CASTELO BRANCO, HUMBERTO

CASTELO BRANCO, Humberto

*militar; comte. IV Ex. 1962-1963; ch. EME 1963-1964; rev. 1964; pres. Rep. 1964-1967.

 

Humberto de Alencar Castelo Branco nasceu em Fortaleza no dia 20 de setembro de 1897, filho do oficial do Exército Cândido Borges Castelo Branco e de Antonieta de Alencar Castelo Branco. Seu pai foi autor da obra Comando militar, que durante certo tempo teve ampla circulação nas forças armadas. Do lado paterno, descendia de portugueses, sendo que alguns de seus ancestrais dedicaram-se à criação de gado no Piauí. Antigo legislador estadual e membro da Guarda Nacional, seu bisavô materno Tristão Antunes de Alencar, por quem sua mãe fora criada, foi um homem relativamente próspero, proprietário de vários sítios no Ceará. Entre seus ancestrais figura o romancista e ministro da Justiça do Império José de Alencar (1829-1877). É também parente distante de Miguel Arrais de Alencar, governador de Pernambuco entre 1963 e 1964, e da escritora Raquel de Queirós.

Após seu nascimento, sua família fixou-se nos arredores de Mecejana (CE), em sítio pertencente a Tristão Antunes de Alencar, onde sua mãe vivera. Após sucessivas transferências de seu pai para Recife e para o Rio de Janeiro, então Distrito Federal, a família retornou a Fortaleza em 1905, lá permanecendo por quatro anos. Nesse tempo Castelo Branco estudou no Externato São Rafael. Entre 1909 e 1911, acompanhando os deslocamentos do pai, foi aluno em três diferentes colégios: Aires da Gama (Recife), Liceu do Piauí (Teresina) e Liceu do Maranhão (São Luís).

Nos primeiros meses de 1912 seu pai foi novamente transferido, desta vez para a cidade de Rio Pardo (RS). Interessado em seguir a carreira militar, Castelo Branco ingressou no Colégio Militar de Porto Alegre, conseguindo obter ensino gratuito graças à alteração da data de seu nascimento, para o ano de 1900, prática comum na época. Único aluno cearense da turma, foi colega dos gaúchos Riograndino e Amauri Kruel, Artur da Costa e Silva, Napoleão de Alencastro Guimarães e Nélson e Alcides Etchegoyen, que viriam a ter posteriormente grande projeção na vida política do país. Em 1916, foi escolhido orador da Sociedade Cívica e Literária, organização fundada pelos alunos do colégio visando à discussão de temas políticos e literários. Nesse mesmo ano, ao lado de outros líderes dessa sociedade, entre os quais os irmãos Kruel, formou uma nova organização estudantil denominada República Liberal, com o objetivo de dar apoio aos opositores do governo central. Em nível estadual a entidade apoiava os oposicionistas arregimentados no Partido Federalista, além de denunciar as sucessivas reeleições do presidente do estado Antônio Augusto Borges de Medeiros, dirigente do Partido Republicano Rio-Grandense. Também em 1916, último ano do curso, sua média nos exames e sua conduta lhe valeram o posto de capitão no batalhão escolar, só superado por Costa e Silva, que mereceu o posto de comandante.

Ao concluir seu curso em 1917, voltou a residir com sua família, que já há alguns anos se instalara no Rio de Janeiro. Ingressou em 1918 na Escola Militar do Realengo e no ano seguinte optou pela arma de infantaria, onde teve como instrutor o tenente Henrique Teixeira Lott. Foi declarado aspirante-a-oficial em janeiro de 1921. Por ter alcançado o 33º lugar entre os 98 aspirantes de infantaria, conseguiu servir no 12º Regimento de Infantaria (12º RI) em Belo Horizonte, como era seu desejo, ali ingressando poucos meses depois.

Em maio de 1921, foi promovido a segundo-tenente e, em fevereiro do ano seguinte, casou-se com Argentina Viana, que conhecera três anos antes em viagem de férias à capital mineira e com quem teria dois filhos.

 

Nos cursos de aperfeiçoamento

Embora concordasse com os princípios que levaram à eclosão da revolta tenentista de julho de 1922, manteve o respeito à hierarquia militar e não participou do movimento. No mês seguinte, foi louvado por sua conduta quando daqueles acontecimentos e, em novembro do mesmo ano, foi promovido a primeiro-tenente. Em fins de fevereiro de 1924 foi designado para fazer o curso da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais na Vila Militar do Rio de Janeiro, iniciando-o no mês seguinte.

Em julho do mesmo ano, logo após a notícia de que os revolucionários de 1922 haviam retomado as armas e assumido o controle da cidade de São Paulo, as autoridades militares do Rio de Janeiro efetuaram várias prisões de elementos suspeitos de participação na revolta. Ao contrário do que ocorrera dois anos antes, Castelo Branco foi preso, segundo Foster Dulles, por suas opiniões políticas, permanecendo detido cerca de dois meses no navio Cuiabá. Libertado somente em setembro, muito depois de terem os rebeldes abandonado São Paulo e se encaminhado para oeste em direção ao rio Paraná, retomou seus estudos no Exército, concluindo o curso no final de 1924. Nessa ocasião obteve o segundo lugar em sua arma, superado apenas pelo primeiro-tenente Lott.

Nos últimos dias de dezembro daquele ano, já de volta a Belo Horizonte, retomou suas atividades junto ao 12º RI. Uniu-se então imediatamente às tropas que, a mando do governo federal, seguiam para combater os revoltosos paulistas que se achavam no oeste do Paraná. Em abril de 1925 os rebeldes se reuniram com as tropas gaúchas também sublevadas, dando origem à Coluna Miguel Costa-Prestes. Em maio os revoltosos penetraram no estado do Mato Grosso, onde Castelo Branco esteve em trabalho de reconhecimento. Diante das notícias de que a coluna teria se dirigido para Minas Gerais ou Bahia, em agosto Castelo Branco foi incumbido do comando de uma companhia de metralhadoras pesadas que seguiria para este último estado. Procurando a princípio impedir a penetração dos rebeldes no território baiano, e depois reforçar uma cidade que se julgava ameaçada de invasão, Castelo Branco ajudou a conduzir um batalhão de seu regimento numa marcha que durou um mês. Em novembro de 1925, a partir das informações de que a Coluna Prestes se aproximava do norte do país e já se distanciara da Bahia, o batalhão do 12º RI recebeu ordens para retornar a Belo Horizonte.

Em março de 1927 Castelo Branco deixou o 12º RI para assumir o cargo de auxiliar de instrutor de infantaria da Escola Militar do Realengo, onde permaneceu até os primeiros meses de 1929. Em abril desse ano foi admitido como aluno na Escola de Estado-Maior (EEM), onde o ensino, sob a supervisão de um coronel do Exército francês, era ministrado por oficiais da Missão Militar Francesa, que colaborava com a modernização do Exército brasileiro na época, auxiliada por oficiais brasileiros. Ainda em 1929 Castelo Branco fez o curso da Escola de Aviação Militar (EAvM), considerando importante que os oficiais-estudantes fossem treinados em atividades militares com as quais não estavam familiarizados.

Com a eclosão em início de outubro da Revolução de 1930, o curso da EEM foi suspenso e os oficiais-alunos foram designados para voltar à tropa. A revolução fora preparada pelos tenentes rebelados na década de 1920, aliados a importantes forças políticas coligadas na Aliança Liberal, cujo candidato à presidência da República, Getúlio Vargas, perdera as eleições de março daquele ano. Contrário à revolução, Castelo Branco foi designado no dia 13 de outubro para treinar reservistas no Rio de Janeiro, objetivo para o qual convergiam os revolucionários vindos do Sul e do Nordeste. Como foram poucos os que atenderam ao chamado do governo, Castelo Branco foi transferido no dia 17 de outubro para Juiz de Fora (MG), onde iria servir no 10º RI. Entretanto, antes mesmo que participasse de qualquer ação militar no seu novo regimento, no dia 24 de outubro o presidente Washington Luís foi deposto e, dez dias depois, Getúlio Vargas assumiu a chefia do Governo Provisório.

Castelo Branco regressou então ao Rio de Janeiro e, em março de 1931, deu início ao terceiro ano do curso da EEM. O fato de ter alcançado a primeira colocação ao final do curso, concluído em fins de 1931, valeu-lhe a indicação para servir junto à Missão Militar Francesa. Assim, promovido a capitão em março de 1932, passou a ser adjunto daquela missão, além de tornar-se assistente do diretor dos estudos militares na Escola Militar do Realengo. Seu desempenho nessa nova atividade projetou-o definitivamente na carreira militar, reafirmando ainda sua inclinação para a área de instrução e ensino e para os serviços de estado-maior.

Castelo Branco encontrava-se na Escola Militar do Realengo quando eclodiu em São Paulo, no mês de julho de 1932, uma revolta contra Vargas denominada Revolução Constitucionalista. Embora não fosse partidário do presidente da República, não participou da revolta, que durou até fins de setembro. No final de 1933, escreveu uma série de artigos no jornal Gazeta do Rio, sob o pseudônimo de “Coronel Y”, afirmando que o Exército deveria auxiliar os constituintes que começavam a se reunir naquela época para elaborar uma nova constituição para o país — no estudo de assuntos militares e de problemas da defesa nacional. De outro lado, convicto de que os militares não deviam se envolver em política nem exercer cargos civis, defendeu em seus artigos a necessidade de um Exército profissionalmente forte.

De março de 1934 a março de 1935 Castelo Branco foi instrutor da EEM, sendo então nomeado subcomandante do 15º Batalhão de Caçadores (15º BC) em Curitiba. Em março de 1936 foi transferido da capital paranaense para o Rio de Janeiro, vindo ocupar o cargo de adjunto de tática da EEM. Por seu bom desempenho no curso, foi atendido em seu pedido para ingressar na École Supérieure de Guerre, em Paris, para onde viajou em outubro do mesmo ano. Dedicou-se naquela escola ao ensino militar, sendo considerado um oficial bastante capaz em tática, estratégia e história militar. Em maio de 1938, foi promovido a major por merecimento e, em outubro do mesmo ano, regressou ao Brasil.

Nomeado instrutor-assistente da EEM em janeiro de 1939, Castelo Branco procurou reformar o programa do primeiro ano do curso de tática geral, organizando todo o seu material de ensino. As aulas por ele ministradas para turmas mais adiantadas sobre a guerra do Brasil com o Paraguai acabaram sendo publicadas numa brochura O alto comando aliado na guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. Nomeado oficial-de-gabinete do ministro da guerra general Eurico Gaspar Dutra em setembro de 1940, deixou a EEM e em setembro do ano seguinte foi nomeado comandante do batalhão e instrutor-chefe de infantaria da Escola Militar do Realengo. Em abril de 1943 foi promovido a tenente-coronel.

 

Na FEB

Em virtude da declaração de guerra do Brasil à Alemanha e à Itália em agosto de 1942 e do início da estruturação da Força Expedicionária Brasileira (FEB) no ano seguinte, oficiais brasileiros foram enviados aos Estados Unidos para cumprir estágio em bases militares, a maioria deles na Escola de Comando e Estado-Maior de Fort Leavenworth, no Kansas, onde passavam três meses. Castelo Branco integrou, em julho de 1943, o primeiro grupo desses oficiais, formado por três coronéis, entre os quais Henrique Lott, e oito tenentes-coronéis, entre os quais Amauri Kruel. Esse estágio permitiu que os oficiais brasileiros se familiarizassem com os métodos de combate norte-americanos, destinados a substituir os métodos franceses, até então empregados pelo Exército do Brasil. Orientado no sentido de movimentos rápidos e audaciosos, altamente motorizados, as novas técnicas reduziam as marchas a pé e a utilização de cavalos.

Quando o grupo retornou ao Brasil em outubro de 1943, o general João Batista Mascarenhas de Morais, escolhido para chefiar a 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária (1ª DIE), que viria a se tornar conhecida como FEB, já estava selecionando os membros graduados de seu estado-maior. Assim, em maio de 1944, no Rio de Janeiro, foi instalado o Estado-Maior Especial, com função de planejar e executar o embarque da 1ª DIE, dividida em vários escalões. Esse organismo era integrado por três oficiais do Estado-Maior Divisionário, o coronel Floriano de Lima Brayner, chefe do Estado-Maior, e os tenentes-coronéis Castelo Branco e Amauri Kruel, além de dois membros da missão militar norte-americana, os tenentes-coronéis Sewel e Strong. A representação da FEB no Brasil coube ao general Lott e a supervisão ao general Hayes Kroner. Castelo Branco foi designado para chefiar a 3ª seção (de operações) do estado-maior da 1ª DIE, ficando Kruel responsável pela 2ª seção (de informações).

Antes da partida para a Europa, Castelo Branco realizou, com autorização de Brayner, alguns trabalhos na 1ª seção (de pessoal), que ele julgava deficiente, assim como na sua própria seção, cuidando simultaneamente da organização e da instrução. Seu dinamismo no exercício dessas funções causaria boa impressão ao general Mascarenhas de Morais.

O embarque do 1º Escalão da FEB, do qual fazia parte Castelo Branco, ocorreu na noite de 30 de junho para 1º de julho de 1944 no navio norte-americano General W. A. Mann, sob o comando do general Zenóbio da Costa, comandante da Infantaria Divisionária da 1ª DIE. No dia 16 de julho os primeiros contingentes brasileiros desembarcaram em Nápoles e, em 5 de agosto, autorizado pelo comando aliado, Mascarenhas deslocou suas tropas para a região de Tarquínia. Nesse mesmo dia, o 1º Escalão da FEB foi incorporado ao V Exército norte-americano, sob o comando do general Mark Clark, passando a operar como uma grande unidade. Em agosto os brasileiros seguiram para a área de Vada-Rosignano, situada a 25km da frente de batalha do Arno e considerada uma região mais apropriada para exercício. Durante o período em Vada os brasileiros foram submetidos a rigoroso treinamento, instruídos por cerca de 270 oficiais norte-americanos, sendo que Castelo Branco mantinha contatos diários com o major Vernon Walters, oficial de ligação do general Mark Clark.

A participação da FEB nos combates iniciou-se com o grupo comandado por Zenóbio da Costa em 15 de setembro de 1944, substituindo uma força norte-americana que estava sendo desligada do IV Corpo do V Exército, comandado pelo general Willis D. Crittenberger. No dia seguinte, a FEB ocupou Massarosa, Monte Carrunale e Il Monte e, posteriormente, Gamaiore e Monte Prano. Na ocasião Castelo Branco participou na linha de frente de combate juntamente com oficiais do estado-maior de Zenóbio da Costa. Nessa fase de guerra o objetivo dos Aliados na Itália era manter o Exército alemão sob permanente pressão, visando a impedir que o comando nazi-fascista transferisse para a França algumas divisões altamente combativas. Após a conquista do maciço de Monte Prano, as tropas brasileiras, já acrescidas dos 2º e 3º escalões recém-chegados à Itália, foram transferidas para o vale do rio Sercchio, com o objetivo de ficarem mais próximas de Castelnuovo di Garfagnana, local de grande interesse estratégico por ser uma das vias de acesso à planície do rio Pó.

Embora a primeira fase do ataque tivesse sido bem-sucedida, com a tomada de Sommocolonia, Lama di Sotto e Monte San Chirico, os soldados brasileiros, já a 4km de Castelnuovo, não conseguiram resistir ao contra-ataque das tropas alemãs durante a noite de 31 de outubro e tiveram assim que recuar para posições anteriores. Essa revolta encerrou a campanha do grupo de combate de Zenóbio, pois, com a incorporação do 2º e do 3º destacamentos da FEB, Mascarenhas assumiu em inícios de novembro de 1944 o comando operacional da 1ª DIE. Por outro lado, no dia 30 de outubro se realizara uma reunião do Alto Comando Aliado em Passo della Futa, onde se estabeleceu que a 1ª Divisão brasileira deveria operar no vale do Reno, pequeno rio italiano, para substituir tropas norte-americanas cujo estado geral era muito precário. Segundo afirma em seu livro de memórias, o coronel Brayner considerava que as tarefas definidas na reunião em Passo della Futa eram muito superiores às forças e à experiência das tropas da FEB. Convicto da necessidade de organizar um grupo de oficiais do estado-maior da FEB para atuar junto ao comando do V Exército norte-americano, o coronel Brayner entraria em choque com a atuação de Castelo Branco. Em seu livro, Brayner acusa Castelo de haver obstado as iniciativas no sentido de conseguir um maior entrosamento com os oficiais norte-americanos. Brayner criticaria ainda a atuação de Zenóbio, reponsabilizando porém Castelo Branco, “seu conselheiro imediato”, pelo insucesso da última ação do grupo de Zenóbio.

Em novembro, a divisão brasileira chegou ao vale do Reno, passando a ocupar a linha de frente do V Exército aliado. Em Porreta Torme, às margens daquele rio, Mascarenhas instalou o quartel-general avançado de sua divisão, que passou a ser constituído por 60 oficiais aos quais se somavam 70 outros homens. Nesse local Castelo Branco e Amauri Kruel organizararn suas equipes, da 3ª e 2ª seções, com a ajuda de majores recém-chegados, muitos dos quais antigos alunos de Castelo Branco em Realengo. O principal objetivo militar da campanha era a tomada de Castelnuovo, o que só seria possível depois de se desalojar os alemães de Monte Castelo. Mascarenhas trabalhava intimamente ligado a Castelo Branco, o qual, por seu lado, se dedicava aos planos da primeira fase da operação, que recebeu o título de Defensiva-Agressiva. O plano imediato, formulado pela Força-Tarefa 45 do IV Corpo, previa um ataque de surpresa ao maciço do Monte Belvedere.

Nos dias 24, 25 e 29 de novembro, a Força-Tarefa 45, tendo à sua disposição o 3º Batalhão do 6º RI e o Esquadrão de Reconhecimento brasileiros, atacou sem êxito a fortificação de Monte Castelo, ponto de defesa alemã de Castelnuovo. Segundo Mascarenhas, o malogro dos ataques brasileiros na região do Reno deveu-se a uma preparação inadequada e insuficiente. Brayner afirmaria entretanto que houve diversas falhas no apoio da artilharia e da aviação, assim como na coordenação dos batalhões lançados ao ataque, responsabilizando Castelo Branco por ter planejado toda a operação.

Castelo Branco empenhou-se no entanto no planejamento de novos ataques, auxiliado por Zenóbio da Costa e estimulado pelos norte-americanos, que continuavam a querer distrair os alemães da área de Bolonha, onde o V Exército estava atravessando um período difícil. Apesar da decisão de Mascarenhas de atacar novamente Monte Castelo, Kruel mostrou-se contrário ao plano, baseado em estimativas sobre as forças inimigas a partir de informações fornecidas pela 2ª seção. Castelo Branco relutou no entanto em aceitar a avaliação de que o ataque, tal como havia sido planejado, não teria sucesso.

Assim, em 8 de dezembro, em reunião a que estavam presentes Mascarenhas e os principais oficiais de seu estado-maior, foi aprovado o plano de Castelo Branco, o que desagradou Kruel e Brayner. Quatro dias depois foi desfechado o ataque, e o revés sofrido pelos brasileiros significou uma baixa de 145 soldados entre mortos e feridos. Brayner afirmaria mais tarde em seu livro que Monte Castelo havia sido a demonstração da ineficiência do comando norte-americano e dos inconvenientes da subordinação dos efetivos brasileiros ao V Exército. Para ele, as sucessivas derrotas se explicavam pela repetição de erros táticos.

A disputa entre Brayner, Kruel e Castelo Branco tornou-se ainda mais acirrada na reunião do comando da FEB realizada no dia 13 de dezembro de 1944, da qual Castelo Branco se retirou ao sentir-se acusado pela derrota experimentada. Mascarenhas chegou a pensar em renunciar ao comando da FEB, mas acabaria assumindo direta e pessoalmente a direção das operações em combate, abolindo a delegação a comandos intermediários. Passou ainda a atuar ao lado de Castelo Branco, atribuindo-lhe a ligação direta com o chefe da seção de operações do IV Corpo de Exército.

No início de janeiro de 1945, Castelo Branco substituiu Brayner na chefia do Estado-Maior da FEB, enquanto este último viajava ao Brasil em missão oficial com o objetivo de reunir-se com o chefe do governo e o ministro da Guerra no Brasil para tratar da situação das forças brasileiras na Itália. Nesse período a chefia da 3ª seção ficou a cargo do tenente-coronel Ademar de Queirós. De volta à Itália no final de janeiro, Brayner não aceitou a proposta de Mascarenhas no sentido de que Ademar de Queirós permanecesse na chefia da 3ª seção e que Castelo Branco assumisse um novo posto, o de assistente do chefe do Estado-Maior, encarregado da 2ª e 3ª seções. Por essa proposta, que patenteia o prestígio de Castelo ante o comandante da FEB, Brayner, apesar de permanecer como chefe do Estado-Maior, ficaria com autoridade direta apenas sobre a 1ª e 4ª seções.

Em reunião ocorrida nos primeiros dias de fevereiro de 1945 em Lucca, da qual participaram o comandante do IV Corpo, general Crittenberger, os representantes da FEB, Zenóbio da Costa e Castelo Branco, e o capitão Vernon Walters, os brasileiros foram informados de que no dia 19 de fevereiro seria realizada pelo IV Corpo uma nova ofensiva, denominada Operação Encore. Nela caberia aos brasileiros a tomada de Monte Castelo, em íntima associação com uma divisão norte-americana, a recém-chegada 10ª Divisão de Montanha. Depois da esperada queda de Monte Castelo, a missão da FEB seria avançar na direção oeste, atacando Santa Maria Viliana, Torre di Nerone e Castelnuovo.

