CARDOSO, Fernando Henrique
*sen. SP 1983-1992; min. Rel. Ext.
1992-1993; min. Faz. 1993-1994; sen. SP 1994; pres. Rep. 1995-2003
Fernando Henrique Cardoso nasceu
no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, no dia 18 de junho de 1931, filho de
Leônidas Fernandes Cardoso e de Naíde Silva Cardoso. Seu pai foi oficial do
Exército, advogado e deputado federal (1955-1959) por São Paulo, eleito na
legenda do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Seu bisavô paterno, brigadeiro
Felicíssimo do Espírito Santo Cardoso, ligado ao Partido Conservador durante o
Império, foi deputado e senador e, por duas vezes, assumiu o governo de Goiás.
Seu avô Joaquim Inácio Batista Cardoso iniciava a carreira de oficial do
Exército no Rio de Janeiro quando participou ativamente da proclamação da
República em novembro de 1889. Seus tios paternos, Carlos Cardoso e general
Felicíssimo Cardoso, exerceram, respectivamente, a presidência do Banco do
Brasil (1960-1961) e a presidência do Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e
da Economia Nacional (CEDPEN) (1953-1973). Dois parentes seus ocuparam o
Ministério da Guerra: o tio-avô Augusto Inácio do Espírito Santo Cardoso
(1932-1933), e o filho deste, Ciro do Espírito Santo Cardoso (1952-1954).
Dulcídio do Espírito Santo Cardoso, também filho de Augusto Inácio, foi
prefeito do Distrito Federal (1952-1954).
Fernando Henrique tinha dois anos de idade quando
seu pai, nacionalista e positivista, tornou-se oficial-de-gabinete do general
Pedro Aurélio de Góis Monteiro, sucessor de Augusto Inácio do Espírito Santo
Cardoso no Ministério da Guerra (1934-1935). Tendo iniciado seus estudos no
Colégio Paulista, no Rio de Janeiro, com a transferência de seu pai para a 2ª
Região Militar, sediada em São Paulo, mudou-se em 1940 para a capital
paulista. Três anos depois, entrou para o Colégio São Paulo. Quando o regime do
Estado Novo (1937-1945) entrou em crise, seu pai participou de campanhas pela
anistia aos presos e perseguidos políticos e pela reconstitucionalização do
país. Já na reserva, em 1948 o general Leônidas Cardoso foi um dos criadores do
CEDPEN. Nessa época, Fernando Henrique começou a atuar na política estudantil.
Contrariando a tendência predominante em seu meio,
segundo a qual os rapazes procuravam as faculdades de direito, medicina e
engenharia, Fernando Henrique ingressou em 1949 na Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP). Aluno de professores
franceses e da primeira geração de sociólogos brasileiros, na qual se destacava
Florestan Fernandes, pouco antes de se licenciar em ciências sociais passou, em
agosto de 1952, a lecionar história econômica geral e do Brasil na
Faculdade de Economia da USP. No ano seguinte, casou-se com Rute Vilaça Correia
Leite, especializou-se em sociologia na mesma faculdade em que se graduou e
tornou-se auxiliar do professor francês Roger Bastide, ainda na USP.
Durante a campanha pela nacionalização da
exploração do petróleo no país, que ficaria conhecida pelo lema “O petróleo é
nosso” e resultaria na criação da Petrobras em 1953, acompanhou seu pai na
organização de grupos de apoio, exercendo a função de tesoureiro de um deles.
Em 1954, ano em que seu pai obteve o mandato de deputado federal por São Paulo
na legenda do PTB, elegeu-se representante dos ex-alunos, tornando-se o mais
jovem membro do Conselho Universitário da USP, condição na qual teria
importante participação na reforma da instituição. Em janeiro de 1955,
tornou-se assistente de Florestan Fernandes, que assumiu a cátedra de
sociologia da USP após o retorno do professor Roger Bastide à França.
Simpatizante do Partido Comunista Brasileiro (PCB),
sem entretanto nunca se ter filiado a ele, Fernando Henrique colaborou com a
imprensa partidária em meados da década de 1950, auxiliando na edição da
revistaFundamentos. Com a invasão da Hungria pela União Soviética em
1956, acompanhou a tendência internacional de repúdio ao ato e afastou-se
definitivamente do campo comunista. Em 1958, porém, aderiu a um grupo de
estudos de O capital, de Karl Marx, obra fundamental da doutrina
comunista. Criado por iniciativa de José Artur Giannotti, professor de
filosofia, o círculo era composto apenas de pessoas amigas, entre elas Rute
Cardoso, já professora de antropologia, e teve repercussões importantes na USP
pela introdução do marxismo em vários domínios intelectuais.
Tendo obtido o título de doutor em ciências sociais
em 1961 pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, no ano seguinte
passou a integrar a direção do Centro de Sociologia Industrial e do Trabalho
(Cesit), fundado na USP por Florestan Fernandes e Alain Touraine, sociólogo
francês. Ainda em 1962, tornou-se presidente do conselho editorial da coleção
Corpo e Alma do Brasil, criada pela editora Difusão Européia do Livro (Difel),
que nesse mesmo ano publicou sua tese de doutorado, Capitalismo e
escravidão no Brasil meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio
Grande do Sul, e nos anos seguintes editaria outros trabalhos seus.
A convite de Touraine, em 1962-1963 fez um curso de
pós-graduação no Laboratoire de Sociologie Industrielle da Universidade de
Paris. Na capital francesa, iniciou a redação de sua tese de livre-docência,
defendida em 1963 na Faculdade de Filosofia da USP e editada em 1964 pela Difel
com o título Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil.
Na Oposição ao Regime Militar
Com a deposição do presidente João Goulart
(1961-1964) e a ascensão dos militares ao poder em consequência do movimento de
31 de março de 1964, Fernando Henrique esteve entre os professores e
intelectuais perseguidos pela polícia política, tendo sido, inclusive, objeto
de uma ordem de prisão. Durante muitos anos se desconheceu as acusações de que
fora alvo. Apenas em 1996, quando começaram a ser organizados os arquivos do
general Peri Bevilacqua — depositados no Museu Casa de Benjamin Constant, no
Rio de Janeiro —, soube-se que era acusado de comunista por suas aulas, seus
livros e sua participação na campanha em defesa do monopólio estatal do
petróleo.
Depois de alguns dias escondido na casa de amigos,
ainda em abril de 1964 Fernando Henrique viajou para a Argentina. Lá foi
convidado a trabalhar na Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL),
órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) sediado no Chile. Em 1º de maio
chegou a Santiago do Chile, onde já se encontravam numerosos brasileiros, entre
eles Francisco Weffort, seu amigo e ex-aluno. Lecionou, então, no Instituto
Latinoamericano de Planificación Económica y Social (ILPES), de cuja divisão
social se tornaria diretor-adjunto, na Facultad Latinoamericana de Ciencias
Sociales (Flacso), em Santiago, e nas faculdades de Sociologia e de Ciências
Econômicas do Chile. Trabalhando na CEPAL, onde se destacava o economista
brasileiro Celso Furtado, ministro do Planejamento no governo deposto de
Goulart, participou do debate sobre os impasses das economias latino-americanas
e elaborou, com o sociólogo chileno Enzo Faletto, a “teoria da dependência”,
exposta em Dependência e desenvolvimento na América Latina, livro
que, ao ser lançado em 1969 em espanhol e no ano seguinte em português, o
projetaria internacionalmente como um dos mais importantes cientistas sociais
do continente. Ao longo da década de 1970, a obra seria publicada
também em italiano, inglês, francês e alemão.
No livro, os autores defendiam a tese de que o
desenvolvimento dependente-associado seria o desenvolvimento capitalista
possível nos países atrasados da América Latina. Segundo eles, a dicotomia
entre “industrialização e nação” ou “subdesenvolvimento e dependência” fora
superada, uma vez que a industrialização já ocorria em diversos países
dependentes, não estando vinculada necessariamente à emancipação e à autonomia
nacional. Em sua visão, os investimentos estrangeiros não eram obstáculo ao
desenvolvimento, mas antes, sua alavanca. Essa teoria provocou reações e
críticas entre os intelectuais de esquerda, que viam na dependência o mal do
Brasil, enquanto Cardoso e Faletto colocavam a dependência na base do
desenvolvimento capitalista.
Convidado por Alain Touraine para lecionar em
Paris, Fernando Henrique transferiu-se para a França em 1967. Na capital
francesa, integrou o círculo de refugiados brasileiros, escreveu e proferiu
conferências. Decidido a voltar ao Brasil, inscreveu-se no concurso para
catedrático de política da USP e iniciou imediatamente a redação de sua tese,
que tinha como tema os empresários latino-americanos e o desenvolvimento
econômico. Em julho de 1968, após ter sido revogada sua ordem de prisão por
força de um habeas-corpus concedido pelo Superior Tribunal
Militar (STM) por acórdão baseado no parecer do relator do processo, general
Peri Bevilacqua, retornou a São Paulo. Em seguida foi aprovado no concurso para
professor catedrático, mas ocupou a cadeira por pouco tempo, pois o sistema de
cátedra foi abolido meses depois. Com a edição do Ato Institucional nº 5
(AI-5), em 13 de dezembro de 1968, foi um dos 70 professores da USP aposentados
compulsoriamente.
Impedido de lecionar em instituições públicas, em
1969 fundou em São Paulo, com outros professores atingidos por atos de
exceção, o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Utilizando
contatos que fizera durante sua estada no exterior, obteve da Fundação Ford
recursos para instalar o centro, cuja sobrevivência, contudo, teria de ser
garantida por meio da promoção de outras atividades, como conferências no
Brasil e no exterior e pesquisas para empresas privadas. Fernando Henrique
ministrou cursos no México, na Suíça, na França, na Inglaterra e nos Estados
Unidos. A Hidrobrasileira foi uma das primeiras empresas a encomendar pesquisas
ao Cebrap, graças à iniciativa de um de seus diretores, Sérgio Mota,
ex-militante da Ação Popular (AP), organização católica de tendência socialista
que fazia oposição ao regime militar.
Em 1971, Fernando Henrique foi eleito membro do
Conselho Superior da Flacso e do conselho diretor do Consejo Latinoamericano de
Ciencias Sociales (Clacso), sediado em Buenos Aires. Engajando-se em
1972 na imprensa política de oposição, escreveu artigos para o jornal Opinião,
do qual foi um dos principais editores políticos. Ainda em 1972, publicou O
modelo político brasileiro e outros ensaios. No ano seguinte fundou,
com o professor Antônio Cândido e Fernando Gasparian, a revista Argumento,
voltada principalmente para assuntos literários, mas sempre situada no campo
oposicionista. A revista teria apenas quatro edições, vindo a fechar por
pressões do governo.
Convidado em 1974 por Pedro Simon, deputado
estadual no Rio Grande do Sul, do Movimento Democrático Brasileiro (MDB),
proferiu no Sul, com José Artur Giannotti, também do Cebrap, uma série de
conferências que obtiveram ampla repercussão política. A partir daí,
estreitaram-se as relações do Cebrap com o único partido de oposição legal,
cuja direção lhe propôs atualizar o programa partidário para as eleições
legislativas de novembro daquele ano. Aceita a proposta pelo Cebrap, seus
membros participaram do trabalho, cujos resultados contribuíram para a
expressiva vitória do MDB no pleito de 1974. Fernando Henrique, que durante a
campanha se tornou amigo e colaborador de Ulysses Guimarães, então deputado
federal por São Paulo e um dos mais prestigiados líderes da oposição
parlamentar, participou também da elaboração do programa eleitoral de Orestes
Quércia, eleito senador por São Paulo na legenda do MDB. Com base nessa experiência,
publicaria em 1976, com Bolívar Lamounier e outros, Os partidos e as
eleições no Brasil.
Em 1975 Fernando Henrique tornou-se membro do
conselho diretor do Centro de Estudios de Estado y Sociedad (CEDES), com
sede em Buenos Aires. No mesmo ano, começou a escrever no Movimento,
jornal de esquerda financiado por Sérgio Mota, publicou Autoritarismo e
democracia e foi chamado, juntamente com outros membros do Cebrap, a
prestar depoimento à polícia sobre suas atividades. Em outubro foi um dos
organizadores do ato ecumênico de protesto realizado na catedral da Sé, em
São Paulo, contra o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, seu ex-aluno,
encontrado morto numa dependência da polícia política paulista.
Ainda em 1975, a convite do economista
Albert Hirschman, lecionou no Institute of Advanced Studies da Universidade de
Princeton, em Nova Jersey (EUA), lá permanecendo até o início do ano
seguinte. Em 1976 foi eleito para o conselho superior da Corporación de
Investigaciones Económicas para Latinoamerica (Cieplan), sediada em Santiago do
Chile, e atuou como professor da Cátedra Simón Bolivar, na Universidade de
Cambridge, Inglaterra. Em 1977, ano em que lançou, em co-autoria com G.
Muller, Amazônia: expansão do capitalismo, voltou aos Estados
Unidos, tornando-se membro do Conselho Acadêmico do Latin American Program do
Wilson Center, em Washington, e trabalhou novamente em Princeton até 1978. No
mesmo ano foi eleito vice-presidente da International Sociological Association
(ISA), com sede em Ottawa, e recebeu o honoris causa degree of doctor of
laws da State University of New Jersey, Rutgers. Ainda em 1978,
começou a participar ativamente das reuniões da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC), que, devido às restrições às liberdades públicas
vigentes no país, funcionava como um ativo fórum de debates políticos. Foi
também nesse ano que publicou Democracia para mudar.
Primeira Candidatura
Embora impedido de concorrer a cargos públicos
eletivos por força do AI-5, Fernando Henrique Cardoso filiou-se ao MDB com a
intenção de candidatar-se ao Senado nas eleições de novembro de 1978,
aproveitando a campanha para fazer um protesto político. O fato de não ter
tradição partidária suscitou restrições à sua pretensão, mas não impediu o
apoio de Ulysses Guimarães e de Orestes Quércia, então prefeito de Campinas e
empenhado em disputar com André Franco Montoro a liderança do MDB paulista. De
acordo com a legislação da época, que autorizava a apresentação de até três
candidatos ao mesmo cargo, seu nome foi inscrito numa das três sublegendas do
partido como candidato ao Senado.
Nesse ínterim, apoiou a candidatura do general
Euler Bentes Monteiro à sucessão do presidente Ernesto Geisel (1975-1979),
lançada pela Frente Nacional de Redemocratização como uma “anticandidatura”,
tendo em vista as limitadas possibilidades de vitória no Colégio Eleitoral.
Embora reconhecesse que a derrota de Euler era inevitável, entendia que a
candidatura acelerava o ritmo das transformações políticas, ao obrigar o regime
a fazer concessões mais amplas. Realizado o pleito no Colégio Eleitoral em 15
de outubro de 1978, o candidato oficial, general João Batista Figueiredo, saiu
de fato vitorioso por larga margem de votos.
Em sua campanha para o Senado, Fernando Henrique
recebeu apoio de setores organizados da sociedade, como a Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB), a Igreja Católica de São Paulo e o Sindicato dos Metalúrgicos
de São Bernardo do Campo, cujo presidente, Luís Inácio da Silva, o Lula, deu
publicidade a uma carta em que o chamava de “reserva moral” do país. Pouco
antes de encerrar a campanha, decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) lhe
restituiu os direitos políticos, regularizando sua candidatura. A condição de
primeiro cidadão cassado pelo AI-5 a disputar uma eleição trouxe-lhe uma
inesperada projeção nos meios de comunicação, contribuindo para torná-lo mais
conhecido do eleitorado.
Em 15 de novembro de 1978, Fernando Henrique foi o
segundo candidato a senador mais votado em São Paulo, atrás de Franco
Montoro e à frente de Cláudio Lembo, da Aliança Renovadora Nacional (Arena),
partido de sustentação do regime militar. Graças ao mecanismo da sublegenda, a
votação obtida garantiu-lhe a condição de suplente de Montoro.
Com a subsequente abertura da discussão acerca do
sistema partidário brasileiro, Fernando Henrique foi contrário à extinção do
MDB e à proposta de criação de um partido socialista, embora achasse necessária
a existência de uma agremiação que representasse a grande massa de
assalariados. Eleito em 1979 vice-presidente do MDB paulista, acompanhou Franco
Montoro em sua atividade política. Em pleno processo de redemocratização do
país, engajou-se na campanha pela anistia aos presos políticos e exilados e
pela eleição direta para prefeito e governador. Após a extinção do bipartidarismo
(29/11/1979) e a implantação do pluripartidarismo, manteve sua posição,
filiando-se ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), de cuja
seção paulista se tornou vice-presidente. Simultaneamente, porém, participou da
elaboração do projeto de formação de um novo partido político, discutindo com
sindicalistas liderados por Lula e envolvendo-se em movimentos grevistas. Entre
junho de 1979 e fevereiro de 1980, participou das reuniões preparatórias para a
fundação de tal partido, mas, quando o Partido dos Trabalhadores (PT) surgiu
com um perfil socialista, preferiu, ao contrário da maioria de seus amigos
intelectuais, permanecer no PMDB.
Em março de 1981, convidado pelo escritor Michel
Foucault, viajou para a França, onde proferiu conferências no Collège de France
e tornou-se diretor de pesquisa associado à Maison des Sciences de l’Homme.
Ainda em 1981 foi eleito co-presidente da Fondation Internationale pour un
Autre Développement (FIPAD), sediada em Nyon, Suíça; colaborou na fundação da
World Association for International Relations, em Atenas; e passou a integrar o
Comitê Científico do Centro Gino Germani di Studi Comparati sulla
Modernizazzione e lo Sviluppo, em Roma. No ano seguinte, foi eleito
presidente da ISA, cargo que ocuparia até 1986.
Ainda em 1982 participou da campanha de Franco
Montoro para o governo de São Paulo, na primeira eleição direta para os
governos estaduais desde 1965. O pleito, realizado em novembro, deu a vitória
ao candidato do PMDB, agremiação vitoriosa também em outros estados
importantes, como Minas Gerais, onde foi eleito Tancredo Neves.
