem consulta aos grupos interessados e muitos produtos brasileiros seriam prejudicados devido à redução de tarifas dos similares norte-americanos. Com o apoio da minoria parlamentar e da bancada de deputados classistas, os industriais conseguiram retardar de maio a agosto a discussão do projeto de lei, ganhando novas adesões entre os deputados da maioria, o que alarmou o governo norte-americano. Esse temor foi reforçado em junho, quando o CFCE autorizou o Banco do Brasil a realizar operações de comércio compensado com a Alemanha.
Aranha em mais de uma ocasião escreveu a Getúlio Vargas criticando a demora da votação parlamentar, o que vinha prejudicando as relações comerciais com os EUA. Em agosto, o governo de Washington decidiu pressionar mais diretamente: Cordell Hull acionou a embaixada brasileira em Washington, através do conselheiro Ciro Freitas Vale, primo de Osvaldo Aranha, que transmitiu a este a convicção norte-americana de que o tratado não seria ratificado caso o governo brasileiro não se empenhasse a fundo. Paralelamente, o secretário de Estado instruía seu embaixador no Rio a debater o problema com Vargas e com o ministro Macedo Soares. O projeto de lei foi finalmente aprovado no dia 9 de setembro, após enérgica intervenção do governo brasileiro junto ao Congresso.
A permanência de Osvaldo Aranha em Washington foi marcada ainda por dois acontecimentos relevantes. O primeiro deles ocorreu em dezembro de 1936, quando o subsecretário de Estado norte-americano, Sumner Welles, de volta da Conferência Interamericana para a Manutenção da Paz realizada em Buenos Aires, visitou o Rio de Janeiro. Nessa ocasião, Welles manteve conversações com os ministros da Fazenda e das Relações Exteriores do Brasil ainda a propósito do comércio compensado com a Alemanha, tendo também oferecido recursos ao governo brasileiro para a constituição de um Banco Central visando a regularização da situação monetária do país.
O outro acontecimento foi a viagem do ministro Sousa Costa aos EUA nos meses de junho e julho de 1937. Em maio desse ano, aproximando-se o término da vigência do ajuste Brasil-Alemanha, o Departamento de Estado norte-americano reclamou junto à embaixada brasileira dos prejuízos que o acordo causava aos EUA, sugerindo que o Brasil fizesse novo entendimento com os alemães, dessa vez em moldes liberais. Receando possíveis represálias, Aranha insistiu com Getúlio Vargas para enviar Sousa Costa a Washington a fim de debater a questão do comércio de compensação. Além desse assunto, a missão Sousa Costa discutiu com as autoridades norte-americanas outros temas, como os da dívida externa brasileira e da criação de um banco central.
Durante todo o período em que esteve à frente da embaixada, Aranha continuou a acompanhar, através de assídua correspondência com Vargas, as principais questões da política interna brasileira, como a repressão aos comunistas após a revolta de 1935 e as divergências entre Getúlio e Flores da Cunha, que reagia à orientação cada vez mais centralizadora adotada pelo presidente a partir de 1936. Em novembro desse ano, Aranha tinha viajado para o Rio de Janeiro, aí chegando no dia 23, a caminho da Conferência Interamericana para a Manutenção da Paz, que se realizaria em Buenos Aires. Na realidade, sua passagem pelo Brasil, segundo C. Cortés, ligava-se muito mais à política interna do que à questão da paz no continente. Mesmo após dois anos longe do país, Aranha viu nesse momento a possibilidade de lançar sua candidatura, cogitada desde o início do ano, para as eleições presidenciais de janeiro de 1938, tendo por base o apoio do Rio Grande do Sul. Para tanto, contudo, tornava-se fundamental a pacificação política desse estado, onde desde outubro havia sido rompido o modus vivendi entre situacionismo e oposição. Além de questões internas, contribuíra igualmente para o conflito o problema da sucessão presidencial, pois, enquanto Flores procurava influir na escolha do substituto de Vargas, este incentivava as dissidências na política gaúcha, aproximando-se das oposições estaduais, com o objetivo de enfraquecer o governador.
Aranha também já se manifestara contra o continuísmo de Vargas, que tudo fazia para evitar o surgimento de uma candidatura forte, fosse ela de Aranha ou de Flores. A aproximação entre esses dois políticos foi a conseqüência lógica, superando-se assim as desavenças surgidas em 1933 com a crise em torno da sucessão mineira.
Terminada a conferência de Buenos Aires, na qual Aranha teve destacada participação, Vargas incumbiu o embaixador de tentar conciliar os governos federal e gaúcho, principalmente no sentido de que este não apoiasse a candidatura do paulista Armando Sales à presidência. Aranha dirigiu-se então a Porto Alegre, onde já encontrou os três partidos locais nitidamente cindidos. O PRR e o PL, que desde 1932 se opunham abertamente a Vargas, giravam agora em torno das decisões do governo central, aliados aos dissidentes do PRL, a chamada Dissidência Liberal. Já Flores da Cunha e o resto do PRL, aliados aos dissidentes do PRR e do PL, manifestavam-se a favor da candidatura de Armando Sales, articulada pelo Partido Constitucionalista de São Paulo. Aranha concentrou seus esforços na busca de cooperação entre todas as correntes para uma sucessão presidencial tranqüila. Argumentando com a Dissidência Liberal que sua campanha anti-Flores poderia levar o estado a um suicídio político, convenceu-a a aceitar uma trégua política até abril de 1937, o que lhe permitiria negociar sua candidatura, fortalecido com a potencialidade de um Rio Grande unido.
Muito embora houvesse obtido a concordância de Vargas para essas negociações, Aranha encontrou a relutância do presidente em concretizar nova proposta a Flores. Tão logo o embaixador retornou ao Rio, no início de fevereiro de 1937, para dar continuidade às conversações com os políticos gaúchos estabelecidos no Distrito Federal, o libertador Alberto Pasqualini — segundo C. Cortés, um intermediário de Vargas, que procurava assim esvaziar os esforços de Aranha — concedia uma série de entrevistas contra Flores da Cunha, visando agravar a situação gaúcha. Ignorando então seu compromisso com Aranha, os dissidentes apoiaram Pasqualini.
Ainda que a Dissidência Liberal se mostrasse disposta a aceitar a candidatura de Aranha, na prática, mesmo com a redução das críticas a Flores da Cunha após as entrevistas de janeiro, alguns de seus membros agiram de modo a debilitar o governador, organizando em todo o estado clubes pró-Vargas. Ciente de que o prazo final da trégua com a Dissidência corresponderia inevitavelmente ao de suas ambições presidenciais, Aranha procurou articular um apoio em nível nacional para a sua candidatura, contando para isso com o auxílio de Flores da Cunha, que havia concordado em retirar seu apoio a Armando Sales.
No início de 1937, o quadro da sucessão presidencial ainda se mostrava confuso. Em São Paulo, enquanto o Partido Constitucionalista apoiava Armando Sales, o oposicionista PRP se inclinava a aceitar o nome de Aranha caso ele fosse o candidato da maioria em nível nacional. Os governadores de Pernambuco, Carlos de Lima Cavalcanti, e da Bahia, Juraci Magalhães, rejeitavam a idéia de mais um governante gaúcho para o país, insistindo em um candidato do Nordeste. Por seu lado, Benedito Valadares, governador de Minas, se opunha à candidatura de Aranha por temer que sua eleição representasse a vitória das forças de Virgílio de Melo Franco na política mineira.
Quase ao término do prazo que estabelecera com a Dissidência Liberal, Aranha ainda tentou reaproximar Getúlio e Flores da Cunha. Os três reuniram-se no início de abril em Petrópolis, mas a iniciativa fracassou. Tentando prolongar a trégua com a Dissidência, Aranha procurou convencer os seus membros a votarem nos candidatos oficiais de Flores para a formação da mesa diretora da Assembléia estadual, que seria reaberta em 12 de abril. Vargas, contudo, apressou-se a enviar o deputado federal Batista Luzardo à capital gaúcha com a missão de manter unida a maioria oposicionista, integrada pela FUG e pela Dissidência Liberal para derrubar os candidatos de Flores.
Osvaldo Aranha ainda apelou para Getúlio no sentido de elaborar um compromisso visando exclusivamente a eleição da mesa da Assembléia, o que foi recusado pelo presidente. Como último recurso, Aranha enviou um emissário a Porto Alegre com urna fórmula de acordo. Aceita por Flores, essa proposta foi contudo recusada pela Dissidência Liberal, o que não chegou a ser surpresa, pois Aranha já havia dado a seu emissário uma carta para ser entregue aos dissidentes no caso de recusa. Na carta criticava a Dissidência por haver rejeitado o compromisso e reforçava sua idéia de que a existência de divergências internas tão acentuadas às vésperas da sucessão presidencial era um grande erro, senão um suicídio político do Rio Grande do Sul. Dizia que o fracasso das tentativas de pacificação dos gaúchos só confirmaria a “incapacidade política de que somos acusados e, queiramos ou não, proscreverá o Rio Grande do Sul, os seus partidos e os seus homens do seio das forças construtoras de que o Brasil necessita... para a manutenção da unidade, da democracia e da paz”. Em outra carta aos dissidentes, não divulgada, acusava-os de serem os arquitetos de uma próxima ditadura no Brasil. Com as possibilidades de se candidatar esgotadas, Aranha deixou o Rio de Janeiro no dia 12 de abril, retornando a seu posto na embaixada em Washington. Poucos dias depois, Flores da Cunha definia seu apoio e o do PRL à candidatura de Armando Sales.
No início de maio foi realizado no Tribunal de Segurança Nacional o julgamento dos cinco parlamentares presos no ano anterior sob a acusação de terem formado um comitê no Congresso a serviço do líder comunista Luís Carlos Prestes e de estarem reorganizando atividades subversivas. Em carta do dia 28 deste mês, dirigida à mulher do deputado João Mangabeira, um dos parlamentares presos, Aranha deplorou a condenação do político a três anos e quatro meses de prisão.
A partir de outubro de 1937 — mês em que foi anunciada a descoberta do “Plano Cohen”, um esquema de golpe atribuído aos comunistas, mas que mais tarde se revelaria uma falsificação destinada a criar um clima propício à implantação do Estado Novo —, aumentaram as especulações sobre o projeto de Getúlio de continuar no poder. Os próprios candidatos à presidência, Armando Sales e José Américo, passaram a aceitar, sob a pressão de seus correligionários, o lançamento de uma terceira candidatura. Por outro lado, aumentou a pressão dos militares contra a permanência de Getúlio porque este contava na época com o apoio dos integralistas. No final do mês, Osvaldo Aranha escreveu a Vargas relatando os esforços que empreendia para alterar a opinião norte-americana sobre os acontecimentos no Brasil. O embaixador garantira a Roosevelt e ao secretário de Estado Cordell Hull que não haveria golpe. Vargas escreveu a Aranha no dia 8 de novembro para justificar a decretação do estado de guerra. Argumentava que a situação política se agravara com o fracasso das duas candidaturas e o aumento da campanha comunista, ressaltando a necessidade de uma nova Constituição que desse ao governo maior poder de ação.
O Estado Novo foi implantado a 10 de novembro de 1937 e uma de suas primeiras medidas foi o fechamento de todos os órgãos legislativos do país. No dia seguinte, em telegrama a Mário de Pimentel Brandão, ministro das Relações Exteriores, Osvaldo Aranha declarava ser difícil desfazer a má impressão causada pelo golpe de Estado junto à imprensa norte-americana. Suas primeiras reações foram contrárias ao novo regime e à nova Constituição, elaborada, segundo suas próprias palavras, “por um anormal” — no caso, o jurista Francisco Campos. Em 15 de novembro, depois de receber uma carta de Vargas informando-o oficialmente sobre o golpe, renunciou ao cargo de embaixador, avisando que retornaria imediatamente ao país. No dia seguinte, em conversa telefônica com o ministro Sousa Costa e com seu irmão Luís Aranha, Osvaldo se mostrou favorável ao golpe, embora continuasse a não aprovar a nova Constituição, que “desrespeita todas as tradições do povo que lutou cem anos para sua liberdade”.
Vargas telegrafou a Aranha no dia 17, justificando a decretação do Estado Novo e do texto constitucional e recusando a renúncia por considerar a sua presença em Washington indispensável aos interesses brasileiros. Aranha, porém, reafirmou sua decisão e Vargas pediu-lhe que viesse ao Brasil, ainda na qualidade de embaixador, para discutir as divergências. Assim, não se colocava em risco a cooperação norte-americana. Aranha aceitou a proposta e partiu para o Rio de Janeiro no dia 12 de dezembro de 1937, a bordo do Western Prince.
Ministro das Relações Exteriores
Durante os meses de janeiro e fevereiro de 1938, segundo Luís Vergara, Osvaldo Aranha manteve longas e repetidas conferências com Getúlio, procurando convencê-lo a reformar a Constituição de 1937 e a promover uma revisão nos rumos políticos adotados desde a implantação do Estado Novo. Por diversas vezes, ao lhe ser oferecido o cargo de ministro das Relações Exteriores, declarou que só aceitaria se fossem feitas as modificações substanciais que propunha. No início de março, Vargas conseguiu convencê-lo, mas Aranha impôs a condição de se restringir aos assuntos referentes à sua pasta e de orientar a política externa brasileira em sentido contrário às teses totalitárias, de modo a fortalecer a união pan-americana.