Mascarenhas determinou então que Castelo Branco fixasse os planos para a nova operação contra a base de Monte Castelo. Essa ação, sob a chefia direta do comandante da FEB, teve início em 19 de fevereiro, reinaugurando os combates cessados em 13 de dezembro do ano anterior. Monte Castelo foi conquistado a 21 de fevereiro, seguindo-se a conquista de La Serra na madrugada de 23 para 24 e, horas depois, a tomada de Monte della Torraccia pelos norte-americanos. A partir daí a FEB obteve uma série de vitórias. A 3 de março foi iniciada a ofensiva no vale do rio Marano pela 10ª Divisão de Montanha norte-americana e pelos 6º e 11º Regimentos de Infantaria brasileiros. Com a captura de Castelnuovo a 5 de março, encerrou-se a Operação Encore.

Iniciaram-se então os preparativos para a Operação Primavera, tendo como teatro de operações o vale do rio Parano. Destinada a desmantelar a nova linha preparada pelos alemães, a operação prolongou-se de 5 de abril a 2 de maio, cobrindo todo o norte da Itália, e seu ataque principal teve início no dia 14 de abril, com a participação de duas divisões norte-americanas — a blindada e a de montanha e uma brasileira. Da mesma forma que nas batalhas anteriores, Castelo Branco serviu       como representante de Mascarenhas no posto de comando do 11º Regimento de Infantaria, que recebera o papel mais importante no ataque. As tropas brasileiras conquistaram Montese no próprio dia 14 e divisões norte-americanas ocuparam Tole e Vergato dois dias depois, abrindo assim o acesso à planície do rio Pó. A atuação de Castelo Branco na conquista de Montese valheu-lhe a única Cruz de Combate de Primeira Classe dada a um membro do Estado-Maior da Divisão. Dando prosseguimento à ofensiva, no dia 27 de abril as tropas brasileiras tomaram Collecchio, importante posição para impedir a retirada dos alemães em direção a Parma. Dois dias depois caiu Fornovo e capitularam a 148ª Divisão e os remanescentes da 90ª Divisão Motorizada alemã, assim como a Divisão Itália.

A 30 de abril a FEB foi instruída pelo IV Corpo norte-americano para continuar a impedir o movimento dos alemães no sul e a ocupar, a oeste de Fornovo, a área ao redor de Alessandria, onde estava sediado o 75º Corpo de Exército germânico. Com o objetivo de trocar idéias sobre essa nova ofensiva, Castelo Branco viajou a 2 de maio em direção ao posto de comando do IV Corpo, recentemente instalado em Milão. Nesse mesmo dia, no entanto, cessaram as hostilidades na Itália, com a capitulação do último corpo de Exército alemão. A 3 de maio Castelo Branco viajou então para Alessandria, onde, no dia anterior, Mascarenhas instalara o novo posto de comando da FEB. Poucos dias depois, a 8 de maio de 1945, a guerra terminou na Europa, com a vitória final dos Aliados e a queda de Berlim.

Por decisão de Mascarenhas, Castelo Branco ainda permaneceu quase dois meses na Europa, não se integrando assim ao destacamento precursor, que iria cuidar das instalações e quartéis que receberiam a FEB no Brasil. Em lugar de Castelo Branco, Mascarenhas nomeou para a chefia deste destacamento o coronel Brayner, que por essa razão embarcou pouco tempo depois para o Brasil juntamente com Kruel. Assim, no dia 17 de maio, Castelo Branco tornou-se chefe do Estado-Maior em exercício. Além disso, Mascarenhas enviou um radiograma ao general Dutra pedindo “em caráter excepcional” a promoção de Castelo Branco a coronel.

No dia 19 de maio de 1945, Castelo Branco recebeu do Exército norte-americano a Estrela de Bronze, entregue pelo comandante do V Exército, general Lucian Truscott. No final do mês, foi incumbido de preparar e supervisionar o deslocamento de todos os soldados da FEB para um único campo, na região de Francolise, onde aguardariam o embarque para Nápoles. Em 25 de junho, Castelo recebeu sua promoção a coronel. No dia 6 de julho, o primeiro contingente da FEB saiu de Nápoles com destino ao Brasil no navio General Meiggs sob o comando de Zenóbio da Costa. No mesmo dia, de avião, Castelo Branco deixou a Itália juntamente com Mascarenhas de Morais.

Em setembro de 1945, a convite do governo norte-americano, Castelo Branco e mais dez membros da FEB voltaram à Europa e aos EUA. Castelo Branco estava neste último país quando foi informado por Vernon Walters, que se tornara seu amigo pessoal, de que Vargas havia sido deposto no dia 29 de outubro por um golpe militar chefiado pelos generais Dutra e Pedro Aurélio de Góis Monteiro.

Castelo Branco retornou ao Brasil no dia 5 de novembro de 1945, sendo em seguida nomeado diretor de ensino da EEM. Sob sua direção, a escola sofreria alterações no conteúdo de seus programas, agora fundamentalmente centrados na doutrina tática norte-americana.

Durante o ano de 1947, o descontentamento de muitos oficiais do Exército com a força dos comunistas nos altos escalões da Associação dos Ex-Combatentes do Brasil, criada em outubro de 1945, levou à formação de uma nova organização de veteranos de guerra, que no entanto fracassou. Mas, ainda em 1947, no mês de outubro, Castelo Branco foi eleito presidente da seção do Rio de Janeiro daquela associação, concorrendo em chapa única e sendo apoiado por comunistas e não-comunistas.

Em fevereiro de 1949, Castelo Branco deixou a EEM, sendo nomeado chefe da 3ª Seção do Estado-Maior do Exército (EME).

 

No Clube Militar

Desde a derrubada de Vargas em outubro de 1945, a história do Clube Militar vinha sendo marcada por forte discussão a respeito da exploração do petróleo no Brasil, que, em última análise, envolvia a questão da segurança nacional. Assim, a questão da sucessão à presidência da entidade em 1950 refletiu a disputa entre a ala nacionalista — que era situação e se batia pelo monopólio estatal do petróleo — e a corrente das forças armadas defensora da participação do capital estrangeiro na exploração petrolífera. Pela ala situacionista candidataram-se à presidência e à vice-presidência os generais Newton Estillac Leal e Júlio Caetano Horta Barbosa, enquanto os generais Osvaldo Cordeiro de Farias e Emílio Rodrigues Ribas Júnior concorreram àqueles cargos pela chapa de oposição, integrada ainda pelos coronéis Castelo Branco, Ademar de Queirós e Nélson de Melo, os tenentes-coronéis Jurandir Bizarria Mamede e Sizeno Sarmento e os majores Válter de Meneses Pais e João Bina Machado.

A vitória da chapa Estillac Leal-Horta Barbosa em 17 de maio de 1950 acirrou a disputa entre os dois grupos, sobretudo em torno de artigos publicados na Revista do Clube Militar. Um deles, constante do número 107 da revista e denominado “Considerações sobre a Guerra da Coréia”, contrário à intervenção norte-americana naquele país, causou vários protestos por parte da grande imprensa e da ala das forças armadas favorável a uma maior cooperação com os Estados Unidos. O grupo nacionalista foi acusado de simpatias para com o regime comunista da Coréia do Norte, tendo sido desencadeada contra ele uma ofensiva através de inúmeros telegramas e cartas, inclusive uma de Castelo Branco. Datada de 31 de outubro, essa carta pedia a reconsideração por parte da revista da posição adotada. O agravamento das tensões levou à suspensão da revista até março do ano seguinte, além da renúncia de dois membros do conselho deliberativo — major Euler Bentes Monteiro e capitão Francisco Boaventura Cavalcanti Júnior —, que discordavam da orientação impressa à revista.

Com a posse de Vargas na presidência da República em 31 de janeiro de 1951, a ala nacionalista das forças armadas se viu fortalecida com a nomeação de Estillac Leal para o Ministério da Guerra. Isso no entanto não impediu que o grupo de oficiais escolhidos para acompanhar o ministro das Relações Exteriores João Neves da Fontoura na IV Reunião de Consulta dos Chanceleres das Repúblicas Americanas, em Washington, não compartilhasse das teses nacionalistas vigentes. A reunião fora convocada pelo governo dos Estados Unidos em busca da solidariedade dos demais países à sua participação na Guerra da Coréia e, sobretudo, da aceitação da proposta de constituição de um contingente militar latino-americano para ser enviado àquele país. Castelo Branco foi designado assessor militar da delegação brasileira, ausentando-se assim da chefia da 3ª Seção do EME entre março e abril de 1951.

Em março do ano seguinte Castelo apoiou a constituição da Cruzada Democrática, movimento formado por oficiais preocupados com a infiltração comunista no meio militar. O movimento organizou uma chapa para concorrer às eleições para a presidência do Clube Militar em maio de 1952. A vitória dessa chapa, encabeçada por Alcides Etchegoyen e Nélson de Melo, juntamente com a substituição no mês de março de 1952 no Ministério da Guerra de Estillac Leal pelo general Ciro do Espírito Santo Cardoso, significou o fortalecimento do setor conservador no interior das forças armadas.

Em agosto de 1952 Castelo Branco deixou a chefia da 3ª Seção do EME e ainda nesse mês foi promovido a general-de-brigada. Três meses depois foi nomeado comandante da 10ª Região Militar (10ª RM), sediada em Fortaleza e subordinada à Zona Militar Norte, comandada na época por Cordeiro de Farias.

Como parte da ofensiva que vinha sendo desencadeada contra o governo Vargas, em fevereiro de 1954 um grupo de militares ligados à Escola Superior de Guerra (ESG), entre os quais o tenente-coronel Golberi do Couto e Silva, redigiu um documento que ficou conhecido como Manifesto dos coronéis dirigido ao ministro da Guerra Ciro Cardoso com críticas ao regime vigente. Contando com a assinatura de 82 coronéis e tenentes-coronéis, entre os quais Amauri Kruel, Antônio Carlos da Silva Murici, Ademar de Queirós, Jurandir Bizarria Mamede e Sizeno Sarmento, o documento reivindicava o “saneamento no seio das forças armadas” e o respeito à hierarquia e à disciplina, além de denunciar o perigo da infiltração comunista nas instituições militares. Queixava-se ainda da agitação no meio operário e da corrupção da vida política do país. O episódio demonstrou o quanto as idéias da Cruzada Democrática floresciam na ESG, fundada em 1948 por Cordeiro de Farias com a ajuda de Golberi do Couto e Silva e Bizarria Mamede, como um “instituto de estudos superiores dedicado ao desenvolvimento e consolidação dos conhecimentos necessários à direção e planejamento da segurança nacional”.

Segundo Foster Dulles, “os coronéis, reconhecendo que a maioria dos generais se oporia a seu manifesto, como contrário aos princípios hierárquicos do Exército, não haviam consultado Castelo Branco ou qualquer outro general, antes de divulgá-lo”. Por essa razão, no ano seguinte, Castelo Branco afirmaria em discurso na ESG que o Manifesto dos coronéis era o exemplo de “alguns aspectos, no domínio da disciplina e da moral, que, de certo modo, tornam vulnerável a coesão do Exército”.

Como conseqüência do Manifesto dos coronéis, Vargas nomeou um novo ministro da Guerra, o general Zenóbio da Costa. Em maio de 1954, Castelo Branco deixou Fortaleza para assumir no Rio de Janeiro o posto de subchefe do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA), cujo chefe era Mascarenhas de Morais. Ainda nesse mês a Cruzada Democrática saiu-se novamente vitoriosa nas eleições do Clube Militar, elegendo o ex-ministro da Guerra general Canrobert Pereira da Costa para a presidência e Juarez Távora para a vice-presidência. Esse fato reforçou a tendência que se vinha delineando no sentido de que a Cruzada Democrática se tornasse o principal elemento aglutinador da oposição a Vargas nas forças armadas.

A escalada contra Vargas ganhou novo ímpeto em 5 de agosto de 1954, devido ao atentado da Toneleros, no qual foi assassinado o major-aviador Rubens Vaz e saiu ferido o jornalista Carlos Lacerda, membro da União Democrática Nacional (UDN), principal partido de oposição. O envolvimento de elementos da guarda presidencial no episódio enfraqueceu ainda mais a precária situação de Vargas perante os militares e propiciou o aparecimento de novos manifestos de oficiais reivindicando a renúncia do presidente.

Diante da conjuntura de agosto, Castelo Branco alinhou-se aos jovens oficiais e a altas patentes do Exército que, com o apoio da Cruzada Democrática, procuraram forçar Vargas à renúncia. Essa atitude de Castelo Branco afastou-o na ocasião de Mascarenhas, que, apesar de todas as pressões, reiterou seus compromissos com a disciplina e a Constituição, abstendo-se de pressionar o presidente.

No dia 23 de agosto, juntamente com vários almirantes e generais, Castelo Branco assinou um documento elaborado por 30 brigadeiros em favor da renúncia de Vargas. No mesmo dia Castelo Branco e o chefe de gabinete do chefe do EMFA, tenente-coronel Edson de Figueiredo, convenceram Mascarenhas de que, dada a gravidade da situação, era conveniente realizar uma reunião com os chefes dos estados-maiores e as principais lideranças militares ligadas a ele. O encontro realizou-se ao entardecer do próprio dia 23, quando Mascarenhas percebeu que, dado o forte sentimento contra Vargas, só a renúncia do presidente resolveria a crise. Reunido inicialmente com Vargas e, de madrugada, com os ministros de Estado, Mascarenhas apresentou uma avaliação do quadro militar, informando que a Aeronáutica e a Marinha desejavam a renúncia e que só o Exército se mostrava dividido. A crise teve seu desfecho com o suicídio de Vargas na manhã do dia 24 de agosto. No dia seguinte, Mascarenhas apresentou ao substituto legal de Vargas, João Café Filho, seu pedido de exoneração da chefia do EMFA, o que acarretou conseqüentemente a saída de Castelo Branco da subchefia daquele órgão.

 

No comando da ECEME

Em setembro de 1954 Castelo Branco foi nomeado comandante da EEM, atingindo assim o posto máximo daquela unidade de ensino. Já na abertura do ano escolar, em março de 1955, entrou em vigor o novo regulamento da escola, por ele elaborado. Ao mesmo tempo, a EEM, que por muito tempo tivera o nome de sua equivalente francesa, passou a se chamar Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME).

Apesar de Castelo Branco ressaltar em suas preleções na ECEME que o primeiro dever de um bom oficial era manter o Exército longe da política, os mais destacados líderes militares vinham demonstrando uma crescente tendência a intervir no processo político em curso. Em 1955 a Cruzada Democrática, aliada à UDN e às demais forças que participaram da derrubada de Vargas, opôs-se às candidaturas de Juscelino Kubitschek e João Goulart às eleições presidenciais de outubro, acusando o primeiro de corrupção e o segundo de manter estreitas ligações com os meios sindicais.

A vitória desses dois candidatos provocou a imediata reação dos seus adversários, que passaram a advogar abertamente a necessidade de impedir, até por meios extralegais, a posse dos eleitos. O quadro de tensão acirrava-se quando, no dia 11 de novembro de 1955, eclodiu um movimento militar, liderado pelo ministro da Guerra, general Lott, que objetivava, segundo suas declarações, deter uma conspiração em preparo no interior do próprio governo — então chefiado pelo presidente interino Carlos Luz, devido ao impedimento de Café Filho por motivo de saúde — e garantir a posse de Kubitschek e Goulart. O êxito do movimento provocou um esvaziamento do poder que a Cruzada Democrática obtivera até aquele momento na área militar. Assim, os ministérios militares do governo de Nereu Ramos, substituto de Carlos Luz, foram entregues a oficiais comprometidos com o movimento de 11 de novembro e, conseqüentemente, favoráveis à posse dos candidatos eleitos, o que ocorreria a 31 de janeiro de 1956.

Apesar de ter apoiado o movimento de 11 de novembro, Castelo Branco não conseguiu convencer os instrutores e alunos da ECEME de que a atitude do ministro da Guerra era justa, e quase todos eles assinaram um manifesto em que condenavam “a traição de Lott”. Informado do manifesto, Lott chamou a seu gabinete o comandante da ECEME, que, entretanto, negou a existência do documento. Alguns dias depois, porém, Lott recebeu uma lista dos “conspiradores” da ECEME, pedindo então a Castelo Branco que os transferisse de escola. Como este não concordasse com a solicitação, Lott comunicou-lhe que ele seria então deslocado para o Pará. Alguns dos alunos e instrutores da ECEME foram presos por poucos dias, mas, a pedido de Castelo, os oficiais da escola não divulgaram o manifesto. Apesar disso Lott seguiu empenhado em punir os “conspiradores” da ECEME por meio de transferências, criando um clima que levou Castelo Branco a pedir demissão. Castelo desligou-se da escola nos primeiros dias de janeiro de 1956, sendo substituído pelo general Emílio Maurell Filho.

 

Na ESG

Ainda em janeiro de 1956 Castelo Branco voltou à sua antiga posição de assistente do chefe do EMFA, substituindo o brigadeiro Gervásio Duncan de Lima Rodrigues. Permaneceu no posto até o início de abril de 1956, quando foi transferido para a ESG, onde dirigiu o departamento de estudos da escola. No exercício dessa função, passou a exercer decisiva influência na formulação do corpo de idéias da ESG que, mais tarde, sairiam vitoriosas no movimento político-militar de março de 1964.

No início de novembro de 1956 Castelo Branco foi convidado para participar das comemorações do primeiro aniversário do movimento de 11 de novembro, promovidas pela Frente de Novembro, associação fundada em março de 1956 para “dar conteúdo político ao movimento de 11 de novembro de 1955”. A manifestação consistia na entrega de uma espada de ouro ao general Lott. Castelo Branco, além de não aceitar o convite, fez chegar ao jornal O Globo uma cópia da carta que enviara à Frente onde afirmava que “essa arregimentação de militares, como classes e como força, ao lado de outras classes, alinhadas de maneira politicamente suspeita” era subversiva. Na carta dizia também considerar a manifestação como incompatível com a destinação das forças armadas. Essa atitude foi aplaudida na Câmara pelos membros da UDN e também por alguns setores do Exército.

A manifestação foi contudo realizada no dia 11 de novembro perante uma grande multidão, e contou inclusive com a presença do vice-presidente Goulart. Esse episódio contribuiu bastante para a polarização das posições dentro do Exército e demonstrou a fragilidade do apoio a Lott entre os oficiais da Marinha e da Força Aérea. Mesmo assim, a chapa vencedora nas eleições de maio de 1956 no Clube Militar — que tinha à frente o general João Segadas Viana — fora apoiada por Lott, tendo derrotado por uma pequena margem de votos a chapa da Cruzada Democrática.

Em 1958 Castelo Branco candidatou-se pela Cruzada Democrática à presidência do Clube Militar, em oposição à chapa pró-Lott encabeçada pelo general Justino Alves Bastos. A campanha iniciou-se em janeiro e colocou Castelo Branco em contato diário com Golberi do Couto e Silva, coordenador dos esforços da Cruzada. Realizado o pleito em maio de 1958, a chapa de Castelo Branco foi derrotada por uma diferença de cerca de 1.300 votos.

 

No Norte

Em fins de agosto de 1958, Castelo Branco foi promovido a general-de-divisão, apesar dos rumores então difundidos de que seu nome não constaria da lista de promoções. Em novembro do mesmo ano foi nomeado comandante militar da Guarnição da Amazônia e da 8ª RM, com sede em Belém, fato considerado por seus amigos como uma espécie de exílio. Entretanto, instalado em Belém, Castelo Branco insistiu em afirmar que lá estava, exercendo uma função completamente regular”, e que sua estada naquele local não significava absolutamente a marginalização.

Quando da Revolta de Aragarças, deflagrada no início de dezembro de 1959 por oficiais da Aeronáutica contrários a Kubitschek, Castelo Branco comentou em carta ao tenente-coronel Nílton Freixinho que havia, “um erro de visão: o de que o Brasil não pode melhorar dentro do regime constitucional”. Afirmava ainda que “só se faz uma revolução dentro de uma ideologia e impelido por uma forte corrente da opinião pública. O Brasil não quer quarteladas, nem revolução, pelo menos no período que atravessamos”.

A candidatura de Lott à presidência da República nas eleições de outubro de 1960, com o apoio da coligação do Partido Social Democrático (PSD) com o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), provocou da parte de Castelo o seguinte comentário, em carta endereçada a sua irmã: “Para a sujeira da espada de ouro só uma vassoura.” Castelo fazia na ocasião referência à espada de ouro que Lott recebera na cerimônia do primeiro aniversário do movimento de 11 de novembro e que se tornara o símbolo de sua campanha, em contraposição à vassoura, adotada por seu opositor, Jânio Quadros, apoiado pela UDN, que prometia “varrer” a corrupção.

 

Na Diretoria de Ensino

Castelo Branco deixou o comando em Belém no mês de abril de 1960 e foi nomeado diretor de Ensino e Formação do Exército, tornando-se responsável pela coordenação dos colégios militares, dos centros de preparação de oficiais da reserva e da Academia Militar das Agulhas Negras, o que o colocou em contato com as escolas superiores e de especialização do Exército.

Quando da renúncia de Jânio Quadros em 25 de agosto de 1961 e do impasse instaurado a partir do veto dos ministros militares à posse do vice-presidente João Goulart, Castelo comentou que a solução encontrada através da aprovação da emenda constitucional instituindo o regime parlamentarista serviria para enfrentar uma situação momentânea, permanecendo entretanto a “grave crise nacional”.

Preocupado com as divisões ocorridas no seio das forças armadas em conseqüência da crise nos últimos meses de 1961 a tônica de seus discursos nas escolas de nível superior do Exército foi sempre a conclamação aos líderes para que restabelecessem a unidade e revigorassem o espírito militar. Alertando sempre para os “perigos da ideologia comunista”, afirmava que os militares que colocassem a doutrina comunista acima do compromisso de defender as instituições da nação deveriam exonerar-se das forças armadas.