Nesses anos, embora bastante voltado para a
carreira política, Fernando Henrique deu continuidade à sua produção
intelectual lançando, entre outros livros, Política e sociedade, do
qual foi organizador, juntamente com Carlos Estevam Martins (o primeiro volume
foi publicado em 1979 e o segundo em 1981), As idéias e seu lugar:
ensaios sobre as teorias do desenvolvimento (1980, publicado em
francês em 1984 com o título Les idées à leur place)
e Perspectivas — idéias e atuação política (1983).
No Senado
Empossado Franco Montoro no governo estadual em
março de 1983, Fernando Henrique assumiu sua cadeira no Senado, anunciando que
se dedicaria prioritariamente à luta pelo restabelecimento das eleições diretas
para presidente da República e pela reformulação institucional do país, a qual
deveria começar por uma depuração da legislação eleitoral. Tornou-se membro, na
casa, das comissões de Economia, Educação e Cultura e de Legislação Social.
Em abril, foi eleito presidente do PMDB paulista,
derrotando a corrente liderada pelo vice-governador Orestes Quércia. Emergindo
como um dos mais expressivos líderes do partido, defendeu o estabelecimento
imediato de negociações com o governo federal em torno da crise econômica e
social que o país atravessava. Nesse sentido, divergiu das outras correntes
peemedebistas, como a do governador mineiro Tancredo Neves, que dava prioridade
ao processo sucessório do presidente da República e propunha a escolha de um candidato
de consenso nacional, e a dos defensores da concentração do partido na luta
pelo restabelecimento das eleições diretas para a presidência da República.
Entendia que deviam ser usados todos os recursos para evitar que o governo
federal chegasse a um impasse por falta de saídas políticas e conduzisse o país
a um retrocesso político. Admitia até que o PMDB apoiasse no Colégio Eleitoral
um candidato do Partido Democrático Social (PDS), governista, desde que o
acordo se fizesse com respaldo das forças políticas e em torno de um programa
que visasse à legitimação da ordem democrática. Acabou, porém, por se engajar
na campanha pelo restabelecimento das eleições diretas para a presidência,
deflagrada em fins de 1983. Defendeu assim a chamada emenda Dante de Oliveira,
que, apesar de ter obtido grande apoio da população, não alcançou, em 25 de
abril de 1984, o número de votos indispensáveis à sua aprovação na Câmara dos
Deputados — faltaram 22 votos para que o projeto pudesse ser encaminhado à
apreciação do Senado.
Três dias depois da votação da emenda Dante de
Oliveira, Fernando Henrique discursou no Senado, propondo o reinício da luta
pelas eleições diretas, que, no seu modo de ver, criara um novo centro de
gravidade política no Congresso e deixara claro que o Colégio Eleitoral havia
perdido a função. Para ele, a oposição poderia eleger o sucessor do presidente
João Figueiredo “pela via escusa do Colégio Eleitoral”, mas abria mão desse
caminho para não aderir a “uma estratégia oportunista”. No entanto, acabou por
acompanhar o PMDB na decisão de lançar um candidato à eleição indireta no
Colégio Eleitoral. O escolhido foi Tancredo Neves, que, do seu ponto de vista,
não constituiria, se vitorioso, um presidente do PMDB ou das oposições, mas o
chefe de um governo de transição para a democracia.
O campo governista, por seu turno, encontrava
dificuldades para escolher um nome consensual. A opção do general Figueiredo
pelo deputado federal paulista Paulo Maluf deu origem, em julho de 1984,
a uma dissidência no PDS que se intitulou Frente Liberal e declarou seu
apoio ao candidato do PMDB. Formou-se assim, em agosto, a Aliança Democrática,
que lançou as candidaturas de Tancredo, a presidente, e de José Sarney, senador
maranhense dissidente do PDS, a vice. Realizada a eleição no dia 15 de janeiro
de 1985, o Colégio Eleitoral, por expressiva maioria de votos, consagrou a
chapa oposicionista.
Em fevereiro de 1985, Fernando Henrique acompanhou
Tancredo Neves em sua primeira viagem ao exterior na condição de presidente
eleito, percorrendo Estados Unidos, Itália e Portugal. De volta ao Brasil,
recusou o convite para assumir o Ministério do Desenvolvimento Social, a ser
criado, mas aceitou a função de líder do governo no Congresso, que até então
também não existia. Sua principal tarefa seria articular as negociações entre
os partidos em torno das reformas constitucionais que dariam início à Nova
República. Tancredo Neves, contudo, adoeceu gravemente antes mesmo de ser
empossado. Sarney assumiu a presidência da República em seu lugar em 15 de
março, e foi efetivado no cargo em 21 de abril, quando o presidente eleito
morreu.
Ainda em abril de 1985, Fernando Henrique anunciou
que pretendia candidatar-se ao governo de São Paulo nas eleições de novembro
seguinte. Na convenção do PMDB, realizada no início de maio, reafirmou essa
disposição, que o tornava, mais uma vez, adversário do vice-governador Orestes
Quércia, postulante ao mesmo cargo. Vicissitudes da política interna do
partido, porém, o levaram a aceitar candidatar-se à prefeitura paulistana,
decisão oficializada em junho, depois que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
decidiu que os então prefeitos das capitais dos estados não poderiam concorrer
à eleição direta para o mesmo cargo. Este era o caso de Mário Covas, que em
maio havia sido indicado prefeito de São Paulo pelo governador Franco Montoro,
e passou então a postular a candidatura a governador, pretensão em que seria
afinal derrotado por Orestes Quércia.
Escolhido candidato a prefeito pela convenção
municipal do PMDB em 20 de julho, Fernando Henrique recebeu apoio do Partido
Comunista Brasileiro (PCB) e do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Seus
principais adversários seriam Jânio Quadros, candidato da coligação do Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB) com o Partido da Frente Liberal (PFL), e Eduardo
Suplicy, do Partido dos Trabalhadores (PT).
Líder das pesquisas de intenção de voto até quase o
fim da campanha, Fernando Henrique ressentiu-se, contudo, da falta do apoio do
PFL, com o qual o PMDB se aliara na Aliança Democrática e sem cujo concurso, no
seu modo de ver, não se promoveriam mudanças no país. Ao final, o apoio do PFL
a Jânio, respostas inadequadas em entrevistas e a precipitação em deixar-se
fotografar na cadeira do prefeito lhe retiraram votos suficientes para dar a vitória
ao adversário. Ao fazer um balanço da derrota, atribuiu-a aos ataques de que
sua candidatura fora objeto, por parte tanto da esquerda quanto da direita.
Além disso, o PMDB teria sofrido o desgaste decorrente da condição de partido
governista, enquanto cresciam as forças adversárias, como o janismo e o PT.
Ainda em 1985, lançou A democracia
necessária. Em nova visita à Índia, onde presidiu o congresso anual da
ISA, anunciou sua candidatura à eleição de 1986 para o Senado, que, juntamente
com a Câmara dos Deputados, teria poderes para elaborar uma nova Constituição
para o país. Em sua opinião, aliás, o encaminhamento para a convocação da
Assembléia Nacional Constituinte, compromisso de campanha assumido por Tancredo
Neves e respeitado por José Sarney, deveria ser outro: seria preferível uma
Constituinte composta somente por parlamentares eleitos para esse fim.
Crítico do governo Sarney, em entrevista concedida
ao Jornal do Brasil em 27 de fevereiro de 1986, cobrou um
verdadeiro plano de combate à inflação, que acabara de ultrapassar a taxa de
250% ao ano. No dia seguinte, porém, o governo lançou o Plano Cruzado, que
instituiu um novo padrão monetário — o cruzado — de valor mil vezes superior ao
do cruzeiro, então abolido, extinguiu a correção monetária, estabilizou o
câmbio e congelou preços e salários. Apoiou então o Plano Cruzado, que alcançou
grande êxito nos primeiros meses, com a decidida redução da inflação e o
entusiasmo popular na fiscalização dos preços.
Os bons resultados iniciais do Plano Cruzado
beneficiaram os candidatos do PMDB nas eleições de novembro de 1986. Em
São Paulo, o partido conquistou o governo, com Orestes Quércia, e preencheu as
duas vagas no Senado, elegendo Mário Covas e Fernando Henrique
Cardoso. Empossado em 1º de fevereiro de 1987, quando tiveram início os
trabalhos da Constituinte, Fernando Henrique assumiu a liderança do PMDB no
Senado. Quarto-vice-presidente e relator-adjunto da Comissão de Sistematização,
foi membro titular da Comissão de Redação e suplente da Subcomissão do Poder
Legislativo, da Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo. Foi
também designado relator do Regimento Interno.
Nas principais votações da Constituinte, Fernando
Henrique manifestou-se a favor do rompimento de relações diplomáticas com
países que desenvolvessem políticas de discriminação racial, da adoção do
mandado de segurança coletivo, do turno ininterrupto de seis horas, da
unicidade sindical, da soberania popular, do voto facultativo aos 16 anos, da
nacionalização do subsolo, da proibição do comércio de sangue, da concessão de
anistia às dívidas de micro e pequenos empresários e da desapropriação das
propriedades rurais produtivas para efeito de reforma agrária. Votou contra a
adoção da pena de morte, a estabilidade no emprego, o presidencialismo, o
mandato de cinco anos para o presidente Sarney e a legalização do jogo do
bicho.
Muitos de seus votos divergiram da posição oficial
adotada pelo PMDB. O principal choque aconteceu em relação à participação no
governo Sarney. No seu entendimento, o partido vinha assumindo atitudes
políticas “clientelistas” e “fisiologistas”, discrepantes do comportamento
exigido pela construção da democracia e pelos eleitores que nele haviam
confiado nas recentes eleições. Por trás da prática que criticava estaria, no
seu entendimento, o governador Orestes Quércia, chefe da máquina
partidária em São Paulo. Em dezembro de 1987, deu à direção do
partido um mês para afastar-se do governo. Juntamente com Mário Covas e Franco
Montoro, ameaçou romper com o PMDB caso a Constituinte fixasse em cinco anos o
mandato do presidente Sarney.
Em junho de 1988, renunciou à liderança do PMDB no
Senado. Na ocasião, anunciou sua decisão de deixar o partido e ajudar a formar
outra agremiação. A ruptura se consumou no mesmo mês, quando, juntamente com
mais 102 dissidentes — entre os quais 40 deputados federais e sete senadores —,
principalmente do Ceará e de São Paulo, sob a liderança de Mário Covas, fundou
o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).
O novo partido surgiu com a preocupação de não se
identificar com o espectro político clássico: não seria de direita, esquerda ou
centro, e sim voltado para a maioria interessada nas reformas sociais e no
parlamentarismo, e comprometido com uma política pautada pela ética. Em agosto,
já na condição de líder do PSDB no Senado, anunciou que se candidataria ao
governo de São Paulo. Com a promulgação da nova Constituição em 5 de outubro de
1988, voltou a participar dos trabalhos legislativos ordinários do Senado.
Eleito Fernando Collor de Melo para a presidência
da República em dezembro de 1989, num pleito em que o PSDB concorreu no
primeiro turno com Mário Covas e apoiou Luís Inácio Lula da Silva (PT) no
segundo, Fernando Henrique aproximou-se do novo governo, empossado em 15 de março
de 1990. Atraído pelo programa econômico de modernização, privatização e
abertura para o exterior, apoiou o plano de combate à inflação adotado por
Collor, que teve forte impacto no cotidiano dos brasileiros, em razão de
medidas como o confisco de depósitos de poupança.
Em fevereiro de 1991, quando o presidente Collor,
em meio a uma grave crise de governo, tentou se aproximar do PSDB, Fernando
Henrique foi convidado a assumir o Ministério das Relações Exteriores, mas,
após discutir o assunto com a direção do partido, não aceitou o convite. Em
março retornou temporariamente à vida universitária para ministrar um curso de
pós-graduação na USP, cuja aula inaugural versou sobre a crítica da visão
neoliberal do mundo contemporâneo.
Necessitado de apoio parlamentar, em janeiro de
1992 Collor voltou a bater à porta do PSDB. Em 7 de fevereiro, apresentou ao
senador Fernando Henrique o convite para que seu partido se incorporasse ao
governo e pusesse em prática itens de seu programa, como o fim dos subsídios e
a realização de investimentos sociais como função primordial do Estado.
Fernando Henrique e o deputado federal José Serra, também do PSDB paulista,
emitiram sinais simpáticos à proposta, mas em abril a direção do partido
descartou a hipótese de participar do governo, com o senador Mário Covas
acusando Collor de não ser um democrata.
Em maio, o governo Collor entrou em sua crise
final, desencadeada pelo irmão do presidente, Pedro Collor de Melo, que o
acusou publicamente de — juntamente com Paulo César Farias, o PC, empresário
alagoano e tesoureiro da campanha presidencial — comandar um esquema de
corrupção e desvio de verbas públicas. Fernando Collor tentou reagir,
anunciando que processaria o irmão, mas o Congresso instaurou uma comissão
parlamentar de inquérito (CPI) para examinar as denúncias.
Enquanto organizações da sociedade civil,
juntamente com o PT, lideravam uma campanha popular peloimpeachment do
presidente, Fernando Henrique acompanhou a atitude do PSDB em relação à crise,
denunciando a gravidade da situação sem, no entanto, deixar de lado a
prudência. Para ele, a prioridade, naquele momento, era manter o governo em
condições de funcionar. Aos poucos, contudo, passou a considerar o presidente
um “cadáver político” e aderiu à proposta do impeachment. Abria-se,
no seu modo de ver, uma oportunidade para a organização de um governo de união
nacional em que o sucessor de Collor deveria manter o processo de reformas e
modernização da economia e do sistema político. Assim, aproximou-se, a partir
de fins de agosto, do vice-presidente Itamar Franco, com o objetivo de,
juntamente com outros senadores, articular um novo governo. Seu nome começou a
ser citado como futuro chanceler.
Com a aprovação na Câmara dos Deputados, em 29 de
setembro, da abertura do processo deimpeachment do presidente,
Collor foi afastado da presidência, e no dia 2 de outubro Itamar Franco assumiu
o poder em caráter interino. Um o novo governo foi formado, e Fernando Henrique
foi indicado para o Ministério das Relações Exteriores em substituição a Celso
Lafer. Sua vaga no Senado foi ocupada pela suplente, a socióloga Eva Blay.
Collor renunciou ao mandato em 29 de dezembro de 1992, horas antes da conclusão
do processo pelo Senado, que decidiu pelo seu impedimento, e Itamar foi então
efetivado na presidência da República.
No Itamaraty
Em seu primeiro pronunciamento como chanceler,
Fernando Henrique Cardoso anunciou que trabalharia para reformular a imagem do
Brasil no exterior. Se, durante o governo Collor, houvera a pretensão de
inserir o país no Primeiro Mundo, o “espetáculo” havia terminado. No seu
entendimento, pouco adiantava afirmar aos outros países que o Brasil era um
país industrializado, quando internamente isso não ocorria. Por isso, postulou
a integração do Ministério das Relações Exteriores com outras pastas, com a
sociedade civil, os sindicatos, empresários etc., de modo que todos pudessem
contribuir para a formulação da nova política externa. Nesse sentido, formou um
comitê permanente de 18 industriais e convidou a Central Única dos Trabalhadores
(CUT) e outras centrais sindicais para discutir com os diplomatas encarregados
das negociações para a implantação do Mercado Comum do Sul (Mercosul), criado
por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai em março de 1991, cuja entrada em
funcionamento estava prevista para 1995.
A política externa brasileira deveria enquadrar-se
no novo contexto mundial, marcado pelo fim da guerra fria. A grande questão
internacional não era mais o dilema entre a guerra e a paz, mas a disputa
econômica, em que as armas eram a ciência e a tecnologia. O Itamaraty passaria
a dar prioridade a negociações no âmbito do General Agreement on Tariffs and
Trade (GATT), o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, em torno de assuntos
como patentes e concessão de serviços públicos; a iniciativas na América do Sul
ainda mais amplas do que aquelas voltadas para o Cone Sul; e a um incremento da
atuação política junto à ONU.
No plano comercial, o Itamaraty deveria dar apoio a
uma parceria preferencial com os países asiáticos, a “grande saída
exportadora”. Mas, de imediato, era preciso enfrentar a pressão exercida pelos
Estados Unidos em relação à política comercial brasileira, em particular no
tocante às patentes, assunto ainda não regulamentado no Brasil e que motivava
retaliações norte-americanas no campo tarifário. Mal assumira o ministério
quando, em dezembro, durante viagem a Nova Iorque, precisou responder ao
subsecretário de Estado para Assuntos Interamericanos dos EUA, Bernard Aronson,
que manifestara publicamente preocupação com o quadro inflacionário brasileiro
e criticara a política econômica do presidente Itamar Franco, classificado de
nacionalista e protecionista. De volta ao Brasil, também fez restrições à ação
do governo na área econômica — de cujo planejamento, aliás, participara — por
ter interrompido a execução do programa de privatizações, que seria, do seu
ponto de vista, a solução para a escassez de recursos para investimentos
produtivos.
Durante sua gestão no Itamaraty, o Brasil se
aproximou da Argentina, cujo ministro da Economia era Domingos Cavallo. O
continente africano também foi objeto da atenção do ministério, que
intensificou relações com a África do Sul, em processo de superação do regime
racista, e reconheceu o novo governo de Angola, dirigido pelo Movimento para a
Libertação de Angola (MPLA), vitorioso nas primeiras eleições multipartidárias
da ex-colônia portuguesa, realizadas em outubro de 1992.
Diante da gravidade da situação econômica interna,
com a inflação chegando a quase 29% em fevereiro de 1993, Fernando Henrique
começou a se pronunciar sobre o assunto. Em março manifestou-se contra a adoção
de novos planos econômicos, classificando-os de “mistificação”: “Pregam
milagres, não resolvem o problema e frustram a população”, disse. Do seu ponto
de vista, a inflação brasileira resultava do endividamento público e só poderia
ser superada por meio da reorganização administrativa do governo.