A nomeação do novo chanceler, no dia 9 de março, foi recebida com satisfação pelo governo norte-americano devido à inequívoca admiração do político gaúcho pelos EUA. Em carta ao subsecretário de Estado Sumner Welles, de quem se tornara amigo, Aranha procurou explicar o Estado Novo, conciliando sua forma ditatorial com uma democracia social implícita, ao mesmo tempo em que assegurava a fidelidade do governo brasileiro ao sistema pan-americano. No final do mês, em saudação ao povo norte-americano, o chanceler reafirmava o repúdio às ideologias estranhas à sua concepção.
A primeira crise vivida por Aranha no ministério foi em meados do ano, em decorrência do levante integralista de maio, cujo episódio principal foi o assalto ao palácio Guanabara, então residência do presidente da República. Em junho, o capitão Manuel Aranha, irmão do chanceler, foi reformado por decreto, sem que houvesse antes qualquer inquérito policial ou militar: o capitão fora acusado de ter dado proteção ao comandante do ataque integralista ao palácio, Severo Fournier, para que se asilasse na embaixada italiana. Sua reforma, assim como a de outros oficiais, fora proposta diretamente pelo ministro da Guerra, general Eurico Dutra, o que contribuiu para deteriorar as relações entre esse militar e Osvaldo Aranha, apesar dos esforços conciliatórios do general Góis Monteiro, a pedido de Vargas.
A 26 de junho, Aranha apresentou seu pedido de demissão ao presidente da República. Nesse mesmo dia, ainda como ministro, orientou o embaixador brasileiro em Roma, Adalberto Guerra Duval, para transmitir ao governo italiano a posição de que não era possível ao Brasil reconhecer o asilo concedido a Fournier, o qual feria as normas internacionais e os acordos de reciprocidade, alarmando a opinião pública brasileira. O governo italiano acabou por reconhecer o erro de seu embaixador, removendo-o do Rio e manifestando, já em novembro, seu desejo de incrementar as relações com o Brasil. Por outro lado, o pedido de demissão de Aranha foi recusado por Vargas. No dia 6 de julho, foi a vez de Dutra apresentar seu pedido, também indeferido pelo presidente da República.
Durante o primeiro ano da gestão Aranha no Itamarati foi clara a preocupação do governo norte-americano com a política interna brasileira, não só em relação ao próprio Estado Novo como também quanto à intensificação da propaganda fascista e nazista num país com numerosa colônia de italianos e alemães. Após o fracassado levante integralista, o chanceler recebeu diversos elogios, inclusive da imprensa norte-americana, pela firmeza com que o governo brasileiro resistiu às investidas fascistas e à influência alemã, o que muito contribuiu para alterar a imagem do Brasil no exterior.
Os rumos da política externa brasileira também se tornaram alvo das preocupações norte-americanas. Autoridades de Washington, em sua correspondência com Osvaldo Aranha, atentavam para o que consideravam um alarmante nível de crescimento do intercâmbio Brasil-Alemanha, às expensas do comércio com os Estados Unidos. No final do ano, Sumner Welles escreveu a Aranha assinalando a harmonia dos pontos de vista dos dois governos a propósito de alguns dos assuntos, ao mesmo tempo em que oferecia concreta cooperação nos campos financeiro, militar e de segurança interna. Fazia ainda sugestões quanto às posições a serem defendidas pelo Brasil durante a VIII Conferência Interamericana, em Lima. Assim, ao longo de 1938, os EUA multiplicariam seus esforços para conquistar a confiança do governo brasileiro.
No que diz respeito às relações Brasil-Alemanha e Brasil-Itália, duas questões se destacaram: a relação oficial entre os governos e o problema da influência nazista e fascista no Brasil. Se por um lado as relações políticas e comerciais com estes países se normalizaram tendendo à ampliação, por outro, as reivindicações políticas, em especial do nazismo, relativas aos nacionais desses países radicados em território brasileiro, acabaram por criar obstáculos para o governo, já que Aranha vinha se esforçando em projetar no exterior a idéia de que o fascismo não estava crescendo no país. Nesse sentido, o governo brasileiro, no primeiro semestre de 1938, tomou diversas medidas, tais como exigir a nacionalização do ensino — o que afetou basicamente as escolas alemãs e italianas do Sul do país — e proibir atividades políticas de estrangeiros no Brasil, o que culminou com a proibição de funcionamento do Partido Nazista no território nacional. Mesmo assim, no final do ano, Osvaldo Aranha foi obrigado a admitir a Cordell Hull a descoberta de uma organização clandestina ampla e bem organizada, dirigida por um general alemão, que tinha por objetivo estabelecer o regime nazista no Brasil. Preocupado com a extensão de tais informações, o governo norte-americano ofereceu colaboração para o aperfeiçoamento dos serviços secretos brasileiros.
O ponto critico das relações com a Alemanha revelou-se ainda no primeiro semestre de 1938, com o chamado “caso Ritter”. Karl Ritter, embaixador alemão no Brasil, refletindo a orientação de seu governo, vinha exigindo desde março o direito de proteger as minorias alemãs, bem como o de organizar um partido nazista em território brasileiro. O governo não concordou em equiparar os direitos das minorias aos dos partidos políticos e em conceder regalias diplomáticas aos representantes partidários. Em maio, depois que o embaixador entregou uma nota de protesto contra essa posição, a chancelaria brasileira solicitou ao governo de Berlim que ele fosse substituído, com a justificativa de que Ritter tivera um comportamento agressivo e antidiplomático. Como não fosse dada qualquer resposta à solicitação, o governo brasileiro enviou no dia 21 de setembro uma nota ao Ministério do Exterior do Reich, declarando Ritter persona non grata por suas atividades abertamente pró-nazistas. Em represália, Berlim pediu a retirada do embaixador brasileiro na Alemanha, José Joaquim Muniz de Aragão, a quem Osvaldo Aranha, já prevendo os acontecimentos, transferira dois dias antes para a Secretaria de Estado. As relações diplomáticas entre Brasil e Alemanha só seriam retomadas em nível de embaixadores em junho de 1939.
Quanto ao governo italiano, após o incidente envolvendo Severo Fournier, manifestou o desejo de incrementar o intercâmbio com o Brasil. No final de 1938, sondado por Berlim, Mussolini recusou-se a participar de qualquer iniciativa antibrasileira, o que não impediu que seu embaixador no Brasil formalizasse, em meados de dezembro, a reclamação de que muitos grupos italianos aqui radicados estavam sendo atingidos severamente por medidas discriminatórias.
A política externa para a América Latina
A Questão do Chaco e a realização da VIII Conferência Pan-Americana foram os principais temas do relacionamento brasileiro com os outros países latino-americanos em 1938. A guerra entre a Bolívia e o Paraguai em disputa pelo território do Chaco irrompera em junho de 1932, transformando-se no mais grave conflito armado da América no século XX. A guerra foi desencadeada pela intenção da Bolívia de conquistar no Chaco uma abertura para o rio Paraguai, de forma a substituir a faixa de litoral no Pacífico perdida para os chilenos no final do século XIX. A intransigência dos governos de La Paz e Assunção, o mal disfarçado apoio da Argentina ao Paraguai, bem como os interesses de grandes companhias estrangeiras sobre supostas reservas petrolíferas do Chaco, fizeram prolongar a guerra para além da capacidade de resistência dos dois países em conflito. A Guerra do Chaco, como ficou conhecida, estendeu-se até junho de 1935, terminando com a completa derrota militar da Bolívia.
Desde sua posse na chancelaria em março de 1938, Aranha fez várias propostas para um acordo de paz entre os países vizinhos, buscando sempre, nessas tentativas, o apoio da Argentina. Em sua opinião, a Conferência do Chaco deveria forçar entendimentos diretos entre as partes envolvidas, com ou sem reatamento das relações diplomáticas. De qualquer modo, o chanceler brasileiro insistia em que o problema fosse resolvido no âmbito americano e não extravasasse para o Tribunal Arbitral de Haia.
Em julho de 1938, por fim, uma conferência de paz adotou a fórmula brasileira de uma linha divisória no Chaco entre a Bolívia e o Paraguai que seria determinada pelos presidentes — ou, caso se preferisse, pelas próprias delegações — das repúblicas da Argentina, Brasil, Estados Unidos, Chile, Peru e Paraguai, que faziam a arbitragem da disputa. Um tratado de paz foi assinado nesse mesmo mês, segundo o laudo arbitral daqueles países. O Paraguai ficou com a maior parte do Chaco, comprometendo-se porém a garantir amplo e livre trânsito à Bolívia.
A VIII Conferência Pan-Americana, a cuja preparação o chanceler brasileiro se dedicava desde agosto, realizou-se em Lima em dezembro de 1938. Reforçar o pan-americanismo era a preocupação de Aranha, o que sem dúvida coincidia com a política norte-americana para o continente, orientada para a defesa do hemisfério como parte essencial da própria segurança dos EUA. No mês que antecedeu o encontro, Aranha esforçou-se para convencer o governo argentino da necessidade de ampliar o sistema de consultas pan-americano e estabelecer algum tipo de pacto de segurança continental. Ao mesmo tempo, o governo brasileiro examinava a hipótese de estabelecer um pacto de cooperação e assistência militar com os EUA. Buenos Aires, porém, não aceitava a idéia de uma aliança militar, pois desejava preservar sua liberdade de ação.
Durante a VIII Conferência, a delegação brasileira alinhou-se com os EUA na defesa de uma decidida política de solidariedade continental, frente ao perigo iminente de uma guerra mundial. O governo norte-americano buscava consolidar sua posição na América Latina, ameaçada pela crescente penetração das potências do Eixo através do comércio e da propaganda. Entretanto, a Argentina se opôs firmemente — e com êxito — à proposta de Washington de se criar um comitê consultivo interamericano permanente, apesar do apelo pessoal de Osvaldo Aranha ao presidente argentino Roberto Ortiz para que a aceitasse. A solução provisória, incluída na Declaração de Lima, instituiu o sistema de reuniões de consultas dos chanceleres americanos. A conferência negou ainda aos estrangeiros residentes nas Américas a condição de minorias étnicas, raciais ou nacionais, consagrando assim a tese brasileira.
A missão Aranha
Nos primeiros dias de 1939, o subsecretário de Estado norte-americano telefonou para Osvaldo Aranha transmitindo convite do presidente Roosevelt para uma entrevista pessoal em Washington. Os empresários norte-americanos vinham há alguns anos reclamando do crescimento insignificante das exportações dos EUA para o Brasil, situação que se agravara a partir do estabelecimento do Estado Novo, quando o governo brasileiro, pressionado pela queda constante do preço do café no mercado internacional, que não chegava a ser compensada pelo aumento no volume das exportações do produto, suspendera o pagamento de juros aos portadores de títulos da dívida externa, assim como o pagamento de dívidas comerciais. Mais que com os prejuízos dos portadores de títulos e exportadores norte-americanos, o governo Roosevelt se preocupava com a instabilidade da vida econômica e financeira do Brasil, que poderia levar a um aumento da influência alemã no país.
A missão Aranha partiu para os EUA em 29 de janeiro de 1939 e, nos dois meses seguintes, passaria em revista os principais problemas econômicos, militares e políticos da relação entre os dois países. Osvaldo Aranha era assessorado por Luís Simões Lopes, diretor do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), Marcos de Sousa Dantas, diretor do Banco do Brasil, e os diplomatas Carlos Muniz e Sérgio de Lima e Silva. O chanceler, escreve Gérson Moura, pretendia “mostrar ao governo norte-americano a extensão das necessidades econômicas e de equipamento militar do Brasil, a urgência no estabelecimento de acordos práticos, e ao mesmo tempo desejava sentir até onde a ‘cooperação americana’ poderia ir”. Tinha dúvidas sobre a boa vontade americana, fundadas, segundo Gérson Moura, na insistência de Washington quanto ao laissez-faire no comércio exterior, “quando esse liberalismo clássico já tinha sido abolido pelo New Deal dentro dos próprios Estados Unidos”. Para Aranha, prossegue, “a política puritana da boa vizinhança precisava dar lugar a uma política mais prática de criar mercados e aliados naturais grandes e fortes na América, visto que, se os Estados Unidos não o quisessem, outros Estados estavam dispostos a fazê-lo” — certamente uma alusão à Alemanha.
Do lado norte-americano havia a convicção de que era necessário efetivar a assistência econômico-financeira ao Brasil, assegurando a estabilidade do país e garantindo seu apoio ao livre comércio e à liberdade cambial. Previa-se a cooperação para criar um banco central no Brasil, um plano para liquidar os atrasados comerciais do país e empréstimos para financiar sua produção de bens primários. O lado brasileiro fixou-se nos seguintes pontos: a questão cambial, o banco central e a cooperação econômica e militar. No início de março, após uma série de contatos com autoridades governamentais e com representantes de associações empresariais, profissionais, culturais, eclesiásticas e sindicais norte-americanas, a missão Aranha deu por concluída sua tarefa, assinando com o governo dos EUA uma série de cinco acordos, que estabeleciam a concessão de um crédito de 50 milhões de dólares para auxiliar a criação do Banco Central; outro, de 19,2 milhões de dólares, do Export-Import Bank (Eximbank), para a liquidação de dívidas comerciais e a reativação do comércio com os EUA; um compromisso do mesmo banco de financiar as vendas norte-americanas para o Brasil até a importância de 50 milhões de dólares, com prazos de cinco a dez anos para pagamento e juros nunca superiores a 5% ao ano, e a promessa do governo Roosevelt de facilitar a formação de companhias de desenvolvimento com capitais norte-americanos e brasileiros para industrializar a produção de matérias-primas, como a borracha, bem como a exportação de minérios.