A forte movimentação política de vários setores da sociedade durante o ano de 1962 fez com que cada vez mais estivesse presente nos discursos de Castelo Branco essa questão do combate ao comunismo, que lhe parecia influenciar crescentemente os líderes das organizações estudantis e do operariado. Tendo recebido em julho de 1962 a sua quarta estrela, com a promoção a general-de-exército, em setembro do mesmo ano foi nomeado comandante do IV Exército sediado em Recife, substituindo seu colega de turma no Colégio Militar de Porto Alegre, Artur da Costa e Silva.

 

No IV Exército

A nomeação do coronel Humberto Freire de Andrade para a Secretaria de Segurança do estado de Pernambuco em fevereiro de 1963, por decisão do governador recém-empossado Miguel Arrais, significou uma tentativa deste de manter um bom entendimento com a área militar do Norte, onde havia restrições à sua eleição para o governo do estado. Apesar de integrar a ala nacionalista do Exército e de ter sido redator-chefe da Revista do Clube Militar nos primeiros anos da década de 1950, quando ele tinha posições contrárias às do Estados Unidos, o coronel Humberto Freire mantinha boas relações com Castelo Branco e por isso fora indicado para o cargo.

O episódio ocorrido em maio de 1963 no Nordeste, envolvendo o deputado federal petebista Leonel Brizola e o comandante da Guarnição do Exército em Natal, general Antônio Carlos Murici, constituiu-se, segundo Hélio Silva, na primeira manifestação coletiva dos militares de alta patente contra o governo João Goulart. Naquela data, Brizola, em visita a Natal, criticou em cadeia nacional de rádio a Aliança para o Progresso, programa norte-americano de assistência aos países da América Latina, e a presença no Nordeste do embaixador dos Estados Unidos, Lincoln Gordon, além de pregar a necessidade de implantação das reformas de base. Acusou ainda o general Murici de “gorila” e “golpista”, criticando suas atitudes contra Goulart e ele próprio, Brizola, na crise da renúncia de Quadros em 1961. No dia seguinte, Murici foi a Recife comunicar o fato a Castelo Branco, que preparou uma resposta a Brizola declarando que o “insulto” contra Murici em Natal parecia fazer parte de uma campanha de solapamento das instituições armadas do país. Entretanto, como o ataque atingira o Exército como um todo, Castelo, segundo declarou, achou preferível que a resposta fosse dada por Amauri Kruel, ministro da Guerra. Enviou então um relatório reservado ao general Kruel, onde afirmava que não podia aceitar ofensas feitas às instituições militares e dizia ainda que elas visavam à desmoralização do Exército. No dia 8, tendo recebido o relatório de Castelo Branco, Kruel dirigiu-se a Goulart pedindo-lhe providências para que Brizola não mais atacasse os comandantes de tropas.

 

Na chefia do EME

Após a substituição em junho de 1963 do ministro da Guerra Amauri Kruel pelo general Jair Dantas Ribeiro, Castelo Branco foi convidado a assumir a chefia do EME quando o general José Machado Lopes, que seria nomeado ministro do Superior Tribunal Militar (STM), deixasse o posto. Castelo aceitou a indicação, o que permitiu que Jair Dantas Ribeiro colocasse o comando do IV Exército nas mãos do general Justino Alves Bastos, considerado adversário do governador Arrais. Antes porém de assumir o cargo, Castelo Branco declarou em carta ao novo ministro da Guerra que “o chefe do EME não pode ser um marginal nos lances decisivos da vida do Exército”, deixando claro todavia que não tinha a intenção de “apresentar condições” para o exercício do cargo, mas tão-somente de ressaltar a importância de sua nova função. Afirmava ainda que a situação militar profissional, em todos os seus aspectos, inclusive nas implicações com a política, tinha-se tornado para o ministro da Guerra um desafio, que só poderia ser enfrentado se o Estado-Maior estivesse “perfeitamente integrado, como um corpo vivo, num dispositivo militar pensante, atuando e prestigiado pelo governo”. Jair Dantas Ribeiro declarou estar de acordo com tais observações.

No dia 12 de setembro de 1963, foi deflagrada em Brasília uma rebelião promovida por cabos, sargentos e suboficiais da Aeronáutica e da Marinha, motivada pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STM) de reafirmar a inelegibilidade dos sargentos para os órgãos do Poder Legislativo, conforme previa a Constituição de 1946. A revolta foi debelada no mesmo dia pelo Exército. Dois dias depois, em 14 de setembro, Castelo Branco assumiu a chefia do EME, declarando na ocasião que estaria empenhado em manter a estrutura permanente e a doutrina do Exército e fazendo críticas àqueles setores que vinham reclamando a criação de um “exército popular”. Embora concordasse com as linhas gerais do discurso, Jair Dantas Ribeiro esclareceu em seguida que cabia a Castelo Branco e a outros líderes de prestígio se absterem de “pronunciamentos que dêem margem a explorações por parte das diversas correntes político-partidárias”.

Por outro lado, a conspiração militar contra o governo Goulart passava a tomar corpo, articulada sobretudo no Rio de Janeiro por Cordeiro de Farias, Nélson de Melo, Ademar de Queirós, Murici, Orlando Geisel, José Pinheiro Ulhoa Cintra, Costa e Silva, Golberi. Embora ciente de que Castelo Branco se mantinha legalista, o grupo de conspiradores procurou paulatinamente articular-se com ele, que, como chefe do EME, ocupava um alto posto de comando, mais especificamente o segundo na hierarquia militar. Naquele momento, no entanto, a maioria dos oficiais superiores era legalista ou simplesmente não-ativista, embora estivesse apreensiva com os rumos do governo Goulart e em particular com o problema da disciplina e da unidade militar.

No início de outubro, diante da instabilidade política gerada pelas violentas pressões que o governo vinha sofrendo, Jair Dantas Ribeiro solicitou a Goulart que pedisse autorização ao Congresso para decretar o estado de sítio no país. O pedido no entanto foi retirado pelo próprio governo, dada a forte reação tanto dos setores antigovernamentais quanto das organizações trabalhistas. Castelo Branco também era contra o pedido, por acreditar que o Exército poderia prescindir do estado de sítio.

A 23 de outubro, Castelo apresentou um longo memorando ao ministro da Guerra sobre a situação político-militar do país, mais do que nunca preocupado com a coesão das forças armadas, que considerava ser a garantia contra a subversão da ordem estabelecida. Por essa razão sugeria que “o Alto Comando devia ser vitalizado e consultado; os comandantes de tropas deviam ser por ele orientados com a finalidade de esclarecer, uniformizar condutas e promover a coesão, em defesa da legalidade da Constituição; as greves ilegais e políticas deviam ser banidas; e as polícias militares, negligentes em suas funções, deviam ser instruídas e reorganizadas — com integral respeito à autonomia dos estados — a fim de que elas, em vez do Exército, desempenhassem todas as funções policiais”. Castelo Branco propôs ainda uma diretriz que “regulasse completamente” a participação das forças terrestres na segurança interna, e uma outra para ativar e adequar ao momento a instrução dos oficiais e dos sargentos.

Em breve resposta dada em fins de outubro, Jair Dantas Ribeiro declarou concordar em princípio com essas observações, mas recear que o Alto Comando “cujas atribuições devem ser especificamente militares” se transformasse num órgão essencialmente político caso os pontos de vista de Castelo Branco prevalecessem. O ministro da Guerra enfatizou ainda que o documento continha muitas implicações que transcendiam o âmbito daquele ministério, além de interferir na autonomia dos estados e na esfera dos poderes Legislativo e Judiciário.

Entre os meses de novembro e dezembro de 1963, Castelo Branco esboçou um plano de reorganização do Exército por acreditar na necessidade de uma adequação da organização militar à evolução político-social-econômica do país. Castelo Branco mostrava-se assim preocupado em reformular a doutrina militar do Brasil, sobretudo na parte que dizia respeito à guerra revolucionária — conforme discurso proferido no Estado-Maior em novembro de 1963. Nesse discurso, referindo-se à questão da legalidade, Castelo Branco afirmou ser “compreensível a sua inadequabilidade para promover a evolução política, econômica e social do Brasil”. Segundo Foster Dulles, “embora nos meses seguintes Castelo continuasse a defender a adesão à legalidade, tal como sempre fizera no passado, admitira nesse discurso que as circunstâncias eram tais que impediam a legalidade de salvar a situação”.

 

A adesão à conspiração

O clima de radicalização política do país, que se acelerou em dezembro de 1963 e início de 1964 tanto por parte dos setores pró-Goulart, quanto dos setores oposicionistas, acabou por convencer Castelo Branco da necessidade de formular um plano que evitasse um golpe do governo. Por essa razão, Castelo reuniu-se em fins de janeiro com Cordeiro de Farias, um dos mais destacados articuladores da derrubada de Goulart, e com Ademar de Queirós, o que marcou o início de uma aproximação entre os conspiradores e os legalistas. No próprio mês de janeiro, a comunicação confidencial denominada Lealdade ao Exército, conhecida pela abreviatura Le-Ex, procuraria harmonizar os pontos de vista de ambos os grupos. Segundo Murici, o texto do documento procurava dar a entender que Castelo Branco estava integrado ao “movimento”. Segundo os conspiradores, o ponto de vista legalista predominou no documento, na medida em que naquele momento era ressaltada a necessidade de salvação das instituições democráticas e de manutenção de Goulart na presidência até o final de seu mandato, em 1965. Por outro lado, Goulart foi informado ainda em janeiro de que vários generais norte-americanos estavam mantendo contatos com oficiais brasileiros, entre eles os generais Castelo Branco e Jair Dantas Ribeiro e o brigadeiro Eduardo Gomes.

Mantendo uma postura de cautela, Castelo Branco declarou em conversa com os deputados udenistas Olavo Bilac Pinto e Aliomar Baleeiro em fevereiro de 1964 que as forças armadas não apoiariam qualquer movimento que concedesse a Goulart um poder ditatorial, mas também não acolheriam atentados que ferissem as atribuições que eram dadas ao presidente pela Constituição. Em fins de fevereiro e início de março foi constituído um “estado-maior informal”, formado pelos generais Castelo Branco, Ernesto Geisel, Ademar de Queirós e Golberi do Couto e Silva, com a finalidade de consolidar inicialmente uma rede de militares favoráveis à conspiração em todo o país, e, numa etapa posterior, coordenar a ação militar para depor Goulart. Golberi e Ernesto Geisel, além dos generais Jurandir Bizarria Mamede e Heitor Herrara, eram figuras importantes da ESG que atuavam junto ao Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPÊS), organismo privado criado em fevereiro de 1962 com o objetivo de defender a liberdade pessoal e da empresa privada, ameaçada pelo plano de socialização que estaria sendo promovido pelo governo Goulart. Firmava-se assim uma estreita ligação entre o grupo ESG/ IPÊS e o chefe do EME, juntamente com antigos conspiradores como Cordeiro de Farias. Golberi afirmaria que “a presença de Castelo Branco no movimento significou que não se tratava de uma aventura”.

Na realidade, o “estado-maior informal” herdou um plano militar que há meses vinha ocupando a atenção de alguns dos que conspiravam contra Goulart, apesar de Castelo Branco manter-se reservado sobre o assunto. Originariamente concebido por Ulhoa Cintra em 1963, esse plano previa que as tropas paulistas e mineiras anti-Goulart marchariam para o Rio, onde os principais comandantes eram leais ao presidente. Com algumas modificações esse plano foi exposto ao general Olímpio Mourão Filho, que chefiava a 4ª RM e a 4ª Divisão de Infantaria em Juiz de Fora (MG). Quase ao mesmo tempo o plano foi levado aos conspiradores de São Paulo e contou com o apoio do governador Ademar de Barros.

No dia 13 de março de 1964, realizou-se um grande comício em frente à Central do Brasil, no Rio de Janeiro, organizado pelo presidente da República e pelas mais expressivas lideranças sindicais, durante o qual foram anunciadas algumas medidas que visavam à concretização das reformas de base. O comparecimento do ministro da Guerra ao comício foi criticado por Castelo Branco, que condenou ainda a manifestação como mais um ato ameaçador e de provocação de Goulart. Os setores moderados civis e militares por sua vez passariam a temer cada vez mais a radicalização do governo Goulart e a crescente mobilização popular, o que contribuiu para o fortalecimento da conspiração que vinha sendo armada para derrubar o presidente.

Na área militar, o comício apressou o trabalho do “estado-maior informal” no sentido de chegar a um entendimento com os mais importantes postos de comando fora do Rio. O apoio do IV Exército lá era garantido, enquanto no III Exército era possível contar inicialmente com o comandante da 6ª Divisão de Infantaria, general Adalberto Pereira dos Santos, e ainda com a 5ª RM, que abrangia os estados do Paraná e Santa Catarina. Uma grande dúvida era a área do Rio de Janeiro, onde o comandante do I Exército, Armando de Morais Âncora, e a maioria de seus mais altos subordinados, entre os quais o comandante da 1ª RM, Ladário Pereira Teles, eram leais a Goulart. Apesar disso, os principais generais de Minas Gerais que faziam parte do I Exército, entre os quais Olímpio Mourão Filho, nutriam profundos sentimentos anti-Goulart. Uma outra interrogação era Amauri Kruel, comandante do II Exército, que mantinha relações bastante estreitas com Goulart, e embora estivesse a par da conspiração, tentava persuadir o presidente a romper com os comunistas.

Paralelamente à articulação militar, aumentava a preocupação dos setores empresariais e da classe média, que viam com crescente temor os protestos veiculados cada vez com mais força pelas entidades sindicais e, sobretudo, o clima de radicalização política do governo Goulart. Em protesto contra o comício de 13 de março foi organizada no dia 19 do mesmo mês em São Paulo a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, encabeçada por setores do clero e entidades femininas, algumas delas vinculadas ao IPÊS.

No dia 20 de março de 1964 Castelo Branco expediu uma circular reservada aos oficiais do Estado-Maior e das organizações subordinadas, emitindo comentários sobre o comício do dia 13. No texto, procurou mostrar a evidência de duas ameaças: o advento de uma constituinte para a consecução das reformas de base e o desencadeamento progressivo das mobilizações do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). Segundo Castelo, era dever das forças armadas garantir os poderes constitucionais, o seu funcionamento e a aplicação da lei diante de movimentos ilegais, como o plano de paralisação do país anunciado pelo CGT, e assegurar o processo eleitoral.

Na ocasião em que a circular foi expedida, Jair Dantas Ribeiro encontrava-se acamado e, por essa razão, afastado do ministério. O documento teve bastante repercussão e foi considerado o mais importante pronunciamento de Castelo Branco, além de se ter transformado num elemento catalisador dos vários setores que conspiravam contra Goulart. A essa altura o texto já perdera seu caráter confidencial e circulava em diferentes meios, chegando inclusive a ser citado pelo ministro da Justiça, Abelardo Jurema, em programa transmitido por rádio e televisão. Ao tomar conhecimento do documento, Goulart chegou a pensar na exoneração de Castelo Branco da chefia do EME, o que entretanto não foi feito.

No dia 25 de março de 1964, dois mil marinheiros e fuzileiros navais compareceram à sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro para comemorar o segundo aniversário da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais, entidade não legalizada. Como o ato havia sido proibido pelo ministro da Marinha, almirante Sílvio Mota, foi emitida uma ordem de prisão contra os principais organizadores do evento, que a essa altura se transformara em rebelião. Foi ainda enviado ao local da reunião um destacamento de fuzileiros navais, que acabou no entanto aderindo à insubordinação, contando com o apoio do comandante de sua corporação, o vice-almirante Cândido Aragão.

Diante desses fatos, o almirante Mota pediu demissão do ministério, sendo nomeado para o cargo o almirante reformado Paulo Mário da Cunha Rodrigues, escolhido a partir de uma pequena lista de candidatos apresentada pelos líderes do CGT. Com carta branca de Goulart, a primeira medida do novo ministro foi a concessão de uma ampla anistia aos marinheiros rebelados. A alta oficialidade condenou veementemente a medida, considerando que ela estimulava a quebra da hierarquia militar. O episódio contribuiu para que os setores moderados se convencessem da necessária deposição de Goulart.

Por outro lado, no mesmo dia da eclosão da revolta dos marinheiros, três representantes do governador de Minas Gerais, José de Magalhães Pinto, procuraram Castelo Branco, pois, cientes de que ele era o “coordenador geral dos grupos militares da conspiração”, queriam avisá-lo da disposição de Magalhães Pinto de assumir a liderança civil do movimento anti-Goulart. Nessa ocasião, Castelo Branco delineou para os emissários a situação do Exército, afirmando que o general Justino, em Recife, estava plenamente integrado ao esquema, enquanto no Rio Grande do Sul o quadro só era difícil na capital. Castelo declarou ainda que havia sérios problemas a enfrentar na área do I Exército, pela maior presença do dispositivo militar de Goulart no Rio. Apesar de concordar que havia chegado o momento da deposição do presidente, como não tinha uma definição acerca da atitude do II Exército, advertiu: “Em Estado-Maior admite-se o risco calculado, jamais a aventura. Sem a adesão de Kruel, tudo será uma aventura.”

Se no início de março o “estado-maior informal” calculara que poderia contar com pelo menos 70% do Exército, ao final do mês, depois da revolta dos marinheiros, São Paulo e Minas Gerais foram considerados “blocos sólidos” nos quais os governos estaduais e as tropas estavam preparados para agir. Com o objetivo de iniciar o movimento no dia 2 de abril no Rio de Janeiro, o “estado-maior informal” enviou emissários a vários estados para coordenar as ações militares contra o governo. Por outro lado, Magalhães Pinto, seus auxiliares e alguns chefes militares haviam marcado a data de 31 de março para o início do levante, tendo assegurada a participação de uma unidade militar comandada pelos generais Mourão Filho e Carlos Luís Guedes, além do general Murici, enviado a Minas por Castelo Branco para assumir o comando da vanguarda rebelde.

A participação de Goulart na comemoração dos 40 anos da Associação Beneficente dos Sargentos da Polícia Militar, realizada nos salões do Automóvel Clube do Brasil no Rio de Janeiro no dia 30 de março de 1964, agravou ainda mais a crise político-militar que já se acentuara com o episódio da revolta dos marinheiros. Embora fossem vários os apelos, inclusive de Kruel e de deputados do PTB, para que Goulart não comparecesse à cerimônia, o presidente insistiu em estar presente, proferindo ainda um discurso em que situava o sargento como um elo dos mais expressivos entre as forças armadas e o povo.

Na manhã do dia seguinte, com o objetivo de deflagrar o movimento anti-Goulart, o general Mourão Filho partiu de Juiz de Fora com seus homens em direção ao Rio. Considerado precipitado, o gesto de Mourão surpreendeu a oficialidade, inclusive Castelo Branco, que entrou imediatamente em contato com Magalhães Pinto para que fosse emitida uma ordem de volta aos quartéis. Diante da negativa de Magalhães Pinto, sob o argurnento de que as tropas já estavam próximas da fronteira de Minas com o estado do Rio de Janeiro, Castelo Branco avisou aos oficiais que não havia outra escolha a não ser apoiar o levante de Mourão Filho que, caso contrário, seria esmagado. Com o objetivo de fortalecer a ação no Sul do país, Castelo Branco enviou nota ao general Adalberto Pereira dos Santos, onde definiu sucintamente os propósitos do levante, entre os quais garantir a ordem para a restauração da legalidade, eliminar o desenvolvimento do comunismo, restabelecer a Federação e defender as instituições militares.

Na própria manhã de 31 de março, Goulart soube do ato de Mourão. Informado de que o centro da conspiração era o gabinete do chefe do EME, Goulart ordenou ao general Morais Âncora que prendesse Castelo Branco, determinação não cumprida pelo comandante do I Exército, que alegou constrangimento pessoal para prender seu amigo e conterrâneo. Castelo Branco passou toda a tarde do dia 31 de março em seu gabinete no Ministério da Guerra, mantendo contatos com outros militares e pedindo a alguns líderes da UDN em Brasília que não cessassem seus discursos, pois ainda os considerava uma parte importante do “círculo de ferro” para a defesa da legalidade. Por outro lado, Castelo Branco e o chefe do Departamento de Produção e Obras do Exército, Costa e Silva, passariam a dividir áreas de atividade: enquanto o primeiro se encarregava da parte política da revolução, Costa e Silva assumiu o comando das operações militares locais e enviou oficiais para assumir o comando das unidades mais próximas.

À tarde, Castelo Branco deixou o Ministério da Guerra, reunindo-se com Ademar de Queirós, Golberi e Geisel num apartamento que se transformou assim na sede do “estado-maior informal”. Nessa mesma tarde, após o malogro de sua última tentativa de fazer com que Goulart retirasse seu apoio ao CGT, como uma forma de “salvar o seu mandato”, Kruel aderiu ao movimento e ordenou que seus tanques também se deslocassem rumo ao Rio. À noite Castelo Branco manteve contato telefônico com Kruel — com quem não falava há 19 anos —, que reafirmou o envio das tropas.

Nas primeiras horas do dia 1º de abril, o general Alves Bastos foi avisado de que poderia “iniciar o seu trabalho”. Ao mesmo tempo, a maioria dos homens do 1º Batalhão de Infantaria (1º BI), enviados de Petrópolis contra as tropas de Mourão Filho, havia aderido ao movimento anti-Goulart. O 1º RI, o conhecido Regimento Sampaio da FEB, a caminho de Minas Gerais, aderiu também ao movimento.