Deflagrada a campanha eleitoral para presidente da
República em abril de 1993 pelas caravanas da cidadania, com que o PT pretendia
disseminar a candidatura de Lula pelo país, Fernando Henrique teve seu nome
lançado pelo presidente do PSDB. Simultaneamente, foi cogitado para assumir o
Ministério do Planejamento, cargo que recusou. Na primeira semana de maio,
porém, o líder do governo na Câmara, deputado Roberto Freire, do Partido
Popular Socialista (PPS) de Pernambuco, sugeriu ao presidente Itamar Franco que
o nomeasse ministro da Fazenda, em substituição a Eliseu Resende. Fernando
Henrique estava em Nova Iorque quando, no dia 19 daquele mês, foi
nomeado para o Ministério da Fazenda. Para substituí-lo no Itamaraty, foi
escolhido José Aparecido de Oliveira.
No Ministério da Fazenda
Fernando Henrique foi empossado no novo cargo em 21
de maio de 1993 e sua nomeação teve, em geral, boa repercussão. Da imprensa
nacional ao Fundo Monetário Internacional (FMI), predominou a opinião de que se
tratava de uma escolha acertada para o combate à inflação, que já ultrapassara
o índice de 30% ao mês. Houve mesmo quem a interpretasse como um passo
preparatório para sua candidatura a presidente da República, hipótese
prontamente descartada por ele mesmo.
Para assessorar-se no ministério, buscou
economistas que haviam participado da elaboração do Plano Cruzado. A escolha
alimentou especulações sobre a iminente adoção de um novo choque
anti-inflacionário, levando-o, em seus primeiros pronunciamentos, a deixar
claro que não proporia qualquer plano milagroso. A chave do problema
inflacionário, no seu modo de ver, não estava na economia, cujos números eram
os mais alvissareiros, mas na crise do Estado, com seu déficit crônico. O
combate à inflação deveria, portanto, articular-se estrategicamente com a
reforma do Estado, as privatizações e a redução dos gastos públicos.
No início de junho, Fernando Henrique anunciou o
Plano de Ação Imediata (PAI) do governo. Voltado prioritariamente para a
redução do déficit público e sem apresentar propostas de combate direto à
inflação, o conjunto de medidas incluía cortes equivalentes a seis bilhões de
dólares no orçamento da União para 1993, severas medidas contra sonegadores e
estados e municípios inadimplentes junto ao governo central, bem como a
aceleração e a ampliação do programa de privatização, com a sua extensão aos
setores elétrico e ferroviário. Na mesma ocasião, advertiu que os cortes seriam
aumentados em 50% se o Congresso não aprovasse a criação do Imposto Provisório
sobre Movimentação Financeira (IPMF). Definidos os cortes alguns dias depois,
os ministérios da área social foram os mais atingidos: Educação, com 25%; Saúde
e Bem-Estar Social, com 43%; Integração Regional, com 31% — os dois últimos,
aliás, considerados os principais focos de gastos públicos oriundos de pressões
políticas.
A continuidade da política econômica em vigor foi
assegurada logo em seguida, quando, em 1º de julho, reduziram-se
substancialmente as alíquotas de importação. A medida visava a fazer com que o
setor industrial modernizasse as linhas de montagem, de maneira a elevar a
produtividade e reduzir seus custos. Pretendia-se também enfraquecer o controle
exercido sobre a economia brasileira por grupos que acertavam entre si os
preços e os impunham ao mercado. No dia 28, quando a inflação acumulada no ano
chegava à faixa dos 500%, o governo decretou o corte de três zeros da moeda
nacional, que passou a chamar-se cruzeiro real.
O programa de privatizações foi outro item da
política econômica em que Fernando Henrique manteve a orientação de
seu antecessor. O governo tentou, porém, acelerar o processo, dotando o
Programa Nacional de Desestatização de um novo regulamento. Por meio de leilões
que despertaram intensos protestos de grupos oposicionistas, foram privatizadas
subsidiárias da Petrobras e siderúrgicas — a Companhia Siderúrgica Nacional
(CSN), a Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa) e a Aço Minas Gerais
(Açominas). No plano cambial procedeu-se à unificação dos mercados comercial e
flutuante. A medida provocou uma alteração radical nas condições do mercado,
levando a cotação do dólar paralelo a uma queda inédita.
A normalização das relações financeiras do país com
o exterior, alteradas desde a moratória decretada pelo governo Sarney, avançou
significativamente com a renegociação da dívida externa brasileira. O acordo
com os bancos privados foi, porém, dificultado pelas exigências do FMI quanto à
adoção de um programa de estabilização cujas metas, principalmente o ajuste
fiscal, passariam por difíceis negociações com o Congresso. De toda forma a
dívida foi negociada, sem o aval do FMI, e os contratos de renegociação com os
bancos privados foram assinados em outubro.
Em 7 de dezembro, durante audiência no Congresso,
Fernando Henrique apresentou o novo programa econômico do governo. Os
principais pontos do plano diziam respeito ao ajuste fiscal, que seria
perseguido basicamente por meio de cortes radicais nos gastos públicos, e à
preparação de uma nova moeda, antecedida pela adoção da Unidade Real de Valor
(URV), que passaria a funcionar progressivamente como indexador da economia
nacional.
Entre os parlamentares, a reação ao programa foi, em
geral, negativa. O governo foi acusado de não ter tentado negociar previamente
com os partidos as medidas, principalmente a elevação das alíquotas dos
impostos e das contribuições. Mesmo no partido do ministro, o PSDB, houve
resistências ao plano, visto como rígido demais para um ano eleitoral.
O ponto que maiores divergências suscitou foi,
porém, a criação do Fundo Social de Emergência (FSE), dispositivo orçamentário
baseado na desvinculação de tributos e contribuições sociais de suas
destinações originais, definidas pela Constituição. Pela emenda constitucional
que o criou, os recursos do FSE seriam destinados ao financiamento das áreas da
saúde, educação, benefícios previdenciários e auxílios assistenciais e outros
programas de relevante interesse econômico e social. Os recursos viriam da
incorporação direta de parcelas de alguns tributos e da realocação de cerca de
20% dos recursos arrecadados por todos os impostos e contribuições instituídos
pela União, o que reduziria o montante das transferências para estados e
municípios determinadas pela Constituição. Dessa forma, o governo disporia de
uma soma considerável de recursos para fazer face, com total autonomia, às
despesas do Estado.
Portanto, ao contrário dos fundos sociais
concebidos pelo Banco Mundial como contrapeso às políticas de estabilização por
ele mesmo impostas aos países em dificuldades financeiras — como o fundo social
de emergência instituído pela Bolívia em 1987 —, o FSE brasileiro apresentava
um nítido caráter contábil, subordinado à política de ajuste fiscal. O
desvirtuamento das transferências financeiras para estados e municípios e da
alocação de recursos para a área social constituiu empecilho para a aprovação
imediata do fundo pelo Congresso. Dentro do próprio governo surgiram divergências,
e o líder na Câmara, deputado Roberto Freire, do PPS, abandonou a função em
protesto contra a política econômica anunciada.
O plano foi interpretado também como plataforma de
lançamento da candidatura de Fernando Henrique Cardoso à presidência da República,
deixando os partidos reticentes quanto à melhor atitude a tomar em defesa de
seus interesses eleitorais. Afinal, em fevereiro de 1994, depois de obter o
apoio do PFL, o Congresso aprovou o FSE, o que constituiu importante vitória
política do governo, já que o fundo era considerado essencial para a
implementação do programa econômico.
No dia 1º de março de 1994, a URV entrou
em vigor, depois de um período de acelerada elevação dos preços que se seguiu
ao anúncio da sua criação. A oposição, capitaneada pelo PT e a CUT, procurou
combatê-la de todos os modos, argumentando que se tratava de instrumento de uma
política de arrocho salarial. Essa crítica se baseava no fato de o novo
indexador da economia ter alinhado desigualmente salários calculados pela média
dos quatro meses anteriores e preços calculados pelo ponto máximo. Fernando
Henrique, contudo, rejeitou as críticas e as propostas de criação de um gatilho
salarial, argumentando que o importante não era conviver com a inflação, mas
vencê-la. Ainda no início de março, baixaram-se as alíquotas de importação de
cerca de 130 produtos, visando a reduzir a margem de manobra dos cartéis e
monopólios na fixação dos preços.
No dia 30 de março, antes do fim do prazo para a
desincompatibilização dos ocupantes de cargos públicos que quisessem disputar
as eleições de outubro, Fernando Henrique afastou-se do ministério e retornou
ao Senado. A pasta da Fazenda foi entregue a Rubens Ricupero, que ocupava o
posto de embaixador em Washington.
A primeira campanha presidencial
Quando Fernando Henrique se lançou abertamente na
campanha, em abril de 1994, as pesquisas de opinião apontavam uma tendência
majoritária do eleitorado a sufragar o nome de Lula. A situação econômica do
país não lhe era favorável, já que a inflação continuava muito alta, tendo
superado o índice de 45% no mês anterior.
Dentro do seu partido, Fernando Henrique foi um dos
patrocinadores do estabelecimento de uma aliança com o PFL, oficializada em
maio pelo PSDB como forma de neutralizar uma possível união das forças de
direita em torno de Paulo Maluf ou de Orestes Quércia e, ao mesmo tempo,
viabilizar sua candidatura no Nordeste. Egresso da Arena e do PDS, partidos que
deram sustentação ao regime militar, o PFL tinha grande força eleitoral no
Nordeste. O senador alagoano Guilherme Palmeira foi assim indicado candidato a
vice-presidente. A chapa enfrentou resistências dentro do PSDB de setores
contrários à aproximação com forças identificadas com o conservadorismo e
práticas clientelísticas, e na convenção partidária realizada em 18 de maio na
cidade de Contagem (MG) os dois candidatos foram vaiados por parte dos
presentes. No PFL a aliança foi aceita sem maiores problemas e oficializada
quatro dias depois em convenção.
Outros setores da sociedade brasileira fizeram
restrições à aliança do PSDB com o PFL, que se ampliaria com a incorporação do
PTB. Fernando Henrique foi classificado de incoerente, em vista de sua
trajetória política progressista. A seus críticos, inclusive amigos acadêmicos,
justificou a aliança pela necessidade estratégica de conduzir o Brasil a um
salto audacioso, só possível pela convergência das forças políticas
socialistas, social-democratas e liberais, tal como teria acontecido em
diversos países, como Chile e Espanha: “Eu sou social-democrata. Estou fazendo
uma aliança com o setor liberal, porém com um setor liberal que tem
sensibilidade social. Eu não quero fisiologia, não quero clientelismo”,
declarou a O Globo em 15 de maio.
Ainda em maio, o Congresso revisor, exercendo
poderes concedidos pelas disposições transitórias da Constituição de 1988,
aprovou a redução do mandato presidencial e determinou a coincidência das datas
das eleições para a presidência, o Congresso, as assembléias legislativas e os
governos de estado. O acordo partidário que viabilizou a aprovação dessa emenda
incluiu o compromisso de aprovação futura de outra, que permitiria a reeleição
para a presidência.
A campanha de Fernando Henrique foi estruturada
sobre cinco itens prioritários: saúde, educação, segurança, habitação e
agricultura. No plano econômico, a ênfase foi dada à privatização das grandes
empresas siderúrgicas e mineradoras, à extinção do monopólio de serviços
públicos e à abertura do país ao capital estrangeiro. No plano institucional
foi proposto um conjunto de reformas: fiscal, administrativa e previdenciária.
Os êxitos iniciais do Plano Real começaram a ser
capitalizados em favor da campanha, cuja agenda incluiu a passagem por estados
já visitados pelo ministro Rubens Ricupero para divulgar a nova moeda.
Antecipado o lançamento do real para 1º de julho, Fernando Henrique
afirmou em Minas Gerais que, com isso, sua candidatura iria “dar um
salto”.
No lançamento do real, o comércio esteve quase
paralisado, mas logo na primeira semana começou a haver reduções de preços. No
mercado de câmbio, a relação do real com o dólar foi estabelecida em termos
imprevisíveis, com a moeda nacional valendo mais do que a norte-americana. As
primeiras pesquisas eleitorais feitas em seguida indicaram que Fernando
Henrique já não estava tão atrás de Lula, e os 17 pontos que os separavam não o
impediriam de participar do segundo turno da eleição. Denúncias de
favorecimento de interesses privados contra o senador Guilherme Palmeira
ameaçaram o rumo de crescimento da campanha de Fernando Henrique. Curiosamente,
o vice de Lula, o senador gaúcho José Paulo Bisol, foi acusado do mesmo crime,
abalando a campanha petista. Ambos foram substituídos: Palmeira por Marco
Maciel, e Bisol por Aluísio Mercadante, deputado federal por São Paulo do PT.
A oposição, buscando argumentos para inverter a
tendência das pesquisas de opinião, procurava denunciar a estabilização
econômica como uma imposição do capital financeiro internacional. Na Folha
de S. Paulo, edição de 3/7/1994, o economista José Luís Fiori caracterizou
a candidatura de Fernando Henrique e o Plano Real como iniciativas de
acomodação da economia brasileira às diretrizes do Consenso de Washington,
referindo-se ao conjunto de medidas de ajuste e estabilização recomendado pelos
organismos financeiros internacionais às economias dos países periféricos
elaborado em 1989. Fernando Henrique defendeu-se pelas páginas do mesmo jornal,
acusando seu crítico de cometer uma “falácia ecológica” e afirmando que a
política de estabilização não era monitorada por órgãos internacionais e tinha
como meta assegurar condições de governabilidade. Considerava, mesmo, que sua
capacidade analítica era subestimada quando se lançava contra ele a acusação
de, diante da realidade contemporânea, ter optado “por uma aliança
oligárquica”.
Após 15 dias da implantação do real, já era
flagrante a queda vertiginosa da inflação. Alguns dos segmentos mais pobres da
população se atreveram a incrementar suas compras, provocando uma corrida ao
crediário, apesar da manutenção das taxas de juros em patamares muito altos. A
ampliação das vendas aumentou as encomendas à indústria, que elevou a produção.
Na campanha, Fernando Henrique tentou capitalizar o tetracampeonato mundial de
futebol, conquistado pela seleção do Brasil nos EUA, comparando o êxito
esportivo ao do real, em narrações de uma partida imaginária em que jogava com
os atacantes mais famosos. A tendência de crescimento de sua candidatura sofreu
nova ameaça no início de setembro, em virtude de um episódio protagonizado pelo
ministro Rubens Ricupero. Em conversa informal com um repórter enquanto
aguardava o começo de um programa de televisão, o ministro fez comentários que
indicavam o envolvimento da máquina do governo na campanha de Fernando
Henrique. Captada por antenas parabólicas das redondezas, a conversa foi
tornada pública, fornecendo munição para seus adversários, que, no entanto, não
puderam tirar maior proveito político do fato porque o Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) proibiu a reprodução do diálogo na propaganda gratuita de rádio
e TV. O episódio, que resultou na renúncia de Ricupero, não afetou a tendência
de parte significativa do eleitorado, que migrava da candidatura petista para a
de Fernando Henrique. Com a inflação já em patamares pouco superiores a 1%, o candidato
do PSDB firmava-se como franca favorito.
Realizado o primeiro turno da eleição em 3 de
outubro, Fernando Henrique obteve uma vitória esmagadora: 54,3% dos votos
(34.376.367 votos, em números absolutos), contra 27% dados a Lula.
Em seu discurso de despedida no Senado, já como
presidente eleito, Fernando Henrique sustentou a tese de que a principal
questão a ser resolvida no país era a superação do modelo de desenvolvimento
implantado pelo presidente Getúlio Vargas, no qual o Estado detinha o papel de principal
fonte de investimentos e perseguia uma linha de desenvolvimento relativamente
autárquica em relação ao resto do mundo. O grande desafio seria, então,
reformar o Estado, restringindo seu papel ao de regulador da economia e
provedor de saúde e educação para o povo.
Antes mesmo da posse, Fernando Henrique começou a
receber adesões imprescindíveis para a implementação do programa de reformas.
Em 23 de dezembro, oito governadores eleitos na legenda do PMDB anunciaram que
o apoiariam, autorizando o presidente do partido, o deputado federal
catarinense Luís Henrique da Silveira, a negociar a participação dos
peemedebistas no futuro ministério, no bloco parlamentar de sustentação do
governo e na discussão das reformas constitucionais.
Na Presidência da República
Fernando Henrique Cardoso foi o primeiro homem
público perseguido pelo regime militar a assumir o cargo de presidente da
República no Brasil. Esse vínculo com a luta democrática seria resgatado meses
depois, quando ele encaminhou ao Congresso um projeto de indenização às
famílias de desaparecidos políticos.
Seu discurso de posse, em 1º de janeiro de 1995,
deu ênfase à situação política do país. O Brasil fizera uma transição mais
lenta que outros países que também haviam saído de situações autoritárias, mas
a realizara de forma mais ampla e em nível mais profundo, combinando a
restauração das liberdades democráticas com a reforma da economia. Em seu
governo, a justiça social seria a principal meta, mas para atingi-la seria
preciso reorganizar o Estado, pois a administração federal se encontrava
deteriorada pelos desmandos financeiros, o clientelismo, o corporativismo, a
ineficiência e a corrupção. A vitória que acabara de conquistar significava que
a maioria do povo brasileiro desejava a continuidade do Plano Real e as
reformas estruturais necessárias para afastar definitivamente o perigo da
inflação.
Para auxiliá-lo no trabalho que se propunha
empreender, entregou alguns ministérios a amigos seus de longa data, como
Sérgio Mota (Comunicações), Francisco Weffort (Cultura), Paulo Renato Sousa
(Educação) e, José Serra (Planejamento e Orçamento). Para a Fazenda nomeou
Pedro Malan, a quem havia indicado para a presidência do Banco Central quando
ele próprio ocupava essa pasta, no governo Itamar Franco. Completou a equipe
ministerial com Luís Carlos Bresser-Pereira (Administração e Reforma do
Estado); José Eduardo de Andrade Vieira (Agricultura e
Abastecimento); José Israel Vargas (Ciência e Tecnologia); Dorotéia Werneck
(Indústria, Comércio e Turismo); Nelson Jobim (Justiça); Gustavo Krause (Meio
Ambiente, Recursos Hídricos e Amazônia Legal); Raimundo de Brito (Minas e
Energia); Reinhold Stephanes (Previdência e Assistência Social); Luís Felipe
Lampreia (Relações Exteriores); Adib Jatene (Saúde); Paulo Paiva (Trabalho);
Odacir Klein (Transportes); brigadeiro Mauro Gandra (Aeronáutica); general
Zenildo Zoroastro de Lucena (Exército), e almirante Mauro César Pereira
(Marinha). Nomeou ainda Clóvis Carvalho (Casa Civil); general Alberto Mendes de
Cardoso (Casa Militar); general Benedito Onofre Bezerra Leonel (Estado-Maior
das Forças Armadas). Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, foi designado
ministro extraordinário de Esportes, e, para as Secretarias de Estado ligadas
diretamente à Presidência da República, foram escolhidos Eduardo Jorge Caldas
Pereira (Secretaria-Geral), Ronaldo Sardenberg (Assuntos Estratégicos) e
Roberto Muylaert (Comunicação).