A missão Aranha assegurava, por seu lado, a intenção do governo brasileiro de liberar o mercado de câmbio para as transações comerciais, de facilitar a transferência de lucros de capitais norte-americanos aplicados no Brasil e de retomar o pagamento dos títulos da dívida externa a partir de 1º de julho. No plano militar, a missão sondou as possibilidades de criação de uma indústria de armamentos no Brasil e obteve uma promessa de facilidade de créditos, além de acertar a intensificação de programas de cooperação já existentes. Mas nesse setor o resultado mais significativo foi o acerto da troca de visitas dos chefes de Estado-Maior dos exércitos americano e brasileiro, respectivamente os generais George Marshall, que viajou para o Brasil em maio de 1939, e Góis Monteiro, que no mês seguinte embarcou para os EUA. O significado imediato dessas visitas era mais político que militar: tratava-se de iniciar um processo de colaboração que impedisse o aumento da influência militar do Eixo. Os acertos resultaram basicamente de dois encontros entre Roosevelt e Aranha, quando o presidente norte-americano procurou obter maior colaboração no plano militar entre os dois países, em função da ameaça totalitária que, a seu ver, pesava sobre o hemisfério.
Os resultados da missão Aranha, porém, não encontraram boa receptividade em alguns setores do governo brasileiro, especialmente nos ministérios da Guerra e da Fazenda, tornando problemática a implementação dos acordos efetuados. Em abril, foi decretada a liberdade de câmbio e começou o pagamento das dívidas comerciais, o que no entanto não levou a um incremento significativo do comércio com os EUA. Também a promessa de anunciar um plano para o pagamento das dívidas sofreu resistências, sob a alegação de que o país deveria aproveitar suas reservas de divisas em compras correntes, em especial armas. Foi necessária a insistência de Osvaldo Aranha junto ao presidente da República para que fosse efetuado o depósito de um milhão de dólares nos EUA, para o pagamento aos portadores de títulos da dívida como prova de boa-fé do governo brasileiro, enquanto não se concluíam os entendimentos visando um plano permanente de pagamento, os quais foram contudo interrompidos com a Segunda Guerra Mundial.
Falharam igualmente os planos de cooperação, com a ajuda de técnicos norte-americanos no estímulo à produção e à exportação de matérias-primas vegetais e minerais. Esses técnicos acabaram não sendo enviados. A adesão ao livre comércio tampouco se processou, já que o comércio compensado com a Alemanha, por representar mercado garantido, permaneceu funcionando até a eclosão da guerra. A missão Aranha significou, no entanto, um reforço do alinhamento da política externa brasileira à norte-americana, intensificando a colaboração militar e abrindo caminho a outras iniciativas semelhantes no plano hemisférico.
A questão da neutralidade
A eclosão da Segunda Guerra Mundial, em setembro de 1939, levou Franklin Roosevelt a convocar uma conferência pan-americana de consulta, prevista pela Declaração de Lima. Ante os indícios cada vez mais nítidos de uma guerra na Europa, o presidente norte-americano preocupava-se já há algum tempo com a criação de uma zona de defesa marítima em torno do hemisfério ocidental. Por seus estreitos contatos com o Departamento de Estado, Aranha estava credenciado a transmitir no Brasil essas preocupações. Em carta a Vargas, no final de junho, alertava para o perigo de um conflito mundial, defendendo para o Brasil, na confirmação da hipótese, uma posição de estrita neutralidade, embora preparado para a possibilidade de abandoná-la. Nesse sentido, julgava necessário estabelecer de imediato algumas medidas, tais como a arregimentação da opinião pública, a economia de combustíveis e de trigo, a regularização dos vencimentos de obrigações internacionais, a constituição de estoques de produtos indispensáveis, bem como a racionalização de seu consumo e a proibição da exportação de ferro.
A I Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores das repúblicas americanas realizou-se em setembro de 1939, na cidade do Panamá. Durante os trabalhos, a delegação brasileira, chefiada pelo embaixador Carlos Martins Pereira de Sousa, seguindo a orientação traçada pelo Itamarati, defendeu o direito da neutralidade continental, tendo mantido contato permanente com as delegações da Argentina e do Uruguai no sentido da adoção de medidas uniformes de defesa territorial, de comércio e de navegação. A questão principal do encontro foi relativa ao mar continental, prevalecendo o parecer brasileiro que estabelecia o princípio da neutralidade dessa zona. Ficou acertada a realização da II Reunião de Consultas em setembro do ano seguinte, na cidade de Havana, além da instalação, no Rio de Janeiro, da Comissão Interamericana de Neutralidade.
Embora ainda não se houvesse definido politicamente quanto ao conflito europeu, o Brasil logo começou a estudar medidas para a defesa de seu território. A posição estratégica do país preocupava os EUA, assunto abordado no encontro dos generais Góis Monteiro e George Marshall. Em 1940 aumentou a pressão de Washington para obter a colaboração político-militar brasileira, principalmente quanto à utilização de suas bases aéreas e navais por tropas dos EUA e até mesmo a cessão do território para a instalação de bases norte-americanas. Os EUA consideravam as forças armadas brasileiras despreparadas, tanto numérica quanto qualitativamente, para defenderem sozinhas a região Nordeste, vista como indispensável à segurança do hemisfério.
A presença de tropas estrangeiras no território nacional foi tida como inadmissível pelo Itamarati, que apresentou ao embaixador norte-americano, como alternativa, a concordância do governo brasileiro em receber ajuda para a construção de novas bases a serem operadas por brasileiros, medida que seria complementada com um amplo programa de fornecimento de armas e munições pelos EUA. O governo brasileiro aproveitou ainda a pressão americana para renovar um pedido de auxílio para a instalação de uma grande siderúrgica. No início de 1940 haviam fracassado os entendimentos mantidos nesse sentido por Aranha com a empresa United States Steel, quando de sua visita aos EUA, o que levou o governo brasileiro a procurar um empréstimo estatal para a implementação do projeto. O Itamarati autorizou então o embaixador em Washington, Carlos Martins Pereira e Sousa, a promover os entendimentos necessários junto ao Eximbank e ao governo norte-americano, que todavia retardou qualquer definição — os EUA estavam interessados em colaborar, mas só através da associação com uma empresa norte-americana. A decisão por parte do governo dos EUA só se deu em junho, após um discurso pronunciado por Vargas a bordo do encouraçado Minas Gerais; que foi interpretado como uma ameaça de que o Brasil se associaria aos países do Eixo no conflito. Ante esse aviso, os norte-americanos decidiram conceder o empréstimo de 20 milhões de dólares para a construção da usina siderúrgica de Volta Redonda.
Como escreve Gérson Moura, “o discurso produziu uma terrível polêmica tanto no Brasil quanto nos EUA por sua aparente adesão ao fascismo, em oposição à liberal-democracia. Não era este, porém, o eixo fundamental do discurso... Esse pronunciamento dizia claramente que o pan-americanismo tinha de se comprometer com o fortalecimento econômico e militar do Brasil. Em outras palavras, a colaboração pretendida pelos EUA tinha um preço e sua não-aceitação implicaria a manutenção de uma neutralidade rígida”. O governo Roosevelt entendeu a mensagem: “É significativo”, prossegue Moura, “que o secretário de Estado Cordell Hull, em entrevista à imprensa no dia 13, tenha insistido que o pronunciamento do presidente brasileiro não afetaria a colaboração militar e econômica já existente... Quando amainou a polêmica gerada pelos discursos, retomaram-se as negociações [sobre a] usina siderúrgica de Volta Redonda. Em setembro foram assinados os acordos de financiamentos e nos dois anos seguintes o governo norte-americano facilitou a produção e o transporte do equipamento necessário à instalação da siderúrgica.”
Paralelamente ao desenvolvimento dessas negociações, o governo brasileiro viu-se às voltas com a manutenção da neutralidade continental ameaçada pelo bloqueio comercial marítimo decretado pela Grã-Bretanha contra a Alemanha em novembro de 1939. No início de 1940 foi instalada no Rio de Janeiro a Comissão Interamericana de Neutralidade, com a função de examinar os diversos atos de violação da neutralidade americana praticados pelos diversos países beligerantes, como a batalha naval anglo-germânica travada nas proximidades da costa uruguaia, da qual resultou o afundamento do encouraçado alemão Admiral Graff Spee. O objetivo principal do bloqueio britânico era tirar a América Latina do alcance das linhas comerciais do Eixo. Em meados de fevereiro, o cargueiro alemão Wakana foi afundado por sua própria tripulação, a 15 milhas da costa brasileira, ante a presença de unidades da esquadra britânica, o que levou o governo do Reich a anunciar que não aceitava a neutralidade do mar continental incluída na Declaração do Panamá. Em vista disso, Osvaldo Aranha telegrafou ao chanceler panamenho, Narciso Garay, solicitando consulta aos demais países do continente sobre a possibilidade de um protesto coletivo contra o ataque britânico ao cargueiro.
O agravamento da situação mundial levou à antecipação para julho da II Reunião de Consulta dos ministros das Relações Exteriores, realizada em Havana entre os dias 21 e 30, tendo cabido então ao Brasil, representado por Osvaldo Aranha, a presidência da comissão de coordenação. Com base nos princípios gerais estabelecidos pela Conferência do Panamá, esse encontro teria por finalidade dar corpo a um sistema que, sendo adotado por todos os países do continente, representasse o ideal coletivo de defesa e harmonizasse certos pontos de vista ainda mal definidos. As principais questões tratadas foram a proteção da paz no hemisfério ocidental, a neutralidade e a cooperação econômica.
“A conferência de Havana”, escreve Gérson Moura, “permitiu um novo avanço dos EUA. Dando um passo além da neutralidade formal, obteve a decisão de que qualquer tentativa de um Estado não-americano contra a integridade ou inviolabilidade do território, soberania ou independência política de um Estado americano seria considerada ato de agressão contra todos os estados americanos.” Quase dois meses depois, em reunião presidida por Getúlio Vargas, com a presença de Osvaldo Aranha, Eurico Dutra, Góis Monteiro e o chefe do Estado-Maior da Armada, almirante José Machado de Castro e Silva, foi reiterada a decisão de que o Brasil, em caso de agressão, colocaria todos os seus recursos à disposição dos EUA.
O comércio entre Brasil e Alemanha foi mais diretamente afetado pelo bloqueio marítimo britânico no final de 1940, o que, a médio prazo, acabaria por beneficiar os EUA, que substituiriam os alemães no fornecimento de manufaturados. Qualquer carga de origem alemã só poderia passar, a partir daquele momento, com a aprovação da Grã-Bretanha. No início de outubro, despachava-se para o Brasil mais uma partida da encomenda de material bélico feita em 1938 à fabrica alemã Krupp, com aparelhamento indispensável para a defesa da base militar de Natal. O Itamarati expediu então telegrama à embaixada brasileira em Londres solicitando que obtivesse a respectiva licença, a fim de que o navio brasileiro Siqueira Campos pudesse passar pelo bloqueio. A concessão de livre trânsito foi recusada pelo Comitê do Bloqueio Econômico britânico, não obstante a intervenção em favor do Brasil feita pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros daquele país. Em ocasiões anteriores, o titular dessa pasta já interviera em favor dos brasileiros, o que levou outras nações a protestarem contra o privilégio concedido. Assim, procurando evitar novos precedentes que pudessem prejudicar o bloqueio à Alemanha, o governo britânico recusou o pedido, esperando que o Brasil compreendesse a importância daquela medida.
Ao ser comunicado da recusa, o chanceler Osvaldo Aranha informou ao embaixador britânico no Rio, sir Geoffrey Knox, que em vista desses resultados o Brasil estava resolvido a tentar o embarque mesmo com o risco de ter o navio aprisionado, caso em que o Itamarati enviaria a todos os países americanos uma declaração formal condenando a atitude do Reino Unido em relação ao Brasil, bem como se recusaria a receber a missão econômica que estava para chegar de Londres. Se os britânicos ainda assim insistissem no bloqueio, Aranha ameaçava apresentar seu pedido de demissão, para permitir ao governo brasileiro a escolha de um substituto com posicionamento diverso do seu, quer dizer, menos decididamente pró-Aliados. Ao mesmo tempo, o chanceler brasileiro solicitava a interferência norte-americana.
O Siqueira Campos partiu de Lisboa, a 19 de novembro, com destino ao Brasil, e no dia seguinte foi aprisionado pela armada britânica e levado para Gibraltar. Sumner Welles pressionou o embaixador britânico em Washington, afirmando ser absolutamente necessária a chegada dos armamentos ao Brasil, já que se tratava de material indispensável à defesa do Atlântico Sul. Em resposta, recebeu memorando de Londres em que eram apresentadas as justificativas para o aprisionamento, entre elas a de que o governo brasileiro, apesar dos sucessivos pedidos britânicos, nunca apresentara qualquer documento comprovando que o armamento embarcado no Siqueira Campos já tinha sido pago. Imediatamente, Welles enviou uma cópia desse documento a Aranha, pedindo-lhe que criticasse as afirmativas do governo britânico de modo a fornecer-lhe argumentos para a defesa dos interesses brasileiros.