Na manhã do dia 1º de abril, a situação ainda não estava clara em muitos pontos do país, como Rio Grande do Sul, Brasília e Rio de Janeiro. Pelo rádio foi divulgado o manifesto às forças armadas, assinado pelos generais Castelo Branco, Costa e Silva e Décio Palmeiro de Escobar, que aconselhava os militares a cerrar fileiras para evitar uma luta fratricida que vinha sendo preparada “irresponsável e criminosamente pelo presidente da República e seus aliados comunistas”. O manifesto afirmava que a ligação de Goulart com os comunistas estava destruindo “as tradições democráticas e cristãs”, além de violar a autonomia dos estados e exercer pressões ilegítimas sobre o Congresso, algumas delas através das organizações sindicais.

Ainda na manhã do dia 1º o governo Goulart sofreu um novo revés, com a atitude de dois oficiais rebeldes da direção da Artilharia de Costa e Antiaérea, o coronel César Montagna de Sousa e o tenente-coronel Oscar Couto de Sousa, que tomaram o quartel da Artilharia de Costa, favorável a Goulart. Ficava eliminado assim o impasse entre esse quartel e o adjacente forte de Copacabana, que havia aderido ao movimento durante a noite.

Declarando contar agora somente com o III Exército, que desde o dia 31 de março era chefiado pelo general Ladário Pereira Teles, Goulart viajou para Brasília na tarde do dia 1º e, na noite do mesmo dia, para Porto Alegre, deixando no Rio o general Morais Âncora, agora no cargo de ministro da Guerra. Nessa cidade as transmissões de rádio e televisão divulgavam declarações do governador Carlos Lacerda, onde Castelo Branco era elogiado e definido como “o chefe das forças de libertação nacional”. Ainda no dia 1º de abril, em rápida visita ao forte de Copacabana, durante a qual foi homenageado, Castelo Branco declarou que “o único propósito do movimento contrário à permanência do sr. João Goulart no governo foi restaurar a legalidade e defender o patriotismo do Exército nacional”.

Na noite do dia 1º de abril, em Brasília, o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, declarou vaga a presidência da República, embora Goulart a essa altura ainda estivesse em território brasileiro. De acordo com a prática constitucional foi então empossado no cargo Pascoal Ranieri Mazzilli, que, como presidente da Câmara dos Deputados, era o substituto legal do chefe do governo. Ainda durante o dia 1º, vários líderes trabalhistas foram detidos. Em protesto contra o que consideravam um golpe militar e a onda de prisões, os trabalhadores da Estrada de Ferro Leopoldina entraram em greve, sob a proteção do comandante dos fuzileiros navais, Cândido Aragão. Naquele dia, também alguns bancos, os portos do Rio de Janeiro e de Santos, além de várias indústrias metalúrgicas e têxteis fecharam suas portas. Não houve no entanto nenhuma mobilização capaz de sustentar o antigo governo.

Embora os vitoriosos procurassem silenciar sobre eventuais contatos com a embaixada dos Estados Unidos antes do movimento de 31 de março, alguns relatos posteriores deram detalhes sobre conversações mantidas com representantes norte-americanos no Brasil, o que corrobora a idéia de que a embaixada estava informada sobre os esforços dos conspiradores. Naquele momento, um grande amigo de Castelo desde os tempos da guerra na Itália, Vernon Walters, era o adido militar dos Estados Unidos no Brasil. Poucos dias após o movimento, o presidente dos Estados Unidos, Lyndon Johnson, congratulou-se com os militares vitoriosos e o Departamento de Estado deu início a gestões junto ao governo brasileiro para discutir a ajuda financeira a ser prestada ao país.

Na madrugada do dia 2, houve uma primeira reunião no gabinete de Castelo Branco, na qual este último declarou que sua missão havia terminado. Ao expor a necessidade de colocar os assuntos do Ministério da Guerra em ordem, Castelo Branco sugeriu que Costa e Silva, por ser o primeiro da hierarquia, chefiasse aquele órgão. A essa altura Costa e Silva havia se autonomeado comandante-em-chefe do Exército, cargo habitualmente exercido pelo presidente.

Apesar dos esforços do deputado Brizola em convencer Goulart de que o Rio Grande do Sul poderia resistir, o presidente deposto se recusou a aprovar qualquer tentativa nesse sentido, pois, já no dia 2, todo o III Exército aderira ao movimento. Desde esse dia Goulart tratou então de obter asilo político no Uruguai, enquanto eram presos os governadores Arrais e João Seixas Dória, de Sergipe.

Ainda no dia 2, o comandante-em-chefe do Exército Costa e Silva organizou o Comando Supremo da Revolução, composto por três membros, cada um deles representando um dos ramos das forças armadas: o brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo (Aeronáutica), o vice-almirante Augusto Rademaker (Marinha) e o próprio Costa e Silva.

Sobre as medidas que deveriam ser então tomadas, as idéias de Castelo e de Costa e Silva eram menos radicais que as de Rademaker, que propunha a demissão de três ministros do STF e a “limpeza das assembléias legislativas dos estados, dos organismos militares, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal”. Na ocasião Rademaker acusou os dois generais de quererem apenas uma “meia revolução”.

A questão da sucessão presidencial passou imediatamente a ser discutida. No interior do Exército, a opinião da maioria dos oficiais era favorável a Castelo, assim como a dos setores ligados ao IPÊS. Entre os governadores, contudo, não havia unanimidade; enquanto Carlos Lacerda procurava articular a candidatura do marechal Dutra, Ademar de Barros trabalhava pela indicação do general Kruel. No dia 4 de abril houve uma reunião com os governadores de Minas Gerais, São Paulo, Guanabara, Goiás (Mauro Borges), Rio Grande do Sul (Ildo Meneghetti), Paraná (Nei Braga) e Mato Grosso (Fernando Correia da Costa), para discutir a sucessão presidencial. Todos eram favoráveis à eleição imediata do presidente pelo Congresso e, na discussão acerca do nome, só o de Castelo obteve consenso. Ainda no mesmo dia Costa e Silva encontrou-se com os governadores estaduais e defendeu o adiamento da eleição presidencial, além de se declarar contrário à candidatura de um militar para o cargo, e favorável à manutenção do Comando Supremo da Revolução na condução da vida política do país. No dia 5 de abril, em nova reunião com os governadores (Lacerda e Magalhães Pinto enviaram respectivamente Juraci Magalhães e José Maria Alkmin como seus representantes) Costa e Silva aceitou a escolha imediata do novo presidente, concordando com a indicação do nome de Castelo Branco.

Este último recebeu ao longo desses dias vários apelos para se candidatar à presidência, entre eles da ESG e de setores financeiros e empresariais, através da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e da Sociedade Rural Brasileira. Castelo tornou-se assim o único nome capaz de manter a unidade militar e dar seguimento administrativo e político aos princípios inspiradores do movimento de 31 de março. Entre os outros cotados figuravam os nomes de Magalhães Pinto, do marechal Eurico Dutra, de Mourão Filho e de Amauri Kruel, este indicado pelo PTB.

Estando em sua casa na noite do dia 5, após um novo convite feito pelos cinco governadores, que se haviam reunido com Costa e Silva naquele mesmo dia, e instado ainda por Juraci Magalhães, José Maria Alkmin e o deputado José da Costa Cavalcanti, Castelo Branco finalmente aceitou a indicação de seu nome para a presidência da República. Na ocasião foi informado de que a UDN, o Partido Democrata Cristão (PDC) e o Partido Social Progressista (PSP) eram favoráveis à sua candidatura. Mais tarde chegaram à sua casa os deputados udenistas mineiros Olavo Bilac Pinto e Pedro Aleixo, juntamente com o jurista Carlos Medeiros Silva, que trazia o rascunho de um ato adicional, dias depois promulgado como o primeiro ato institucional, que dispunha sobre algumas medidas tidas como necessárias à instalação do novo regime.

Na noite do dia 6 de abril, ao reunir-se com a liderança do PSD, Castelo Branco reiterou seu compromisso de respeitar a Constituição, o que incluía a realização de eleições presidenciais no ano seguinte. O motivo dessa reunião foi que o PSD concordava em princípio com a candidatura de Castelo, mas ponderava que seria necessário ter um contato direto com ele antes de tomar uma atitude definitiva sobre a sua eleição pelo Congresso.

No dia 9 de abril de 1964, com o objetivo de punir os principais expoentes do governo anterior, agora considerados subversivos, o Comando Supremo da Revolução baixou o primeiro Ato Institucional (AI-1), cuja redação final foi de Francisco Campos. Além de conceder ao comando revolucionário as prerrogativas de cassar mandatos legislativos, suspender direitos políticos pelo prazo de dez anos e deliberar sobre a demissão, a disponibilidade ou a aposentadoria dos que ti-vessem “atentado contra a segurança do país”, o regime democrático ou a probidade da administração pública, o AI-1 determinava que dentro de dois dias seriam realizadas eleições indiretas para presidente e vice-presidente da República. De acordo com as normas constitucionais, o mandato presidencial se estenderia até o dia 31 de janeiro de 1966, data em que expiraria a vigência do próprio ato. O AI-1 cancelava ainda a cláusula constitucional da inelegibilidade, tornando assim candidatáveis à eleição os oficiais militares da ativa. A adoção desse item permitia então a candidatura de Castelo Branco.

No dia 10 de abril, a junta militar divulgou a primeira lista dos atingidos pelo AI-1, composta de 102 nomes. Foram cassados os mandatos de 41 deputados federais e suspensos os direitos políticos de várias personalidades de destaque na vida nacional, entre as quais Goulart, Jânio Quadros, o secretário-geral do proscrito Partido Comunista Brasileiro (PCB), Luís Carlos Prestes, o governador deposto de Pernambuco Arrais, o deputado federal Brizola, além de magistrados, oficiais das forças armadas e numerosos líderes sindicais. No dia 11 de abril, 122 oficiais foram transferidos para a reserva.

Ainda no dia 11, foi realizado no Congresso o pleito para a escolha do novo presidente da República. Dias antes Dutra e Kruel haviam retirado suas candidaturas, o que levou Castelo a concorrer como candidato único, contando com o apoio de nove partidos: PSD, UDN, PSP, PDC, Partido Republicano (PR), Partido Libertador (PL), Partido Trabalhista Nacional (PTN), Partido da Representação Popular (PRP) e Movimento Trabalhista Renovador (MTR). Ao final da eleição Castelo recebeu 361 votos, entre os quais 123 do PSD, 105 da UDN e 53 do PTB. Juarez Távora obteve três votos e Dutra dois. Houve 72 abstenções, em grande parte de representantes do PTB, e foram registradas 37 ausências. Para vice-presidente foi escolhido o deputado federal pessedista José Maria Alkmin.

No dia 13 de abril, Castelo transferiu o cargo de chefe do EME a seu sucessor interino, general Emíllio Maurell Filho. No dia seguinte foi divulgada nova lista de cassações, incluindo 67 civis, entre deputados e intelectuais, além de 24 oficiais das forças armadas. Nesse mesmo dia, Castelo foi transferido para a reserva no posto de marechal.

No dia 15 de abril de 1964, Castelo Branco assumiu a presidência da República, sem estar com todo o seu ministério completo. Os ministro da Guerra, do Exterior, do Trabalho e da Fazenda, respectivamente Costa e Silva, Vasco Leitão da Cunha, Arnaldo Sussekind e Otávio Gouveia de Bulhões, pertencentes ao quadro ministerial de Mazzilli, foram mantidos em seus cargos. Para o Gabinete Militar foi designado o general Ernesto Geisel, integrante do grupo da ESG. Outros importantes membros dessa instituição receberam postos-chave no novo governo, como o marechal Juarez Távora (Ministério da Viação) e o major-brigadeiro Nélson Freire Lavenère-Wanderley (Ministério da Aeronáutica). Para a pasta da Marinha foi nomeado o vice-almirante Ernesto de Melo Batista. O Gabinete Civil foi ocupado por Luís Viana Filho, o Ministério da Justiça por Mílton Campos e o Ministério da Saúde por Raimundo de Brito, todos partidários da UDN. Para os ministérios da Indústria e Comércio e das Minas e Energia foram nomeados respectivamente os pessedistas Daniel Faraco e Mauro Thibau. O agrônomo paulista Oscar Thompson Filho assumiu o Ministério da Agricultura e ao reitor da Universidade do Paraná, Flávio Suplicy de Lacerda, coube o Ministério de Educação e Cultura.

De acordo com os princípios que nortearam o movimento político-militar de 31 de março, Castelo procuraria empreender nos primeiros meses de governo a reorganização econômica do país e a desarticulação das entidades de esquerda, visando a punir sobretudo as lideranças comprometidas com o governo Goulart. Nesse quadro, o pensamento da ESG — baseado no binômio segurança e desenvolvimento — foi decisivo no processo de legitimação de uma nova ordem política.

Na primeira reunião ministerial, realizada a 23 de abril de 1964, Castelo pregou a implementação de reformas econômicas, visando principalmente à contenção da inflação e à promoção do desenvolvimento do país. E ao longo do mês de abril, centenas de inquéritos policial-militares (IPMs) foram abertos com o objetivo de apurar atividades consideradas subversivas. No dia 27 daquele mês foi criada a Comissão Geral de Investigação (CGI), que ficaria sob a presidência do marechal Estêvão Taurino de Resende, além de terem sido regulamentadas sanções contra os crimes políticos.

Dando prosseguimento ao afastamento das lideranças estaduais ligadas ao governo Goulart, foi votado nos primeiros dias do mês de maio o impedimento do governador e do vice-governador do estado do Rio de Janeiro, respectivamente Badger Silveira e João Batista da Costa, assumindo o governo do estado o general Paulo Torres, eleito pela Assembléia Legislativa.

No dia 11 de maio de 1964, o Decreto nº 53.914 criou o Ministério Extraordinário para o Planejamento e Coordenação Econômica. Três dias depois, o embaixador e economista Roberto Campos assumiu o cargo de ministro da nova pasta. No dia 16 de junho, Hugo de Almeida Leme substituiu Oscar Thompson Filho no Ministério da Agricultura. Cinco dias depois foi criado um novo órgão, denominado Ministério Extraordinário de Coordenação dos órgãos Regionais, cujo titular, Cordeiro de Farias, assumiu no dia seguinte.

 

A “linha dura”

Desde a posse de Castelo, alguns setores mais radicais no interior do Exército — localizados sobretudo na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais — colocaram-se à direita do presidente, sendo por isso identificados como a “linha dura” do Exército. A divisão no interior da instituição se acentuou com a proximidade da expiração do prazo legal de cassações, previsto para 15 de junho de 1964. Castelo afirmava sua intenção de cumprir os dispositivos do AI-1, enquanto os militares da “linha dura” eram favoráveis à prorrogação não só do prazo das cassações, mas também do próprio mandato de Castelo para a execução das reformas pretendidas, o que implicava a suspensão das eleições diretas previstas para outubro de 1965. Enquanto isso, vários projetos de lei seriam submetidos ao Congresso. Entre os textos aprovados estavam a regulamentação do direito de greve (Lei nº 4.330, de 1º de junho de 1964) e a implantação de algumas medidas fiscais.

Por outro lado, já desde o início de 1964 estavam definidos os candidatos às eleições presidenciais: Ademar de Barros (candidato do PSP), Juscelino Kubitschek (candidato do PSP) e Lacerda (candidato da UDN). A essa altura, porém, a cassação dos direitos políticos de Kubitschek vinha sendo defendida por elementos identificados com a “linha dura”, sobretudo por Costa e Silva, que não se conformavam com a sobrevivência política do ex-presidente. A cassação do mandato que Kubitschek exercia no Senado e a suspensão de seus direitos políticos, assinados em 8 de junho de 1964, provocaram a retirada dos membros do PSD do bloco parlamentar de sustentação do governo e, conseqüentemente, o esfacelamento da ampla base parlamentar que Castelo conseguira e que era necessária para a aprovação das emendas constitucionais indispensáveis às reformas políticas e econômicas pretendidas. Ante a atitude dos pessedistas, Castelo afirmaria dias depois que o ato não visava a beneficiar qualquer outro candidato, referindo-se presumivelmente a Lacerda.

No dia 13 de junho Castelo anunciou uma nova lista de cassações, que pretendia ser a última, de acordo com o AI-1, atingindo dezenas de pessoas, entre as quais 11 parlamentares, o governador do Amazonas Plínio Coelho e quatro ex-ministros de Goulart. Nesse mesmo dia, foi criado o Serviço Nacional de Informações (SNI), com a finalidade de assessorar o presidente na orientação e coordenação das atividades de informação e contra-informação, em particular aquelas de interesse para a segurança nacional. Assumiu a chefia do novo órgão o general Golberi, que ali permaneceria durante todo o governo Castelo.

 

A prorrogação do mandato presidencial

Ainda durante a primeira quinzena de junho de 1964, Castelo solicitou ao ministro da Justiça Mílton Campos a redação das reformas políticas que compreendiam as questões da maioria absoluta e do voto do analfabeto. Esse fato favoreceu ainda mais a pressão que alguns setores políticos vinham fazendo pela prorrogação do mandato presidencial. Justificavam eles sua atitude pelo fato de que as medidas de reestruturação econômica e política a serem adotadas não se poderiam concretizar no prazo de vigência do AI-1. Além disso, esses setores — nos quais se incluíam Afonso Arinos, João Agripino e Daniel Krieger — temiam a vitória de Lacerda nas eleições presidenciais de 1965. Por outro lado, o governador da Guanabara, com o apoio de amplos setores udenistas, fazia intensa campanha contra a prorrogação do mandato de Castelo. Apesar de toda a movimentação em torno da questão, Castelo mantinha-se contrário à prorrogação de seu mandato e via nessa proposta um fator de perturbação política.

No dia 17 de julho de 1964, o Congresso finalmente aprovou, em primeira discussão, a subemenda elaborada por João Agripino, que prorrogava o mandato de Castelo até 15 de março de 1967, ficando as eleições marcadas para outubro de 1966. Cinco dias depois foi aprovada a Emenda Constitucional nº 9 — conhecida como Lei de Reforma Eleitoral — que, além de adiar as eleições para outubro de 1966, instaurou o processo da maioria absoluta nas eleições presidenciais e a elegibilidade dos sargentos, rejeitando porém o direito de voto aos analfabetos.

Embora tivesse tido uma boa acolhida no Congresso, a prorrogação do mandato de Castelo desagradou a alguns setores civis que haviam apoiado o movimento político-militar de março de 1964 e que, frustrados em sua expectativa de participar das eleições em 1965, passaram a tecer críticas intransigentes ao governo. Assim, no dia 30 de julho, Lacerda enviou carta ao deputado Emíllio Nina Ribeiro, em que afirmava estar a revolução se tornando “um golpe que esvaziou”, tendo “envelhecido e murchado em apenas quatro meses”. Segundo Eliezer Rizzo de Oliveira, a prorrogação do mandato presidencial assumiu ainda “o aspecto de uma primeira e significativa vitória da ‘linha dura’ no confronto com o projeto ‘esguiano’ pela hegemonia política”.

A partir de setembro de 1964, as denúncias sobre torturas a presos políticos passaram a ganhar espaço na imprensa diária e nos debates da Câmara Federal, e Castelo pediu então a Geisel que apurasse tais acusações. Logo depois, em meados de outubro, em Fortaleza, oficiais da guarnição local prenderam quatro deputados estaduais do PSD acusados de subversão. Após uma conversa entre Castelo, Costa e Silva e o deputado Paulo Sarasate, ficou decidida a ida do coronel Carlos Meira Matos àquela cidade para resolver o problema. Na ocasião Castelo apelou para que os deputados fossem soltos em respeito às imunidades parlamentares. O comandante do IV Exército, general Aurélio de Lira Tavares, acabou assumindo a chefia da missão que visava a solucionar o conflito entre a Assembléia Legislativa cearense — que considerava insuficientes as provas apresentadas por um IPM contra os parlamentares — e os militares, e a questão foi finalmente resolvida com a cassação dos mandatos dos acusados.

Com o objetivo de deter a mobilização dos estudantes contra o novo governo, foi baixada em 6 de novembro de 1964 a Lei nº 4.464, conhecida como Lei Suplicy, que, entre outros aspectos, proibia a atividade política de entidades estudantis.

No dia 7 de novembro, teve lugar a 8ª Convenção Nacional da UDN, que deveria apontar a candidatura de Lacerda às eleições presidenciais de outubro de 1966. Realizada à revelia dos aliados de Magalhães Pinto, que defendiam a candidatura do governador mineiro, a reunião representou uma vitória para Lacerda, que foi escolhido candidato por 309 votos contra apenas nove em branco. Prevaleceu, assim, a tese da unidade partidária em torno de um candidato forte do ponto de vista nacional. Apesar de julgar inoportuna a convenção, Castelo absteve-se de interferir, declarando dias antes seu desejo de “não interferir nas deliberações partidárias, garantir as eleições de 1966, não comprometer a administração do país em qualquer campanha sucessória e assegurar a posse dos eleitos”.

Diante do resultado da convenção, Lacerda enviou uma carta ao presidente, solicitando que o desobrigasse do convite feito dias antes para chefiar a delegação do Brasil à Assembléia da Organização das Nações Unidas (ONU). Esse pedido de Lacerda devia-se aos entendimentos mantidos com Castelo pouco antes da convenção, quando o presidente lhe dissera que o mandaria à ONU como “figura nacional, acima dos partidos”. O fato de ser candidato por um partido o tornaria assim incompatível com o posto de chefe da delegação brasileira.