Empossado o novo Congresso no dia 1º de fevereiro,
Fernando Henrique apoiou ativamente as candidaturas do deputado Luís Eduardo
Magalhães (PFL-BA) à presidência da Câmara, que derrotou a de José Genoíno
(PT-SP), e de José Sarney (PMDB-MA) à presidência do Senado. Definia, assim, o
elemento central da base parlamentar de que disporia para implementar seu
programa de reformas, constituída pelos partidos que o haviam apoiado — PSDB,
PFL e PTB —, pelo PMDB e outros partidos de menor expressão.
A despeito da amplitude dessa base, era geral no
Congresso a impressão de que o governo enfrentaria dificuldades para
concretizar as reformas. A maioria dos deputados e senadores se manifestara
pelo “enxugamento” do texto constitucional, considerado muito detalhista, mas
havia resistências a medidas específicas, principalmente a modificações das
regras do sistema previdenciário, ao fim da estabilidade dos servidores
públicos no emprego e à quebra dos monopólios do petróleo e das
telecomunicações. Tendo sancionado, em 13 de fevereiro, a lei de sua iniciativa
no Senado — a de Concessões Públicas —, que abriu à iniciativa privada a
exploração de serviços prestados pelo Estado como a distribuição de energia
elétrica e o abastecimento de água, Fernando Henrique apresentou ao Congresso,
nove dias depois, o primeiro grupo de reformas que implicavam emendas à
Constituição. Os cinco principais temas eram os seguintes: redefinição do
conceito de empresa brasileira, fim do monopólio estatal sobre o petróleo e as
telecomunicações, liberação da participação do capital privado na distribuição
de gás natural canalizado e permissão para que capitais estrangeiros
participassem da navegação de cabotagem. A divulgação dessas metas provocou
protestos em vários pontos do país, e o presidente foi alvo de manifestações
oposicionistas, algumas com certa violência, como em Recife e no Rio de
Janeiro.
O programa de reformas enfrentou seu teste de
estréia em maio, um mês de altíssima densidade política para o governo. No dia
3 teve início uma greve nacional dos petroleiros. Logo em seguida, cerca de
trezentos mil servidores federais paralisaram as atividades em protesto contra
as propostas de privatização dos Correios e das empresas do setor elétrico, e
em defesa do monopólio estatal nos setores de petróleo e de telecomunicações.
Reivindicavam ainda reajuste mensal dos salários pelo índice de inflação
apurado pelo órgão de pesquisa econômica dos sindicatos, o Departamento de
Estudos Estatísticos e Socioeconômicos (DIEESE).
Nos dias que se seguiram, porém, o governo obteve
algumas vitórias. Aprovou na Câmara a emenda que redefinia o conceito de
empresa nacional, eliminando restrições ao capital estrangeiro e, em primeiro
turno, as emendas referentes ao fim da reserva de mercado na navegação de
cabotagem e à extinção do monopólio estatal das telecomunicações.
Já as emendas relativas à reforma da administração
federal e da previdência, tidas como imprescindíveis para a redução dos gastos
públicos, encontraram resistência maior no Congresso. Representantes da
oposição e da própria base governista na Câmara dos Deputados fizeram muitas
alterações no projeto do governo para a reforma administrativa, que ficaria
parado no Senado. Os pontos que despertaram maiores polêmicas foram a quebra da
estabilidade dos servidores públicos no emprego, as regras da disponibilidade e
da paridade salarial e a proibição de empréstimos e convênios federais com
estados e municípios que não se adaptassem à exigência constitucional que
limitava os gastos com pessoal a 60% da arrecadação.
No início de 1996, Fernando Henrique abriu
negociações para a incorporação do Partido Progressista Brasileiro (PPB) à base
de sustentação do governo no Congresso. Embora o PPB já manifestasse apoio ao
governo desde o início, e sua bancada em geral apoiasse as propostas
encaminhadas pelo Executivo, o partido não integrava formalmente a aliança
governista. Além disso, o principal líder da agremiação, Paulo Maluf, mais uma
vez cogitando lançar-se na disputa pela presidência da República, insistia em
manter o partido numa faixa política própria, com autonomia em relação ao
governo federal. Temendo enfrentar dificuldades para aprovar itens importantes
das reformas com votações previstas para os meses seguintes, o governo nomeou
em maio o pepebista Francisco Dornelles para a pasta da Indústria, Comércio e
Turismo, até então ocupada por Dorotéia Werneck. Na ocasião foram criados os
ministérios extraordinários de Coordenação de Assuntos Políticos – destinado a
cuidar da articulação política do governo – e de Política Fundiária, ocupados,
respectivamente, por Luís Carlos Santos e Raul Jungmann. Houve ainda outras
substituições, com a nomeação do senador mineiro Arlindo Porto para o
Ministério de Agricultura e do Abastecimento, Carlos Albuquerque para o
Ministério da Saúde, e Antonio Kandir para o Ministério do Planejamento e
Orçamento.
Em 9 de abril de 1997, finalmente, o plenário da
Câmara aprovou a emenda da reforma administrativa. O substitutivo do relator,
deputado Moreira Franco (PMDB-RJ), foi aprovado por um voto a mais que o mínimo
de 308 necessários. Entre os assuntos afetados pela emenda estavam a idade de
75 anos para a aposentadoria compulsória do servidor público, que até então
ocorria aos 70 anos, e a demissão de servidores, dos quais era exigido um
estágio probatório de dois anos e que passaram a ter garantia de estabilidade
no emprego somente depois de cinco anos. Além disso, a emenda tornou possível a
demissão de servidores estáveis quando o gasto com a folha de pagamento
ultrapassasse 60% da receita.
A tramitação da emenda da previdência não foi mais
fácil. Apresentada ao Congresso em março de 1995, dois anos e meio depois
continuava em discussão, embora só propusesse mudanças gerais, deixando as
especificações para a legislação complementar. A Câmara decidiu detalhar
algumas regras previdenciárias na própria emenda, o que provocou polêmicas. No
final aprovou-se um texto que pouco mudava o sistema vigente. No Senado, o
substitutivo apresentado reincorporou parte das propostas do governo, mas
precisou voltar à Câmara para ser aprovado. Apenas em janeiro de 1998 o
Congresso aprovaria definitivamente a emenda da reforma previdenciária, embora
alterando medidas propostas originalmente pelo governo.
Na virada do primeiro semestre de 1997, estavam
regulamentadas importantes mudanças na legislação econômica do país, como o fim
do monopólio da Petrobras sobre a exploração e o refino do petróleo, que
liberou esse mercado para as grandes multinacionais do setor, até então
restritas à distribuição; quebra do monopólio da Petrobras sobre a exploração
de gás natural; privatização do setor de telecomunicações, o que permitiu a
venda das empresas estatais do setor para o capital privado e estabeleceu a
criação da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), responsável pela
regulamentação do setor; e a abertura da navegação de cabotagem a empresas de
capital estrangeiro.
O governo fez reformas também na área de educação,
um dos cinco pontos prioritários do programa eleitoral de Fernando Henrique.
Inicialmente empreendeu-se uma investigação sobre o quadro do ensino no país.
Para isso, avaliaram-se os cursos de primeiro e segundo graus e de nível
superior — graduação e pós-graduação — e implantou-se o Exame Nacional de
Cursos, conhecido como “provão”, compulsório para os formandos. Em 20 de
dezembro de 1996, foi sancionada a nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB),
baseada em projeto do senador Darcy Ribeiro (PDT-RJ). Entre as inovações
trazidas pela LDB estava o fim da obrigatoriedade do exame vestibular para o
acesso ao ensino superior. Foi lançado à discussão da sociedade, também, um
projeto de reforma do ensino médio com o fim de dirigir os alunos, a partir da
segunda série, para cinco áreas específicas: ciências exatas, artes e
comunicação, ciências da vida, ciências sociais e humanas e gerência e
informática, favorecendo a profissionalização do ensino de segundo grau. A
divisão do curso de segundo grau em três séries seria substituída por outra, em
ciclos ou módulos. Seria instituído um currículo básico para os alunos de todo
o país, cobrindo 75% das disciplinas; o restante variaria de acordo com as
necessidades de cada estado, visando a atender às necessidades de
profissionalização ou preparação do aluno para o exame vestibular.
Na área de segurança — outro dos cinco pontos
prioritários do programa eleitoral — a atuação do governo, após dois anos e
meio, traduziu-se na criação da Secretaria Nacional de Segurança Pública; no
início da implantação de um banco de dados informatizado para tornar
acessíveis, no plano nacional, informações sobre mandados de prisão, veículos
furtados e armas de fogo; na reativação da Academia Nacional de Polícia; e na
criação de oito conselhos regionais de segurança pública, encarregados de ações
conjuntas de repressão a sequestros, tráfico de drogas e roubos e furtos de
carros. No fim do primeiro semestre de 1997, o governo federal foi chamado a
intervir na área de segurança de vários estados. Durante dois meses, policiais
militares e civis mobilizaram-se em 17 estados, promovendo greves e
manifestações que resultaram, em alguns casos, em confrontos violentos que
deixaram dois mortos e cerca de dez feridos. Embora convencido de que a
segurança pública deveria ser responsabilidade dos governadores, Fernando
Henrique coordenou um debate inicial sobre o assunto.
Política Econômica
A crise financeira do México, que eclodiu em
dezembro de 1994 e provocou a fuga de capitais daquele país, com repercussões
na Argentina, gerou o temor de que o fenômeno atingisse também o Brasil. Nos
meses de fevereiro e março de 1995, capitais no valor de cerca de 1,5 bilhão de
dólares deixaram o país. Para evitar uma crise cambial que afetaria o núcleo
estratégico da sustentação do plano de estabilização econômica, o governo
reagiu em março de 1995 com várias medidas: alterou para cima a banda cambial
(faixa de valores em real em que o dólar podia flutuar), aumentou as taxas de
juros, eliminou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para empréstimos e
aplicações de capital estrangeiro nas bolsas de valores etc. As medidas geraram
um clima de desconfiança na estabilidade do real e intenso movimento
especulativo com a moeda norte-americana, obrigando o Banco Central a intervir
no mercado cambial e a vender cerca de cinco bilhões de dólares das reservas
internacionais do país.
A política de abertura econômica também provocou
queda das reservas. O barateamento das importações, iniciado no governo Collor,
e o incremento do consumo, permitido pela estabilidade da moeda, geraram
repetidos déficits na balança comercial. Para reverter a tendência, em março o
governo aumentou em mais de 100% a alíquota de importação de automóveis e de
mais de uma centena de itens da pauta de importações. Para inibir o consumo,
atrair capitais externos e recuperar a balança comercial, elevou ainda mais as
taxas de juros. Como o ritmo da economia permanecia acelerado, adotou medidas
de restrição ao crédito bancário.
Na véspera do primeiro aniversário do Plano Real, o
governo promoveu a desindexação da economia: proibiu o reajuste automático de
salários pela inflação e instituiu a livre negociação entre patrões e
empregados; determinou que, a partir daquela data, nenhum contrato poderia ter
cláusula de correção inferior a um ano, abrindo exceção apenas para o reajuste
da Ufir, que corrigia os impostos federais trimestralmente; extinguiu o Índice
de Preços ao Consumidor em Real (IPC-r), criado um ano antes para funcionar por
12 meses. Uma safra agrícola de dimensões inéditas e os ganhos obtidos com os
reajustes praticados durante a implantação do real contribuíram decisivamente
para a manutenção dos preços em níveis estáveis.
Em setembro, a inflação se converteria em deflação,
registrando-se baixa de preços em diversos setores. Ainda nesse mês, o governo
anunciou o Plano Plurianual de Investimentos (PPA) para o período 1996-1999.
Com o objetivo geral de modernizar a economia e reduzir os desequilíbrios
sociais, o programa projetava para o período uma taxa de crescimento anual
médio do Produto Interno Bruto (PIB) da ordem de 4,6%. Até 1999,
a renda per capita deveria crescer 14%, enquanto os
índices de mortalidade infantil se reduziriam em 50%. Outras metas importantes
eram a reestruturação geral do sistema de telecomunicações, o investimento na
conclusão de 17 usinas geradoras de energia e construção de outras dez, e a
implantação de sistemas de água e esgoto em oitocentos municípios. Segundo o
governo, o PPA significaria um investimento global de 459 bilhões de reais.
A queda das taxas de inflação e as medidas de
contenção do consumo tiveram forte impacto negativo no mercado financeiro.
Privado, por força de estabilização da moeda, de grande parte dos lucros que
obtinha com a especulação financeira, o sistema bancário enfrentou dificuldade
para adaptar-se à nova situação. Foram atingidos bancos estaduais e privados,
entre os quais o Econômico e o Nacional. O Banco Central decretou, em 11 de
agosto de 1995, a intervenção no Econômico, com sede na Bahia e
oitavo maior banco do país. A medida foi estendida aos bancos Mercantil de
Pernambuco e Comercial de São Paulo. O caso assumiu contornos políticos em
virtude da intervenção do senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), que, à frente
de seus companheiros de bancada — importante esteio de Fernando Henrique no
Congresso —, exerceu forte pressão sobre o governo no sentido de evitar que o
Econômico fosse liquidado. Embora as análises revelassem que a situação
financeira do banco baiano era das mais complicadas, o Banco Central, para
evitar os efeitos violentos que sua liquidação teria sobre os interesses dos
depositantes e o sistema financeiro do país, dispôs-se a vendê-lo. No início de
setembro, o Banco Interatlântico, do grupo Monteiro Aranha, e o Swiss Bank
chegaram a se reunir com as autoridades do Banco Central, mas o negócio não se
concretizou.
Em novembro, informações alarmantes em circulação
no mercado financeiro a respeito da saúde do Banco Nacional indicaram que os
problemas se agravavam. Um intenso movimento de saques contra o banco levou a
Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a suspender os negócios com suas ações na
Bolsa de Valores de São Paulo.
Diante desse quadro, o governo federal editou, no
dia 17 de novembro, uma medida provisória que ampliou os poderes do Banco
Central para intervir no sistema financeiro, além de dispor sobre os mecanismos
de transferência de controle acionário e fusão de instituições bancárias. No
dia seguinte foi decretada a intervenção no Banco Nacional, anunciada como
forma de viabilizar sua aquisição pelo Unibanco, que já vinha sendo negociada.
Em seguida foi decretada a indisponibilidade dos bens de cerca de 20 pessoas
que haviam participado da administração do banco nos 12 meses anteriores. Abria
a lista o nome de Ana Lúcia Catão de Magalhães Pinto, nora do presidente da
República.
O caso do Econômico foi resolvido com sua venda ao
Banco Excel. Quanto ao Nacional, as irregularidades detectadas pelas
autoridades financeiras em suas contas suscitaram no Senado um movimento pela
instalação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar o
sistema financeiro nacional. A iniciativa, que não contou com o apoio de
Fernando Henrique, foi, contudo, prontamente abortada pela ação coordenada dos partidos
governistas.
A experiência com a crise bancária inspirou o
governo a regulamentar o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao
Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), lançado em novembro de
1995 para evitar que a quebra de grandes bancos tivesse efeitos multiplicadores
sobre todo o sistema financeiro. Com os recursos do programa, o Banco Central
pôde financiar a aquisição de bancos problemáticos por bancos saudáveis. O
programa foi acusado pela oposição de pouco transparente, de não divulgar o uso
do dinheiro e o andamento dos empréstimos e de ter eliminado o risco da
atividade bancária. Por uma medida provisória baixada no dia 17, o governo
autorizou o Banco Central a alterar o controle acionário de bancos
mal-administrados. No dia seguinte, já sob o novo regime, o Banco Nacional foi
vendido ao Unibanco. Em julho de 1996, o Banco Central começou a negociar um
acordo com o Bamerindus, controlado pelo senador José Eduardo de Andrade Vieira
(PTB-PR), ministro da Agricultura. Em abril de 1997, o banco foi vendido ao
Hongkong and Shanghai Banking (HSBC) inglês.
Quanto ao programa de privatização de empresas do
setor público, o governo Fernando Henrique teve dificuldades para acelerar o
ritmo da sua execução. Algumas rodovias federais, trechos da Rede Ferroviária
Federal, a malha oeste (São Paulo a Mato Grosso do Sul) e a malha centro-oeste
(espalhada por sete estados), assim como a Light e a Companhia de Eletricidade
do Rio de Janeiro (CERJ), foram transferidos ao capital privado. A operação de
privatização de maior impacto, a da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), provocou
intensa polarização política envolvendo garimpeiros, entidades da sociedade
civil, parlamentares etc., e o processo só foi concluído em maio de 1997,
quando a empresa teve seu controle acionário comprado por um consórcio formado
por bancos nacionais e estrangeiros e fundos de pensão, liderado pela CSN,
ex-estatal privatizada anos antes.
Vencido o terceiro ano de vigência do Plano Real,
mudanças importantes foram registradas na economia e na sociedade brasileiras.
Graças à drástica contenção do processo inflacionário, os rendimentos médios
dos trabalhadores assalariados cresceram significativamente. Outro aspecto que
marcou o Plano Real foi sua dependência dos capitais externos. Baseando a
estabilização monetária no câmbio, o plano sobrevalorizou o real, de maneira a
incentivar as importações e pressionar para baixo os preços internos. Resultou
daí a tendência ao déficit da balança comercial, gerado pela diferença
crescente entre o que se gastava com importações e o que o país conseguia com
suas exportações. Por outro lado, parcela expressiva das reservas acumuladas
foi formada pela captação de capitais especulativos, de permanência muito curta
na economia nacional. Para atraí-los, foi necessário manter as taxas de juros
em patamares muito altos, o que configurou uma situação adversa ao crescimento
da economia no ritmo necessário à geração de empregos suficientes para absorver
a força de trabalho que anualmente tenta ingressar no mercado de trabalho. O
índice de desemprego, segundo dados da Fundação Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (FIBGE), chegou em 1997 a 5,66%, o mais alto
desde 1992.