Atendendo ao pedido de Sumner Welles, o chanceler brasileiro enviou-lhe detalhado telegrama no dia 26 de novembro, relatando que o transporte no Siqueira Campos se fizera de acordo com os regulamentos impostos por Londres e que o pagamento do material embarcado tinha sido efetuado antes da decretação do bloqueio. Nesse mesmo dia 26, no entanto, a Marinha real aprisionou outro navio brasileiro, o Buarque; levando-o para Trinidad. A 1º de novembro era a vez do Itapé, que se encontrava a apenas 18 milhas do litoral fluminense. O governo britânico agia, mas se mantinha em silêncio. Poucos dias depois, com a situação seriamente agravada, veio nova intervenção norte-americana. O Reino Unido concordou, então, em liberar o Siqueira Campos, desde que fossem atendidas algumas exigências, entre elas a imobilização de todos os navios considerados inimigos que se encontrassem em portos brasileiros e a proibição de operações para o Brasil da empresa aérea italiana Línea Aérea Transatlântica Italiana (LATI). Em conversa com o embaixador britânico no Rio, Osvaldo Aranha mostrou-se disposto a aceitar algumas das exigências, como a interrupção do comércio com a Alemanha, mas em relação a outras, como a imobilização dos navios inimigos, se disse obrigado a consultar as demais repúblicas americanas, de acordo com a Declaração do Panamá.
A proposta de Londres, porém, aumentou o ressentimento já existente no Brasil contra o Reino Unido, provocando rumores de que empresas britânicas sediadas no país seriam desapropriadas pelo governo. No dia 14 de dezembro, Getúlio Vargas convocou o ministério para discutir possíveis medidas de represália. Ante a pressão do Exército e da Marinha, que desejavam tomar uma atitude mais drástica, o chanceler brasileiro se viu forçado, durante a reunião, a admitir um eventual rompimento de relações diplomáticas. No dia seguinte, o Departamento de Estado norte-americano, alarmado com a situação, tornou a pressionar o governo inglês e, após intensas negociações, obteve a liberação do Siqueira Campos em troca da garantia do governo brasileiro de que não seria feito outro embarque de armamentos. Quanto ao Buarque, o Itamarati expediu a 30 de dezembro uma circular às missões diplomáticas brasileiras no continente americano informando que as mercadorias nele apreendidas pelas autoridades inglesas acabavam de ser desimpedidas.
Poucos dias depois, já no início de 1941, criava-se novo incidente com a Grã-Bretanha, dessa vez envolvendo o Bajé. Esse navio conduzia material bélico para Lisboa, onde transferiria sua carga para o Siqueira Campos, mas não chegara a tempo. Viu-se então obrigado a descarregar os armamentos por ordem das autoridades britânicas. Mais uma vez, os militares brasileiros alegaram que o material apreendido incluía peças indispensáveis para a manutenção do equipamento anteriormente importado. Aranha recusou-se no entanto a reabrir a questão, obtendo o apoio de Vargas. Segundo o chanceler, os alemães haviam forçado o incidente, criando obstáculos à entrega do material, de modo a comprometer os militares brasileiros com o Reich. Diante disso, Aranha preferia se exonerar a fazer o jogo de Berlim. Sugeria que o governo brasileiro aguardasse uma oportunidade mais propícia para tentar novos entendimentos com Londres.
O ministro da Guerra, por sua vez, negou ter garantido que o carregamento de armas do Siqueira Campos seria o último a ser embarcado para o Brasil e apresentou a Vargas seu pedido de demissão. O chefe do Estado-Maior do Exército, general Góis Monteiro, achava que Aranha vinha fazendo o jogo dos britânicos e ameaçou tomar represálias contra as empresas do Reino Unido que funcionavam no Brasil. De modo geral, no entanto, o ponto de vista de Osvaldo Aranha prevaleceu dentro do governo, embora Vargas se tenha recusado a aceitar a demissão de Dutra. Os militares foram por fim obrigados a rever a lista de armamentos pedidos aos EUA, nela incluindo o tipo de material que não pôde ser embarcado da Alemanha para o Brasil.
O chanceler reafirmou no início de 1941 as linhas básicas da política externa brasileira: pacifismo, dentro do princípio de não-intervenção e de solidariedade continental e, em relação à guerra européia, estrita neutralidade e cooperação na defesa do hemisfério. Foi estabelecido que se os EUA entrassem no conflito, a atitude do governo brasileiro seria fortemente influenciada pelo sentimento de solidariedade americana. Segundo Osvaldo Aranha, o próprio Vargas afirmara que, se os EUA declarassem guerra à Alemanha, receberiam do Brasil todo o apoio, exceto o da participação direta no conflito, mas que, se fossem agredidos, o governo brasileiro abandonaria a neutralidade, colocando-se ao seu lado.
A atuação do governo norte-americano no caso dos cargueiros brasileiros aprisionados pela Marinha britânica contribuiu de modo decisivo para diminuir algumas dificuldades existentes na relação entre os dois países, permitindo inclusive um acordo sobre a exportação brasileira de produtos estratégicos. Esse acordo resultou basicamente da visita ao Brasil, em maio de 1941, do presidente do Eximbank, Warren Pierson, quando foram regulamentados o fornecimento exclusivo à indústria norte-americana de matérias-primas brasileiras de valor estratégico e o compromisso dos EUA em facilitar a exportação de materiais essenciais à indústria brasileira. O governo norte-americano comprometia-se também a adquirir todo o excedente de matérias-primas estratégicas do Brasil caso as empresas particulares norte-americanas não as absorvessem por completo. O acordo foi assinado a 14 de maio por Pierson, Osvaldo Aranha, Sousa Costa e pelo embaixador dos EUA, Jefferson Caffery. No mesmo dia, Pierson assinou também um contrato com o Banco do Brasil para crédito de 12 milhões de dólares a serem empregados na compra de armas nos EUA.
No plano da cooperação estritamente militar, contudo, a maior parte das iniciativas dos EUA — resultantes do trabalho da Comissão Mista Brasil-EUA formada ainda em outubro de 1940 — continuava a enfrentar as negativas do governo brasileiro. Foi o caso, por exemplo, da tentativa norte-americana, em junho de 1941, de enviar técnicos para as bases do Nordeste para preparar manobras conjuntas. A proposta foi recusada pelos ministros das Relações Exteriores e da Guerra, aceitando-se apenas a vinda de oficiais do Estado-Maior norte-americano para integrar a comissão mista. No mês seguinte, o governo norte-americano fez nova investida, sugerindo a ocupação conjunta da então Guiana Inglesa, dos Açores e de Cabo Verde, considerados pontos estratégicos no Atlântico. Mais uma vez, a proposta foi recusada pelo general Dutra, que via na iniciativa apenas uma manobra política para comprometer o governo brasileiro numa “aventura militar”. Evasivamente, Vargas mostrou-se disposto a colaborar, embora colocasse sob a responsabilidade dos militares a definição da colaboração a ser prestada. Essa avaliação foi feita em agosto e dela resultou a exigência brasileira de reequipamento econômico e militar do país.
Após um breve impasse nas negociações, que se estenderam de agosto a outubro, foram sendo eliminadas as divergências. Esse momento coincidiu com o aumento da influência de Osvaldo Aranha no governo, contando com o apoio do primeiro titular da recém-criada pasta da Aeronáutica, Joaquim Pedro Salgado Filho, e do encarregado do expediente do Ministério da Justiça, Vasco Leitão da Cunha. Ampliando-se o campo de entendimento com os EUA, o presidente da República passou a prestigiar o chanceler em suas disputas com os militares sobre a diretriz da política externa. Em outubro foi assinado um acordo pelo qual os EUA transferiam para o Brasil armamentos e munições de guerra no valor total de cem milhões de dólares. Esse acordo seria ampliado no início de 1942 para cobrir suprimentos no valor de duzentos milhões de dólares. O compromisso brasileiro referia-se ao suprimento de matérias-primas estratégicas e, provavelmente, à colaboração na segurança do hemisfério.
A entrada do Brasil na guerra
O ataque japonês à base norte-americana de Pearl Harbor no dia 7 de dezembro de 1941 levou o governo brasileiro, após reunião ministerial, a emitir nota de solidariedade a Washington. Quatro dias depois, a Alemanha declarava guerra aos EUA, que fizeram o mesmo em relação aos países do Eixo. O agravamento da situação levou o governo norte-americano a convocar antecipadamente a III Reunião de Consulta dos Chanceleres Americanos para debater a ameaça que o ataque japonês representava para o continente. Roosevelt imaginava conseguir que todos os países das Américas rompessem relações diplomáticas com as potências do Eixo. Por outro lado, alegando a impossibilidade de seus aviões utilizarem a rota do Pacífico para alcançar o Extremo Oriente, o governo dos EUA solicitou ao Brasil permissão para enviar técnicos às bases de Belém, Natal e Recife, onde se encarregariam da vistoria das aeronaves norte-americanas em trânsito, enfatizando que não se tratava de tropas. Na realidade, em vez dos técnicos esperados, desembarcaram fuzileiros navais, o que repercutiu negativamente nas forças armadas brasileiras, cujo alto comando até então não tinha conhecimento dos acordos feitos por Vargas nesse sentido. O embaixador brasileiro em Washington, Carlos Martins, chegou a ser interpelado por Osvaldo Aranha sobre o assunto.
No período que antecedeu a III Reunião de Consulta, o governo brasileiro sofreu intensa pressão. “Provavelmente”, escreve Gérson Moura, “sob inspiração do ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Joachem Von Ribbentrop, o primeiro-ministro português Antônio Salazar pediu a Vargas que evitasse participar da guerra ao lado dos Estados Unidos. Internamente, os setores pró-alemães e ligados ao integralismo multiplicavam esforços para dissuadir o governo de um alinhamento definitivo aos Estados Unidos, enquanto a ANL (Aliança Nacional Libertadora) exigia o rompimento de relações com o Eixo em nome da solidariedade continental. A linha de argumentação dos germanófilos e seus aliados era a defesa da neutralidade estrita.”
No dia 15 de janeiro de 1942 instalou-se no Rio de Janeiro a III Reunião de Consulta, presidida por Osvaldo Aranha. Em seu discurso inaugural, Getúlio Vargas reafirmou a posição de solidariedade com os países americanos. Durante a reunião, a resistência da Argentina — que, junto com o Chile, não desejava o rompimento de relações com os países do Eixo — impediu que os EUA atingissem seu objetivo, apesar do empenho pessoal de Roosevelt, que enviou carta a Osvaldo Aranha, por intermédio de Sumner Welles, representante norte-americano na conferência, ressaltando a necessidade de se cumprirem os compromissos de solidariedade continental. Por fim, para salvar a aparência de unidade, a conferência encerrou-se no dia 28 produzindo apenas uma “recomendação” de rompimento com os países do Eixo.
Eurico Dutra e Góis Monteiro continuavam a se opor, até aquele momento, a uma declaração de guerra, alegando que as tropas brasileiras não se encontravam suficientemente aparelhadas para assegurar a defesa do território nacional no caso de serem obrigadas a enfrentar as conseqüências militares de um rompimento diplomático com aqueles países. Vargas, no entanto, obteve garantia suficiente de que os EUA assumiriam o reequipamento das forças armadas brasileiras. Mesmo assim, preferiu esperar até o último dia da conferência para então anunciar o rompimento das relações com o Eixo.
A partir daí, o patrulhamento do mar territorial brasileiro começou a revelar a presença de submarinos alemães e de navios de guerra britânicos, além de constatar que petroleiros argentinos vinham abastecendo os submarinos do Eixo. Em meados de fevereiro ocorreu o primeiro torpedeamento de navio brasileiro, o Buarque, afundado pelo submarino alemão U-432. Três dias depois era atingido o Olinda e, no final do mês, o Cabedelo. Depois desses ataques, o governo brasileiro tornou a pressionar a administração Roosevelt quanto às remessas de material bélico, além de exigir proteção à marinha mercante brasileira. Novos torpedeamentos no início de março, dos navios Arabutam e Caru, levaram Getúlio Vargas a tomar algumas medidas de precaução. No dia 7 foi criada a Comissão de Defesa Nacional, presidida por Osvaldo Aranha, e no dia 11 foi baixado decreto, dispondo sobre indenizações por atos de agressão contra bens do Estado brasileiro ou de estrangeiros residentes no Brasil. Essas medidas vinham complementar outras, adotadas ainda em fevereiro, de prevenção contra possíveis ataques aéreos, entre elas a instalação da base de Natal.