Alguns fatos ocorridos em Goiás provocaram o agravamento das tensões entre o governador pessedista Mauro Borges — acusado de empreender uma gestão reformista num estado de importância estratégica e de acobertar atividades subversivas — e os oficiais da chamada “linha dura” do Exército, que, incentivados pela UDN, procuravam acelerar o ritmo do IPM em curso contra o governador. O primeiro desses acontecimentos foi um furto de armas ocorrido em Anápolis, cuja importância foi exagerada pelo chefe da Polícia Federal, general Riograndino Kruel, que viu no incidente uma prova de que um golpe estava prestes a acontecer em Goiás. O segundo episódio ocorreu no dia 8 de novembro, quando foi concedido pelo STF um habeas-corpus preventivo a Mauro Borges, o que desagradou profundamente grande parte da oficialidade de Goiás. Na tentativa de apaziguar a situação, Castelo divulgou no próprio dia 8 uma notificação na qual manifestava o desejo de acatar as decisões judiciais, deixando claro no entanto seu propósito de não transigir com os problemas e ameaças que o governo goiano vinha apresentando para a ordem interna da nação. No dia seguinte reuniu-se com Mílton Campos, Pedro Aleixo e Daniel Krieger e ao final do encontro ficou acertada a intervenção no estado. Assim, no dia 26 de novembro Castelo destituiu Mauro Borges, nomeando interventor federal em Goiás o coronel Carlos Meira Matos que, segundo os termos da Constituição, tinha 60 dias para controlar a crise.

Na ocasião, Castelo informou por carta ao presidente do PSD, Ernâni Amaral Peixoto, quais as razões que haviam provocado tal decisão, afirmando a necessidade e a premência de eliminar o foco de perturbação existente em Goiás, “que ameaçava frontalmente a integridade nacional e as realizações pacíficas da revolução”. Apesar da carta de Castelo, grande parte do PSD considerou-se atingida pela intervenção e lutou contra ela, tentando a sua anulação. A medida governamental foi no entanto aprovada pelo Congresso por 192 votos contra 140, com o apoio da UDN, do PL, do PR e do PRP.

Em fins de novembro, quando regressou de viagem ao exterior, Lacerda enviou um carta ao presidente fazendo severas críticas à orientação governamental, sobretudo à nova política econômica, reiteradas em artigos na Tribuna da Imprensa. Castelo rebateu essas críticas em carta enviada a Lacerda em 3 de dezembro de 1964, expressando seu pesar “por perder a ajuda de um dos mais autênticos e históricos revolucionários e ao mesmo tempo por ganhar um oposicionista”.

No dia 10 de dezembro, Castelo reuniu-se com os ministros da Marinha e Aeronáutica para discutir o incidente que envolveu um helicóptero da Marinha, metralhado em Tramandaí (RS) por ordem de oficiais da Aeronáutica cinco dias antes. A disputa entre a Aeronáutica e a Marinha pela aviação embarcada vinha desde fins de 1956, quando Juscelino Kubitschek autorizou a compra do porta-aviões Minas Gerais. O fato provocara grave crise entre as duas forças armadas, pois a Marinha reivindicava o controle da aviação embarcada no porta-aviões. Por não aceitar resolver o assunto por ato do Executivo e sim por lei, o ministro da Aeronáutica Lavenère-Wanderley apresentou ao presidente seu pedido de exoneração, que lhe foi concedido no dia 14 de dezembro. No dia seguinte, assumiu o ministério o major-brigadeiro Márcio Sousa e Melo.

As discordâncias entre a Marinha e a Aeronáutica, no entanto, não se resolveram e poucos admitiam a conciliação. Assim, ao saber que Castelo se inclinava a entregar à Marinha os helicópteros que desde agosto, por ocasião das manobras da Operação Unitas, estavam no porta-aviões Minas Gerais, o ministro Sousa e Melo transmitiu ao presidente a sua insatisfação, bem como a de seus auxiliares mais diretos, como o chefe do Estado-Maior da Aeronáutica, o major-brigadeiro Gabriel Grün Moss. Sousa e Melo acabou pedindo exoneração do cargo no dia 7 de janeiro de 1965, e, quatro dias depois, foi substituído pelo marechal-do-ar Eduardo Gomes. Enquanto a crise arrefeceu na Aeronáutica, ela foi reaberta na Marinha. Julgando impossível convencer a oficialidade de que seria vedada à Marinha “a posse e o emprego de meios aéreos próprios para operações no mar”, o ministro Melo Batista pediu exoneração, sendo substituído no dia 15 de janeiro pelo almirante Paulo Bosísio.

No dia 26 desse mês, Castelo assinou o Decreto nº 55.627, que estabelecia normas para o emprego de meios aéreos para as operações navais. Segundo as disposições do decreto, a Marinha entregaria à Força Aérea Brasileira (FAB) todos os aviões em seu poder, ao passo que a FAB lhe cederia seus helicópteros anti-submarinos. A crise só chegou ao final em 21 de maio de 1965, quando Castelo sancionou a lei determinando que caberia à Aeronáutica o provimento de pessoal para a aviação embarcada.

Em fevereiro de 1965, com a proximidade das eleições internas na Câmara, Castelo fez chegar a Pedro Aleixo uma opinião desfavorável à reeleição de Ranieri Mazzilli, que há muitos anos se mantinha na presidência da casa. O PSD, no entanto, não parecia disposto a concordar com o veto do presidente e, no dia 17 daquele mês, durante reunião do partido para a escolha do candidato, Mazzilli obteve 58 votos contra 32 dados a Válter Peracchi Barcelos, o único pessedista que se dispôs disputar com Mazzilli a indicação. Ciente da disposição do PSD, Castelo tratou de organizar suas próprias forças. Já no dia seguinte, Golberi, Cordeiro de Farias e os deputados Adauto Cardoso (UDN) e Nilo Coelho (PSD) reuniram-se no palácio da Alvorada e decidiram formar o Bloco Parlamentar Revolucionário na Câmara. No PSD, o bloco contou com a colaboração de Antônio Feliciano e João Calmon; no PSP, de Alfredo Nasser e Henrique La Roque; na UDN, de Bilac Pinto, Adauto Cardoso e Pedro Aleixo. O bloco conseguiu reunir 184 deputados oriundos de quase todos os partidos e, em apoio à decisão de Castelo, indicou o presidente da UDN Bilac Pinto para a presidência da Câmara. Realizado o pleito a 24 de fevereiro, Bilac Pinto saiu-se vitorioso com duzentos votos contra 167 dados a Mazzilli, o que significou ainda uma vitória do presidente Castelo.

Em seguida, iniciaram-se as discussões em torno do pleito que seria realizado em 11 estados para a escolha de novos governadores. Discutia-se também mais de perto nos meios políticos a conveniência ou não da eleição prevista para março para a escolha do prefeito de São Paulo. Em meio a esse clima, o governo Castelo continuava a sofrer pressões por parte de setores estudantis e intelectuais. No dia 9 de março, grupos de estudantes da Universidade de Brasília promoveram manifestação contrária ao presidente, logo após a solenidade de abertura dos cursos, sendo na ocasião efetuadas algumas prisões. Quatro dias depois dezenas de intelectuais lançaram um manifesto à nação, conclamando o povo e todas as forças políticas à tarefa de restabelecimento das liberdades democráticas e dos direitos individuais no país.

Ainda em março, passadas as férias parlamentares, o ministro Mílton Campos ficou encarregado de anunciar na Câmara as instruções do governo para as eleições nos 11 estados. A orientação de Castelo foi que essas eleições se efetuassem de forma indireta, através do voto das assembléias legislativas, elegendo governadores para um mandato de um ano — era o chamado mandato-tampão —, o que possibilitaria a coincidência de mandatos de todos os governadores do país. No dia 20 de março, no entanto, chegou a Castelo uma carta de Lacerda dizendo ser contrário às eleições pelas assembléias e sugerindo a adoção da prorrogação, idêntica àquela votada para o mandato presidencial.

Procurando colocar Castelo numa posição constrangedora — segundo Luís Viana Filho — Lacerda utilizava uma série de argumentos em que deixava o presidente diante da possibilidade de ser o responsável pela supressão do voto popular.

Castelo decidiu por fim pedir a Mílton Campos, no dia seguinte, que anunciasse na Câmara que o governo adotaria eleições diretas em 1965 para os governos dos 11 estados, conforme previa a Constituição. A Câmara recebeu com aplausos, principalmente por parte da oposição, a decisão governamental, e assim, inesperadamente, alterava-se o panorama político do país. Os partidários de Castelo, como Golberi, mostravam-se inquietos quanto aos rumos do novo governo. Havia ainda rumores de descontentamento entre os militares da “linha dura”, que argumentavam que o governo não se devia permitir um teste eleitoral direto em outubro de 1965.

No dia 22 de março realizou-se em São Paulo a eleição para prefeito, saindo vitorioso entre vários candidatos o brigadeiro José Vicente Faria Lima, apoiado por Jânio Quadros.

Ainda em fins de março de 1965, ocorreu a primeira contestação armada ao novo governo, liderada pelo ex-coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório. Os guerrilheiros chegaram a tomar a cidade de Três Passos (RS), mas o grupo foi imediatamente desmantelado e seu líder preso no Paraná por forças do Exército.

No dia 8 de abril o Congresso aprovou a emenda constitucional que introduzia o princípio da maioria absoluta nas eleições diretas para governador a serem realizadas em 3 de outubro em 11 estados, inclusive em Minas Gerais e na Guanabara, considerados de grande importância para o curso do processo político nacional.

Por outro lado, o governo puniu o ex-governador do Amazonas Plínio Coelho decretando a sua prisão a 19 de abril de 1965. No mesmo dia, o STF concedeu por unanimidade habeas-corpus ao ex-governador Arrais, embora os oficiais responsáveis pelo IPM fossem contrários à medida. Dois dias depois, e após um ano de prisão, Arrais foi posto em liberdade por ordem direta de Castelo.

No dia 31 de abril, durante a convenção da UDN realizada em Niterói, Ernâni Sátiro foi eleito presidente do partido em substituição a Bilac Pinto. O candidato vencedor era apoiado por Lacerda e Magalhães Pinto, os quais, a essa altura, estavam fazendo oposição ao governo federal. Lacerda de uma forma quase aberta e Magalhães Pinto de uma forma mais discreta, pois não pretendia incompatibilizar-se com o presidente. Os militares da “linha dura” também pressionavam o governo federal. Por esse motivo, os coronéis encarregados dos IPMs na Guanabara — identificados com a ala mais radical do Exército — pediam a Castelo a volta imediata à aplicação do AI-1 e a elaboração de uma lei severa de inelegibilidades que de fato impedisse a eleição de elementos de algum modo ligados aos governos anteriores.

Por outro lado, continuava a pressão dos setores contrários ao novo regime. Em maio, o ex-governador Arrais lançou um manifesto no qual se recusava a continuar se submetendo a quaisquer IPMs. Por tomar essa atitude, foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional poucos dias depois e a seguir asilou-se na embaixada da Argélia, país para o qual seguiria no dia 16 de junho.

Diante da insatisfação crescente entre a jovem oficialidade em relação aos atos do governo e da dificuldade do comandante do I Exército, general Otacílio Terra Ururaí, em controlar a situação, Castelo alertou Costa e Silva nos primeiros dias de junho sobre a necessidade de disciplinar os IPMs visando neutralizar a ação dos militares radicais e normalizar a vida política do país. Por outro lado, o PSD e o PTB manifestavam seu temor em relação à ação de elementos radicais, que representavam uma ameaça à restauração do processo democrático. Embora mantendo uma posição de independência ante o governo, ambos os partidos dispuseram-se a apoiar Castelo nessa emergência.

Além disso, com a proximidade das eleições, reavivava-se o desagrado entre os setores mais radicais do Exército contra algumas candidaturas. A perspectiva de escolha do petebista Hélio de Almeida, que havia sido ministro de Goulart, como candidato ao governo da Guanabara, e do banqueiro e deputado federal pessedista Sebastião Pais de Almeida, ex-ministro de Kubitschek, ao governo de Minas Gerais, ambos pela coligação PSD-PFB, provocou violenta reação por parte desses setores. Castelo procuraria contornar o problema através da introdução de uma lei de inelegibilidades.

Redigida por Mílton Campos em colaboração com Pedro Aleixo, a nova lei, enviada ao Congresso no dia 22 de junho, declarava inelegíveis até 31 de dezembro de 1965 todos os ministros de Estado que houvessem servido no governo Goulart da fase presidencialista, com exceção dos ministros militares e dos parlamentares em atuação. Essa restrição foi o meio encontrado para que o ex-ministro Carlos Alberto Carvalho Pinto (candidato às eleições para o governo de São Paulo no ano seguinte) e o general Amauri Kruel (que participara do movimento de 31 de março) não fossem atingidos pela nova decisão governamental.

Por essa época, a Liga Democrática Radical (Lider) — organização de direita criada após o movimento de março de 1964 — lançou manifesto alertando os governantes “para a responsabilidade que tinham perante o mundo e a história” se na eventualidade de uma guerra civil previsível ocorresse a volta ao poder de elementos ligados ao sistema deposto. Castelo caracterizou esta advertência como um incitamento à desordem que vinha se processando desde fevereiro, quando a Lider lançara um manifesto pregando o restabelecimento do Comando Revolucionário e o fechamento do Congresso. Diante disso, no dia 22 de junho, o coronel Osneli Martinelli, dirigente da Lider, demitiu-se da chefia do IPM instaurado para averiguar a atividade desenvolvida pelos Grupos dos 11, organizações brizolistas, no governo anterior.

Após vigorosos debates no Congresso, com a oposição oferecendo bastante resistência, a Câmara iniciou a 8 de julho de 1965 a votação da Lei das Inelegibilidades, que só terminaria no dia seguinte com a aprovação da emenda. Uma semana mais tarde seria promulgado o novo Estatuto dos Partidos Políticos, com o objetivo de promover a reorganização partidária no país, e o novo Código Eleitoral.

Pelas disposições contidas na nova Lei das Inelegibilidades, ficava determinada a imediata retirada da candidatura de Hélio de Almeida, que havia sido confirmada no dia 12 de julho. Em Minas, porém, não sendo enquadrado na nova lei, Sebastião Pais de Almeida teve confirmada sua candidatura na convenção do PSD do estado realizada no dia 18 de julho. O fato foi mal recebido pelos setores udenistas, sobretudo pelo governador mineiro Magalhães Pinto. Embora sem mencionar o nome de Pais de Almeida, Castelo deixou patente seu desagrado com aquela candidatura em discurso pronunciado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no dia 6 de agosto de 1965, considerando-a uma ameaça aos seus planos de conciliar o movimento de março de 1964 com as eleições.

A “linha dura” por sua vez reiterou que a candidatura de Pais de Almeida era “uma afronta à revolução”, devido à sua íntima ligação com o ex-presidente Kubitschek e aos elevados gastos com finalidade eleitoral que fizera em pleitos anteriores. A questão se complicou ainda mais com a atitude tomada pelos líderes udenistas Pedro Aleixo, Adauto Cardoso e José Bonifácio de Andrada ao solicitarem em 27 de agosto à Justiça Eleitoral, através de um memorial intitulado O assalto ao trem pagador, o impedimento da candidatura de Pais de Almeida por abuso do poder econômico para se eleger em 1958. O título do memorial era uma referência ao famoso assaltante Tião Medonho, forma pejorativa com que os adversários tachavam Pais de Almeida. O pedido não foi aceito no âmbito estadual, mas o TSE, baseado na Lei das Inelegibilidades, acatou a argumentação dos udenistas e negou registro ao candidato mineiro no início de setembro. Assim, no dia 11 desse mês, em lugar de Pais de Almeida, foi escolhido Israel Pinheiro. Dias antes já havia sido confirmada a candidatura de um velho amigo de Castelo, Francisco Negrão de Lima, ao governo da Guanabara pela coligação PSD-PTB, depois de inviabilizada por falta de domicílio eleitoral a postulação do marechal Lott.

Embora a “linha dura” permanecesse contrária às eleições, Castelo reafirmou em discurso proferido no dia 30 de setembro a decisão do governo de garantir a sua realização nos 11 estados e assegurar a posse dos eleitos. No dia seguinte, ao perceber a tendência ao endurecimento do novo regime, Mílton Campos pediu demissão do cargo de ministro da Justiça. Na ocasião Castelo não respondeu ao pedido de Mílton Campos, que ainda permaneceria mais alguns dias no cargo.

No dia 3 de outubro realizaram-se as eleições para a escolha dos governadores dos estados da Guanabara, Minas Gerais, Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Norte, Pará, Alagoas, Maranhão, Goiás, Mato Grosso e Paraíba. Negrão de Lima e Israel Pinheiro saíram vitoriosos em seus estados contra os candidatos udenistas Carlos Flexa Ribeiro e Roberto Resende, respectivamente. Elegeram-se também os pessedistas Pedro Pedrossian (MT), Ivo Silveira (SC) e Valfredo Gurgel (RN).

Em Alagoas, como nenhum dos três candidatos obteve a maioria absoluta dos votos, foi nomeado interventor federal o general João José Batista Tubino. Nos demais estados, venceram os candidatos apoiados pelo governo: João Agripino (PB), José Sarney (MA), Otávio Laje (GO), Paulo Pimentel (PR) e Alacid Nunes (PA).

No dia 4 de outubro, Kubitschek voltou da França, onde vivia exilado havia 16 meses, sendo recebido festivamente no Rio de Janeiro. Essa chegada inesperada reavivou o furor dos militares da “linha dura”, que pediram seu comparecimento a um IPM encarregado de investigar atividades subversivas. Além disso, as derrotas do governo nos estados da Guanabara e Minas Gerais agitaram não só alguns círculos militares, mas também os meios udenistas, chegando inclusive a correr a notícia de que Lacerda pregava um “golpe revolucionário” na Guanabara e em Minas Gerais.

 

O AI-2 e o progressivo fechamento do regime

Considerando a vitória da oposição carioca e mineira uma ameaça para o governo, a “linha dura” passou a pressionar no sentido de um maior fechamento do regime. A crise que ameaçava derrubar o governo Castelo chegaria ao auge com o desenvolvimento de uma conspiração militar deflagrada no dia 5 de outubro, cuja liderança era atribuída ao general Afonso Augusto de Albuquerque Lima, chefe do Estado-Maior do I Exército. O próprio ministro da Guerra ocupou-se do caso, indo pessoalmente à Vila Militar, quartel-general da 1ª Divisão de Infantaria do Rio de Janeiro, e local onde se reuniam quase todos os oficiais do I Exército, de prontidão desde o dia 4. A ida de Costa e Silva à Vila Militar tinha o objetivo de demonstrar a unidade das forças armadas. Georges-André Fiechter afirma que nesse momento Costa e Silva teve o papel de intermediário entre os partidários de Castelo e os jovens oficiais da “linha dura”.

No dia 6 de outubro, realizou-se uma longa reunião entre Castelo, os ministros militares e Mílton Campos, na qual foi discutida a adoção de várias medidas legislativas com o objetivo de dar uma satisfação à “linha dura” e conseguir abrandar a pressão que ela exercia. Tornando ainda mais restritivas as reformas políticas já em exame, tais medidas visavam, segundo Fiechter, a “estender os poderes do Executivo, reforçar o poder federal sobre os governadores dos estados, aumentar a jurisdição dos militares em matéria de subversão e segurança nacional, regulamentar rigidamente a liberdade de expressão e de ação daqueles que tiveram seus direitos políticos cassados, abolir o privilégio de tratamento jurídico especial do qual desfrutavam aqueles que tinham tido um mandato executivo (tais como os ex-presidentes Jânio Quadros e Kubitschek) e garantir o controle do regime sobre o Supremo Tribunal através de um aumento do número de juízes”. Estava ainda prevista uma modificação fundamental do sistema de eleição presidencial, pela qual o presidente passaria a ser designado pelo Congresso, e não mais por sufrágio universal direto.

No dia 7 de outubro, ao participar de uma reunião com alguns juristas, entre os quais Aliomar Baleeiro e Adauto Lúcio Cardoso, Mílton Campos confirmou seu pedido de demissão, já feito dias antes ao presidente em face das medidas de endurecimento do regime que estavam em vias de ser tomadas. No dia seguinte, em carta ao presidente da UDN, Ernâni Sátiro, Lacerda, por sua vez, anunciou sua renúncia à candidatura à presidência da República, responsabilizando ainda o governo federal pela derrota eleitoral da UDN na Guanabara. Além disso, através de um discurso pela televisão, o governador carioca rompeu com Castelo afirmando que o presidente, “este ser feio por fora e horrível por dentro”, traíra a revolução.

No dia 11 de outubro Castelo aceitou finalmente o pedido de demissão de Mílton Campos, nomeando interinamente para seu cargo Luís Viana Filho. Ainda no dia 11, o Alto Comando Militar aprovou os projetos de reforma institucional que seriam enviados ao Congresso dois dias depois.

No dia 19 de outubro, Juraci Magalhães, que ocupava a embaixada brasileira em Washington, assumiu a chefia do Ministério da Justiça com a missão de encaminhar os projetos de emendas constitucionais no interior dos partidos. Um de seus primeiros encontros foi com a cúpula do PSD, partido que maiores embaraços poderia causar às emendas. Embora transigisse com ressalvas em relação ao projeto de intervenção federal nos estados e à decretação do estado de sítio, o PSD não aceitava a concessão de amplos poderes à Justiça Militar. Apesar dos esforços do novo ministro da Justiça, que inclusive não escondia dos parlamentares que “o governo dispõe de outros meios para atingir seu objetivo”, nenhum acordo foi estabelecido.

No dia 21 de outubro, Castelo reuniu-se com o Alto Comando para examinar o agravamento da crise diante do impasse entre o governo e o Congresso. No dia seguinte Costa e Silva respondeu publicamente ao presidente do STF — que convidara os oficiais a deixar a política e voltar aos quartéis — dizendo que o Exército “não descansaria enquanto a casa não tivesse sido colocada em ordem”. Juraci Magalhães fez ainda uma última tentativa pela televisão no dia 24 de outubro para a aprovação das reformas, implorando aos parlamentares que votassem “estes instrumentos que a revolução necessita para prosseguir sua obra dentro de um quadro legal”.