Em relação à agricultura, o governo marcou presença
com a criação do novo Imposto de Transmissão Rural (ITR), que elevou as
alíquotas para gravar a propriedade improdutiva. Conseguiu, também, aprovar o
“rito sumário”, que tornou possível a desapropriação imediata de terras
consideradas improdutivas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA).
A questão agrária continuou, porém, um foco de
graves problemas no campo, levando Fernando Henrique a entregar a coordenação
de ações contra a violência rural ao Ministério da Justiça. O aumento do número
de famílias assentadas pelo governo não foi o suficiente para neutralizar os
conflitos.
Em Busca de um Novo Mandato
No dia 1º fevereiro de 1995, o deputado José
Mendonça Filho (PFL-PE) apresentou ao Congresso emenda constitucional
facultando o direito de reeleição a chefes de Executivo, inclusive àqueles
então no exercício do cargo. A matéria seria objeto de uma longa tramitação,
não só por questões de princípio levantadas pela oposição, mas também porque
envolvia interesses de candidatos em potencial.
Passado o primeiro turno das eleições municipais de
outubro de 1996, os parlamentares governistas começaram as articulações visando
à aprovação da emenda no Congresso. O tema foi transformado no principal item
da agenda política de Fernando Henrique, o que lhe valeria a acusação de
concentrar energias na sua reeleição, descuidando dos problemas do país.
A tramitação da emenda seria fortemente
influenciada pela disputa entre o PFL e o PMDB pelas presidências da Câmara e
do Senado. Entretanto, outros partidos da base governista, como o PPB e o
Partido Liberal (PL), também fariam pressão sobre o governo para obter cargos
em troca de apoio à emenda.
Depois de sucessivos adiamentos da votação,
determinados, entre outros motivos, pelo apoio do presidente da República à
candidatura de Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) à presidência do Senado,
finalmente, em 14 de janeiro de 1997, a emenda da reeleição foi
aprovada na comissão especial da Câmara, levando Fernando Henrique a afirmar
que o Congresso, ao aprová-la, ouvira a “voz rouca das ruas”. Depois de dez
dias de negociações, em 28 de janeiro a emenda foi aprovada pela Câmara em
primeiro turno. A emenda ainda seria submetida a uma segunda votação e, depois,
enviada ao Senado.
O governo precisaria esperar a eleição dos novos
presidentes do Senado e da Câmara para votar em segundo turno a reeleição. Os
candidatos apoiados por Fernando Henrique saíram vitoriosos. No dia 4 de
fevereiro, Antônio Carlos Magalhães foi eleito presidente do Senado, derrotando
por ampla margem de votos Íris Resende (PMDB-GO). No dia seguinte foi a vez de
Michel Temer (PMDB-SP) eleger-se presidente da Câmara com maioria absoluta,
superando Wilson Campos e Prisco Viana.
Realizada a segunda votação na Câmara em 25 de
fevereiro, a emenda da reeleição foi aprovada. No Senado foi aprovada
definitivamente em 4 de junho. Opuseram-se à reeleição, além dos 11 senadores
do bloco da oposição, uma senadora do PTB, um senador do PFL e outro do PMDB.
Abstiveram-se de votar dois representantes do PPB. Em seguida a emenda foi
promulgada em sessão solene do Congresso.
O estabelecimento do direito à reeleição inaugurou
uma situação inédita na história eleitoral do Brasil. Nunca um ocupante de
cargo eletivo do Poder Executivo federal tinha tentado a reeleição. Durante a
revisão constitucional de 1993/1994, quando o mandato do presidente foi
reduzido de cinco para quatro anos, debatera-se a questão, mas o favoritismo de
que o candidato do PT, Luís Inácio Lula da Silva, desfrutava nas pesquisas de
opinião foi um obstáculo à aprovação da medida. Agora, os prognósticos
favoreciam Fernando Henrique, imediatamente apontado pelo presidente do Senado,
Antônio Carlos Magalhães, como candidato à reeleição. Para os líderes
situacionistas, o governo iniciava uma nova etapa, com o presidente certo de que
poderia disputar novo mandato em 1998. O Congresso, por sua vez, passaria a
cuidar das reformas constitucionais restantes, inclusive e especialmente a
tributária, enquanto o governo e o presidente se ocupariam prioritariamente com
ações de política pública.
Em março-abril de 1998, Fernando Henrique reformou
mais uma vez a equipe ministerial, nomeando Francisco Turra (Agricultura e
Abastecimento); José Botafogo Gonçalves (Indústria, Comércio e
Turismo); Renan Calheiros (Justiça); Paulo Paiva (Planejamento e Orçamento);
Waldeck Ornelas (Previdência e Assistência Social); José Serra (Saúde) e Edward
Amadeo (Trabalho). Na ocasião, criou também o MinistérioExtraordinário de
Reforma Institucional, nomeando para a pasta o senador piauiense Freitas Neto.
Ainda em abril, contudo, o governo sofreu um duro golpe ao perder dois de
seus principais aliados e articuladores: faleceram o ministro das Comunicações
Sérgio Mota, no dia 19, e o líder do governo na Câmara, Luís Eduardo Magalhães,
dois dias depois. Para o lugar de Mota foi nomeado Luís Carlos Mendonça de
Barros.
Fernando Henrique e Marco Maciel disputaram a
reeleição através da mesma coligação que os havia levado ao primeiro mandato,
reunindo PSDB, PFL e PTB, e mais PPB e PMDB. Seus principais adversários foram
Lula, candidato da coligação formada por PT, PDT, PSB e PCdoB, e Ciro Gomes, do
Partido Popular Socialista (PPS). A campanha foi feita com base nos mesmos
motes da anterior: estabilidade econômico-financeira e defesa do Plano Real.
Inicialmente, as pesquisas de intenção de voto apontavam grandes possibilidades
de vitória da chapa situacionista já no primeiro turno. Em meados do ano,
porém, a tendência se inverteu, apresentando elevação das preferências por Lula
e decréscimo da popularidade de Fernando Henrique. O comando da campanha optou,
então, por acentuar o tom conservador da sua candidatura, centrando fogo na
tese de que um governo petista implicaria o retorno da inflação e o
estabelecimento do caos social no país.
Em julho, Fernando Henrique já havia retomado a
trajetória ascendente, amparada, também, na estabilidade da moeda e na
capitalização política dos números alcançados pelo programa de privatizações,
que, ainda naquele mês, realizou sua mais espetacular operação, com a venda de
12 empresas estatais do setor de telecomunicações por cerca de 22 bilhões de
reais.
Realizado o pleito em 4 de outubro, Fernando
Henrique foi eleito no primeiro turno com cerca de 36 milhões de votos (53,06%
dos votos válidos), tornando-se o primeiro presidente reeleito da história
brasileira para dois mandatos sucessivos. Lula recebeu aproximadamente 22
milhões de votos (31,71%) e Ciro Gomes, quase 7,5 milhões (10,97%).
Em 28 de outubro, o governo lançou o Programa de
Estabilidade Fiscal para o triênio 1999-2001. Destinado a produzir resultados
que eliminassem as apreensões dos investidores estrangeiros quanto à capacidade
que o governo brasileiro teria de honrar seus compromissos financeiros internos
e externos, o programa identificava a previdência social como o principal fator
da crise das contas públicas e adotava uma série de medidas emergenciais, como
o corte de gastos e aumento dos impostos, além de criar a Lei de
Responsabilidade Fiscal, que estabeleceu critérios rigorosos para o
endividamento público municipal, estadual e federal e que entraria em vigor no
mês de maio seguinte. Em novembro, o ministro Pedro Malan viajou para
Washington com o objetivo de negociar com o FMI e com os bancos centrais de 20
países mais industrializados um pacote de ajuda de cerca de 41 bilhões de
dólares. O acordo foi referendado pelo Senado no mês seguinte.
O Segundo Governo
Empossado em 1º de janeiro de 1999, Fernando
Henrique Cardoso compôs seu ministério em acordo com as indicações dos partidos
da base aliada. Nele foram mantidos Francisco Turra (Agricultura e
Abastecimento), Luís Carlos Bresser-Pereira (agora na pasta da Ciência e
Tecnologia), Francisco Weffort (Cultura), Paulo Renato Sousa (Educação), Pedro
Malan (Fazenda), Fernando Bezerra (Integração Nacional), Renan Calheiros (Justiça), Paulo
Paiva (Planejamento e Orçamento), Waldeck Ornelas (Previdência), Luís Felipe
Lampreia (Relações Exteriores), José Serra (Saúde), Francisco Dornelles (agora
na pasta do Trabalho e Emprego), Eliseu Padilha (Transportes), general Alberto
Cardoso (Casa Militar, posteriormente Gabinete Institucional), general Benedito
Onofre Bezerra Leonel (Casa Militar), Raul Jungmann (Ministério
Extraordinário de Política Fundiária)e Ronaldo Sardenberg (Ministério
Extraordinário de Projetos Especiais). Os novos nomeados foram Pimenta da Veiga
(Comunicações), Celso Lafer (Desenvolvimento, Indústria e Comércio),
Rafael Greca (Esporte e Turismo), Sarney Filho (Meio Ambiente), Rodolfo
Tourinho (Minas e Energia), Walter Werner Bräuer (Aeronáutica), Gleuber
Vieira (Exército), Sergio Gitirana Florêncio Chagasteles (Marinha) e Pedro
Parente (Casa Civil). Nas Secretarias de Estado, foram empossados Cláudia
Costin (Administração e Patrimônio), Wanda Aduan (Assistência Social) Andrea
Matarazzo (Comunicação de Governo), Sérgio Cutolo (Desenvolvimento Urbano),
José Gregori (Direitos Humanos – assumira em 1997, quando fora criada a
Secretaria), Edward Amadeo (Planejamento e Avaliação), Eduardo Graeff (Relações
Institucionais) e Aluísio Nunes Ferreira (Secretaria-Geral).
Durante a posse, Fernando Henrique anunciou a
criação, ainda em condição extraordinária, do Ministério da Defesa, decisão que
vinha sendo gestada desde o início do seu primeiro governo e que resultara no
encaminhamento ao Congresso Nacional do Projeto de Lei Constitucional nº 250,
de 1998. A proposta de criação do novo ministério e de extinção dos
ministérios do Exército, Marinha e Aeronáutica, que passariam a comandos, havia
suscitado resistências nos meios militares, mas Fernando Henrique conseguira
vencê-las. No entanto, diante da reivindicação dos militares de que o novo
ministro não fosse um político, o escolhido, Élcio Álvares, teve que se
desligar do PFL para assumir a pasta. Segundo Fernando Henrique Cardoso, seu
nome fora sugerido pelo almirante Mauro César Pereira, ministro da Marinha
durante seu primeiro governo. A data efetiva da criação do Ministério da Defesa
foi 10 de junho de 1999, quando foi aprovada a Medida Provisória 1799-6, que
extinguiu o Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA) e os ministérios militares.
Ainda no início seu segundo mandato Fernando
Henrique enfrentou problemas decorrentes da decisão do novo governador de Minas
Gerais, Itamar Franco, tomada no dia 13 de janeiro, no sentido de decretar a
moratória, por 90 dias, da dívida do estado com a União, que havia sido
renegociada com o governo anterior e montava a 18,6 bilhões de reais. Foram
suspensos, também, os pagamentos da dívida flutuante, no valor de 3,2 bilhões
de reais, e de financiamentos internacionais. A medida contribuiu para a desvalorização
dos títulos brasileiros no exterior, e o governo federal, em resposta, parou de
repassar para Minas Gerais recursos determinados pela Constituição, como os do
Fundo de Participação dos Municípios. Ao final, a dívida mineira foi repactuada
em fevereiro de 2000.
Chegavam ao Brasil, também, os efeitos de nova
crise financeira internacional, cujo epicentro se localizara, no ano anterior,
na Rússia. Bilhões de dólares foram retirados do país por investidores. Em face
das dificuldades para manter a “âncora cambial” que até então sustentara o
Plano Real, o governo procedeu a uma radical mudança na área
econômico-financeira. O regime cambial passou de fixo a flutuante, embora se
mantivesse a possibilidade de intervenção do Banco Central no mercado. Um sistema
de metas inflacionárias substituiu o então vigente, vinculado às bandas
cambiais. Por fim, operacionalizou-se a execução de um dos compromissos do
acordo feito com o FMI, pelo qual o regime fiscal foi alterado pela
obrigatoriedade de manter-se um superávit primário elevado que garantisse uma
proporção segura entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB). A
desvalorização do real implicou o aumento dos juros e da dívida brasileira e
levou o país a uma das mais graves crises de sua história. Além disso, houve,
na época, sinais de vazamento de informações do Banco Central que teriam
beneficiado instituições bancárias.
Observando as condições do FMI, Fernando Henrique
reforçou a perspectiva neoliberal que orientara seu primeiro governo. A redução
progressiva das dimensões do Estado e a busca de superávits nas contas
públicas, para tranquilizar os credores internos e externos, tornaram-se os
objetivos inquestionáveis do governo federal. Com isso, passavam ao segundo
plano os investimentos de sentido diretamente social, em especial nas áreas da
educação e saúde. Coerentemente com a tese de que a previdência social era um
dos principais fatores de crise das contas públicas, o governo baixou, em
novembro de 1999, a chamada Lei do Fator Previdenciário (Lei n°
9.876), que, entre outras mudanças na legislação vigente, alterou o cálculo dos
benefícios, introduzindo redutores que rebaixaram as perspectivas pecuniárias
dos aposentados.
Uma precária estabilidade financeira obtida em 2000
após a crise cambial não resistiu à incidência de eventos que abalaram o
funcionamento do mercado. Na passagem de 2000 para 2001, o
governo estabeleceu o corte 20% do consumo de eletricidade em quase todo o
país (a região Sul não participou do racionamento, tendo em vista que suas
represas estavam cheias), oferecendo estímulos aos consumidores que cumprissem
a meta e sanções para os que não as respeitassem. A incidência de fortes chuvas
em fins de 2001 tornou possível a suspensão do racionamento em fevereiro de
2002, mas não impediu que Fernando Henrique fosse alvo de pesadas críticas, que
lhe atribuíam importante papel negativo no quadro de histórica carência de
investimentos no setor elétrico, vista como responsável pelo “apagão”, como
ficaria conhecida a crise de abastecimento de energia. A capacidade do governo
de garantir o funcionamento da infraestrutura do país foi questionada, o que
não contribuiu para tranquilizar os investidores.
No front externo, problemas com as economias
norte-americana e argentina, bem como os atentados ocorridos nos Estados Unidos
em 11 de setembro de 2001, resultaram em perturbações no mercado cambial e na
redução da disponibilidade de capitais externos para investimentos
produtivos. A proximidade das eleições em 2002 complicou o quadro de insegurança
dos investidores externos, contribuindo para a queda dos investimentos e para o
agravamento das pressões inflacionárias. A situação preocupou seriamente as
autoridades da área econômico-financeira, bem como os investidores, diante da
possibilidade de eleição de um candidato oposicionista que reorientasse
radicalmente a política monetária. Um compromisso dos candidatos e, no ano
seguinte, as primeiras declarações do novo presidente, Luís Inácio Lula da
Silva, desanuviariam contudo expectativas.
No último ano do governo Fernando Henrique, 2002, o
Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro registrou um crescimento de 1,93 %,
contra 4,22 % em 1995, ano de sua primeira posse. A taxa de desemprego aberto
foi de 6.2%, contra 4,64 % em 1995. A renda média do trabalhador
registrou crescimento negativo de 0,6 %, contra a taxa positiva de 11% em 1995.
O real, que em 1995 valia 0,97 do dólar norte-americano, custava 3,73 dólares
em 2002. Em contrapartida, a inflação – principal alvo das gestões do
presidente Fernando Henrique Cardoso – foi de 7,61%, contra 22,41 % em 1995.
O Quadro Político
No segundo governo, Fernando Henrique Cardoso
encontrou dificuldades relativamente maiores do que no primeiro para
implementar seu programa político-administrativo, devido tanto à ação das
correntes oposicionistas quanto a problemas internos em sua base de apoio.
Aberta a temporada sucessória para a presidência do Senado, em inícios de 2000,
Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) envolveu-se em violenta disputa com o senador
Jader Barbalho (PMDB-PA), com farta troca de acusações de corrupção. Barbalho
venceu a eleição em fevereiro de 2001, e Antônio Carlos Magalhães, sentido-se
traído pelo PSDB, lançou-se a uma campanha de críticas ao governo federal,
acusando-o de conivência com a corrupção, o que acabaria por levar à demissão
de dois ministros que havia indicado: Rodolfo Tourinho (Minas e Energia) e Waldeck Ornelas (Previdência
Social). Em represália, o senador assinou em março, com Ornelas, o
requerimento da oposição que propunha a criação de uma CPI da Corrupção, para
investigar o governo de Fernando Henrique. Em seguida, contudo, ambos
retiraram o apoio à iniciativa.
Nesse ínterim, estourou, ainda em fevereiro de 2001, outra crise. Segundo notícia que circulou na imprensa e nos meios políticos, Antônio Carlos teria confessado a procuradores do Ministério Público a violação do sigilo do voto eletrônico, em junho de 2000, na sessão de cassação do senador Luís Estevão (PMDB-DF), acusado de envolvimento em irregularidades financeiras. O senador teria recebido a lista com os votos de seus pares das mãos de José Riva maioria (61,3% dos votos).