Também em março foram assinados os acordos de Washington, resultantes das conversações mantidas ao longo dos dois primeiros meses do ano entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos. De modo geral, diziam respeito ao fornecimento de certas matérias-primas brasileiras à indústria norte-americana e à cooperação técnica e financeira dos EUA para o desenvolvimento econômico brasileiro. Nesse último ponto incluía-se um projeto para a modernização da ferrovia Vitória-Minas e a extração de minério de ferro em Itabira (MG), além de um fundo para o desenvolvimento da produção da borracha. Outros acordos assinados ao longo desse ano e em 1943 — geralmente incluídos na rubrica Acordos de Washington — diziam respeito ao fornecimento de ipecacuanha, aniagem, linters de algodão, timbó, babaçu, mamona, borracha manufaturada, café, cacau, castanha-do-pará, cristal de rocha, mica, rutilo, flores de piretro, cera de carnaúba e de urucuri. No seu conjunto, esses acordos garantiram fornecimentos essenciais aos esforços de guerra dos Aliados, enquanto para o Brasil, por abrangerem mais da metade de toda a exportação do país nos anos de guerra, tiveram importante significado econômico.
Em maio de 1942, os dois países estabeleceram normas para regular a colaboração mútua, resultando na formação de duas comissões mistas, uma com sede no Brasil e outra nos EUA. Essa última, integrada do lado brasileiro pelo general Estevão Leitão de Carvalho, pelo almirante Álvaro Rodrigues Vasconcelos e pelo coronel Vasco Alves Seco, tinha seus trabalhos subordinados ao Ministério das Relações Exteriores.
O rompimento das relações diplomáticas com os países do Eixo aguçou os conflitos internos do governo, entre a corrente americanista chefiada por Osvaldo Aranha — que contava com o apoio, entre outras, de Vasco Leitão da Cunha, interino de Francisco Campos no Ministério da Justiça, Artur de Sousa Costa, ministro da Fazenda, e Ernâni Amaral Peixoto, interventor no estado do Rio — e a facção neutralista, acusada de simpatizar com o Eixo e que incorporava os generais Dutra e Góis Monteiro e o chefe de polícia do Distrito Federal, Filinto Müller. O conflito atingiu o ponto crítico no início de julho, quando a União Nacional dos Estudantes (UNE), defensora do envio de tropas para combate junto aos Aliados em território europeu, decidiu promover uma gigantesca passeata no dia 4, data da independência dos EUA, recebendo o apoio de Osvaldo Aranha e Amaral Peixoto e a autorização de Leitão da Cunha. A manifestação, apesar de proibida por Filinto Müller, realizou-se com grande sucesso, tanto mais surpreendente porque era um acontecimento inédito no Estado Novo. A ela se seguiram demissões de ambos os lados das correntes governistas: Filinto, Francisco Campos, Lourival Fontes e Vasco Leitão da Cunha. A facção de Aranha considerou-se vitoriosa no episódio.
Uma nova onda de ataques a embarcações brasileiras levou o chanceler a enviar, no dia 21 de agosto, uma circular às missões diplomáticas do país no exterior informando que o governo se via obrigado a reconhecer o estado de beligerância. Idêntico comunicado foi transmitido às missões diplomáticas estrangeiras no Rio de Janeiro. No dia seguinte, Vargas convocou o ministério para reunião de emergência, durante a qual foi reconhecida a situação de guerra entre o Brasil e as nações agressoras, Alemanha e Itália. Após a reunião, Aranha declarou não ter sido fácil obter o acordo de todos os membros do governo para a declaração de guerra. “A entrada do Brasil na guerra”, escreve Hélio Silva, “teve grande repercussão, não só entre as repúblicas americanas como nos demais continentes. Era uma definição que iria influenciar sobremaneira os próximos acontecimentos mundiais. A nossa posição estratégica e a íntima associação com os Estados Unidos iriam possibilitar ações de larga envergadura contra as tropas nazi-fascistas.”
Durante o segundo semestre de 1942, a Comissão Mista de Defesa encaminhou ao ministro Osvaldo Aranha inúmeras recomendações, todas aprovadas pelo presidente da República a 17 de dezembro. Inicialmente, foram concedidas diversas franquias às forças militares norte-americanas, como transitar e operar no território brasileiro, com total garantia de segurança, utilizar instalações aéreas e navais em certos pontos do país e construir depósitos para material e alojamentos de tropas. O governo brasileiro comprometia-se a defender a costa do país e mobilizar suas unidades militares, dando preferência às zonas estratégicas do Norte, Nordeste e Rio de Janeiro, cabendo aos EUA fornecer material bélico e adestramento para as forças armadas brasileiras, bem como enviar bombardeiros norte-americanos para serem utilizados aqui.
Foster Dulles observa que a definição de guerra do Brasil a favor dos Aliados “deu aos opositores do regime mais uma oportunidade para manifestarem seu apoio às idéias antiditatoriais”. Assim, durante a inauguração, a 1º de janeiro de 1943, da Sociedade Amigos da América — cujo objetivo expresso era a luta “contra as doutrinas fascistas... européias ou nacionais” (o integralismo) —, Osvaldo Aranha foi homenageado, junto com o ex-chanceler Afrânio de Melo Franco, como um dos homens que mais haviam lutado no país pelos ideais de liberdade. A declaração de guerra acabou também por diminuir as divergências até então existentes entre o general Dutra e Osvaldo Aranha. Este, em diálogo mantido em janeiro com o embaixador norte-americano, disse que Dutra vinha cooperando ativamente com o esforço de guerra e que Vargas fizera bem em mantê-lo como ministro.
No início de 1943, Osvaldo Aranha recusou-se a receber uma quantia enviada do exterior ao seu ministério para financiar o tratamento de saúde do prisioneiro político Artur Ernst Ewert, de origem alemã e naturalizado norte-americano, envolvido no levante comunista de 1935. Ele era conhecido pelo codinome Harry Berger e o dinheiro fora remetido por sua irmã Ninna Ewert. Informando que o prisioneiro não se encontrava sob sua responsabilidade, Aranha enviou a quantia à embaixada dos EUA, que por sua vez remeteu-a à chefia de polícia, responsável pelo prisioneiro, por não reconhecer a cidadania norte-americana de Berger.
Aranha foi informado por Vargas, nessa mesma época, do encontro que o presidente acertara com Roosevelt, a se realizar quando este estivesse retornando de Casablanca, no Marrocos, onde se avistaria com o primeiro-ministro britânico, Winston Churchill. Em carta ao presidente, Aranha aconselhou-o sobre vários pontos da política externa brasileira. Segundo o embaixador norte-americano no Rio, Jefferson Caffery, a quem o chanceler brasileiro mostrara a carta, o Brasil estava preparado para fazer parte da projetada Organização das Nações Unidas (ONU), o que constituía um dos pontos a serem abordados por Roosevelt na reunião com Vargas. O encontro entre os dois presidentes ocorreu em Natal nos últimos dias de janeiro, sendo discutidas as possibilidades de desenvolvimento industrial do Brasil e questões como a imigração, entre outros pontos. Roosevelt sondou a hipótese de tropas brasileiras serem enviadas aos Açores e à ilha da Madeira e Vargas respondeu que isso dependia do suprimento de material bélico prometido pelos EUA. O assunto, porém, era extremamente polêmico para a opinião pública e dentro do governo.
Somente nos últimos meses de 1943 foi decidido enviar tropas para o Mediterrâneo, embora a Força Expedicionária Brasileira (FEB) tenha sido estruturada ainda no início de agosto. Integrando a FEB, um filho e um sobrinho do chanceler, respectivamente Osvaldo Gudolle Aranha e Manuel Freitas Vale, combateriam na Itália sob as ordens do general Osvaldo Cordeiro de Farias.
Um outro episódio importante envolveu Aranha ainda em 1943: convidado em outubro para ocupar a vice-presidência da Sociedade Amigos da América, viu a reunião em que tomaria posse no cargo ser proibida pela polícia do Rio de Janeiro em função do atrito existente entre o general Dutra e o presidente daquela entidade, general Manuel Rabelo. Ainda durante a gestão de Aranha no Itamarati, discutiu-se a possibilidade de reatamento das relações diplomáticas com a União Soviética, uma das potências aliadas. Em entrevista à imprensa, em fevereiro de 1944, o chanceler mostrara-se favorável a essa medida, que só seria tomada em abril de 1945.
Fim do Estado Novo
O início de 1944 foi marcado pelo aprofundamento da crise vivida pelo regime Vargas. À medida que os Aliados iam conseguindo novas vitórias, alterando os rumos do conflito, no Brasil aumentava a pressão da sociedade civil em prol da redemocratização. Ao longo do ano, o chefe do governo recebeu, segundo Thomas Skidmore, relatórios sobre críticas que eram feitas ao Estado Novo por “oficiais brasileiros que lutavam lado a lado com o V Exército americano na Itália”. Os brasileiros, diz Skidmore, “tinham-se dado conta da anomalia de lutar pela democracia no exterior enquanto persistia uma ditadura em seu próprio país”. Dentro desse quadro, aumentaram os choques com a Sociedade Amigos da América.
Osvaldo Aranha, cujo prestígio havia crescido desde a declaração de guerra, acabou se tornando o ponto de apoio de um movimento de oposição à ditadura estado-novista, principalmente porque sua personalidade contrastava com a de Dutra, principal responsável pelo cerceamento às atividades da Sociedade Amigos da América. No início de agosto, o ministro das Relações Exteriores recebeu ofício dessa entidade informando que havia sido mais uma vez indicado para ocupar a sua vice-presidência. A posse estava prevista para o dia 11, na sede do Automóvel Clube do Brasil, onde a sociedade alugava uma sala. Na véspera da data marcada, elementos da polícia, sob as ordens de Coriolano de Góis, invadiram o prédio do Automóvel Clube e fecharam o escritório da sociedade. Seus membros, porém, com o apoio do ministro, não desistiram de realizar a solenidade: o fechamento da sede levou-os apenas a transformar a cerimônia do dia 11 em sessão aberta.
Durante a reunião o Automóvel Clube foi mais uma vez invadido pela polícia, que tinha ordens para evacuar e depois fechar o prédio. O salão encontrava-se repleto de sócios, entre eles o próprio Aranha, além de grande número de rotarianos que ali realizavam seu encontro semanal. O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), responsável pela censura no Estado Novo, determinou aos jornais que não publicassem qualquer informação sobre a Sociedade Amigos da América ou sobre seu presidente, Manuel Rabelo. Sentindo-se desprestigiado dentro do próprio governo e certo de não encontrar mais qualquer apoio no presidente da República, o chanceler escreveu-lhe apresentando seu pedido de demissão. Depois de aguardar por mais de dez dias uma resposta de Vargas, Aranha renunciou à pasta no dia 23 de agosto sendo substituído então por Pedro Leão Veloso.
Sua saída da chancelaria impediu-o de aceitar o convite que lhe fora feito ainda em julho pelo secretário de Estado norte-americano para que visitasse os EUA e se entrevistasse com Roosevelt, com quem deveria debater a posição a ser adotada pelo Brasil no pós-guerra. A mudança no Itamarati levou Góis Monteiro, que se encontrava em Montevidéu a convite de Aranha, como delegado junto ao Comitê de Emergência e Defesa Política da América, a pedir seu afastamento dessa missão. Foi contudo demovido da idéia pelo próprio Osvaldo Aranha, que em carta ao militar declarou: “Fui vítima de um ‘Pearl Harbor’ policial.”
Em setembro de 1944 Osvaldo Aranha afastou-se da vida pública, dedicando-se à advocacia, que exerceria até o início de 1947. Em seu escritório passou a contar com a colaboração do norte-americano John Thompson, que se tornou sócio da empresa.
A crise final do Estado Novo acelerou-se em 1945 com o crescimento da oposição e a organização de partidos políticos. Em 22 de fevereiro, o Correio da Manhã publicava entrevista de José Américo de Almeida criticando o governo e denunciando suas manobras na articulação de eleições presidenciais. Nesse mesmo dia, outro jornal carioca, O Globo, publicava entrevista com o mesmo político anunciando o nome do brigadeiro Eduardo Gomes como candidato à presidência apoiado por oposicionistas de todos os tipos. Logo em seguida, Osvaldo Aranha, numa entrevista em que procurava explicar sua exoneração do Ministério das Relações Exteriores, mostrou-se favorável à candidatura de Eduardo Gomes, declarando não ser inimigo de Vargas, mas sim do regime que ele representava. A publicação das duas primeiras entrevistas sem que o DIP determinasse qualquer tipo de punição demonstrou que o governo perdera a capacidade de reagir. Daí em diante ele se veria forçado a efetuar seguidos recuos concedendo, na prática, a liberdade de imprensa e marcando eleições diretas para a presidência da República e para a Assembléia Nacional Constituinte.
No dia 7 de abril a União Democrática Nacional (UDN) lançou suas bases como partido político, visando a formação de uma frente única oposicionista, e manifestou seu apoio à candidatura do brigadeiro. Embora tenha participado do encontro em que foram tomadas essas decisões, Osvaldo Aranha não chegou a assinar a ata de fundação do novo partido, o que lhe permitiria posteriormente declarar mais de uma vez que jamais pertencera à UDN. Na realidade, algumas das tendências que de início integraram a UDN (como os perrepistas, os libertadores e os socialistas) dela se afastariam com o tempo. O próprio Aranha encontraria a reconciliação com Vargas.
Também no início de abril, o chefe de polícia do Distrito Federal, João Alberto Lins de Barros, autorizou a reabertura da Sociedade Amigos da América. No dia 20, durante a solenidade de reinício dos trabalhos, Osvaldo Aranha discursou, explicando os ideais da entidade no combate ao nazismo, fazendo ainda referências indiretas à ditadura do Estado Novo. Nessa mesma ocasião, a entidade lançou manifesto de apoio ao brigadeiro.