No dia 25 de outubro, os líderes civis do movimento político-militar de março de 1964 (Lacerda, Magalhães Pinto e Ademar de Barros) romperam definitivamente com Castelo, em protesto contra a política econômico-financeira vigente e contra as medidas políticas adotadas. A partir daí Castelo passou a não ter mais esperanças em relação à aprovação das reformas políticas pelo Congresso. A essa altura a dissidência civil ia paulatinamente tomando corpo. No dia 26 de outubro, o STF reelegeu por unanimidade para presidente da Corte Álvaro Ribeiro da Costa, que se destacara por sua atitude de independência. Por outro lado, as pesquisas de opinião demonstravam que o número de deputados favoráveis aos projetos do governo seria insuficiente para garantir sua aprovação.

Era grande também a insatisfação nas forças armadas. O conflito entre o grupo da ESG — defensor de Castelo — e a jovem oficialidade já havia levado o ministro da Guerra a buscar junto ao ex-ministro Luís Antônio da Gama e Silva uma solução extralegal, embora juridicamente formal, para a crise. Gama e Silva apresentara um projeto de ato adicional, que, uma vez entregue a Castelo, fora engavetado por ser considerado demasiadamente radical. Entretanto, diante da falta de esperança do governo de que o projeto de reformas políticas fosse aprovado pelo Congresso, Juraci Magalhães e o jurista Neemias Gueiros vinham trabalhando na redação de um novo ato institucional. Nos meios governamentais discutia-se se a promulgação desse ato devia ocorrer antes ou depois da derrota do projeto na Câmara.

Com a decisão de adiar a votação das reformas no Congresso, tomada em 26 de outubro, Castelo reuniu-se na noite desse mesmo dia em Brasília com os ministros militares e o ministro da Justiça, ficando decidida a promulgação do Ato Institucional nº 2 (AI-2). Assim, em pronunciamento à nação no dia 27 de outubro, Castelo afirmou que “a Revolução brasileira, como todo movimento nacional, está submetida a contingências e a circunstâncias diversas”. No final do discurso, anunciou sua decisão de editar o AI-2, afirmando que “o poder constituinte da revolução, que lhe é intrínseco, tem por objeto não somente institucionalizar mas igualmente assegurar a continuidade da obra que ela se propôs a realizar”.

O AI-2 incorporou e radicalizou as medidas anteriormente propostas, fazendo cessar a vigência da Constituição de 1946 em muitas de suas disposições fundamentais. Além de extinguir os partidos políticos existentes e estabelecer eleições indiretas para a presidência da República, o novo ato reabriu o processo de cassações de mandatos e suspensão de direitos políticos. Concedeu também amplos poderes ao presidente, como a iniciativa exclusiva das leis sobre matéria financeira e a faculdade de ordenar o recesso do Congresso e legislar por decretos. O ato facilitava a intervenção federal nos estados, assim como a decretação do estado de sítio no país. Na esfera do Poder Judiciário, o AI-2 ampliou a competência da Justiça Militar, que passou a julgar os civis acusados de crimes contra a segurança nacional, além de aumentar de l l para 16 o número de juízes do STF.

Vencido na tentativa de incluir no novo ato um dispositivo antecipando para 31 de janeiro de 1966 o término do mandato presidencial, Castelo mantinha-se irredutível no propósito de entregar a presidência em 15 de março de 1967.

As reformas políticas expressas pelo AI-2 significaram um fechamento do regime, onde a “linha dura” tenderia a assumir um peso crescente na definição de rumos. Por outro lado, a promulgação do ato fortalecia a candidatura de Costa e Silva à sucessão presidencial por sua atuação como mediador entre setores militares em conflito. Segundo Eliezer Rizzo de Oliveira, o governo Castelo entrava agora numa fase que “consagra a hegemonia da ‘linha dura’ no processo político intramilitar”, além de dar início a “um processo de centralização das decisões que não se configura plenamente senão no governo Costa e Silva”.

Ainda no dia 27 de outubro, foi expedido o Ato Complementar nº 1 (AC-1) estabelecendo as medidas e sanções a serem tomadas com respeito às pessoas privadas de seus direitos políticos, cujas atividades ou manifestações de natureza política passavam a ser qualificadas de crimes.

A imprensa estrangeira criticou a decisão do governo brasileiro de promulgar o AI-2 e já no dia 29 de outubro o presidente da Subcomissão para a América Latina do Senado Americano, Wayne Morse, pediu a suspensão imediata de toda ajuda militar e econômica ao Brasil. De início, o embaixador Lincoen Gordon demonstrou preocupação quanto à possibilidade de o país se transformar em uma ditadura militar. Poucos meses depois, no entanto, Gordon rechaçaria essa caracterização, considerando algumas variáveis como a manutenção do Congresso aberto, a posse dos governadores eleitos e a liberdade de imprensa.

No dia 1º de novembro dois novos atos complementares foram editados: o AC-2, contendo disposições transitórias que vigorariam até que se constituíssem os tribunais federais de primeira instância, e o AC-3, que determinava as formalidades para a aplicação dos artigos que previam a suspensão das garantias constitucionais e dos direitos políticos.

Com a edição do AI-2, as críticas ao movimento de março de 1964 se avolumaram em vários setores da vida nacional. Um grupo de intelectuais liderados pelo pensador católico Alceu Amoroso Lima, o arquiteto Oscar Niemeyer, o jornalista Alexandre Barbosa Lima Sobrinho e o educador Anísio Teixeira, entre outros, divulgou um manifesto à nação afirmando que “enquanto não se restabelecer a legalidade democrática dentro do princípio de independência e da harmonia dos poderes, com respeito às decisões dos tribunais e dos juízes, à soberania dos órgãos legislativos e à integridade de cada pessoa e de cada família, o Brasil não conseguirá fixar seus objetivos e lançar-se à sua conquista”.

Considerando a necessidade de consolidar sua autoridade até o final do mandato, ainda em novembro de 1965 Castelo promoveu o afastamento de alguns oficiais da “linha dura” que exerciam cargos importantes. O general Albuquerque Lima foi enviado para o comando da 2ª Divisão de Cavalaria no Sul, enquanto o general Bizarria Mamede, adepto das idéias da ESG, foi chamado para comandar as unidades sediadas na Vila Militar. Alguns outros oficiais foram punidos ou dispersos pelo ministro da Guerra. A Lider foi dissolvida a 21 de novembro e os oficiais mais rebeldes — principalmente os capitães envolvidos no episódio que ocorreu no dia 15 daquele mês, quando um grupo elaborou um documento convidando seus superiores a depor o presidente — seriam removidos de suas unidades na primeira oportunidade.

Ao mesmo tempo, a formação de novos partidos teve suas bases estabelecidas por um novo ato, o AC-4, baixado por Castelo no dia 20 de novembro de 1965. O ato determinava que, até o fim do mandato presidencial em curso, as agremiações partidárias não teriam uma estrutura efetiva de partido. Deixava ainda estabelecido que um número não inferior a 120 deputados e 20 senadores promoveria num prazo de 45 dias a organização de duas agremiações, que até 1966 teriam as mesmas atribuições das que haviam sido extintas.

Castelo procurou ainda reorganizar parte de seu ministério entre os meses de novembro de 1965 e janeiro de 1966. A primeira mudança ocorreu no dia 22 de novembro, quando o ex-governador do Paraná Nei Braga assumiu a pasta da Agricultura, em substituição a Hugo Leme, que deixara o cargo no dia 18. Dias depois, a 3 de dezembro, o deputado Peracchi Barcelos assumiu o Ministério do Trabalho, em substituição a Arnaldo Sussekind. No dia 14 do mesmo mês, o almirante Paulo Bosísio pediu exoneração do cargo de ministro da Marinha, concedida três dias depois. A 21 de dezembro, assumia assim o ministério o almirante Zilmar Campos de Araripe Macedo.

O líder da maioria na Câmara, deputado Pedro Aleixo, foi chamado para o Ministério da Educação a 10 de janeiro de 1966, no lugar de Suplicy, com o objetivo de solucionar os conflitos entre o governo e o meio estudantil. Três dias depois, assumia o Ministério da Indústria e Comércio o engenheiro Paulo Egídio Martins, bastante articulado nos meios políticos paulistas. No dia 14, assumiu a pasta da Justiça o senador Mem de Sá, em substituição a Juraci Magalhães, que, três dias depois, assumia o Ministério das Relações Exteriores em lugar de Vasco Leitão da Cunha. Castelo escolhera Mem de Sá — que era do Partido Libertador — para a Justiça por acreditar que seu nome não encontraria resistência nos meios políticos, o que conseqüentemente facilitaria a organização do partido situacionista e a escolha dos novos governadores. O ex-ministro Vasco Leitão da Cunha assumiu no dia 28 de janeiro a embaixada do Brasil em Washington.

Com as limitações impostas pelo AC-4, apenas duas agremiações partidárias se formaram. A organização do partido situacionista, iniciada após a edição do AI-2, tornou-se uma das principais preocupações de Castelo. Interessado na formação de uma base política para as reformas institucionais que pretendia implementar, o presidente procurou conduzir ele próprio os entendimentos para a criação da Aliança Renovadora Nacional (Arena), nome dado à nova agremiação. Além disso, a presença ativa de Castelo na formação da Arena visava a amenizar o clima de profundas divergências e desconfianças que separavam os componentes dos antigos partidos, principalmente a UDN e o PSD.

Ainda em fins de novembro, a oposição conseguiria formar o seu partido — o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) — depois de superar a dificuldade em atingir o número exigido de senadores para compor a bancada oposicionista.

Apesar das várias tentativas do responsável pelo IPM do Partido Comunista Brasileiro (PCB), coronel Ferdinando de Carvalho, de impedir a posse do governador eleito na Guanabara — feitas sobretudo através de denúncias de ligações com os comunistas —, Negrão de Lima foi empossado no dia 5 de dezembro de 1965, conforme o desejo de Castelo, que se fez representar na cerimônia por Juraci Magalhães. No dia 28 de dezembro foi empossado o interventor federal em Alagoas, general João José Tubino, e, no dia 31 de janeiro de 1966, foram empossados os demais governadores eleitos em nove estados.

 

A sucessão presidencial

Nos primeiros dias de janeiro de 1966, seguindo a tendência que já se vinha esboçando nos últimos meses do ano anterior, Costa e Silva oficializou o lançamento de sua candidatura à presidência da República. A partir daí, alguns elementos do gabinete do ministro da Guerra passaram a atuar como se estivessem em campanha aberta, o que contrariava as determinações de Castelo. Este último promoveu então uma reunião com os generais Adalberto Pereira dos Santos, Clóvis Brasil e o ministro da Guerra interino, Décio Palmeiro Escobar (Costa e Silva se encontrava em viagem ao exterior), no dia 10 de janeiro com a finalidade de informá-los sobre as medidas que seriam tomadas para deter a movimentação que considerava imprópria.

Castelo elaborou posteriormente um extenso documento, distribuído em caráter reservado, no qual traçava um roteiro para a escolha do candidato, orientando no sentido de que as candidaturas fossem lançadas no interior da Arena. O documento reiterava a unidade entre o presidente e Costa e Silva, e o combate àqueles que os procurassem dividir.

No dia 31 de janeiro de 1966, Castelo assinou o AC-7, que dispunha sobre o funcionamento das comissões e convenções dos novos partidos e os métodos de escolha dos candidatos às eleições daquele ano. Embora relutante a princípio, no dia 1º de fevereiro Castelo declarou que admitiria apoiar a candidatura de Costa e Silva desde que fosse garantida a continuidade do programa de seu governo, sobretudo na esfera econômico-financeira. Além disso, Castelo pedia que fosse nomeado um ministro da Guerra suficientemente forte para garantir a segurança e unidade dos militares no próximo governo.

No dia 5 de fevereiro Castelo editou o AI-3, que estabelecia eleições indiretas para os governos estaduais e fixava o calendário eleitoral. Assim, os governadores estaduais seriam eleitos em 3 de setembro de 1966, através de votação nominal, pela maioria dos membros das assembléias legislativas dos estados. Um mês depois, a 3 de outubro, seriam realizadas as eleições para a presidência da República e para o dia 15 de novembro estava marcada a eleição dos senadores e deputados federais e estaduais por via direta. Dessa forma, Castelo se esforçava em colocar nos postos-chave estaduais e municipais elementos que garantissem a continuidade do sistema implantado em 1964.

No dia 7 de fevereiro, Castelo reiterou que o candidato à presidência deveria ser oficializado pela Arena e que, na qualidade de presidente, exigiria ao candidato o compromisso de não editar novos atos institucionais durante o próximo quadriênio mas, ao contrário, promover a revogação dos já editados. O MDB por outro lado lançava por essa época um manifesto anunciando o prosseguimento da luta por eleições diretas. Apesar de Costa e Silva ter voltado de sua viagem ao exterior no dia 17 de fevereiro, somente no dia 24 reuniu-se com Castelo em Brasília. Ao final do encontro, Costa e Silva disse aceitar todas as regras estabelecidas pelo governo para as próximas eleições, ao mesmo tempo em que assegurava que, se eleito, governaria o país dentro de um regime democrático.

No dia 3 de março, uma nova candidatura surgiu no panorama político: a de Cordeiro de Farias. Em reunião com Castelo, o ministro extraordinário da Coordenação dos Organismos Regionais mostrou-se inconformado por não se haver lançado mais cedo, em atenção às recomendações do presidente, que se inclinara a protelar o debate sobre a sucessão. Em contrapartida, os partidários de Costa e Silva tinham agido com rapidez e já polarizavam militares e políticos em torno do seu nome.

O governo federal formalizou seu rompimento com o governador paulista Ademar de Barros após os sucessivos pedidos feitos por ele para que Castelo passasse o poder ao marechal Dutra e tornasse possível a convocação de uma assembléia nacional constituinte. No dia seguinte a essa formalização, porém, Ademar recuou em sua oposição ao governo federal, declarando terminadas as divergências entre ambos.

Seguindo as determinações de Castelo, o presidente da Câmara dos Deputados, Adauto Lúcio Cardoso, apresentou no dia 20 de março de 1966 os nomes de seis candidatos civis e militares em condições de disputar com Costa e Silva a indicação da Arena. Eram eles Mílton Campos, Bilac Pinto, Ademar de Queirós, Amauri Kruel, Cordeiro de Farias e Bizarria Mamede.

Em meio aos concorrentes Castelo procurava manter-se neutro, enumerando sempre que possível as qualificações que julgava necessárias a um candidato. Determinado então a não se afastar das normas fixadas, mas sobretudo disposto a salvar a coesão militar, Castelo deparou-se com um dilema: ou encampava a candidatura de Costa e Silva ou caso apoiasse alguma outra, punha em risco a unidade militar.

A questão da sucessão presidencial foi então tratada durante uma reunião restrita, promovida por Castelo a 26 de março de 1966, com a presença dos generais Geisel e Golberi e dos ministros Mem de Sá, Juraci Magalhães, Cordeiro de Farias e Luís Viana Filho. Mesmo sem ter sido tomada nenhuma resolução, ficou evidente que a candidatura Costa e Silva, embora preservasse a união das forças armadas, certamente dividia o governo. Enquanto Mem de Sá, Cordeiro de Farias, Geisel e Golberi manifestavam-se frontalmente contra ela, Juraci a defendia por considerá-la inevitável. Prevaleceu no entanto a vontade de Castelo, que decidiu submeter a lista de candidatos ao partido oficial que seria criado oficialmente a 4 de abril. Essa decisão do presidente provocou no início de abril os pedidos de exoneração de Geisel, Golberi e Cordeiro de Farias, que não foram aceitos. Enquanto isso, em fins de abril a oposição anunciou sua intenção de lançar também um candidato às eleições presidenciais, sugerindo o nome do general Amauri Kruel.

No dia 11 de maio Castelo assinou o AC-9, que regulamentou o processo de registro e eleição dos candidatos nos pleitos indiretos para a presidência da República e os governos estaduais. Com o intuito de manter a coesão das forças armadas e de deter a atuação da “linha dura”, Castelo exonerou no dia 17 o comandante do III Exército, general Justino Alves Bastos, substituindo-o pelo general Orlando Geisel. Três dias depois, foram suspensos os direitos políticos de 59 pessoas acusadas de atividades subversivas.

No dia 26 de maio de 1966, a convenção da Arena homologou por 329 votos, de um total de 361, as candidaturas de Costa e Silva e Pedro Aleixo para presidente e vice-presidente, respectivamente. No mesmo dia o Jornal do Brasil declarou que “no vácuo de lideranças verificado no país, cresceu, pois, a figura de líder do general Costa e Silva, que passou a galvanizar o jogo político a um tal ponto que se tornou a encruzilhada de todas as aspirações, inclusive — e sobretudo — das mais contraditórias entre si. À sua sombra, segundo as oscilações do momento, abrigaram-se interesses e facções diversos, todos unidos pelo traço comum do descontentamento com o governo Castelo e com a falta de perspectiva política para o futuro imediato do país”.

No dia 5 de junho, o governador paulista Ademar de Barros teve seu mandato cassado e seus direitos políticos suspensos com base no AI-2. A medida foi uma retaliação à atitude de emitir títulos da dívida pública do estado e conceder empréstimos através do Banco do Estado de São Paulo, ferindo os princípios da política de estabilização. Além disso, Ademar vinha acumulando uma série de desentendimentos com o governo federal, o que sem dúvida pesou também na sua cassação. Assumiu então o governo de São Paulo o vice-governador Laudo Natel.

A homologação da candidatura de Costa e Silva foi por sua vez mal recebida por alguns ministros que já haviam demonstrado anteriormente sua contrariedade. Cordeiro de Farias, que desde abril solicitara seu afastamento do ministério, reiterou seu pedido e foi finalmente exonerado a 15 de junho de 1966, sendo substituído por João Gonçalves de Sousa. Mem de Sá, ao ver recusado por Castelo seu pedido de adiamento das cassações de quatro deputados estaduais gaúchos da oposição, pediu também seu afastamento da pasta da Justiça, concedido no dia 28 de junho. Luís Viana Filho assumiu temporariamente o cargo e no dia 19 do mês seguinte transmitiu-o ao ministro do STF Carlos Medeiros Silva.

Ainda no dia 28 de junho de 1966, Castelo assinou três atos complementares: o AC-11, prevendo a intervenção federal nos municípios em que ficassem vagos os cargos de prefeitos e vice-prefeitos; o AC-12, fixando a data de 3 de setembro para a eleição do governador de Alagoas pela Assembléia Legislativa do estado, e o AC-13, modificando artigo do AC-9 sobre a composição dos diretórios em municípios com mais de 30 mil habitantes.

Nos últimos dias de junho Costa e Silva e Pedro Aleixo se desincompatibilizaram de seus cargos, sendo substituídos pelo marechal Ademar de Queirós e por Raimundo Muniz de Aragão nos ministérios da Guerra e da Educação, respectivamente.

Com a assinatura de novos atos de cassação no dia 4 de julho, 46 pessoas — inclusive alguns deputados — perderam seus mandatos e tiveram seus direitos políticos suspensos. Dez dias depois mais três deputados gaúchos foram cassados, e os ex-governadores Mauro Borges e João Seixas Dória tiveram seus direitos políticos suspensos. No dia 15 de julho Castelo assinou o AC-15, que tornava nulas as leis estaduais e municipais baixadas a partir de 27 de outubro de 1965.

A cassação de mais quatro mandatos de parlamentares oposicionistas gaúchos no dia 18 de julho, com a finalidade de conferir maioria à Arena e propiciar a eleição de seu candidato ao governo do estado, levou alguns deputados arenistas a anunciarem sua adesão à candidatura de Rui Cirne Lima, lançada pelo MDB. Em represália, o governo editou no próprio dia 18 o AC-16, tornando obrigatória a fidelidade dos parlamentares ao partido a que estavam filiados, sob pena de anulação de votos. Assim, a eleição do candidato arenista Peracchi Barcelos ao governo do Rio Grande do Sul só foi possível com as sucessivas cassações.

No dia 27 de julho, Luís Gonzaga do Nascimento e Silva assumiu o Ministério do Trabalho em substituição a Peracchi Barcelos, que deixara o cargo dias antes. Menos de duas semanas depois, no dia 10 de agosto, Amauri Kruel deixou o comando do II Exército, denunciando Castelo como “violador do princípio democrático de 1964” e sendo substituído pelo general Jurandir Bizarria Mamede. Dois dias depois Severo Gomes assumiu o Ministério da Agricultura, no lugar de Nei Braga.

Preocupado em dotar o país de uma nova Constituição que refletisse as modificações introduzidas em sua vida política após a deposição de Goulart, Castelo havia nomeado em abril uma comissão de juristas composta por Orosimbo Nonato, Levi Carneiro, Temístocles Cavalcanti e Miguel Seabra Fagundes, encarregada de elaborar o anteprojeto de uma nova Carta. Por discordar de certas medidas que vinham sendo incorporadas ao texto em elaboração, Seabra Fagundes desligou-se da comissão antes mesmo de concluídos seus trabalhos. O grupo finalmente apresentou a Castelo a minuta da Constituição no dia 19 de agosto. Convocado pelo presidente da República, o Conselho de Segurança Nacional decidiu, dez dias depois, que os ministros e a Arena seriam formalmente ouvidos sobre o projeto elaborado e, uma vez colhidas as sugestões, o ministro da Justiça, Carlos Medeiros, redigiria um novo texto a ser submetido à aprovação pelo Congresso, que seria convocado em dezembro especialmente para este fim.