A crise envolveu os partidos do presidente e do vice-presidente Marco Maciel (PFL-PE), aliados desde 1993, quando Fernando Henrique ainda era ministro da Fazenda e articulava o Plano Real. As disputas pela presidência da Câmara e do Senado em 2001 acabaram por aproximar o PSDB e o PMDB, enfraquecendo o PFL. Em 2002, contudo, a escolha do candidato à sucessão presidencial dividiu o PSDB, e José Serra, o escolhido, não conseguiu unanimidade no interior do partido. Da parte do PFL, a percepção de que o PSDB tendia a preferir um nome do PMDB para candidato a vice-presidente levou ao lançamento da candidatura presidencial de Roseana Sarney (PFL-MA), que acabaria por se retirar da disputa em março, em virtude do envolvimento do seu nome em denúncias de corrupção, mas marcaria a entrada do partido, pela primeira vez desde sua criação em 1985, no campo oposicionista. Em questões importantes para o governo, como a definição do salário mínimo e a prorrogação da CPMF, decididas em 2002, muito perto da eleição presidencial, o PFL votou com a oposição.
O PFL se absteria, afinal, de lançar ou apoiar oficialmente um candidato à sucessão presidencial. Em fins de 2002, a coalizão governista sofreu outras perdas expressivas. O afastamento do PTB e do PPB enfraqueceu a candidatura de José Serra, que teria como suporte básico a aliança entre o PSDB e a maioria do PMDB. Realizado o pleito em outubro, Serra passou ao segundo turno com Luís Inácio Lula da Silva – apoiado pelo PT, PCdoB, PCB, PL e Partido da Mobilização Nacional (PMN) –, que venceu a eleição com express
Balanço
Ao final do segundo governo de Fernando Henrique
Cardoso, a economia brasileira estava em situação delicada. A extrema
dependência do capital estrangeiro criava problemas cambiais e monetários, com
o reinício do processo inflacionário. A permanente política de juros altos
limitava o crescimento econômico. Resultados positivos da balança comercial não
geravam saldos suficientes para cobrir os custos da dívida externa, sempre
crescente. Por outro lado, as reservas em moeda estrangeira permaneciam em patamares
considerados baixos pelos investidores estrangeiros, agravando a percepção de
risco para seus interesses.
O problema da ampla parcela da população situada na
faixa de pobreza foi equacionado, também, de acordo com a ótica neoliberal
predominante. Esperou-se que a estabilização da moeda propiciasse incrementos
na renda real do conjunto da população, contribuindo para a melhoria da
situação dos mais pobres. Por outro lado, para integrar a ação assistencialista
do governo, criou-se, em meados do segundo mandato de Fernando Henrique, a Rede
de Proteção Social, composta por mecanismos de redistribuição de renda já
implantados, como Bolsa-Escola, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
(PETI), “auxílio-gás” e aposentadorias rurais.
O quadro na área cultural apresentava os resultados
da opção feita por Fernando Henrique em seus dois mandatos: transferir parte
expressiva da responsabilidade estatal para a iniciativa privada, através da
legislação de incentivos fiscais (Lei Rouanet e Lei do Audiovisual).
Embora tenha havido uma revitalização do setor, em comparação com a situação
herdada do governo Collor, que desmantelou suas estruturas, a prioridade
conferida aos investimentos oriundos de “incentivos”, em grande parte feitos
por empresas estatais, resultou na dependência dos agentes culturais em relação
a interesses mercantis. Um dos resultados mais importantes dessa política foi o
reforço da concentração do acesso à cultura nos grandes centros,
permanecendo grande parte dos municípios brasileiros sem cinemas, bibliotecas,
museus ou teatros.
No plano da educação, o assistencialismo foi a
tônica no atendimento à infância, que permaneceu muito restrito, tanto em
termos quantitativos quanto em termos qualitativos. As estatísticas oficiais
davam conta de um aumento extraordinário na frequência escolar infantil, mas
outros indicadores revelavam a precariedade da formação dos professores e das
instalações escolares. Enquanto o ensino médio permanecia no quadro
estabelecido no primeiro mandato, regulado pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), com suas Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio,
o ensino superior foi alvo de uma política que deu prioridade à expansão do
número de vagas, com o estímulo a instituições privadas, mas sem aumento significativo
dos investimentos federais. Coerentemente com a sua vocação fiscalista, o
governo investiu no aperfeiçoamento do Exame Nacional de Cursos (“provão”),
substituído em 2003 pelo ENADE (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes),
articulado com o sistema Avaliação das Condições da Oferta dos Cursos de
Graduação.
A atuação do segundo governo na área da saúde ficou
associada a avanços no combate à AIDS e ao retorno de doenças dadas como
erradicadas do país, como hanseníase, malária e dengue. Em 1999, foi
estabelecida a política de medicamentos genéricos, tentativa de reduzir a
dificuldade de acesso a remédios, cujos preços se situavam entre os mais altos
do mundo. A oferta de saúde básica permaneceu insuficiente, malgrado o
aperfeiçoamento do processo administrativo, com o incremento da
descentralização do Sistema Único de Saúde (SUS) em direção aos estados e
municípios. Em janeiro de 2000, foi criada a Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS), para regular e fiscalizar a prestação desse serviço, em franca
expansão, dada a política governamental de terceirização e privatização do
setor.
A política agrária foi sintetizada na criação, em
1999, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, que tinha entre suas
competências a reforma agrária e a promoção do desenvolvimento sustentável da agricultura familiar. No documento “Agricultura familiar,
reforma agrária e desenvolvimento local para um novo mundo rural – política de
desenvolvimento rural com base na expansão da agricultura familiar e sua inserção
no mercado”, lançado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA) em março de 1999, o governo situou a
agricultura familiar no centro de sua política de desenvolvimento rural.
Tratava-se de encontrar alternativas para o modelo do “agronegócio”, que
enfrentava dificuldades, e de dar uma resposta à intensificação dos movimentos
de trabalhadores do campo, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e
a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), combinando a
nova política com a criminalização das ações dessas entidades.
Fernando Henrique Cardoso transmitiu a faixa
presidencial a Luís Inácio Lula da Silva no dia 1° de janeiro de 2003. Após
deixar o governo, permaneceu ligado ao PSDB, na condição de presidente de
honra. Em 2004, fundou o Instituto Fernando Henrique Cardoso (FHC), com o objetivo de preservar o acervo
privado resultante de sua vida pública e acadêmica, organizando-o para torná-lo
acessível ao público. Foi inaugurado em maio de 2004, com um
seminário internacional que reuniu políticos e intelectuais do Brasil e do
exterior, entre eles, Bill Clinton e Manuel Castells. Passou,
também, a atuar como conferencista no Brasil e no exterior.
Para fortalecer o FHC como
instituição perene, o instituto transformou-se em fundação em 2010, segundo o
próprio ex-presidente, “com a missão de preservar e tornar disponível ao
público a documentação relativa à [sua] vida intelectual e política, bem como
de promover a reflexão e o debate sobre o desenvolvimento sustentável e a
democracia”.
Ainda em maio do mesmo ano foi inaugurada a
primeira exposição interativa “Um plano real: a história da estabilização do
Brasil”, que, de forma inovadora e fiel aos fatos, apresentou um período da
história brasileira vivido de perto por FHC, que vai do movimento das “Diretas
Já!”, em 1984, ao final de seu último mandato na Presidência da República,
tendo como fio condutor os sucessivos planos contra a inflação, até o Real, que
finalmente trouxe a estabilidade da moeda. Posteriormente, a Fundação iFHC
incorporou ao seu acervo os documentos de dona Ruth Cardoso.
No dia 24 de junho de 2008
Dona Ruth Cardoso faleceu em São Paulo.
Em abril de 2011 a TV
Câmara lançou o documentário “A Construção de Fernando Henrique”. O filme, com
direção de Roberto Stefanelli, conta a trajetória do sociólogo e acadêmico que
se tornou presidente da República por dois mandatos consecutivos (1995-2002). O
ex-presidente participou da cerimônia de lançamento.
O
documentário mostra um Fernando Henrique que ambicionava pouco mais do que ser
professor e escrever livros, ter apenas uma vida intelectual e atuar em um
meio, como ele reconheceu, que respirava certo pedantismo.
Fernando
Henrique diz no documentário que nunca pensara em ser presidente da República.
Imaginou, quando menino, ser padre. Sua mãe achava que poderia ser papa.
Afinal, como destaca no documentário o sociólogo e professor Leôncio Martins
Rodrigues, seu colega de faculdade e dos tempos de incertezas e fugas no regime
militar, "em política, Fernando Henrique está mais para um besouro que,
pelas leis físicas, não deveria voar, mas voa". Pela lógica da política
populista brasileira, "ele não poderia se eleger”, mas “foi presidente da
República por duas vezes, eleito em primeiro turno”. Outros amigos de infância
também participaram, como o historiador Bóris Fausto e o filósofo José Arthur
Gianotti. Houve ainda a participação de companheiros e alunos de exílio, como
José Serra, além de Nelson Jobim, colega de constituinte, Clóvis Carvalho e
Gustavo Franco, de governo.
A
essência do filme é o testemunho do próprio Fernando Henrique acerca dos tempos
em que atuou como professor no Chile, na França e nos Estados Unidos durante o
período de exílio. O ex-presidente discorre ainda sobre sua vida política,
feita de alianças e confrontos. Uma vida que não se resumiu apenas em vitórias;
houve derrotas, como a que sofreu na disputa pela Prefeitura de São Paulo, em
1985, quando perdeu a eleição para Jânio Quadros.
O
documentário registra também as referências que faz a ex-companheiros que se
distanciaram para o campo oposto ao longo do caminho, como o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, seu sucessor na presidência da República, o antigo colega
de escola Plínio de Arruda Sampaio, hoje no PSOL, e os antigos amigos de exílio,
Maria da Conceição Tavares e Carlos Lessa. Fernando Henrique cita ainda aqueles
que já se foram: Darcy Ribeiro, Ulysses Guimarães e Franco Montoro. E
fala de um Brasil que mudou muito na sua geração. Uma geração que conviveu com
os tempos de Getúlio, Juscelino, Castelo Branco, Geisel, Sarney, Itamar e dos
seus dois mandatos; dos progressos e retrocessos da economia e da política.
Em entrevista à revista Trip publicada em junho de 2011, Fernando Henrique defendeu uma
bandeira improvável para um político de sua envergadura e importância: a “flexibilização
da política global do combate às drogas”. Seus anos de viagens, conferências
realizadas e comissões de que participou viraram o filme Quebrando
o Tabu. Dirigido por Fernando
Andrade, e com produção de seu irmão, o apresentador Luciano Huck, a
película mostra, além de FHC,
depoimentos surpreendentes de figuras importantes, como os ex-presidentes
americanos Bill
Clinton e Jimmy Carter, o
médico e escritor Dráuzio
Varella, o ator mexicano Gael
García Bernal e uma longa lista de
personalidades insuspeitas. O objetivo é levar o debate para camadas, em geral,
avessas ao assunto – e começar a criar uma nova mentalidade sobre o tema.
“Serve para, como o nome diz, quebrar o tabu mesmo. Não dá mais para fecharmos
os olhos para esse problema.” Depois de rodar o mundo, conversar com policiais,
médicos, usuários e estadistas, FHC chegou à conclusão de que a Guerra às
Drogas é um fracasso. E defendeu que a maconha no Brasil “deveria ser regulada,
como o álcool e o cigarro”. Na entrevista, destacou que este tema tornou-se uma
de suas prioridades na condição de um ativo político sem mandato e justificou
da seguinte forma: “Durante meu governo, a visão que se tinha no mundo era a de
que seria possível erradicá-las. E foi ficando claro para mim que era um
objetivo inalcançável. Foi essa percepção que me fez buscar gente que entende
do assunto. Porque eu mesmo nunca tive conhecimento técnico da droga”.
Nos
últimos anos, FHC passou a aparecer na mídia e em conferências internacionais
como um defensor de uma reforma na política de drogas no Brasil e no mundo.
Fundou e se tornou o nome mais influente de três comissões (a brasileira, a
latino-americana e a global) que analisam os efeitos do proibicionismo na
sociedade e, em última instância, na democracia. Para não restringir o debate
aos gabinetes e às eventuais reportagens, ele também saiu do papel de
ex-mandatário, e de acadêmico, para se tornar o protagonista de um filme que
chegou às salas de cinema. Quebrando o
tabu é um documentário que acompanha dois anos da trajetória de Fernando
Henrique, viajando o mundo e o Brasil atrás de especialistas, exemplos de
políticas mais flexíveis, usuários, ex-usuários e argumentos claros para
defender a principal tese do filme: a de que a guerra às drogas é um fracasso.
A proposta de FHC, com o
filme e na entrevista à Trip, é de
que não só a lei, mas também a cultura precisam sofisticar a visão homogênea e
inchada de preconceitos, que coloca as “drogas” sobre o mesmo nefasto
guarda-chuva. “Não dá para tratar droga como se tudo fosse a mesma coisa. Então,
temos que nos informar, informar a população e separar os tipos de drogas.” É
com essa óbvia, porém rara, constatação que Fernando Henrique abre uma
discussão que nunca chegava aos meios oficiais, e conservadores, da política.
Sugere que o foco deva ser de prevenção, e não repressão. Que nenhum usuário
seja considerado criminoso. E que as diferentes drogas possam ser vistas de
acordo com os riscos e padrões de uso de cada uma. Dentro dessa visão, ele
segue: “Minha opinião é a de que a maconha pode ser tratada de forma diferente.
Isto é, regulada como é o álcool e o cigarro”.
Amparado por inúmeras
pesquisas médicas que, uma atrás da outra, demonstram que há um considerável
abismo entre o entendimento da lei e o que a maconha é de fato, ele constata o
seguinte: “Ninguém pensa em liberar totalmente o uso. Mas, quando você vê os
fatos, na verdade a maconha é menos danosa do que o álcool e o cigarro”. Mas
FHC tem consciência de que não é nada simples a tarefa de transformar a opinião
pública para tirar a maconha da ilegalidade total. São barreiras enormes, que
vão de igrejas a delegacias, de falta de informação a preconceitos arraigados
na mídia e nos lares. Mas, um dos maiores obstáculos só pode ser desafiado por
gente ou instituições com credenciais como as de FHC, como, por exemplo, a ONU.
A chamada Convenção Única de Drogas impede que qualquer um de seus
signatários flexibilize demais suas leis sobre substâncias consideradas
ilícitas no citado documento. O objetivo, concordaram os delegados em 1961, era
erradicar tais substâncias, e certas plantas, da face da terra.
Entretanto, ao mesmo tempo em
que um novo consenso internacional se forma, a situação no Brasil pode ser mais
complicada. E justifica: “Eu acho que os políticos são mais conservadores do
que a própria população”, concluiu, ciente do difícil trabalho legislativo que
se anuncia quando um projeto de regulamentação da maconha for votado no
Congresso Nacional. A esperança vem do fato de que uma reforma futura vem sendo
costurada de forma não partidária. O mais importante texto que propõe uma
reforma sobre o assunto é de autoria do deputado Paulo Teixeira, líder da
bancada do PT na Câmara, e aliado de FHC nessa questão.
Em junho de 2013 FHC foi eleito para a
Academia Brasileira de Letras (ABL) com 34 votos de um total de 39. Ele ocupou
a cadeira 36, que tinha como seu antecessor o jornalista e escritor paulista
João Scantimburgo, falecido em março do mesmo ano. Na oportunidade, o então
presidente da instituição, Marcus Vinícius Villaça, declarou: "Essa
eleição é um ato de respeito da Academia Brasileira de Letras à inteligência
brasileira. A grande obra de Fernando Henrique Cardoso de sociólogo e cientista
dá ainda mais corpo à Academia". Tornou-se o terceiro ex-presidente da
República a ser eleito para a ABL. O primeiro foi Getúlio Vargas, que, ainda
presidente, em 1941, ocupou a cadeira 37, e José Sarney, eleito em 1980 para a
cadeira 38, quando ainda era senador pelo Maranhão.
Em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo no início de
dezembro de 2013, FHC chamou o ex-presidente Lula de “mago do ilusionismo”,
condenou os mensaleiros e destacou que a hegemonia petista ameaça a democracia.
Embora
expresse certo lamento pelo envolvimento de alguns nomes que lutaram pela
redemocratização, FHC concorda que houve justiça no caso do mensalão e
argumenta: “Escrevo sem júbilo: é triste ver na cadeia gente que em outras
épocas lutou com desprendimento. Eles estão presos ao lado de outros que se
dedicaram a encher os bolsos ou a pagar suas campanhas à custa do dinheiro
público. Mais melancólico ainda é ver pessoas que outrora se jogavam por ideais
– mesmo que controversos – erguerem os punhos como se vivessem uma situação
revolucionária, no mesmo instante em que juram fidelidade à Constituição.”
Condenou e classificou como farsas esses gestos dos mensaleiros com o seguinte
argumento: “Onde está a revolução? Gesticulam como se fossem Lenines que
receberam dinheiro sujo, mas o usaram para construir a ‘nova sociedade’. Nada
disso: apenas ajudaram a cimentar um bloco de forças que vive da
mercantilização da política e do uso do Estado para se perpetuar no poder. De
pouco serve a encenação farsesca, a não ser para confortar quem a faz e enganar
seus seguidores mais crédulos.”
No
mesmo artigo enfatizou o objetivo eleitoreiro dos gestos e destacou a
legitimidade da condenação dos mensaleiros pelo STF, enfatizando que a maioria
dos ministros dessa Corte foi nomeada pelo governo do PT: “Basta de tanto
engodo. A condenação pelos crimes do mensalão deu-se em plena vigência do
Estado de Direito, num momento em que o Executivo é exercido pelo Partido dos
Trabalhadores (PT), cujo governo indicou a maioria dos ministros do Supremo. Não
houve desrespeito às garantias legais dos réus e ao devido processo legal.
Então, por que a encenação? O significado é claro: eleições à vista. É preciso
mentir, autoenganar-se e repetir o mantra. Não por acaso, a direção do PT
amplifica a encenação e Lula diz que a melhor resposta à condenação dos
mensaleiros é reeleger Dilma Rousseff…” E continuou: “Tem sido sempre assim,
desde a apropriação das políticas de proteção social até a ideia esdrúxula de
que a estabilização da economia se deveu ao governo do PT. Esqueceram as
palavras iradas que disseram contra o que hoje gabam e as múltiplas ações que
moveram no Supremo para derrubar as medidas saneadoras. O que conta é a
manutenção do poder. Em toada semelhante, o mago do ilusionismo fez coro.