Em meados de outubro, Aranha tomou posse na presidência da Liga de Defesa Nacional. No dia 29 desse mês, achando-se os partidos políticos em plena campanha para as eleições de dezembro, um movimento militar chefiado por Góis Monteiro depôs Getúlio Vargas e pôs fim ao Estado Novo, entregando o poder ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro José Linhares. O Partido Social Democrático (PSD) procurou então obter o apoio de Vargas, que desfrutava de grande popularidade apesar de tudo, para a candidatura do general Dutra à presidência da República, ao mesmo tempo em que o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), do qual o ex-ditador era presidente de honra, dividia-se entre o lançamento de um candidato próprio, o apoio ao candidato pessedista ou a abstenção. Em meados de novembro, numa carta em que tentava convencer Vargas a apoiar Dutra, o pessedista João Neves da Fontoura informava que o PTB vinha trabalhando pela candidatura de Osvaldo Aranha, que então já teria o apoio de dois dos integrantes de sua comissão executiva nacional, Paulo Baeta Neves e José de Segadas Viana. Segundo Foster Dulles, o ex-chanceler, envolvido na campanha da UDN, vinha tentando, na realidade, obter o apoio do PTB para Eduardo Gomes, conseguindo em determinado momento a adesão de Segadas Viana. No entanto, a direção nacional petebista acabou optando formalmente pela abstenção, o que não impediu Vargas de recomendar o apoio a Dutra, finalmente eleito a 2 de dezembro de 1945.
Representante do Brasil na ONU
Aranha dedicou-se em 1946 às atividades empresariais, participando da criação da Gastal S.A., companhia que atuava na área de importação e venda de automóveis, máquinas e equipamentos. Em meados do ano, a Gastal já representava mais de 20 indústrias.
Convidado pelo novo ministro das Relações Exteriores, João Neves, em junho de 1946, para chefiar a delegação brasileira que participaria no mês de janeiro seguinte da Conferência das 21 Nações, para o estabelecimento dos termos da paz, Aranha preferiu recusar, cabendo então ao próprio chanceler a chefia da missão. Em novembro, o periódico Time Magazine convidou-o a fazer, durante o Council of World Affairs que se realizaria em dezembro em Cleveland (EUA), uma palestra sobre as relações latino-americanas com os Estados Unidos. Aranha embarcou para aquela cidade no dia 5 de janeiro de 1947. Encontrava-se ainda em Cleveland quando Raul Fernandes, que substituíra João Neves no Itamarati, indicou-o para chefiar a delegação do Brasil na ONU em lugar de Pedro Leão Veloso, recém-falecido. Alegando não poder afastar-se por muito tempo dos seus negócios no Brasil, Aranha concordou em aceitar a indicação, desde que permanecesse no cargo somente até abril. Ao término da reunião de Cleveland, visando a informação do governo de Dutra, Osvaldo Aranha fez um levantamento de opiniões para avaliar a imagem do Brasil no exterior e a situação pan-americana e internacional, justificando desse modo os contatos que então estabeleceu com a alta cúpula política e empresarial dos EUA. O resultado obtido foi de que a “opinião geral em relação ao Brasil é de desconfiança” e que “o pan-americanismo está em crise”.
A 1º de fevereiro, Aranha foi nomeado chefe da delegação do Brasil junto à ONU e seu representante no Conselho de Segurança da organização. Ainda em fevereiro, assumiu a presidência desse conselho, função que, por rotatividade, cabia ao Brasil. Em abril chefiou a delegação brasileira à I Sessão Especial da Assembléia Geral da ONU, que o elegeu para presidi-la. Segundo documento que se encontrava em seus arquivos, o governo norte-americano desejava que a presidência da Assembléia Geral da ONU fosse ocupada pelo Brasil, tendo encontrado resistência a esse propósito por parte da representação inglesa. O delegado norte-americano recuou, então, de seu intento. Enquanto isso o secretário-geral da ONU, o norueguês Trygve Lie, sabendo que os soviéticos objetariam fortemente à indicação inglesa, resolveu-se por Osvaldo Aranha como candidato de conciliação e fez com que a imprensa publicasse a notícia do apoio total da América Latina ao político brasileiro, o que atou as mãos dos representantes latino-americanos.
Como representante do Brasil no Conselho de Segurança da ONU, Osvaldo Aranha teve por preocupação básica estabelecer um acordo continental para a redução dos armamentos, pois o governo brasileiro inquietava-se com a posição militar da Argentina, país que tradicionalmente mantinha divergências com o Brasil. Prevendo as dificuldades que poderiam surgir nos debates, Aranha manteve sistemática correspondência com o ministro da Guerra, general Canrobert Pereira da Costa, partilhando ambos do ponto de vista de Dutra: através do pacto continental, o Brasil deveria ser colocado politicamente na mesma posição da Argentina, mas militarmente em posição superior. De modo a facilitar a atuação dos representantes brasileiros na ONU, o ministro da Guerra determinou que o general Góis Monteiro, então no Comitê de Defesa Política em Montevidéu, colaborasse com Aranha. Nesse mesmo sentido, o general Henrique Teixeira Lott recebeu instruções para acompanhar o ex-chanceler. De modo geral, a posição argentina quanto ao acordo era vista como uma ofensiva político-militar favorecida por sua situação econômica privilegiada.
A primeira reunião da Comissão para o Desarmamento Convencional foi realizada no final de março. No mês seguinte, Osvaldo Aranha fez um pronunciamento perante o órgão defendendo a restrição dos aparatos bélicos nacionais à necessidade mínima de defesa e segurança de cada país, a exemplo de acordos existentes entre os EUA e o Canadá e entre a França e a Inglaterra. Propôs que se desse aos EUA competência para controlar o armamento continental, como primeiro passo para o desarmamento em todo o mundo. Em fins de maio, Aranha regressou ao Brasil e acertou com o chanceler a prorrogação de sua permanência à frente da delegação brasileira na ONU. Ainda em junho, a Académie Diplomatique Internationale pediu-lhe autorização para recomendar seu nome ao comitê executivo da entidade para preencher a vaga deixada por Afrânio de Melo Franco.
A 1º de fevereiro, Aranha foi nomeado chefe da delegação do Brasil junto à ONU e seu representante no Conselho de Segurança da Organização. Ainda em fevereiro, assumiu a presidência desse conselho, função que, por rotatividade, cabia ao Brasil. Em abril chefiou a delegação brasileira à I Sessão Especial da Assembléia Geral da ONU, que o elegeu para presidi-la.
Poucos dias depois de sua chegada a Nova Iorque, para a II Sessão da Assembléia Geral, já corriam rumores sobre sua possível reeleição para a presidência da Assembléia. Sua candidatura, a que se opunham os soviéticos, era ainda incerta, embora de grande interesse para os norte-americanos. O objetivo maior do governo Dutra, nessa altura, era, no entanto, o de assegurar a entrada do Brasil no Conselho Econômico e Social da ONU, e temia-se que a reeleição impedisse esse intento. Assim, Raul Fernandes orientou Aranha a aceitá-la apenas se lhe fosse oferecida. Isso levou o embaixador brasileiro a anunciar, durante a reunião dos países latino-americanos, que o Itamarati decidira não aceitar sua reeleição, preferindo indicar o ministro das Relações Exteriores da Austrália, Herbert Evatt, o que provocou continuados protestos. Criou-se uma comissão para proceder à apuração dos votos. A delegação norte-americana, que já apoiava abertamente Evatt, ofereceu a Aranha a presidência do Comitê de Justiça, mas o brasileiro acabou reeleito para a presidência da Assembléia por 29 votos contra 22.
A atitude dos EUA de apoiar a candidatura do ministro australiano deu margem a algumas especulações. Segundo alguns, tratava-se de uma manobra para fazer a União Soviética acreditar que Washington apoiava Aranha apenas para o Comitê de Justiça, levando Moscou desse modo a votar no brasileiro para a presidência da Assembléia. Segundo outros, o resultado da eleição representou uma mudança da tática soviética em relação aos EUA, procurando conquistar a simpatia de Aranha para tê-lo como possível mediador entre as duas potências e fazer do bloco latino-americano um aliado contra o Plano Marshall (reorganização da Europa no pós-guerra). Essa interpretação justificaria o voto soviético, que por outro lado deu margem a posteriores acusações de uma suposta simpatia de Aranha por Moscou. Em fins de setembro já se delineava, a partir dessas insinuações, uma área de atrito entre Raul Fernandes e o chefe da delegação brasileira na ONU. Criticava-se o fato de Aranha ter aceitado a reeleição, que segundo o chanceler teria burlado a política de rotatividade traçada pelos países-membros da ONU.
Nesse segundo semestre de 1947, o Brasil defendeu na ONU, entre outros pontos, a revisão do posicionamento político dos países-membros frente à Espanha franquista e uma atitude de reserva quanto ao pedido de admissão do Iêmen e do Paquistão. Quanto ao problema da Palestina, Aranha foi orientado por Raul Fernandes para procurar uma “solução de compromisso entre as partes litigantes, evitando favorecer abertamente uma ou outra facção e acompanhando... o voto dos Estados Unidos”. Em outubro era orientação brasileira abster-se de qualquer julgamento sobre a questão, já que os árabes eram contrários à partilha daquele território. Aranha estava orientado, porém, a votar com as grandes potências em caso de impasse, pois a elas caberia a responsabilidade de colocar em prática a resolução da partilha, afinal aprovada no fim desse mês com o voto favorável do Brasil. Tal medida propiciou em 1948 a criação do Estado de Israel, do qual Aranha passaria a ser considerado grande benemérito.
Com a recusa da Tchecoslováquia em candidatar-se ao Conselho de Segurança, foi indicada a Ucrânia para substituí-la, conforme a política da ONU de ter cada bloco ideológico representado por um país. Também do bloco soviético, a Ucrânia parecia ter assegurada sua eleição graças a um acordo tácito entre os EUA e outros países, entre eles o Brasil. No dia da votação, no entanto, a delegação norte-americana alterou seu posicionamento, votando na Índia, cuja indicação era apoiada por Londres. O Império britânico pretendia, desse modo, fazer três lugares no Conselho de Segurança. Como presidente da Assembléia e diante da nova posição dos EUA, Aranha transferiu a votação, considerando a eleição da Índia um desprestígio para a diplomacia brasileira. Sua atitude provocou nova série de insinuações de que se teria passado para o lado soviético. As críticas provinham tanto dos EUA quanto do Brasil, onde o ministro Raul Fernandes liderava a campanha de acusações.
Em cartas ao chanceler brasileiro, Aranha defendeu-se afirmando que os soviéticos não o apoiaram quando de sua eleição e que cabia exclusivamente ao governo norte-americano a responsabilidade pelos acontecimentos: votara com a URSS, a favor da Ucrânia, a pedido dos próprios norte-americanos, e não era seu dever procurá-los a todo momento para saber se continuavam com a mesma posição — “A nossa solidariedade não pode ser nunca uma servidão”, disse. Por outro lado, a representação soviética fez declarações consideradas ofensivas ao governo brasileiro e às forças armadas, assim como aos Estados Unidos. Ainda em outubro, quando o Brasil rompeu relações diplomáticas com Moscou, Aranha não foi previamente notificado do fato.
Quanto à política interna, o ano de 1947 foi marcado por algumas especulações em torno da sucessão presidencial. Principalmente a partir de setembro, cogitou-se do lançamento da candidatura de Osvaldo Aranha pela UDN, chegando-se a comentar a possibilidade de apoio dos comunistas, pois Aranha se manifestara a favor do monopólio estatal do petróleo e contra o fechamento, em maio, do Partido Comunista, considerando sua preservação fundamental ao regime democrático.
Em fins de 1947, quando se afastou da delegação brasileira na ONU, Aranha teve seu nome cogitado como possível candidato ao Prêmio Nobel da Paz. Nos primeiros meses do ano seguinte prosseguiram as articulações nesse sentido e, em fins de janeiro, sua candidatura foi apoiada por 15 delegações de países integrantes da União Pan-Americana. Era defendida também por entidades sionistas norte-americanas. O prêmio foi dado, no entanto, ao Conselho dos Quacres, da Grã-Bretanha.
No início de 1949, Dutra liberou os partidos políticos para os debates sucessórios, tendo em vista as eleições presidenciais de outubro de 1950, o que acelerou as articulações das candidaturas. A movimentação em torno da indicação de Aranha pela UDN concentrou-se no Rio de Janeiro, em São Paulo e Minas Gerais. Em janeiro de 1950, sua candidatura foi anunciada pelo jornal Folha da Manhã, de Porto Alegre, mas no mês seguinte o próprio Aranha a desmentiu, afirmando já ter candidato, o brigadeiro Eduardo Gomes.
O brigadeiro, no entanto, continuava a sofrer a oposição de alguns membros da UDN, como o deputado federal gaúcho Flores da Cunha, que em março tornou a propor a candidatura de Osvaldo Aranha, por considerá-la capaz de congregar as diferentes tendências do partido. Em abril, o próprio Vargas escreveu a Aranha que esta seria a sua grande oportunidade. Na carta expressava o desejo de ajudá-lo, mas lembrava um conjunto de fatores estranhos à sua vontade que o impediam de fazê-lo — na verdade, a candidatura de Getúlio já vinha sendo articulada há algum tempo pelo Partido Social Progressista (PSP) e pelo PTB, acabando por ser lançada publicamente em meados do mês por João Goulart. Na mesma carta, Vargas afirmava que ambos deveriam aguardar os acontecimentos, permitindo ao PSD o lançamento de um candidato. Poucos dias depois, no entanto, a diretoria nacional da UDN indicava à convenção partidária o nome do brigadeiro Eduardo Gomes. Realizado o pleito em 3 de outubro de 1950, Vargas foi eleito na legenda do PTB.