Em pleito realizado no dia 3 de setembro, com a abstenção do MDB, a Arena elegeu de forma indireta os governadores dos estados de São Paulo (Roberto Abreu Sodré), Rio Grande do Sul (Peracchi Barcelos), Pernambuco (Nilo Coelho), Bahia (Luís Viana Filho), Alagoas (Antônio Lamenha Filho), Sergipe (Lourival Batista), Piauí (Helvídio Nunes), Ceará (Plácido Castelo), Rio de Janeiro (Jeremias Fontes), Amazonas (Danilo Areosa), Acre (Jorge Kalume) e Espírito Santo (Cristiano Dias Lopes).

Em meados de setembro, as insatisfações no meio estudantil voltaram a se manifestar. No dia 15, cerca de mil universitários realizaram no Rio de Janeiro uma passeata de protesto contra o governo, sendo presas na ocasião 126 pessoas. Em Belo Horizonte trezentos estudantes foram cercados por policiais na Faculdade de Direito, enquanto em Porto Alegre soldados da Polícia Militar entraram em choque com estudantes que protestavam publicamente contra as prisões do dia anterior no Rio de Janeiro.

Com a abstenção de toda a bancada do MDB, que se retirou do plenário para “não coonestar uma farsa”, no dia 3 de outubro o general Costa e Silva e Pedro Aleixo foram eleitos com 295 votos.

Ainda durante o mês de outubro houve uma grave crise entre o Executivo e o Legislativo, em função do empenho dos arenistas Auro de Moura Andrade (presidente do Senado) e Adauto Lúcio Cardoso (presidente da Câmara) em recuperar o espaço perdido pelo Poder Legislativo desde 31 de março de 1964. O Congresso reivindicava maior participação na elaboração da nova Constituição do país. Para isso, era necessário que os artigos 14 e 15 do AI-2 fossem revogados, garantindo assim ao Legislativo a faculdade de preparar livremente as normas que regeriam os debates e a votação da nova Constituição.

Castelo no entanto não só não atendeu aos apelos de restabelecimento da autonomia do Congresso, como no dia 12 de outubro suspendeu os direitos políticos por dez anos e cassou os mandatos de seis deputados federais: Armindo Doutel de Andrade, Sebastião Pais de Almeida, Humberto El-Jaick, Abrão Moura, Adib Chammas e César Prieto. A medida surpreendeu o próprio presidente da Câmara, Adauto Lúcio Cardoso, que permaneceu no palácio do Congresso junto com grande número de parlamentares, inclusive os punidos, protestando contra as novas cassações e tentando garantir o mandato dos colegas. Essa atitude provocou a invasão do Parlamento por contingentes militares e a edição, em 20 de outubro, do AC-23, que decretou o recesso do Congresso até 22 de novembro, isto é, sete dias depois da realização das eleições legislativas. A Arena se solidarizou com o presidente e apoiou o recesso do Congresso.

No dia 25 de outubro, Castelo aprovou a nova Constituição, redigida por Carlos Medeiros e Francisco Campos depois que o projeto inicial elaborado pela comissão de juristas foi abandonado por não atender aos seus propósitos.

Por outro lado, com a finalidade de formar uma ampla frente política contra o governo, foi lançado oficialmente no dia 28 de outubro um movimento denominado Frente Ampla, que tinha como principal articulador o ex-governador Lacerda. A essa altura, um grupo de políticos lacerdistas já havia ingressado no MDB carioca.

Paralelamente, os pronunciamentos feitos no mesmo mês de outubro pelos generais Mourão Filho e Peri Bevilacqua, ambos ministros do Superior Tribunal Militar (STM), refletiam uma tendência ao crescimento do sentimento oposicionista. Indagado se consideravam democrático o regime após a edição do AI-2, Bevilacqua respondeu “evidentemente não”, enquanto Mourão Filho afirmou que “o regime atual nada tem de democrático, pois não está em vigor a maioria dos direitos individuais que definem um regime democrático”.

Ainda em meados de 1966 um grupo de ex-militares, principalmente ex-sargentos, se dispôs a iniciar um movimento de guerrilha na serra do Caparaó (MG). Aprisionados os poucos rebeldes que se encontravam naquele local, o movimento foi abortado.

No dia 11 de novembro Castelo determinou a suspensão dos direitos políticos de mais 18 pessoas, inclusive do jornalista Hélio Fernandes, candidato a deputado federal pela Guanabara na legenda do MDB, amigo de Lacerda e diretor do jornal oposicionista Tribuna da Imprensa.

Quatro dias depois foram realizadas eleições legislativas em todo o país para a escolha de 23 senadores, 409 deputados federais, além de deputados estaduais, prefeitos e vereadores. A Arena elegeu senadores em 15 estados e compôs 2/3 da futura Câmara dos Deputados, enquanto o MDB saiu vitorioso nos estados da Guanabara, Amazonas, Paraná, Bahia, Espírito Santo, Goiás e Acre.

No dia 22 de novembro, um dia antes da reabertura do Congresso, Castelo assinou 38 decretos-leis que reproduziam, em sua maior parte, textos de projetos já remetidos ao Congresso ou em vias de sê-lo. Seis dias depois, por não concordar em cumprir a decisão da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, que declarou extintos os mandatos dos parlamentares cassados em outubro, Adauto Lúcio Cardoso renunciou à presidência da Câmara, sendo substituído pelo paulista João Batista Ramos.

O projeto da Constituição foi divulgado no dia 6 de dezembro. Seus pontos fundamentais eram a instituição da eleição presidencial por via indireta e a manutenção da escolha direta de governadores; a atribuição ao presidente da República do direito de expedir decretos-leis, submetidos ao referendo do Congresso; a instituição de foro militar para julgamento de civis acusados de delitos contra a segurança nacional e a ampliação do estado de sítio para atendimento de situações de emergência. No dia seguinte o governo editou o AI-4, convocando o Congresso — o antigo e não o recém-eleito — para discutir, votar e promulgar em sessão extraordinária o projeto da nova Carta em regime de trabalho acelerado, entre os dias 12 de dezembro de 1966 e 24 de janeiro de 1967. Ainda de acordo com o ato, o presidente poderia baixar atos complementares e decretos-leis sobre matéria financeira até o dia 24 de janeiro de 1967 e sobre segurança nacional até o final de seu mandato. Além disso, de 24 de janeiro até a reunião ordinária do Congresso, o presidente poderia expedir decretos com força de lei sobre matéria administrativa e financeira. A oposição, que inicialmente parecia não transigir com a idéia de aprovar a nova Constituição, resolveu ao final apresentar emendas à proposta governamental. Assim, um total de 1.800 emendas foram apresentadas pelas bancadas dos dois partidos.

No dia 24 de janeiro de 1967, sem que fosse considerada a maior parte das emendas propostas, foi promulgada a nova Constituição, que entraria em vigor no governo seguinte. A nova Carta reforçava o Executivo e, sobretudo, propiciava a institucionalização jurídica do movimento político-militar de março de 1964. No próprio dia 24 o MDB divulgou manifesto pedindo a revisão imediata da Carta.

No final de janeiro foram empossados os governadores de oito estados, eleitos no ano anterior.

Durante o mês de fevereiro e nos primeiros dias de março de 1967, Castelo tomou ainda várias medidas visando à criação dos instrumentos considerados necessários para garantir o novo regime implantado em 1964. Assim, no dia 9 de fevereiro, a Lei nº 5.250, cujo anteprojeto havia sido enviado ao Congresso nos últimos dias do ano anterior, regulou o que denominava “liberdade de manifestação de pensamento e de informação”. Conhecida como Lei de Imprensa, ela era expressão em última instância do fechamento do regime. No dia 14 do mesmo mês, com base no AI-2, Castelo reiniciou o processo de punições políticas ao aposentar, demitir e suspender os direitos políticos de alguns militares e civis. Dias depois Castelo expediu o Decreto-Lei nº 200, que introduziu alterações fundamentais na organização da administração federal. No dia 27 voltou a utilizar o AI-2, para suspender por dez anos os direitos políticos de 44 pessoas. Um dia depois foi promulgado o AC-35, que, entre outras coisas, alterou a legislação referente ao sistema tributário nacional. Ainda no dia 28, o conjunto das leis relativas ao direito do trabalho foi consolidado pelo Decreto-Lei nº 229.

No dia 11 de março, Castelo decretou a Lei de Segurança Nacional, que introduzia grande parte da doutrina da ESG no ordenamento jurídico brasileiro. Da mesma forma que a Constituição, essa lei entraria em vigor no dia da posse do novo presidente. Num de seus últimos discursos como presidente — uma aula inaugural na ESG proferida no dia 13 de março — Castelo discorreu sobre o conceito de segurança nacional, pedindo à entidade que contribuísse na orientação da política governamental. No dia 14, foi ainda assinado o AC-37, que prorrogava os mandatos eletivos municipais em fase de conclusão.

No dia 15 de março, Castelo transmitiu o cargo de presidente da República ao marechal Costa e Silva, em cerimônia realizada no palácio do Planalto em Brasília. Castelo deixou mais de setecentas leis, 11 emendas constitucionais, 312 decretos-leis e 19.259 decretos, além da Constituição de 1967.

 

Diretrizes da política externa do governo Castelo Branco

A posição do Brasil no governo Castelo Branco em termos de política externa definiu-se no quadro da guerra fria, isto é, no quadro de relações estabelecidas após a Segunda Guerra Mundial entre o bloco soviético (comunista) e o mundo ocidental (capitalista), com o conseqüente alinhamento do Brasil junto ao bloco dos países do Ocidente. Norteado pelo princípio das “fronteiras ideológicas”, o governo Castelo procurou assim apoio político, econômico e militar nos Estados Unidos. Essa formulação correspondia sobretudo a uma linha de conduta traçada pela ESG em termos de segurança nacional.

Com o estabelecimento de novas diretrizes para a política externa, uma das primeiras atitudes do governo brasileiro foi o rompimento das relações diplomáticas com Cuba em 13 de maio de 1964. Na época o Brasil era uma das poucas nações do hemisfério que ainda mantinha relações diplomáticas com aquele país.

Em discurso proferido no dia 31 de julho desse ano, Castelo declarou que a posição neutra que o país vinha mantendo nos últimos governos — “fuga diante da realidade internacional” — era agora substituída por uma “opção fundamental que decorre da fidelidade cultural e política ao sistema democrático ocidental”. Essa afirmativa demonstrava que a política externa independente dos governos Jânio Quadros e João Goulart era identificada mais com o neutralismo do Terceiro Mundo do que com o bloco ocidental. Ainda no mesmo discurso Castelo afirmou que “as características da atual situação do Brasil coincidem com os anseios de paz do continente e, também, com os fundamentos de segurança coletiva, tão de responsabilidade dos Estados Unidos. Para estes, sem dúvida, é um benefício político a recuperação da plenitude da autodeterminação brasileira”. Essas afirmações refletiam o início de uma política de estreita colaboração do governo brasileiro com os Estados Unidos, que inclusive possibilitou ao Brasil se firmar paulatinamente como uma subliderança na América Latina.

Como decorrência da política de colaboração com os Estados Unidos, o Brasil se envolveu na guerra civil desencadeada em maio de 1965 na República Dominicana. No dia 24 de abril daquele ano, um movimento militar que visava à restauração da ordem constitucional e à entrega da presidência a Juan Bosch — presidente reformista deposto em setembro de 1963 por um golpe de Estado — derrubou o governo de Donald Reid Cabral. A tentativa, no entanto, fracassou pela intervenção quatro dias depois das tropas norte-americanas, que pretendiam fazer abortar o surgimento de um novo país socialista no continente americano. Assim, desembarcaram em São Domingos cerca de quatrocentos fuzileiros navais e, sob a alegação de que o coronel Francisco Caamaño Deño — indicado pelo Congresso para presidente provisório — tinha ligações com os comunistas, o presidente dos Estados Unidos Lyndon Johnson enviou ainda para a República Dominicana a 82ª Brigada Aeroterrestre.

Considerando que o Brasil deveria assumir responsabilidades inerentes à sua posição no continente e de acordo com seus princípios na área de política externa, Castelo se dispôs a enviar também tropas brasileiras para São Domingos. No dia 3 de maio, chegou ao Brasil o subsecretário de Estado dos Estados Unidos, que, em nome de Johnson, veio negociar o envio das tropas brasileiras, integrando um contingente militar interamericano. Três dias depois os ministros das Relações Exteriores dos países-membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) decidiram criar oficialmente a Força Interamericana de Paz (FIP) para a intervenção na República Dominicana.

O Brasil liderou a campanha pela criação da FIP, não contando entretanto com o apoio do México, Chile, Venezuela, Peru e Uruguai. O efetivo da FIP veio a constituir-se principalmente de tropas norte-americanas que somavam 25 mil soldados, de pouco mais de mil soldados brasileiros e ainda de pequenos contingentes de Honduras, Nicarágua, Costa Rica e Paraguai. A autorização da Câmara para o envio das tropas brasileiras foi dada no dia 19 de maio, por 190 votos contra 99. Em seguida foi organizado o destacamento brasileiro, conhecido como Faibrás que embarcou para São Domingos em 22 de maio. Comandada pelo coronel Carlos Meira Matos, integrante do Gabinete Militar da Presidência da República, a Faibrás compunha-se de um batalhão de infantaria com 1.200 homens, um grupamento de fuzileiros navais com 250 soldados e elementos da Aeronáutica e da Marinha, que integravam o estado-maior da FIP. Assim, além de enviar o mais forte contingente sul-americano, o Brasil forneceu o comandante da FIP, inicialmente o general Hugo Panasco Alvim e, depois, o general Álvaro Braga.

No dia 2 de junho, seis dias após o desembarque das tropas brasileiras, 280 soldados entraram em ação pela primeira vez, participando da tomada do palácio do governo em São Domingos. Em 21 de setembro, as tropas brasileiras dissolveram uma manifestação na capital dominicana, onde mil estudantes exigiam a desocupação das escolas secundárias tomadas pelas forças interamericanas. Por essa época, no entanto, uma comissão da OEA — que tinha como representante do Brasil o embaixador Ilmar Pena Marinho — e os grupos em choque já negociavam a criação de um governo de conciliação por nove meses, o desarmamento da população civil, a anistia geral e o recolhimento das tropas aos quartéis. Obstado o acesso ao poder das forças consideradas pró-comunistas, em setembro de 1966 foi extinta a missão da Faibrás, com a vitória de Joaquim Balaguer nas eleições presidenciais na República Dominicana.

Durante o governo Castelo, o acontecimento internacional de maior amplitude foi a realização da II Conferência Interamericana Extraordinária na cidade do Rio de Janeiro. A iniciativa da reunião coube ao Brasil, Guatemala e Uruguai, que desejavam a reformulação da Carta da OEA visando ao aperfeiçoamento e ao fortalecimento do sistema interamericano. A reunião, inicialmente marcada para 20 de maio de 1965, foi adiada por duas vezes em virtude da revolta na República Dominicana, sendo finalmente instalada no dia 17 de novembro de 1965 com a participação de 22 países-membros da OEA. Em frente ao Hotel Glória, local da reunião, realizou-se um ato de protesto de um grupo de intelectuais contra o regime instaurado em abril de 1964, que resultou na prisão de oito pessoas, entre as quais os escritores Antônio Calado e Carlos Heitor Cony e o cineasta Glauber Rocha.

Em dezembro de 1965, o embaixador Lincoln Gordon transmitiu a Castelo o pedido do presidente Lyndon Johnson para que o Brasil colaborasse com os Estados Unidos na sua intervenção no Vietnã. Na ocasião, Johnson sugeriu a Castelo o envio de tropas terrestres, navios ou aviões, além de médicos e enfermeiros. Embora solidário com a posição norte-americana, Castelo não atendeu ao pedido, limitando-se à remessa de provisões para as populações sul-vietnamitas.

O problema da energia nuclear no campo internacional foi ainda motivo de preocupação do governo Castelo, que participou da criação, em fins de 1964, da Comissão Preparatória para a Desnuclearização da América Latina (Copredal). Coube ao embaixador José Sete Câmara, chefe da delegação permanente na ONU, a elaboração das propostas apresentadas à Copredal, que definiriam a posição do Brasil no tocante à utilização da energia nuclear. No ano seguinte, em setembro, por ocasião da visita do presidente da Itália Giuseppe Saragat ao Brasil, os governos dos dois países divulgaram comunicado conjunto no qual propunham lutar pela proibição das experiências nucleares subterrâneas e contra a disseminação das armas nucleares. Nesse mesmo mês Castelo definiu a posição brasileira diante da questão da energia nuclear, que incluía a fidelidade ao princípio da não-proliferação e a aceitação da renúncia aos armamentos nucleares, tendo a garantia de que haveria um compromisso por parte de todas as potências nucleares de respeito ao estatuto de desnuclearização na América Latina. A resistência do México às propostas brasileiras retardou o andamento das negociações, e somente em maio de 1967, no governo Costa e Silva, viria a ser firmado o tratado para a proscrição de armas nucleares na América Latina, conhecido por Tratado de Tlatelolco.

Durante o governo Castelo, visitaram ainda o país os presidentes da Alemanha Ocidental (Heinrich Luebke — maio de 1964); do Senegal (Leopold Senghor — setembro de 1964); da França (Charles de Gaulle — outubro de 1964) e o xá do Irã (maio de 1965).

Também durante seu governo, foi assinada com o Paraguai a Ata das Cataratas, ficando estabelecido o princípio da exploração conjunta pelos dois países da energia de Sete Quedas. Castelo empreendeu ainda a reaproximação com Portugal e suas colônias africanas, propondo a criação de uma comunidade afro-luso-brasileira.

 

A política econômica do governo Castelo Branco

Atendendo aos princípios mais gerais que haviam norteado o movimento político-militar de março de 1964, o novo governo empenhou-se na implantação de um modelo econômico que se pautava em dois grandes eixos: 1) a recuperação do dinamismo que a economia brasileira conhecera antes da crise de 1960, neutralizando as distorções derivadas do quadro de desaceleração econômica daquele momento; 2) a instauração da eficácia do mercado enquanto elemento ordenador da economia, através de uma nova ordem institucional. A retomada do crescímento econômico articulava-se num de seus aspectos com um processo de abertura externa da economia brasileira, manifesto numa intensificação dos fluxos não só de mercadorias, mas sobretudo de capitais entre o Brasil e o exterior.

Nesse sentido, o afluxo de empréstimos externos se fez imediatamente presente. Assim, já no dia 16 de abril de 1964, a Aliança para o Progresso emprestou quatro milhões de dólares ao Brasil, destinados ao financiamento de pequenas e médias indústrias. No dia 30 do mesmo mês Castelo criou as comissões de Comércio Exterior e de Desenvolvimento Industrial. O primeiro órgão ficava encarregado de formalizar as diretrizes da política do comércio externo e a coordenação de exportações e importações, e ao segundo cabia orientar a expansão do parque industrial. No dia 12 de maio foi baixada a Instrução nº 270 da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), que dispunha sobre a eliminação dos subsídios do petróleo, trigo e papel de imprensa, a fim de reduzir o déficit público e inibir a pressão desses itens sobre a pauta de importações.

No dia anterior, 11 de maio de 1964, fora criado pelo Decreto nº 53.914 o Ministério Extraordinário para o Planejamento e Coordenação Econômica. Três dias depois, foi nomeado ministro o economista e antigo embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Roberto Campos. O novo ministro fora durante dez anos assíduo conferencista da ESG e suas idéias incorporaram-se em grande parte à filosofia da escola. A estratégia de Campos e Bulhões para promover a recuperação do dinamismo da economia tornou-os grandes defensores de políticas orientadas para a neutralização da inflação e dos desequilíbrios no balanço de pagamentos. Assim, o projeto de política econômica do novo governo tornaria prioritária não só a consecução de uma política de estabilização monetária, mas também a reformulação institucional a partir de reformas tributária, financeira, administrativa, habitacional e salarial.

Uma das primeiras medidas tomadas pelo governo Castelo na área econômica foi a retomada das negociações com as entidades financeiras internacionais. Assim, Campos e Bulhões iniciaram uma série de reuniões com o objetivo de definir as propostas a serem apresentadas pelo governo brasileiro no exterior. Já em maio de 1964, o embaixador Sete Câmara, como chefe da delegação brasileira junto ao Clube de Haia, viajou para a Europa a fim de obter apoio dos credores para o plano que o Brasil apresentaria àquela instituição. Em junho, Campos e o empresário Trajano Pupo Neto, presidente da Anderson Clayton, seguiram para Nova Iorque a fim de expor os planos de recuperação da economia brasileira e verificar a reação dos credores ante as propostas governamentais.

No dia 1º de julho, o Clube de Haia aprovou o reescalonamento da dívida externa brasileira em 70%, concedendo dois anos de carência e pagamento nos cinco anos seguintes. Naquele momento a dívida externa alcançava um montante de 3,8 bilhões de dólares, dos quais 48% deveriam ser pagos até 1965. Duas semanas depois a Aliança para o Progresso concedeu um novo empréstimo ao Brasil, no valor de 883 milhões de dólares, para os programas econômicos de 1965 e 1966.

Entre as primeiras medidas tomadas com a finalidade de financiar um déficit público que deveria entrar em processo de contenção progressiva esteve a instituição das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTNs) pela Lei nº 4.357, de 17 de julho de 1964. As ORTNs constituíam um título da dívida pública, emitido pela União, para financiar seu déficit de forma não inflacionária. A mesma lei estabeleceu o mecanismo de correção monetária, que visava a compensar a deterioração inflacionária da moeda e se basearia em coeficientes fixados a cada trimestre pelo Conselho Nacional de Economia.

No dia 4 de agosto de 1964, a Sumoc baixou instruções destinadas ao aumento do índice de exportações. No dia 12 do mesmo mês, foi regulamentada a Lei nº 4.749, que previa que o 13º salário (obrigatório desde 1962) não mais seria pago no fim do ano, mas em duas parcelas iguais ao longo do mesmo. Segundo Fiechter, a medida evitava a crise de liquidez que a maior parte das empresas enfrentava em dezembro.