Aliás, neste caso, quem sabe, um lapso verbal expressou sinceridade. ‘Estamos
juntos’, disse Lula. Assumiu meio de raspão sua fatia de responsabilidade, ao
menos em relação a companheiros a quem deve muito. E ao País, o que dizer?”
Continuando
suas observações e críticas, destacou que a responsabilidade por esta situação
não é apenas dos petistas: “São muitos os responsáveis por ela, não só os
petistas. Poucos têm tido a compreensão do alcance destruidor dos procedimentos
que permitem reproduzir o bloco de poder hegemônico; são menos numerosos ainda
os que têm tido a coragem de gritar contra essas práticas. É enorme o arco de
alianças políticas no Congresso cujos membros se beneficiam por pertencerem à
‘base aliada’ de apoio ao governo. Calam-se diante do mensalão e das demais
transgressões, como se o ‘hegemonismo petista’ que os mantém fosse compatível
com a democracia. Que dizer, então, da parte da elite empresarial que se ceva
dos empréstimos públicos e emudece diante dos malfeitos do petismo e de seus
acólitos? Ou da outrora combativa liderança sindical, hoje acomodada nas
benesses do poder? Os seguidores do lulopetismo, por serem crédulos, talvez
sejam menos responsáveis pela situação a que chegamos do que os cínicos, os
medrosos, os oportunistas, as elites interesseiras que fingem não ver o que
está à vista de todos. Que dizer, então, das práticas políticas? Não dá mais!”
O
ex-presidente FHC concluiu seu artigo com a seguinte argumentação: “Estamos a
ver as manobras preparatórias para mais uma campanha eleitoral sob o signo do
embuste. A candidata oficial, pela posição que ocupa, tem cada ato multiplicado
pelos meios de comunicação. Como o exercício do poder se confundiu, na prática,
com a campanha eleitoral, entramos já em período de disputa. Disputa desigual,
na qual só um lado fala e as oposições, mesmo que berrem, não encontram eco. E
sejamos francos: estamos berrando pouco. É preciso dizer com coragem,
simplicidade e de modo direto, como fizeram alguns ministros do Supremo, que a
democracia não se compagina com a corrupção nem com as distorções que levam ao
favorecimento dos amigos. Não estamos diante de um quadro eleitoral normal. A
hegemonia de um partido que não consegue deslindar-se de crenças salvacionistas
e autoritárias, o acovardamento de outros e a impotência das oposições estão
permitindo a montagem de um sistema de poder que, se duradouro, acarretará
riscos de regressão irreversível. Escudado nos cofres públicos, o governo do PT
abusa do crédito fácil que agrada não só aos consumidores, mas, em volume muito
maior, aos audaciosos que montam suas estratégias empresariais nas facilidades
dadas aos amigos do rei. A infiltração dos órgãos de Estado pela militância
ávida e por oportunistas que querem beneficiar-se do Estado distorce as
práticas republicanas. Tudo isso é arquissabido. Falta dar um basta aos
desmandos, processo que, numa democracia, só tem um caminho: as urnas. É
preciso desfazer na consciência popular, com sinceridade e clareza, o manto de
ilusões com que o lulopetismo vendeu seu peixe. Com a palavra as oposições e
quem mais tenha consciência dos perigos que corremos.”
No dia 5 de janeiro de 2014, o ex-presidente FHC publicou um artigo no
jornal carioca O GLOBO, sob o título “Mudar o rumo”, no qual criticava a
política externa brasileira do governo petista. Na oportunidade, destacou a necessidade
de revisão do seu foco, de que o Brasil estreitasse relações com os Estados
Unidos e a Europa, fizesse múltiplos acordos comerciais, não temesse a
concorrência e voltasse a assumir seu papel na América Latina.
O
ex-presidente enfatizou que a esperança de renovação trazida pelo Ano Novo só
seria possível com a mudança de rumo, começando “pela visão sobre o mundo que
ressurgirá da crise de 2007/08. O governo petista, sem o dizer, colocou suas
fichas no ‘declínio do Ocidente’. Da crise surgiria uma nova situação de poder
na qual os Brics [Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul], o mundo árabe
e o que pudesse se assemelhar ao ex-terceiro mundo teriam papel de destaque. A
Europa, abatida, faria contraponto aos Estados Unidos minguantes”. Fernando Henrique
afirma que “não é o que está acontecendo: os americanos saíram à frente, depois
de umas quantas estripulias para salvar seu sistema financeiro e afogar o mundo
em dólares, e deram uma arrancada forte na produção de energia barata. O mundo
árabe, depois da Primavera, continua se estraçalhando entre xiitas, sunitas,
militares, seculares, talibãs e o que mais seja; a Rússia passou a ser
produtora de matérias-primas. Só a China foi capaz de dar ímpeto à sua
economia. Provavelmente as próximas décadas serão de ‘coexistência competitiva’
entre os dois gigantes, Estados Unidos e China, com partes da Europa integradas
ao sistema produtivo americano e com as potências emergentes, inclusive nós, o
México, a África do Sul e tantas outras, buscando espaços de integração
comercial e produtiva para não perderem relevância”.
E aí
ele justifica a necessidade de mudança da política externa brasileira: “Nessa
ótica, é óbvio que a política externa brasileira precisará mudar de foco,
abrir-se ao Pacífico, estreitar relações com os Estados Unidos e a Europa,
fazer múltiplos acordos comerciais, não temer a concorrência e ajudar o país a
se preparar para ela. O Brasil terá de voltar a assumir seu papel na América
Latina, hoje diminuído pelo bolivarianismo prevalecente em alguns países e pelo
Arco do Pacífico, com o qual devemos nos engajar, pois não deve nem pode ser
visto como excludente do Mercosul. Não devemos ficar isolados em nossa região,
hesitantes quanto ao bolivarianismo, abraçados às irracionalidades da política argentina,
que tomara se reduzam, e pouco preparados face à investida americana no
Pacífico.”
Mais
adiante ele destaca a necessidade de aumentar as exportações, mas, para isso,
será necessário dinamizar a produção para o mercado interno, ter equilíbrio na
ênfase dada ao consumo para maior atenção ao aumento da produtividade, sem
redução dos programas sociais e demais iniciativas de integração social.
Segundo FHC, “a promoção do aumento da produtividade, no caso, não se restringe
ao interior das fábricas, abrange toda a economia e a sociedade. Na fábrica,
depende das inovações e do entrosamento com as cadeias produtivas globais,
fonte de renovação. Na economia, depende de um ousado programa de ampliação e
renovação da infra-estrutura e, na sociedade, de maior atenção à qualificação
das pessoas (Educação) e às suas condições de saúde, segurança e transporte.
Sem dizer que já é hora de abaixar os impostos sem selecionar setores
beneficiários e de abrir mais a economia, sem temer a competição. Isso tudo em
um contexto de fortalecimento das instituições e práticas democráticas e de
redefinição das relações entre o governo e a sociedade, entre o Estado e o
mercado”.
Prosseguindo,
ele acusa o governo do PT de haver paralisado o país nos últimos dez anos e o
classifica de atabalhoado e amador: “Será necessário despolitizar as agências
reguladoras, robustecê-las, estabilizar os marcos regulatórios, revigorar e
estimular as parcerias público-privadas para investimentos fundamentais.
Noutros termos, fazer com competência o que o governo petista paralisou nos
últimos dez anos e que o atual governo, de Dilma Rousseff, vê-se obrigado a
fazer, mas o faz atabalhoadamente, abusando do direito de aprender por ensaios
e erros deixando no ar a impressão de amadorismo e a dúvida sobre a
estabilidade das regras do jogo. Com isso, não se mobilizam, no setor privado,
os investimentos na escala e na velocidade necessárias para o país dar um salto
em matéria de infra-estrutura e produtividade.”
Continuando
com suas críticas ao governo, ele destaca suas ações na determinação do modelo
de exploração do pré-sal e o acusa de manipulação dos índices de inflação:
“Mordido ainda pelo DNA antiprivatista e estatizante, persiste o governo atual
nos erros cometidos na definição do modelo de exploração do pré-sal. A
imposição de que a Petrobras seja operadora única e responda por pelo menos 30%
da participação acionária em cada consórcio, somada ao poder de veto dado às
PPSA nas decisões dos comitês operacionais, afugenta número maior de
interessados nos leilões do pré-sal, reduz o potencial de investimento em sua
exploração e diminui os recursos que o Estado poderia obter com decantado
regime de partilha. É ruim para a Petrobras e péssimo para o país. Além de
insistir em erros palmares, o atual governo faz contorcionismo verbal para
negar que concessões sejam modalidades de privatização. É patético. Também para
negar a realidade, se desdobra em explicações sobre a inflação, que só não está
fora da meta porque os preços públicos estão artificialmente represados, e
sobre a solidez das contas públicas, objeto de declarações e contabilidades
oficiais às vezes criativas, não raro desencontradas, em geral divorciadas dos
fatos.”
Concluindo,
sugere algumas soluções: “Tão necessário quanto recuperar o tempo perdido e
acertar o passo nas obras de infraestrutura será desentranhar da máquina
pública e, sobretudo, nas empresas estatais (felizmente nem todas cederam à
sanha partidária), os nódulos de interesses privados e/ou partidários que
dificultam a eficiência e facilitam a corrupção. Não menos necessário será
restabelecer o sentido de serviço público nas áreas sociais, de Educação, Saúde
e reforma agrária, resguardando-as do uso para fins eleitorais, partidários ou
corporativos. Só revalorizando a meritocracia e com obsessão pelo cumprimento
de metas o Brasil dará o salto que precisa dar na qualidade dos serviços
públicos. Com uma carga tributária de 36% do PIB, recursos não faltam. Falta
uma cultura de planejamento, cobrança por desempenho e avaliação de resultados,
sem “marketismo”. Ou alguém acredita que mantido o sistema de cooptação,
barganhas generalizadas, corrupção, despreparo administrativo e voluntarismo,
enfrentaremos com sucesso o desafio? É preciso redesenhar a rota do país. Dois
terços dos entrevistados em recentes pesquisas eleitorais dizem desejar
mudanças no governo. Há um grito parado no ar, um sentimento difuso, mas que
está presente. Cabe às oposições expressá-lo e dar-lhe consequências políticas.
É a esperança que tenho para 2014 e são meus votos para que o ano seja bom.”
Acusado de Receber Ajuda
da CIA
Também no início de janeiro de 2014 foi
lançado no Brasil o livro
Quem pagou a conta? A CIA na Guerra Fria da cultura, da escritora
Frances Stonor Saunders no qual
o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é acusado, frontalmente, de receber
dinheiro da agência norte-americana de espionagem, para ajudar os EUA a
“venderem melhor sua cultura aos povos nativos da América do Sul”. A obra logo
se esgotou nas duas maiores livrarias do Rio de Janeiro. O interesse sobre a
obra da escritora e ex-editora de Artes da revista britânica The
New Statesman, no Brasil, pode ser avaliado ao longo dos cinco anos
de seu lançamento. Segundo os editores, o livro recebeu “uma ampla cobertura
pela mídia quando foi lançado no exterior”, em 1999. Na obra, Frances Stonor
Saunders narra em detalhes como e por que a CIA, durante a Guerra Fria,
financiou artistas, publicações e intelectuais de centro e centro-esquerda, num
esforço para mantê-los distantes da ideologia comunista. Cheia de personagens
instigantes e memoráveis, entre eles o ex-presidente brasileiro, “esta é uma
das maiores histórias de corrupção intelectual e artística pelo poder”, afirma
a autora. No Brasil, ainda em 1999 o jornalista Sebastião Nery comentou em sua
coluna no jornal carioca Tribuna da
Imprensa que não seria possível resumir a obra em tão pouco espaço e
afirmou: “São 550 páginas documentadas, minuciosa e magistralmente escritas”.
De acordo com a resenha feita pelo site http://correiodobrasil.com.br
e publicada em 7 de janeiro de 2014, “com o término da Segunda Guerra Mundial,
a CIA passou a financiar artistas e intelectuais de direita; o que poucos sabem
é que ela também cortejou personalidades de centro e de esquerda, num esforço
para afastar a intelligentsia do comunismo e aproximá-la do American
way of life. No livro, Saunders detalha como e por que a CIA
promoveu congressos culturais, exposições e concertos, bem como as razões que a
levaram a publicar e traduzir nos Estados Unidos autores alinhados com o
governo norte-americano e a patrocinar a arte abstrata, como tentativa de
reduzir o espaço para qualquer arte com conteúdo social. Além disso, por todo o
mundo, subsidiou jornais críticos do marxismo, do comunismo e de políticas
revolucionárias. Com esta política, foi capaz de angariar o apoio de alguns dos
maiores expoentes do mundo ocidental, a ponto de muitos passarem a fazer parte
de sua folha de pagamentos”. E cita as publicações que integraram este universo:
“Partisan Review, Kenyon Review, New Leader e Encounter foram algumas das publicações
que receberam apoio direto ou indireto dos cofres da CIA. Entre os intelectuais
patrocinados ou promovidos pela CIA, além de FHC, estavam Irving Kristol, Melvin Lasky, Isaiah Berlin,
Stephen Spender, Sidney Hook, Daniel Bell, Dwight MacDonald, Robert Lowell e
Mary McCarthy, entre outros. Na Europa, havia um interesse especial na Esquerda
Democrática e em ex-esquerdistas, como Ignacio Silone, Arthur Koestler, Raymond
Aron, Michael Josselson e George Orwell”.
Outra obra relata uma história que reforça as
afirmações de Saunders. Ela está contada na página 154 do livro Fernando
Henrique Cardoso, o Brasil do possível, da jornalista francesa
Brigitte Hersant Leoni, publicado em 1997 pela Editora Nova Fronteira, do Rio
de Janeiro, com tradução de Dora Rocha. O “inverno do ano de 1969? a que se
referiu a autora era fevereiro daquele ano. A história narra como e o valor
recebido por FHC: “Numa noite de inverno do ano de 1969, nos escritórios da
Fundação Ford, no Rio, Fernando Henrique teve uma conversa com Peter Bell, o
representante da Fundação Ford no Brasil. Peter Bell se entusiasma e lhe
oferece uma ajuda financeira de US$ 145 mil. Nasce o Cebrap (Centro Brasileiro
de Análise e Planejamento)”.
Observando-se o contexto político da época, a
ditadura militar havia lançado o AI-5 em 13 de dezembro, portanto, há menos de
60 dias, e elevado ao máximo o estado de terror após o golpe de 64, como afirma
a autora, “desde o início financiado, comandado e sustentado pelos Estados
Unidos”. Intensificaram-se as cassações e suspensões de direitos políticos. As
prisões, lotadas. O ex-presidente Juscelino Kubitscheck e o ex-governador
Carlos Lacerda haviam sido presos. Enquanto isso, Fernando Henrique recebia da
poderosa Fundação Ford uma primeira parcela para fundar o Cebrap. O total do
financiamento nunca foi revelado. Na Universidade de São Paulo (USP), por onde
passou FHC, era voz corrente que o compromisso final dos norte-americanos
girava em torno de US$ 800 mil a US$ 1 milhão.
Segundo reportagem publicada no diário russo Pravda,
um ano após (1980) o lançamento do livro no Brasil, os norte-americanos “não
estavam jogando dinheiro pela janela”. E afirmava: “Fernando Henrique já tinha
serviços prestados. Eles sabiam em quem estavam aplicando (os dólares)”. Na
época, FHC lançara, em companhia do sociólogo chileno Enzo Faletto, o livro Dependência
e desenvolvimento na América Latina, em que ambos defendiam a tese
de que países em desenvolvimento ou mais atrasados poderiam desenvolver-se
mantendo-se dependentes de outros países mais ricos. Como os Estados Unidos”. A
cantilena foi repetida por FHC, em entrevista concedida ao diário paulistano Folha
de S. Paulo, na edição de 29 de dezembro de 2013. Com a cobertura e
o dinheiro dos norte-americanos, FHC tornou-se, segundo o Pravda,
“uma ‘personalidade internacional’ e passou a dar ‘aulas’ e fazer
‘conferências’ em universidades norte-americanas e europeias. Era ‘um homem da
Fundação Ford’. E o que era a Fundação Ford? Uma agente da CIA, um dos braços
da CIA, o serviço secreto dos EUA”.
O site http://correiodobrasil.com.br/ publicou
ainda que não há registros imediatos de que o ex-presidente tenha negado ou
admitido as denúncias constantes nos livros de Saunders e Leoni. E acrescenta
que em julho de 2013, no entanto, o jornalista Bob Fernandes, comentarista
político da TV Gazeta, de São Paulo, publicou
artigo no qual repassou o envolvimento do ex-presidente com os serviços de
espionagem dos EUA, sem que tivesse havido necessidade, posteriormente, de
negar uma só palavra do que havia dito. Segundo Fernandes, “o ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso diz que ‘nunca soube de espionagem da CIA’ no Brasil.
O governo atual cobra explicações dos Estados Unidos”.
E continua: “Vamos aos fatos. Entre março de
1999 e abril de 2004, publiquei 15 longas e detalhadas reportagens na revista Carta Capital. Documentos, nomes,
endereços, histórias provavam como os Estados Unidos espionavam o Brasil.
Documentos bancários mostravam como, no governo FHC, a DEA, agência
norte-americana de combate ao tráfico de drogas, pagava operações da Polícia
Federal. Chegava inclusive a depositar na conta de delegados. Porque aquele era
um tempo em que a PF não tinha orçamento para bancar todas as operações e a DEA
bancava as de maiores dimensão e urgência”, garante Fernandes. Ainda segundo o
jornalista, o mínimo de “16 serviços secretos dos EUA operavam no Brasil. Às
segundas-feiras, essas agências realizavam a ‘Reunião da Nação’, na embaixada [americana],
em Brasília”.
Bob Fernandes, que foi redator-chefe da Carta
Capital, trabalhou nas revistas IstoÉ (BSB e EUA) e Veja, foi repórter da Folha
de S. Paulo e do Jornal
do Brasil, afirmou ainda que “tudo isso foi revelado com riqueza de
detalhes: datas, nomes, endereços, documentos, fatos. Em abril de 2004, com a
reportagem de capa, publicamos os nomes daqueles que, disfarçados de
diplomatas, como é habitual, chefiavam CIA, DEA, NSA e demais agências no
Brasil. Vicente Chellotti, diretor da PF [Polícia Federal], caiu depois da
reportagem de capa Os Porões do Brasil, de 3 de março
de 1999. Isso no governo de FHC, que agora, na sua página no Facebook,
disse desconhecer ações da CIA no país”, concluiu Bob Fernandes.