De volta ao Ministério da Fazenda
O ministro da Fazenda, Horácio Lafer, tentou aplicar em 1953 um programa antiinflacionário, mas enfrentou o antagonismo do presidente do Banco do Brasil, Ricardo Jafet, que insistia em manter as facilidades de crédito. Por outro lado, o aumento do custo de vida intensificava as críticas ao governo, acusado de inércia pela imprensa. Diante da crise instalada na área econômica, Getúlio Vargas decidiu substituir Lafer por Osvaldo Aranha (16 de junho), que indicou Marcos de Sousa Dantas para a presidência do Banco do Brasil. Os recém-nomeados comprometeram-se a aplicar rígidas medidas antiinflacionárias e a controlar o déficit público com a contenção de gastos do governo.
As mudanças ocorreram dentro de um quadro mais amplo de reforma ministerial, “originária da necessidade política de o governo reformular compromissos”, mas não expressando uma redefinição qualitativa, segundo Maria Celina d’Araújo, que interpreta a substituição de seis dos sete ministros civis de Vargas como uma nova investida em busca do apoio dos segmentos conservadores da sociedade, de modo a estabelecer um consenso que até então se mostrara difícil. Isso evidencia-se com o fato de que Vargas ao mesmo tempo se esforçava por mobilizar a classe operária nomeando para a pasta do Trabalho o petebista João Goulart. A nova distribuição dos ministérios visava beneficiar em especial os conservadores ligados à UDN, o que todavia não chegou a ser obtido, pois a nova orientação dada por Aranha à política econômica sofreu forte oposição não só dos trabalhadores, que exigiam aumentos salariais para compensar a inflação, como também dos industriais, que pressionavam para a manutenção da política creditícia aplicada entre 1948 e 1953, responsável por sensível surto industrial.
Osvaldo Aranha divulgou em outubro seu programa de recuperação da economia, conhecido como Plano Aranha. Essencialmente antiinflacionário, tinha por linhas básicas a reorganização do próprio Ministério da Fazenda de modo a agilizar o mecanismo fazendário e fiscal, a adoção de uma política orçamentária, a necessidade de codificação do direito tributário e a lei orgânica do crédito público. Para sua execução, Aranha insistiu junto a Vargas sobre a necessidade de se subordinar o Banco do Brasil ao ministério de modo a impedir a adoção de medidas contraditórias, tal como ocorrera entre Horácio Lafer e Ricardo Jafet.
Dessa subordinação resultou a Instrução nº 70 da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), idealizada por Aranha e Marcos de Sousa Dantas para corrigir o déficit do balanço de pagamentos. Através da extinção do câmbio subvencionado e da inauguração de um sistema de taxas múltiplas, o governo procurava tornar as exportações brasileiras mais acessíveis no mercado internacional e desencorajar as importações desnecessárias. Por outro lado, as taxas de câmbio diferenciadas atuariam de modo a não desencorajar demasiadamente as importações consideradas essenciais à industrialização. O câmbio subvencionado vinha limitando a diversificação industrial e as exportações agrícolas, justificou Aranha.
Paralelamente, Vargas enviou ao Congresso projeto que extinguia a Carteira de Exportação e Importação (Cexim) do Banco do Brasil e propunha a criação da Carteira de Comércio Exterior (Cacex), afinal transformado em lei a 29 de dezembro de 1953. À Cacex caberia criar determinadas facilidades para a importação de máquinas, ferramentas e equipamentos necessários para novos investimentos ou mesmo para a complementação de outros já existentes, o que garantiria a manutenção do ritmo de industrialização e a importação de tecnologia mais avançada. Na prática, a atuação da Cacex consistiria na emissão de licenças de importação para os que as solicitassem e provassem dispor de divisas postas à venda pelo Banco do Brasil em pregão público, além de estabelecer sobretaxas de câmbio e com o produto de sua arrecadação pagar bonificações aos exportadores.
Os resultados do Plano Aranha foram comprometidos pela pressão do novo governo dos EUA, presidido por Dwight Eisenhower, que decidira rever os programas de auxílio financeiro para os países pobres, dando maior ênfase aos investimentos particulares. Paralelamente, verificou-se o encerramento formal dos trabalhos da Comissão Mista Brasil-EUA, dos quais haviam resultado financiamentos norte-americanos para diversos projetos no Brasil. Washington mostrou-se desinteressado em manter a comissão e, em dezembro de 1953, o governo brasileiro viu-se forçado a assumir através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) as negociações para a execução dos projetos recomendados.
Nesse mesmo mês, em discurso pronunciado em Curitiba, o presidente Getúlio Vargas marcou a posição nacionalista de seu governo ao denunciar as excessivas remessas de lucros que vinham sendo feitas pelas companhias estrangeiras. Aparentemente, responsabilizava-as pelas dificuldades que a economia brasileira vinha enfrentando, mas na realidade, segundo Thomas Skidmore, esse ataque às empresas estrangeiras representava uma tentativa do governo de obter um amplo apoio político para poder levar a cabo “um programa antiinflacionário penoso e impopular, que se impunha tanto pelo estrangulamento externo quanto pelos desequilíbrios internos”. Logo nos primeiros dias de 1954, um decreto fixou em 10% ao ano o limite para as remessas de lucros e dividendos ao exterior, as quais obrigatoriamente deveriam ser registradas na Sumoc.
As medidas tomadas por Aranha para a poupança de divisas foram bem recebidas, mas o mesmo não ocorreu com a política adotada para a defesa do café. Em 1953, as geadas prejudicaram a colheita, reduzindo a safra do produto e determinando a elevação dos preços. Nessa ocasião, o governo Vargas fixou o preço do café brasileiro nos níveis mais elevados do mercado internacional, o que acentuou a tensão já existente, originada dos debates sobre o monopólio estatal do petróleo, nas relações econômicas com os EUA. No período de janeiro a outubro de 1954, a venda do café sofreu uma queda de 4,5 milhões de sacas, ou seja, cerca de 320 milhões de dólares, quantia então quase equivalente às reservas de ouro do país. A escassez de divisas levou o governo a negociar com o Federal Reserve Bank dos EUA um empréstimo de 80 milhões de dólares. Em seu livro de memórias, João Café Filho diz que, quando assumiu a presidência da República em agosto de 1954, após o suicídio de Vargas, esse empréstimo já se encontrava praticamente esgotado.
A redução nas vendas brasileiras de café ligava-se à política adotada por Aranha de forçar a alta do preço através de compras realizadas na Bolsa de Nova Iorque por firmas norte-americanas (já que era desaconselhável a intervenção direta do governo brasileiro). Essa política foi adotada também por diversos negociantes, em especial das praças de Santos e do Rio de Janeiro, que assumiram a posição de compradores em Nova Iorque através de dois escritórios norte-americanos. Durante um certo período, os resultados foram positivos, principalmente quando da geada ocorrida no Paraná. Mas a produção mundial se recuperou rapidamente, atingindo em pouco tempo o nível de consumo. Osvaldo Aranha insistiu, no entanto, em dar continuidade às compras no exterior, não conseguindo manter o preço. Com a queda acentuada das cotações, os grupos de Santos e do Rio que vinham comprando café deixaram de fazê-lo, tendo suas posições encampadas pelo governo federal através do estado de São Paulo.
Para substituir as firmas norte-americanas, o governo Vargas já havia criado em 1952 o Instituto Brasileiro do Café (IBC), que a partir de julho de 1954 passou a adquirir em cruzeiros todo o café que os exportadores brasileiros não conseguissem vender ao preço de 87 centavos de dólar a libra-peso. O aumento das exportações dos demais países produtores, em especial da Colômbia, continuou a pressionar para baixo o preço do café, provocando a superlotação dos armazéns brasileiros. O mercado norte-americano começou a boicotar o café brasileiro — em agosto, foram exportadas apenas 145 mil sacas, com um faturamento de 14 milhões de dólares, contra 860 mil sacas, num valor de 66 milhões de dólares, vendidas no mesmo mês do ano anterior.
O choque com João Goulart
No final de 1953, vários sindicatos, como os dos bancários e dos marítimos, pressionaram o governo por um aumento salarial — o último reajuste fora concedido em 1951, no início do governo Vargas. O ano de 1954 abriu com grande discussão sobre o nível de aumento a ser fixado para o salário mínimo. A notícia de que o ministro do Trabalho proporia um índice de 100% levou um grupo de oficiais do Exército a apresentar ao ministro da Guerra um documento, conhecido como Manifesto dos coronéis, protestando contra a possibilidade de um operário não-qualificado ganhar quase o mesmo que um cidadão de nível universitário. Goulart enfrentou também a oposição de Osvaldo Aranha, já que o Estado era um dos principais empregadores. Em carta a Vargas, o ministro da Fazenda alegou que o Tesouro Nacional não teria condições de arcar com os custos do aumento, advertindo também para as graves conseqüências dos abusos orçamentários para a economia nacional: “O dinheiro do Tesouro não pode ser instrumento de demagogia e popularidade para outros administradores ou entidades deficitárias... É necessário que os funcionários e operários de autarquias e outras entidades compreendam que esses favores políticos dependem da produção e da produtividade deles em suas organizações.”
Na verdade, o aumento não seria uma medida meramente populista: apesar do reajuste concedido em 1951, o salário mínimo ainda se mostrava desajustado em relação ao índice de inflação, uma vez que durante todo o governo Dutra permanecera inalterado. Mas os empresários acusaram Goulart de “fazer o jogo dos sindicatos” e de estar preparando o caminho para um novo golpe de Estado, tal como em 1937, quando igualmente chegava ao fim o mandato de Vargas. “Num esforço”, escreve Skidmore, “para recuperar a posição política perdida entre a classe média e os oficiais, Getúlio decidiu substituir os ministros da Guerra e do Trabalho”, o que fez ainda em fevereiro, mas adiou sua decisão sobre o aumento até o dia 1º de maio, quando anunciou a aprovação do projeto de Goulart. Os empresários apresentaram um recurso ao STF, que por fim declarou a legalidade do decreto. Enquanto isso, sucediam-se na imprensa as acusações de corrupção contra auxiliares de Vargas, campanha que foi aproveitada pelos antigetulistas mais exaltados da UDN para reforçar a ofensiva contra o presidente.
A partir daí, agravou-se a situação econômica do país. Em fins de junho — mês em que Aranha assumiu temporariamente o Ministério da Agricultura, substituindo João Cleofas —, foi assinado decreto regulamentando a aplicação de ágios e instituindo o Conselho Nacional de Administração dos Empréstimos Rurais. Através dessa medida, o Ministério da Fazenda pretendia aproveitar as arrecadações de ágio para suprir momentaneamente a caixa do Banco do Brasil e evitar novas emissões de papel-moeda. No final do mês a pasta da Agricultura foi ocupada por Apolônio Sales. Por outro lado, a tentativa de Osvaldo Aranha de estabelecer o controle do crédito provocou o protesto de empresários paulistas, que apresentaram ao ministro uma petição para liberar as reservas monetárias que vinham sendo acumuladas pelo Banco do Brasil com as comissões pela venda de divisas estrangeiras.
Suicídio de Vargas
A ofensiva oposicionista contra o presidente da República ganhou novo impulso a partir do assassinato do major Rubens Vaz, no dia 5 de agosto de 1954, em atentado cujo alvo era o jornalista Carlos Lacerda, diretor do diário carioca Tribuna da Imprensa, que dirigia violenta campanha contra Vargas. O inquérito policial instaurado para apurar o Atentado da Toneleros deixou claro o envolvimento de membros da guarda pessoal de Vargas, o que desgastou ainda mais a imagem do presidente no meio militar. Na noite do dia 8, segundo Francisco Zenha Machado, Osvaldo Aranha compareceu à casa de Alzira e Ernâni Amaral Peixoto — respectivamente filha e genro do presidente da República —, onde Vargas conduziu reunião de consulta sobre a conveniência de ceder às pressões e renunciar. Embora todos os presentes, familiares e amigos de Getúlio tenham discordado dessa saída, Vargas decidiu ainda consultar o ministério, o que fez naquela mesma noite, ficando definitivamente excluída a hipótese de renúncia.
O andamento do inquérito instaurado pela Aeronáutica, com a prisão de Climério Euribes de Almeida, membro da guarda pessoal de Vargas, agravou a crise. Igual efeito teve a divulgação dos depoimentos dos implicados e dos documentos encontrados no arquivo particular de Gregório Fortunato, chefe da guarda, pelos quais se evidenciava a ligação de outros elementos vinculados a Getúlio com o atentado. A 21 de agosto, o vice-presidente João Café Filho propôs a Vargas a renúncia de ambos, para que assumisse a chefia do governo o presidente da Câmara dos Deputados, Nereu Ramos. No dia 23 os generais do Exército fizeram circular um manifesto de apoio aos brigadeiros, indignados com o assassinato de Rubens Vaz. No manifesto propunham a renúncia de Vargas como única saída para a crise.