No dia 14 de agosto, chegou ao Congresso o Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG) 1964-1966, cuja estratégia consistia em estimular o crescimento da economia, ao mesmo tempo em que dava prioridade ao combate à inflação. O plano visava em linhas gerais à redução gradual da taxa de inflação, com o objetivo de atingir um máximo de 10% em 1966, o aumento do ritmo de crescimento para a retomada da taxa de 6 a 7% obtida em anos anteriores, a diminuição das disparidades regionais e setoriais, bem como das tensões provocadas por desequilíbrios sociais, a implementação de uma política de investimentos para criar condições de absorção de mão-de-obra e a correção da tendência deficitária no balanço de pagamentos.

O PAEG criticava a permissividade da política econômica dos governos anteriores ante a inflação, responsabilizando-a assim pelo freio imposto ao processo de crescimento da economia. A redução do crescimento econômico seria uma decorrência da paralisação dos investimentos privados em diversos setores estratégicos, da desorganização do mercado de crédito e de capitais e da retração dos investimentos estrangeiros, com o conseqüente desequilíbrio nas contas externas do país. Esta pressão inflacionária decorria por seu lado, do ponto de vista do diagnóstico do PAEG, de um excesso de demanda agregada causada por vultosos déficits do setor público, do amplo crédito ao setor privado e dos aumentos salariais.

Campos afirmaria algum tempo depois que “possivelmente a maior conquista do PAEG repousa não tanto na realização de determinados objetivos, mas no esforço concentrado que desencadeou na direção da reforma a modernização institucional, reformas que seriam econômicas, sociais (fiscal, agrária e habitacional) e instrumentais (bancária e administrativa)”. Segundo Carlos Silveira, o conjunto de medidas institucionais visando a alterar o padrão de crescimento econômico de longo prazo foi da maior importância no projeto de implantação de um novo modelo econômico e também político.

A Lei nº 4.380, promulgada a 21 de agosto de 1964, instituiu a correção monetária nos contratos imobiliários de interesse social e o sistema financeiro para a aquisição da casa própria. Criou para tanto o Banco Nacional de Habitação (BNH), sociedades de crédito imobiliário, as letras imobiliárias e o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (Serfhau), partes integrantes do Sistema Financeiro de Habitação (SFH). O esquema de financiamento desse sistema pressupunha a colocação junto ao público das chamadas letras imobiliárias, cujo valor era recomposto pela correção monetária pós-fixada. Além de estimular a expansão do setor de construção civil, de grande repercussão sobre a demanda dos demais setores industriais, o SFH buscava um padrão de crescimento com alta absorção de mão-de-obra e baixíssimo coeficiente de importações. O SFH procurava ainda disseminar a propriedade privada da moradia junto às camadas médias e inferiores da sociedade, a despeito do fato de que a compra da casa própria fosse apenas a contratação de uma dívida.

Com o objetivo de conceder ao capital estrangeiro um tratamento favorável, foi baixada a Lei nº 4.390 no dia 29 de agosto de 1964, que reformulava a Lei de Remessa de Lucros promulgada em setembro de 1962, considerada o principal obstáculo ao afluxo de capitais estrangeiros. Além de outras modificações, a nova lei revogou alguns artigos, entre os quais o que limitava em 10% sobre o capital registrado as remessas de lucros ao exterior e o que considerava as remessas superiores a esse limite como retorno de capital.

Em decorrência das negociações iniciadas ao final do primeiro semestre de 1964 entre o Brasil e os Estados Unidos, os credores privados norte-americanos aprovaram em outubro o reescalonamento da dívida brasileira em bases idênticas às obtidas junto ao Clube de Haia três meses antes. O empréstimo de 125 milhões de dólares solicitado pelo governo brasileiro seria aprovado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), enquanto o governo norte-americano concederia ainda um empréstimo de mais de 50 milhões de dólares.

No dia 6 de outubro, apesar da oposição do PTB, o Congresso aprovou a solicitação do governo para compra das dez empresas de energia elétrica de propriedade da American and Foreign Power Company (Amforp) que operavam no país. Oito dias depois, foi sancionada a lei correspondente, sendo assinado, em 12 de novembro, em Washington, o tratado de compra pelo Brasil das empresas da Amforp por 135 milhões de dólares. O primeiro pagamento a ser efetuado dentro dos dez dias seguintes obrigaria a Amforp a reinvestir no país, sob a forma de empréstimo à Eletrobrás, uma soma maior que o capital recebido.

Em seguida, o governo norte-americano concedeu ao Brasil um empréstimo de mais de 20 milhões de dólares para a expansão do setor de energia elétrica, e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) um financiamento de 50 milhões de dólares para ampliar a capacidade das antigas subsidiárias da Amforp.

No dia 9 de novembro, aprovada por 273 votos contra 35, o Congresso promulgou a Emenda Constitucional nº 10, que dispunha sobre a implementação da reforma agrária mediante pagamento de títulos da dívida pública aos proprietários de terras desapropriadas. Essa proposição havia sido uma bandeira fundamental das forças reformistas durante o governo Goulart, tendo sido obstaculizada renitentemente por setores que no governo Castelo a apoiariam. Houve, no entanto, uma parcela de congressistas que manteve sua posição contrária. De qualquer forma, a medida provocou intensos debates, que extrapolaram o próprio Congresso. Além de várias entidades rurais, os governadores Lacerda, Ademar de Barros e Magalhães Pinto e o presidente da UDN, Bilac Pinto, manifestaram-se contra a proposta do governo. Mesmo assim, no dia 30 de novembro foi promulgada a Lei nº 4.504, que dispunha sobre o Estatuto da Terra. A lei propunha uma reestruturação agrária baseada na tributação progressiva em função do tamanho da propriedade rural. Com o objetivo de estimular a grande empresa rural e desincentivar o latifúndio improdutivo, essa tributação se atenuava em função do grau de utilização da propriedade. A mesma lei criava ainda o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA), órgão que tinha por objetivo principal promover a elaboração e coordenar a execução do Plano Nacional de Reforma Agrária, e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (INDA), cuja finalidade era estimular e promover o desenvolvimento das atividades agrárias através da colonização, da extensão rural, do cooperativismo, do sindicalismo e outras formas de associação, da eletrificação rural, da revenda de material agropecuário, do desenvolvimento tecnológico e da organização e desenvolvimento de comunidades.

Ainda no mês de novembro de 1964 o PAEG foi publicado, provocando violenta reação mesmo por parte dos setores udenistas, inclusive Lacerda e Magalhães Pinto, que discordavam da política econômica implementada pelo novo governo. Magalhães Pinto chegaria a afirmar que o país estava “submetido a uma ditadura econômica”.

Com o objetivo de reorganizar o sistema financeiro para tornar mais eficiente a execução da nova política econômica, foi promulgada a Lei nº 4.595 em 31 de dezembro de 1964, que dispunha sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias. Conhecida como Lei de Reforma Bancária, ela criou ainda o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central, órgãos que substituiriam a Sumoc. Ao Conselho Monetário Nacional cabia a fixação das diretrizes das políticas monetária, creditícia e cambial do governo, enquanto o Banco Central ficaria encarregado de executar as medidas traçadas pelo conselho. A lei estabelecia ainda as normas a que estariam sujeitas as demais instituições financeiras públicas e privadas.

Em fins de dezembro de 1964 Castelo sancionou o Decreto nº 55.282, que autorizava a participação de capitais privados na exploração do subsolo, além de estender ao capital estrangeiro o direito de participar de sociedades brasileiras que atuassem no setor. Pelo decreto, ficavam excluídas da iniciativa privada as reservas hidráulicas, a extração petrolífera, o carvão e os minerais empregados na produção de energia nuclear. A orientação do governo de incentivo à participação privada nacional e estrangeira no setor mineral recebeu severas críticas por parte dos parlamentares oposicionistas, aos quais se juntaram Lacerda e Magalhães Pinto.

A política salarial implementada pelo governo Castelo inscreveu-se no âmbito da política de estabilização vigente, à medida que o diagnóstico do PAEG sobre a inflação brasileira apontava as elevações salariais acima dos incrementos de produtividade como um dos focos básicos de geração da inflação. Após a edição do PAEG, foi apresentada publicamente uma nova fórmula salarial, que permitia o reajuste dos salários sempre abaixo dos índices inflacionários. Assim, os salários passavam a ser calculados pela média dos dois anos anteriores, ao que se somavam os aumentos de produtividade e o resíduo inflacionário, que era a taxa de inflação prevista para os próximos 12 meses. Na prática, a estimativa de inflação esteve sempre aquém dos índices reais, o que provocaria uma acentuada deterioração dos salários reais ao longo do período. A nova política salarial, que foi condenada com o designativo de “arrocho salarial” pela oposição, repousava sobretudo no afastamento das resistências dos trabalhadores à sua aplicação, através de intervenções em sindicatos e outras formas de repressão ao movimento trabalhista, além da proibição de greves.

Em janeiro de 1965 foi baixada a Instrução nº 289 da Sumoc, que visava a garantir às empresas estrangeiras o acesso ao mercado externo de créditos em condições vantajosas. Ainda em janeiro, no dia 13, o FMI assinou com o Brasil acordo para concessão de créditos de ajuste do balanço de pagamentos (créditos stand by) no valor de 125 milhões de dólares, com a finalidade de impulsionar os programas de recuperação econômica.

No mês seguinte o Decreto-Lei nº 55.722 criou o Conselho Consultivo do Planejamento (Consplan), órgão de caráter consultivo integrado por quatro representantes da indústria, quatro dos sindicatos, um membro do Conselho Nacional de Economia e vários técnicos. Campos tornou-se secretário-executivo do órgão, cuja presidência coube a Castelo. No interior do Consplan travou-se intenso debate sobre o PAEG e sobre os rumos da nova política econômica. Uma das figuras que mais se destacaram nesse debate foi o economista Antônio Dias Leite, que defendia um projeto de desenvolvimento de caráter nacionalista e conseqüentemente discordava do programa econômico vigente.

Mesmo entre setores empresariais havia descontentamento com as medidas econômicas levadas a cabo pelo novo governo.

Em fins de março de 1965, a Confederação Nacional das Indústrias (CNI) solicitou a Castelo a reformulação da política econômica diante da “disfuncionalidade das diretrizes do Ministério do Planejamento”. No mês seguinte, os industriais lançaram um documento que responsabilizava o PAEG pela crise industrial de São Paulo, além de reivindicar uma expansão do crédito e a redução de impostos.

No Congresso, era grande a oposição ao PAEG, liderada sobretudo pelo senador e grande industrial José Ermírio de Morais, que atribuía ao plano a estagnação econômica do país. Além disso, os governadores Magalhães Pinto, Lacerda e Ademar de Barros prosseguiam em suas críticas ao plano. Em maio de 1965 Lacerda reivindicou uma mudança ministerial, ao afirmar que a situação econômica do país era grave e que “ou se acaba com esse ‘plano’ ou esse ‘plano’ acaba com a revolução”.

Por outro lado, o Brasil recebera em abril novos empréstimos norte-americanos provenientes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) num total de trezentos milhões de dólares, destinados à intensificação do programa agrícola.

No início de maio de 1965, a Câmara aprovou o projeto de lei do governo que estabelecia estímulos fiscais para as empresas industriais e comerciais que colaborassem com o programa de contenção dos preços e aumento de produtividade. No dia 12 do mesmo mês, Castelo inaugurou a usina hidrelétrica de Furnas, já em operação desde 1963. No dia 18 de maio, a Comissão de Economia da Câmara aprovou o projeto que disciplinava o mercado de capitais, eliminando com isso o mercado paralelo de títulos. Por essa razão, em fins de junho, Magalhães Pinto decretou a intervenção na Companhia Siderúrgica Mannesmann — subsidiária de Mannesmann de Düsseldorf que se negara a saldar os títulos emitidos no mercado paralelo.

Promulgada em julho, a Lei nº 4.728 regulamentou o mercado de capitais, na tentativa de reorganização do sistema financeiro. No dia 9 de julho, Castelo assinou o Decreto nº 56.571 que fixava as diretrizes e bases para a expansão da indústria petroquímica, no qual incentivava a participação da iniciativa privada no setor. Em setembro do mesmo ano, Roberto Campos estabeleceu em Moscou contatos que visavam à discussão de problemas relativos às relações econômicas entre o Brasil e a União Soviética.

Em março de 1966, novos empréstimos avaliados em 49 milhões de dólares foram concedidos ao Brasil pelo BIRD com o objetivo de incrementar a produção de energia elétrica no estado de Minas Gerais. Apesar dos elogios feitos em abril pela United States Agency for International Development (USAID) à administração do presidente Castelo Branco e ao vigor do processo de desenvolvimento e reformas implantado no país, o então secretário adjunto para assuntos interamericanos, Lincoln Gordon, em pronunciamento na Comissão de Relações Exteriores do Senado americano em maio, declarou-se desapontado com o desenvolvimento econômico do Brasil no primeiro trimestre de 1966.

Em agosto de 1966, Campos e o ministro do Comércio Exterior soviético, Nikolai Patolichev, assinaram um protocolo comercial que previa a aquisição pelo Brasil de máquinas e equipamentos soviéticos no valor de cem milhões de dólares, com um prazo de financiamento de oito anos.

Ainda nesse mesmo mês, a Confederação das Associações Comerciais do Brasil encaminhou a Castelo um memorial em que advertia para o perigo de uma instabilidade social, ante o conjunto de dificuldades que vinha atingindo a classe produtora. Apesar das recentes falências e concordatas, o ministro da Indústria e Comércio Paulo Egídio Martins negava a existência de uma crise econômico-financeira, afirmando que estava ocorrendo uma “contingência do sistema de livre iniciativa, através de um crédito de seletividade e purificação”.

Por outro lado, a impopularidade do governo era evidente, sobretudo após o fechamento do regime com a edição do AI-2 em outubro de 1965. O governo, por seu lado, justificava o fechamento pela necessidade de dar prosseguimento ao programa de crescimento econômico e antiinflacionário, visto como essencial. Com isso, instalou-se uma contradição entre o programa econômico implantado e o ideal de democracia anunciado pelo governo Castelo.

No dia 13 de setembro de 1966 foi promulgada a Lei nº 5.107, que criava o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), fundo compulsório que as empresas recolheriam no montante de 8% de sua folha de salários e cujos depósitos seriam geridos pelo BNH. Esses depósitos, creditados nominalmente para cada trabalhador, teriam seu valor atualizado pela correção monetária sem recebimento de juros. O depósito poderia ser sacado em caso de demissão do empregado, de morte ou invalidez permanente ou no caso de primeira aquisição de unidade habitacional. A criação do FGTS veio substituir o estatuto de estabilidade no emprego, permitindo que, através da rotação da mão-de-obra, se recompusessem as folhas de pagamento das empresas. No âmbito da política habitacional, o FGTS tornou-se a fonte básica de financiamento do SFH, permitindo que a receita deste se baseasse agora em fundos compulsórios e não mais em poupanças voluntárias, que eram dependentes do grau de competitividade das letras imobiliárias em relação aos demais títulos financeiros disponíveis no mercado.

Em 7 de novembro de 1966 Castelo assinou decreto regulamentando o Estatuto da Terra, que estabelecia as primeiras normas para a execução da etapa inicial dos planos nacional e regional de reforma agrária, a ser concluída dentro de dois anos.

No dia 21 de novembro foi baixado o Decreto-Lei nº 72, que unificava os institutos de aposentadoria e pensões, e criava o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Essa alteração tinha por objetivo a instauração de um sistema centralizado de previdência social, sob a direção direta do governo federal. Ao final do ano de 1966, o combate à inflação obteve um êxito relativo, já que, embora não tivessem sido alcançados os níveis previstos (25% para 1965 e 10% para 1966), as taxas de inflação permaneceram em patamares considerados toleráveis — 34,5% em 1965 e 38,8% no ano seguinte.

Por outro lado, a política de estabilização implementada no governo Castelo vinha provocando o agravamento da crise econômica, o que acarretou a liquidação de inúmeras empresas pequenas e médias e o aumento da capacidade ociosa das grandes empresas.

A Constituição de 1967, promulgada no dia 24 de janeiro, incorporou várias inovações de ordem econômica sugeridas por Roberto Campos. No dia 8 do mês seguinte Castelo baixou o Decreto nº 60.190, que autorizava o Conselho Monetário Nacional a colocar em circulação o cruzeiro novo, nova unidade monetária correspondente a mil cruzeiros.

Com o objetivo de modernizar a estrutura administrativa federal foi instituído o Decreto-Lei nº 200 no dia 25 de fevereiro de 1967. O mesmo decreto instituiu, em caráter permanente, o Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, que veio a substituir o Ministério Extraordinário para o Planejamento e Coordenação Econômica.

Ao final do mandato de Castelo foi publicado o Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social, que formulava os objetivos que deveriam nortear a política econômica do governo para o período 1967-1976, além de um plano de investimentos para os próximos cinco anos. Durante o governo Castelo foram criados ainda vários órgãos como a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), em substituição à Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), a Superintendência de Desenvolvimento da Região Sul (Sudesul), a Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o Grupo Executivo de Racionalização da Agroindústria Açucareira do Nordeste (GERAN) e o Fundo de Financiamento para Aquisição de Máquinas e Equipamentos (Finame). Foi também introduzido o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM) e instituída a Zona Franca de Manaus.

 

Após a presidência

Ao encerrar o mandato, Castelo retirou-se da vida pública e voltou a lecionar na ESG. Vários elementos castelistas no entanto permaneceriam por certo tempo no governo Costa e Silva, constituindo-se como uma equipe notoriamente incompatibilizada com o novo presidente.

No dia 18 de julho de 1967, Castelo se dirigia a Fortaleza de volta de uma viagem à fazenda de uma parente, a escritora Raquel de Queirós, quando o pequeno avião que o transportava colidiu, na localidade de Mondubim (distrito de Fortaleza), com um caça a jato da base aérea da cidade. O acidente causou a morte do ex-presidente e de seus acompanhantes. Castelo Branco foi sepultado no Rio de Janeiro e, em julho de 1972, seus restos mortais e os de sua esposa — falecida em 1963 — foram levados para Fortaleza e depositados no mausoléu da Abolição, construído pelo arquiteto Sérgio Bernardes, junto ao palácio do governo.

A seu respeito, John W. Foster Dulles escreveu Castelo Branco: o caminho para a presidência (1979) e Presidente Castelo Branco — the Brazilian reformer (1980). Sobre seu governo especificamente, Luís Viana Filho escreveu O governo Castelo Branco (1975). O arquivo de Castelo Branco encontra-se depositado no Cpdoc da FGV.

Um município em Santa Catarina (antigo Dois Irmãos) e outro no Paraná receberam o nome de Presidente Castelo Branco. O município de Presidente João Goulart, criado no Amazonas em 1963, foi rebatizado Presidente Castelo Branco, mas deixou de existir ainda em 1964.

Mônica Kornis

 

 

FONTES: Almanaque Abril (1975 e 1976); Almanaque Mundial (1965); ALMEIDA, A. Dic.; ARQ. CASTELO BRANCO; ARQ. DEP. PESQ. GLOBO; ARQ. DEP. PESQ. JORNAL DO BRASIL; BANDEIRA, L. Governo; BEHAR, E. Vultos; BENEVIDES, M. Governo Kubitschek; BRAYNER, F. Verdade; CACHAPUZ, P. Cronologia; Correio da Manhã (20/7/67); Correio do Povo (17/7/77); CORRESP. ESC. SUP. GUERRA; CORRESP. SECRET. GER. EXÉRC.; CURRIC. BIOG.; Diário de Notícias, Rio (19/7/67), DREIFUSS, R. Conquista; DULLES, J. Castelo; DULLES, J. Unrest; Encic. Barsa; Encic. bras. Mérito; Encic. Mirador; ENTREV. ANDRADE, H.; Estado de S. Paulo (18/7/81); FARIAS, O. Meio; FIECHTER, G. Regime; Folha de S. Paulo (17 e 21/7/77); FRAGOSO, A. Escola; FUND. GETULIO VARGAS. Guia; GIRÃO, R. Ceará; Globo (15/7/69; 9/9/74 e 12/7/81); Grande encic. Delta; Grande encic. portuguesa; IANNI, O. Estado e planejamento; IstoÉ; Jornal da Tarde; Jornal de Brasília (7/8/77); Jornal do Brasil (12/4/64; 20/10/66; 4/3/67; 21/2/72; 24/5 e 18/7/75; 11/4/76; 18/7/77; 2/8/78 e 26/7/81); Jornal do Comércio, Rio (22 e 23/7, 10 e 15/8/67); KLEIN, L. Cronologia; KORNIS, G. Política; KUBITSCHEK, J. Meu; Manchete (18/4/64 e 5/2/66); MARTINS, C. Brasil; MARTINS, C. Evolução; MIN. GUERRA. Almanaque; MORAIS, J. FEB; Nosso (4); Notícia (19/7/67); Novo dic. de história; OLIVEIRA, C. Biografias; OLIVEIRA, E. Forças; Realidade (4/74); REGO NETO, H. Fatos; REIS, A. Bibliografia bras.; REIS JÚNIOR, P. Presidentes; Rev. Civilização Brasileira (9/67); SILVA, H. 1964; SILVEIRA, C. Vicissitudes; SKIDMORE, T. Brasil; SODRÉ, N. História militar; SODRÉ, N. Memórias; STEPAN, A. Militares; Súmulas; TÁVORA, J. Vida; Tribuna da Imprensa (19/7/67); Última Hora (18 e 20/7/67); VAMBERTO, J. Castelo; Veja (5/4/72); VIANA FILHO, L. Governo; Visão (11/3/74 e 28/6/76); VÍTOR, M. Cinco; Zero Hora (17/7/77).