Sucessão
Presidencial
Ainda no início de janeiro de 2014 intensificaram-se
as acusações envolvendo membros do governo paulista do PSDB na formação de
cartel em licitações na área do metrô e trens metropolitanos de São Paulo. Na
oportunidade, três auxiliares do governador
Geraldo Alckmin (PSDB) tiveram seus nomes envolvidos em investigações sobre
este cartel: o secretário da Casa Civil, Edson Aparecido (PSDB), o secretário
de Energia, José Aníbal (PSDB), e o secretário de Desenvolvimento, Rodrigo
Garcia (DEM). As investigações começaram em 2008, a partir de contratos de
energia do governo paulista com a multinacional francesa Alstom. Ministro da
Secretaria de Comunicação do segundo mandato de FHC no Palácio do Planalto e
secretário de Energia na gestão do ex-governador tucano Mário Covas, Andrea
Matarazzo, então vereador do PSDB na capital paulista, também integrava a lista
dos 11 nomes indiciados por causa de suspeitas em contratos com a Alstom. Fernando
Henrique defendeu a apuração dessas denúncias, mas acrescentou que não via
nenhum indício que indicasse qualquer ligação do episódio com o governador do
Estado e nem com o PSDB.
Em entrevista ao blog do jornalista Josias de
Sousa no dia 23 de janeiro, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao se
manifestar sobre a eleição presidencial de 2014, afirmou que a vitória de Aécio
Neves ou Eduardo Campos será bom
para o país. Ele disse: “Não estou pensando partidariamente, estou pensando
historicamente. Está na hora. O Brasil precisa arejar”.
Sobre a sua preferência na corrida
presidencial, FHC, como principal líder da oposição e presidente de honra do
PSDB, declarou que prefere Aécio, “porque tem uma estrutura partidária maior.
Mas acho que o Eduardo está tomando posições que são corretas e vai arejar de
qualquer maneira.”
Ele identificou uma “fadiga de material” na
administração petista. Em sua avaliação, “a população está sentindo que está na
hora de mudar”. Mas entende bem que a mudança não virá de mão beijada. “Essa
eleição só será ganha pela oposição se alguém da oposição, seja quem vier a
ser, tiver coragem de dizer as coisas como elas são, com simplicidade.''
Em sua análise, FHC reconheceu que Aécio Neves
e Eduardo Campos ainda não se firmaram como contrapontos viáveis da presidente
Dilma Rousseff. Achou isto natural, já que o eleitor só irá prestar atenção na
disputa presidencial “depois da Copa.” Por ora, só a presidente é realmente
conhecida. Sem “ilusões” quanto à dificuldade da disputa, celebrou uma
novidade: “Pela primeira vez, houve um deslocamento de blocos do governo.”
O ex-presidente afirmou: “Tanto a Marina quanto
o Eduardo [saíram] do bloco do governo e [foram] pro outro lado. A campanha vai
forçar uma certa radicalização. E acho que há, pela primeira vez também, uma
articulação positiva entre o Eduardo e o Aécio.” Para FHC, ambos entenderam que
precisam “somar forças.”
Ao ser perguntado quanto à aversão de Marina
Silva às alianças do PSB de Campos com o PSDB, respondeu: “A resistência dela é
outra. Ela quer fazer o partido dela. O objetivo da Marina não é eleger o
Eduardo, é fazer a Rede. E ela quer ter candidatos que permitam que a Rede
exista. Então, nesses Estados em que ela tem candidatos que podem fazer alguma
aglutinação, ela vai defender os interesses dela.”
FHC concordou que também há “fadiga de
material” em São Paulo, mas antes acrescentou que, ainda assim, “é difícil que
o PT tenha condições de ganhar em São Paulo. Não é impossível, mas acho
difícil.”
Depois de criticar o ex-presidente Lula que
impôs ao PSDB os nomes da presidente Dilma Rousseff e do prefeito paulistano
Fernando Haddad, chamando-os de “postes”, FHC também criticou o lançamento do
nome do então ministro da saúde,
Alexandre Padilha, para o governo de São Paulo. Ao ser perguntado se não receia
a eleição do ministro, declarou, em tom irônico: “Eu tenho receio de outra
coisa. Que o Lula, de botar tanto poste sem luz, acabe escurecendo o Brasil. É
preciso evitar isso.”
Ao responder a pergunta se o PSDB não deve
explicações ao país sobre o mensalão tucano de Minas e o cartel de trens e
metrô de São Paulo, FHC disse: “No caso de Minas Gerais, na época, eu fui dos
poucos que disse que era preciso uma explicação. Agora, vamos qualificar. O que
houve em Minas Gerais foi o que o Lula disse que era natural. Foi,
eventualmente, desvio de recursos para campanha eleitoral [de Eduardo Azeredo,
em 1998]. Não é perdoável, mas é diferente do mensalão. O mensalão foi compra
sistemática de apoio para o governo no Congresso.” Josias de Sousa recordou a
FHC que o operador dos dois mensalões foi o mesmo: Marcos Valério; que o agente
financeiro dos empréstimos fictícios também se repetiu: Banco Rural. E houve
desvio de verbas públicas nos dois casos. O ex-presidente prosseguiu: “Não
estou negando isso, nem estou desculpando, estou dizendo, entretanto, que, se
houve, foi para a campanha. Não justifico, mas é diferente.” Concluiu dizendo
esperar que o STF julgue a encrenca tucana com o mesmo rigor que aplicou no
julgamento da ação penal do mensalão petista.
Sobre o cartel de São Paulo, ratificou o que
sempre disse: “Acho que tem que ser apurado. Se trata de suborno, parece óbvio,
de funcionários. Qual é o elo disso com o governador ou com o partido? Eu não
vi nem indício. É corrupção, é condenável, mas não foi para o PSDB. Não
apareceu, pelo menos até hoje, nenhum dado que diga: esse dinheiro foi usado
pelo PSDB. Não foi. É outra coisa. É corrupção, condenável. O PSDB tem que
explicar isso.”
No dia 29 de janeiro de 2014, aos 82 anos, o
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao assinar um contrato em um cartório
de São Paulo, oficializou a união estável com sua companheira Patrícia Kundrát,
de 36 anos.
Em mais um artigo publicado em 4 de maio de
2014, FHC criticou os escândalos no governo, destacando, entre outros, o
desencadeado com o envolvimento da Petrobras na compra da refinaria de
Pasadena, nos Estados Unidos, que levaria à criação de duas comissões
parlamentares de inquérito: uma no Senado e outra mista (Senado e Câmara dos
Deputados). Além disso, criticou ainda o excesso de ministérios e de partidos
políticos, que levam o governo ao que chamou
de “presidencialismo de cooptação”. Segundo o ex-presidente, “os escândalos jorram em abundância, não dá para tapar o sol com a
peneira. O da Petrobras é o mais simbólico, dado o apreço que todos temos pelo
que a companhia fez para o Brasil. Escrevo porque os escândalos que vêm
aparecendo numa onda crescente são sintomas de algo mais grave: é o próprio
sistema político atual que está em causa, notadamente suas práticas eleitorais
e partidárias. Nenhum governo pode funcionar na normalidade quando atado a um
sistema político que permitiu a criação de mais de 30 partidos, dos quais 20 e
poucos com assento no Congresso. A criação, pelo governo atual, de 39
ministérios para atender as demandas dos partidos é prova disso e, ao mesmo
tempo, é garantia de insucesso administrativo e da conivência com práticas de
corrupção, apesar da resistência a essas práticas por alguns membros do
governo”. Segundo ele, só uma reforma política profunda e verdadeira impedirá
que novos escândalos se repitam.
O
ex-presidente destacou que “nunca [entendeu] a razão pela
qual o governo Lula fez questão de formar uma maioria tão grande e pagou o
preço do mensalão”. E prosseguiu: “Ou melhor, posso entendê-la: é porque o PT
tem vocação de hegemonia. Não vê a política como um jogo de diversidade no qual
as maiorias se compõem para fins específicos, mas sem a pretensão de absorver a
vida política nacional sob um comando centralizado.” Para FHC, “a contaminação
da vida político-administrativa foi se agravando até chegarmos ao ponto a que
chegamos. Se, no passado, nosso sistema de governo foi chamado de
‘presidencialismo de coalizão’, agora ele é apenas um ‘presidencialismo de
cooptação’. Meu próprio governo precisou formar maiorias. Mas havia um objetivo
político claro: precisávamos de três quintos da Câmara e do Senado para aprovar
reformas constitucionais necessárias à modernização do país. Ora, os governos
que me sucederam não reformaram nada nem precisaram de tal maioria para aprovar
emendas constitucionais. Deixaram-se levar pela dinâmica dos interesses partidários.
Não só do partido hegemônico no governo, o PT, nem dos maiores, como o PMDB,
mas de qualquer agregação de 20, 30 ou 40 parlamentares, às vezes menos, que,
para participar da ‘base de apoio’, organizam-se numa sigla e pleiteiam
participação no governo: um ministério, se possível; se não, uma diretoria de
empresa estatal ou uma repartição pública importante. Daí serem precisos 39
ministérios para dar cabida a tantos aderentes”.
Para
o ex-presidente, “a raiz desse sistema se encontra nas regras eleitorais que
levam os partidos a apresentarem uma lista enorme de candidatos em cada estado,
para, nelas, o eleitor escolher seu preferido, sem saber bem quem são ou que
significado político-partidário têm. Logo depois, nem se lembra em quem votou.
A isso se acrescenta a liberalidade de nossa Constituição, que assegura ampla
liberdade para a formação de partidos. Por isso, não se podem obter melhorias
nessas regras por intermédio da legislação ordinária. Algumas dessas melhorias
foram aprovadas pelos parlamentares. Por exemplo, a exigência de uma proporção
mínima de votos em certo número de estados para a autorização do funcionamento
dos partidos no Congresso. Ou a proibição de coligações nas eleições
proporcionais, por meio das quais se elegem deputados de um partido coligado
aproveitando a sobra de votos de outro partido. Ambas foram recusadas pelo
Supremo Tribunal Federal por serem inconstitucionais”.
FHC
prossegue com sua argumentação: “Com o número absurdo de partidos (a maior
parte deles meras siglas sem programa, organização ou militância), forma-se, a
cada eleição, uma colcha de retalhos no Congresso, em que mesmo os maiores
partidos não têm mais do que um pedaço pequeno da representação total. Até a
segunda eleição de Lula, os presidentes se elegiam apoiados em uma coalizão de
partidos e logo tinham de ampliá-la para ter a maioria no Congresso. De lá para
cá, a coalizão eleitoral passou a assegurar maioria parlamentar. Mas, por
vocação do PT à hegemonia, o sistema degenerou no que chamo de
“presidencialismo de cooptação”. E deu no que deu: um festival de incoerências
políticas e portas abertas à cumplicidade diante da corrupção.”
Concluindo,
ele afirma: “Mudar o sistema atual é uma responsabilidade coletiva. Repito o
que disse, em outra oportunidade, a todos os que exerceram ou exercem a
Presidência: por que não assumimos nossas responsabilidades, por mais diversa
que tenha sido nossa parcela individual no processo que nos levou a tal
situação, e nos propomos a fazer conjuntamente o que nossos partidos, por suas
impossibilidades e por seus interesses, não querem fazer: mudar o sistema? Sei
que se trata de um grito um tanto ingênuo, pedir grandeza. A visão de curto
prazo encolhe o horizonte para o hoje e deixa o amanhã distante. Ainda assim,
sem um pouco de quixotismo, nada muda. Se, de fato, queremos sair do lodaçal
que afoga a política e conservar a democracia que tanto custou ao povo
conquistar, vamos esperar que uma crise maior destrua a crença em tudo e a
mudança seja feita não pelo consenso democrático, mas pela vontade férrea de
algum salvador da pátria?”
Ainda em maio, em entrevista ao jornalista Roberto
D’Ávila, na Globo News, veiculada no dia 11, o ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso afirmou que o PT corre o risco de perder a disputa pela presidência da
República, mesmo na hipótese de o candidato ser o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva no lugar de Dilma Rousseff. FHC voltou a destacar que existe uma
fadiga de material do PT no governo federal: “Quando você fica muito tempo
no poder, os compromissos são muitos. Mesmo querendo mexer na máquina, você não
consegue. Veja a presidenta Dilma. Ela começou tentando, mas não consegue. Com
o tempo, você perde a capacidade de renovar.”
Em junho o Instituto
DataFolha publicou uma pesquisa eleitoral sobre a preferência dos eleitores
na escolha do seu candidato à presidência da República. Na matéria publicada
pelo jornal Folha de S. Paulo consta
a informação de que a personalidade com menos influência positiva e mais
influência negativa na decisão de voto do eleitor é FHC. A pesquisa revelou que
57% do universo de eleitores pesquisado declararam que não votariam, de jeito
nenhum, em um candidato apoiado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Após a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) mista para
investigar a compra da refinaria de Pasadena nos Estados Unidos, na mesma votação que convocou uma série de
autoridades dos governos petistas de Lula e Dilma, os integrantes dessa comissão aprovaram, em bloco,
pedidos de acesso a documentos que envolviam o governo tucano de Fernando
Henrique Cardoso. A decisão ocorreu após um “cochilo” da oposição.
Durante
os debates, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) solicitou a exclusão de quatro
requerimentos que pediam documentos referentes ao acidente da plataforma P-36,
que afundou em março de 2001, durante o governo de FHC, e dos processos que
ainda tramitavam no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que envolviam a troca de
ativos entre a Petrobras e a companhia ibero-americana Repsol YPF. No plano de
trabalho proposto pelos relatores das CPIs mista e exclusiva do Senado,
respectivamente, o deputado Marco Maia (PT-RS) e o senador José Pimentel
(PT-CE), citaram que a tragédia do afundamento da P-36 tirou a vida de 11
trabalhadores e gerou um custo para a estatal de US$ 2,2 bilhões. Disseram ainda que a operação da refinaria de Bahia
Blanca poderia ter causado um prejuízo de US$ 2,5 bilhões à Petrobras.
Além dos trabalhos citados e de mais de uma centena
de artigos em revistas nacionais e estrangeiras, Fernando Henrique publicou,
entre outros, A construção da democracia – estudos
sobre política (1993), As idéias e seu lugar: ensaios sobre as
teorias do desenvolvimento (2ª ed. rev. e ampl. 1993), The new
global economy in the information age; reflections on our changing
world (em co-autoria com M. Carnoy, Manuel Castells e S. Cohen,
1993), O presidente segundo o sociólogo (entrevista a Roberto
Pompeu de Toledo, 1998), O mundo em português; um diálogo (em
co-autoria com Mário Soares), Charting a new course: the politics of
globalization and social transformation (2001), Transição e
democracia: institucionalizando a passagem do poder (2002), A
arte da política: a história que vivi (2006), The accidental
President of Brazil: a memoir (com Brian Winter, 2006), Cartas
a um jovem político: para construir um pais melhor (2006).
Vários dos seus discursos encontram-se em Política
externa em tempos de mudança: a gestão do ministro Fernando Henrique Cardoso no
Itamaraty, A utopia viável: trajetória intelectual de Fernando
Henrique Cardoso e Globalização e outros temas contemporâneos.
Seus programas de governo podem ser consultados em Mãos à obra
Brasil (1994) e Avança Brasil (1998).
Sobre sua trajetória política e seus governos foram
escritos vários artigos e livros, entre os quais Nos bastidores da
campanha – Fernando Henrique Cardoso, de Expedito Filho (1994), FHC:
os paulistas no poder, organizado por Roberto Amaral (1995), Fernando
Henrique Cardoso: o Brasil do possível, de Brigitte Hersant Leoni
(1997), A presidência afortunada, de Cândido Mendes (1998), O
governo Fernando Henrique, 1995-1998, de Maria Cecília Ribas Carneiro
(1999), Negros
em Florianópolis: relações sociais e econômicas (Florianópolis, Editora Insular, 2000), Governo
Fernando Henrique Cardoso, de Henrique Fontana (2000), Mapa da
corrupção no governo FHC, de Larissa Bortoni e
Ronaldo de Moura (2002) e Fernando
Henrique Cardoso e a reconstrução da democracia no Brasil, de Ted G.
Goertzel (2002).
Renato
Lemos/Alan Carneiro
FONTES: ABRÚCIO, F. O segundo governo FHC; ALENTEJANO, P. R. R. A política de
assentamentos rurais do governo FHC; ASSEMB. NAC. CONST. Repertório (1987-1988);
CARVALHO, S. Social; Carta Capital (24/06/1998); COUTO,
C.G.; DIMENSTEIN, G.; Estado de S.
Paulo (01/07/1992, 25/10/1992, 26/05/1993, 02/08/1993, 02/01/1994 e
04/02/1995); Folha de S. Paulo (17/11/1982, 12/04/1983, 28/04/1984, 05/05/1985,
17/11/1985, 12/03/1991, 22/08/1992, 01/10/1992, 15/06/1993, 03/07/1994,
10/07/1994, 2/10/1994, 03/04/1996, 04/02/1997, 14/02/1997, 25/02/1997,
09/04/1997, 05/04/1997, 22/06/1997, 23/06/1997, 24/06/1997 e 25/06/1997); Globo (24/10/1992, 01/11/1992,
13/03/1993, 13/05/1993, 01/01/1995, 15/06/1997 e 08/07/1997); Isto É (13/09/1978, 03/08/1983,
11/11/1996); Jornal do Brasil
(06/08/1978, 19/11/1978, 22/04/1984, 14/03/1985, 05/06/1985, 18/12/1992,
09/12/1993 e 06/04/1995); LEONI, B. H. Fernando; OLIVEIRA, G. ; REIS, J. C.
Identidades; SENADO. Dados biográficos
(10); Senhor (17/07/1985); SOUSA, J. História; Enciclopédia britânica do Brasil —
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lítica econômica do segundo governo FHC; Políticas sociais (n. 6, fev.
2003); Veja (13/11/1985, 05/03/1986,
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