Na madrugada do dia 24, alertado da gravidade da situação, Osvaldo Aranha dirigiu-se ao palácio do Catete, onde se encontrou com os ministros Tancredo Neves, da Justiça, Epaminondas dos Santos, da Aeronáutica, e Renato Guillobel, da Marinha. Logo a seguir, chegava o general Euclides Zenóbio da Costa, ministro da Guerra, acompanhado do marechal João Batista Mascarenhas de Morais e do general Odílio Denis. Zenóbio comunicou o agravamento da situação no Exército: dos 80 generais lotados no Rio de Janeiro, 37 já haviam aderido ao manifesto de solidariedade aos brigadeiros. A Aranha e ao chefe do Gabinete Militar da Presidência, general Aguinaldo Caiado de Castro, aqueles oficiais informaram ser impossível resistir à pressão para o afastamento de Vargas. Após despachar com Zenóbio da Costa e Mascarenhas, Getúlio convocou uma reunião ministerial de emergência para discutir medidas capazes de atenuar a crise. O presidente da República mostrava-se contrário tanto à renúncia quanto a um pedido de licença. À reunião compareceram também Osvaldo Gudolle Aranha, Alzira e Ernâni Amaral Peixoto e alguns outros membros da família Vargas.
Zenóbio descreveu a situação militar, informando que a maioria dos comandantes de tropas do Exército não acataria qualquer ordem de ação contra a Força Aérea e a Marinha. O informe do ministro da Guerra foi contestado por Alzira Amaral Peixoto, segundo a qual a crise não passava de uma conspiração de gabinete, pois obtivera informações de que somente 13 generais, e não 80, haviam assinado o manifesto, sendo que apenas o general Henrique Teixeira Lott, dentre os revoltosos, possuía comando. A Vila Militar, segundo Alzira, não havia aderido ao movimento e os fuzileiros navais só interviriam se atacados. Além disso, afirmava, a única unidade da Aeronáutica com autonomia de vôo, sediada no subúrbio carioca de Santa Cruz sob o comando do coronel Osvaldo Pamplona, manifestava-se a favor do governo. Nesse ponto, a discussão generalizou-se, com vários ministros opinando, juntamente com outros líderes políticos, enquanto Vargas reiterava seu propósito de não renunciar.
Último dos ministros a se manifestar, Osvaldo Aranha afirmou que, no seu entender, só havia três soluções para o caso: a resistência a todo o custo, opção com a qual se declarou solidário; o uso das forças militares na defesa da Constituição, hipótese que acreditava não ser do agrado de Getúlio; e a renúncia do presidente, decisão que caberia somente a Vargas. Com a recusa do presidente em aceitar essa última hipótese, o ministro da Guerra se retirou da reunião antes do seu término, declarando-se decidido a manter a ordem legal, mesmo que isso implicasse jogar uma parte do Exército contra outra e contra a Marinha e a Aeronáutica. Após a saída de Zenóbio, Vargas concordou em licenciar-se até que os fatos apurados pelo inquérito que corria na base aérea do Galeão fossem esclarecidos, exigindo apenas que os ministros militares mantivessem a ordem e garantissem a Constituição.
A nota oficial comunicando a decisão presidencial foi redigida pelo ministro Tancredo Neves. Enquanto isso, o ministro José Américo de Almeida, da Viação, solicitava a Osvaldo Aranha que procurasse o brigadeiro Eduardo Gomes e lhe explicasse as vantagens da licença de Getúlio, pois ela não provocaria reação popular e preservaria a Constituição. José Américo comprometia-se a procurar Juarez Távora com o mesmo objetivo. Já redigida, a nota foi dada a Aranha para que a entregasse a Getúlio. Estando o presidente recolhido a seus aposentos, o ministro da Fazenda deixou a nota com Alzira.
Por volta das cinco horas, divulgou-se a notícia da licença, vista por muitos como um afastamento definitivo. Ao mesmo tempo, Café Filho, reunido com líderes oposicionistas civis e militares, dava início à formação de seu ministério. Pouco depois chegava ao palácio do Catete a notícia de que Zenóbio da Costa, encontrando-se com vários generais no Ministério da Guerra, deixara escapar que a renúncia do presidente da República não era temporária, conforme procurava fazer crer a nota do ministro da Justiça, mas sim definitiva. Por seu lado, Osvaldo Aranha decidiu permanecer no Catete por mais algum tempo, em companhia da esposa do presidente, Darci Vargas, dos seus dois filhos e do genro, além de alguns auxiliares mais chegados, como Danton Coelho e João Goulart.
Horas mais tarde, Vargas era encontrado morto em seu quarto, com um tiro no peito. Informado do que acontecera, Aranha, que então já se encontrava em casa, não regressou ao Ministério da Fazenda, entregando a pasta a um oficial-de-gabinete. Juntamente com Tancredo Neves e João Goulart, acompanhou o corpo de Vargas a São Borja (RS), pronunciando emocionado discurso durante o sepultamento.
A sucessão presidencial de 1955
Após o suicídio de Vargas, Osvaldo Aranha afastou-se da vida pública, retornando ao seu escritório de advocacia. Em setembro de 1954, porém, foram feitas novas tentativas para que aceitasse o lançamento de sua candidatura à presidência da República. Apesar da recusa inicial do ex-ministro, o PTB chegou a propor o apoio à sua indicação por considerá-lo o único nome capaz de fazer frente à candidatura de Juscelino Kubitschek, do PSD, que já vinha conseguindo adeptos em várias seções petebistas nos estados.
As eleições presidenciais previstas para outubro de 1955 detonaram nova crise sucessória. Nos primeiros meses do ano, tornou a ser cogitado o nome de Aranha como candidato do PTB. O político gaúcho, no entanto, acreditava que o momento político vivido pelo país exigia um candidato de união nacional. Em meados de março, Flores da Cunha voltou a insistir para que aceitasse a indicação. No início de abril, uma ala dissidente do PSD, formada pelos diretórios gaúcho, catarinense e pernambucano, aliou-se à UDN, lançando a candidatura de Etelvino Lins, apesar da pressão do diretório nacional pessedista a favor de Juscelino Kubitschek.
Na noite de 11 de abril realizou-se na casa de Osvaldo Aranha uma reunião entre Amaral Peixoto, presidente do PSD, Juscelino, João Goulart e Abilon de Sousa Naves, vice-presidente do PTB. Depois que Aranha esclareceu não ter qualquer pretensão eleitoral, foram acertadas as bases para uma aliança entre os dois partidos, oficializada cinco dias depois em nova reunião ainda na residência do ex-ministro. Esse acordo só se tornou possível após o rompimento de um outro que estava sendo estudado pelos trabalhistas e pelo Partido Social Progressista (PSP), que pretendia a instauração de uma “frente populista” e cujos principais defensores eram Lúcio Bittencourt, o general Caiado de Castro e Danton Coelho.
A convenção nacional do PTB realizada em 18 de abril aprovou a candidatura de João Goulart para compor chapa com Juscelino Kubitschek. Durante a convenção, foi lida mensagem de Luís Carlos Prestes, líder do Partido Comunista Brasileiro, desde 1947 na ilegalidade, propondo a ação conjunta entre comunistas e trabalhistas, já estabelecida com sucesso em outras ocasiões. Nesse mesmo dia, Aranha enviou ao ex-ministro do Trabalho de Vargas extensa carta em que lamentava não ter podido comparecer ao encontro e enfatizando mais uma vez sua convicção de que o momento exigia uma candidatura que representasse a “união nacional”, com a renúnica prévia às aspirações pessoais.
Mas, ao ver frustrados os seus esforços nesse sentido, decidiu apoiar Goulart, o candidato que lhe parecia mais próximo da herança de Vargas. No final do mês, em entrevista ao jornal carioca O Globo, o general Eurico Dutra manifestou sua oposição à candidatura de Goulart, alvo de grande resistência no interior do PSD. Em vista da crise que se estabelecia em torno da chapa de coalizão, o diretório nacional pessedista reuniu-se a 12 de maio para discutir a candidatura petebista, afinal mantida.
Alguns jornais comentaram poucos dias depois a elaboração de um manifesto, encabeçado por Lourival Fontes, chefe do Gabinete Civil do segundo governo de Vargas, e por Camilo Nogueira da Gama, propondo o lançamento da candidatura de Osvaldo Aranha, tentativa que não encontrou maior repercussão. No início de junho a convenção nacional do PSD homologou a chapa Kubitschek-Goulart, afinal vitoriosa no pleito de 3 de outubro de 1955.
O retorno à ONU
Osvaldo Aranha foi convidado em 1956, já sob o governo Kubitschek, a participar da delegação brasileira na ONU, mas recusou. No ano seguinte, porém, aceitou o novo convite que lhe fora feito nesse sentido, sendo nomeado, a 6 de setembro, chefe da delegação brasileira na XII Assembléia Geral das Nações Unidas.
Conforme relatório que enviou posteriormente ao presidente Juscelino, os trabalhos da Assembléia Geral foram especialmente tumultuados naquele ano pela pressão da corrida armamentista entre os EUA e a URSS (“uma tal determinação, se não nos leva à guerra imediata, certamente não nos conduz à paz, nem ao incremento dos meios e recursos do progresso pacífico dos povos”), pela deterioração das alianças ocidentais de segurança coletiva — como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), o Pacto de Bagdá e a Conferência de Bandung — e pela crise do Oriente Médio. Aranha alertou o presidente da República sobre o avanço da influência soviética na África, o que deixaria o litoral nordeste do Brasil, principalmente a região de Natal, ao alcance de mísseis soviéticos de médio alcance com base em solo africano. Em seu relatório de fim de ano, afirmou ser necessário redefinir com urgência a política externa brasileira, até então enfraquecida pela atitude em favor das potências coloniais. Tendo em vista a nova tendência mundial em favor da libertação dos povos ainda colonizados, considerava que o Brasil não poderia “contrariar essa corrente sem comprometer seu prestígio internacional, e até mesmo sua posição continental”.
Em outro documento apresentado a Kubitschek, Aranha defendeu o reatamento das relações com a União Soviética, rompidas em 1947, argumentando que esse país representava um novo mercado para as matérias-primas brasileiras: “Tentar ignorar a realidade é o erro dos erros na política internacional. O mundo soviético não está somente na ONU, mas em toda a parte, influindo, por vezes, preponderantemente, até nas nossas decisões, do mundo ocidental e dos próprios EUA... Cheguei ainda à conclusão de que o reconhecimento desta realidade era o meio que nos restava, particularmente ao Brasil, para não só alertar os EUA como conseguir sua cooperação direta e consciente para que nos tornemos uma nação forte e capaz de ajudá-los na luta diária pela manutenção da civilização, democrática e liberal.” O reatamento das relações com a URSS era visto, assim, como um meio de forçar o governo norte-americano a uma cooperação mais efetiva com o Brasil, de modo a evitar que o governo brasileiro recorresse a outras fontes, no caso os soviéticos.
Em 1958, Aranha já havia sido cogitado para concorrer ao Senado, tanto pelo Distrito Federal quanto pelo Rio Grande do Sul. No ano seguinte teve seu nome lembrado novamente para a disputa presidencial. Por outro lado, o PSD homologou em dezembro a candidatura do general Henrique Teixeira Lott. Em janeiro de 1960, no entanto, a vice-presidência de sua chapa ainda continuava em aberto. Sondou-se o nome de Osvaldo Aranha, que aceitou a indicação como única forma de unir o PTB em torno da candidatura de Lott. Ele exigiu apenas que sua decisão fosse mantida em sigilo até a data da convenção nacional do PTB. A questão da vice-presidência foi porém reaberta com o falecimento de Osvaldo Aranha, no Rio, a 27 de janeiro de 1960.
De seu casamento com dona Vindinha, Osvaldo Aranha teve quatro filhos: Euclides Aranha Neto, empresário; Osvaldo Gudolle Aranha, que em duas ocasiões — 1960 e 1965 — teve seu nome cogitado como candidato do PTB ao governo do estado da Guanabara; Delminda Aranha Correia do Lago, casada com Antônio Correia do Lago, embaixador do Brasil na Comunidade Européia de 1970 a 1973 e no Uruguai de 1974 a 1981; e Luísa Zilda Aranha Correia da Costa, casada com Sérgio Correia da Costa, embaixador do Brasil na Inglaterra de 1968 a 1973 e na ONU desde 1974. Seu outro filho, Luís Osvaldo Norris Aranha, tornou-se presidente da Light Serviços de Eletricidade S.A. desde a compra da empresa pelo governo federal, em 1978.
Aranha foi membro de diversas entidades, entre elas o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o Real Gabinete Português de Leitura, o Instituto da Ordem dos Advogados e a Sociedade Pan-Americana do Brasil.
Deixou publicados vários discursos, conferências e relatórios. Sobre sua vida e atuação, foram publicados, de Amílcar Gomes Alencastre, Osvaldo Aranha, o mundo afroasiático e a paz (1961), de Theodore Berson, A political biography of dr. Osvaldo Aranha of Brazil; 1930-1937 (1974) e de Francisco Talaia O’Donnell, Osvaldo Aranha (1976).
O arquivo de Osvaldo Aranha encontra-se depositado no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getulio Vargas.
Regina da Luz Moreira
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