*militar; rev. 1924; Col. Prestes; rev. 1930.
Miguel Alberto Crispim da Costa Rodrigues nasceu em Buenos Aires no dia 3 de dezembro de 1874, filho de Jaime Costa e de Dolores Costa, modestos imigrantes catalães.
Ainda criança, transferiu-se com seus pais para Piracicaba (SP), onde fez seus estudos básicos. Mais tarde, iniciou sua carreira militar como soldado da Força Pública paulista. Naturalizado brasileiro, tornou-se oficial de cavalaria dessa coporação, modernizada em 1920 por uma missão militar francesa e detentora de um efetivo quase igual ao do Exército nacional.
Nessa época, ao lado de alguns colegas, começou a simpatizar com os jovens oficiais do Exército e da Armada, chamados genericamente de “tenentes”, que criticavam o desvirtuamento do modelo político republicano pelas oligarquias dominantes e exigiam a adoção do voto secreto e a renovação das lideranças nacionais. As contradições entre esses setores militares e os grupos políticos no poder se aguçaram no final do mandato presidencial de Epitácio Pessoa, em 1922. Em março desse ano, contra a vontade da maioria da oficialidade, Artur Bernardes foi eleito presidente da República. Pouco depois, Epitácio Pessoa utilizou efetivos do Exército para intervir na sucessão estadual de Pernambuco, recebendo então duras críticas do marechal Hermes da Fonseca, presidente do Clube Militar. Como resposta, Epitácio decretou em 2 de julho a prisão do marechal e o fechamento do clube. Tais medidas provocaram, três dias depois, a eclosão de um levante no forte de Copacabana e em outras unidades sediadas no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, e na Circunscrição Militar sediada em Mato Grosso. Apesar de rapidamente dominado, esse movimento teve profunda repercussão no meio militar, influindo na preparação de outras rebeliões.
A REVOLUÇÃO DE 1924
Empossado em 15 de novembro de 1922, Artur Bernardes governou sob estado de sítio e intensificou a repressão contra toda a oposição. Com o aumento da tensão, grupos civis e militares começaram no início de 1923 a preparar um movimento armado para depor o presidente, contando desde o início com o apoio do ex-presidente Nilo Peçanha e a adesão do general reformado Isidoro Dias Lopes. A conspiração não se alastrou imediatamente, mas ganhou novo fôlego em dezembro seguinte, quando os oficiais envolvidos no levante de 1922 foram enquadrados no artigo nº 107 do Código Penal, que previa como punição a perda de patente e a expulsão do Exército. Vários deles resolveram desertar e se incorporaram à preparação do levante. Já em 1924, Isidoro Dias Lopes, Augusto Ximeno de Villeroy e o marechal Odílio Bachelar Randolfo de Melo, todos reformados, além dos majores Bertoldo Klinger e Miguel Costa, foram lembrados para assumir a chefia do movimento, entregue afinal ao primeiro da lista.
Lotado no Regimento de Cavalaria da Força Pública, Miguel Costa participou ativamente das reuniões preparatórias do levante, realizadas em residências particulares, inclusive na sua, e em quartéis de Jundiaí, Itu e Quitaúna, no estado de São Paulo, com a presença de Newton Estillac Leal, João Francisco Pereira de Sousa, Eduardo Gomes e os irmãos Juarez e Joaquim Távora, entre outros oficiais do Exército e da Força Pública.
Miguel Costa forneceu as plantas dos quartéis e edifícios públicos para que Isidoro Dias Lopes e Joaquim Távora preparassem o plano de ocupação da capital, apresentado aos demais integrantes do movimento no dia 13 de maio de 1924. Caberia a Miguel Costa iniciar as operações à frente do seu regimento, que, apoiado pelo 4º Batalhão de Caçadores (4º BC), cercaria as demais unidades da Força Pública para intimá-las a aderir. Nesse momento, os destacamentos rebelados já contariam com o apoio do 2º Grupo Independente de Artilharia Pesada (2º GIAP), vindo de Quitaúna, e de elementos do 4º Regimento de Infantaria (4º RI). Garantida a supremacia militar na cidade, os revolucionários ocupariam o palácio do governo, o telégrafo, e as estações ferroviárias, deslocando em seguida para fora da capital dois contingentes. O primeiro tentaria ocupar o porto de Santos ou, pelo menos, bloquear os pontos de passagem da serra do Mar, e o segundo procuraria consolidar posições no vale do rio Paraíba, fazendo a junção com o 5º e o 6º RI, sediados em Lorena e Caçapava, cuja adesão ao movimento era esperada. Os revolucionários consideravam que, se essas operações fossem realizadas com êxito e em curto espaço de tempo, estaria assegurado o apoio das guarnições sediadas no Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e na região sul de Minas Gerais, criando-se então condições favoráveis para a ofensiva em direção ao Distrito Federal.
Depois de cinco adiamentos sucessivos, a deflagração do levante foi acertada para 5 de julho de 1924, por iniciativa de Joaquim Távora e Miguel Costa, que pretendiam assim homenagear o episódio de 1922. Logo nas primeiras horas de luta, o general Abílio de Noronha, comandante da 2ª Região Militar (2ª RM), o coronel Domingos Quirino Ferreira, comandante da Força Pública, e o capitão Nataniel Prado, encarregado do Departamento de Munições, foram aprisionados, enquanto Miguel Costa conseguia a adesão de quase toda a Força Pública, e Isidoro Dias Lopes instalava a sede do comando revolucionário no prédio do quartel-general dessa corporação. Ao anoitecer do dia 5, as forças rebeldes já haviam ocupado as estações da Luz, da Sorocabana, do Brás e da Cantareira, além do Hotel Terminus.
Alertado pelas primeiras ações, o governo estadual tomou providências para resistir aos rebeldes, reforçando sua sede, os prédios das secretarias, o quartel-general da 2ª RM e a usina de eletricidade. Essas iniciativas alcançaram algum êxito e permitiram contraofensivas parciais, como a retomada do edifício dos Correios e Telégrafos. A luta se alastrou para vários pontos da cidade, já escavada e entrincheirada pelos combatentes, e ambos os lados receberam reforços. A maior parte das guarnições de Quitaúna, Lorena e Caçapava e o 2º Grupo de Artilharia de Montanha, de Jundiaí, aderiram à revolta, enquanto as forças governistas comandadas pelo general Eduardo Sócrates passaram a contar com o apoio do 2º Regimento de Cavalaria Divisionária, de contingentes desembarcados do encouraçado Minas Gerais, dos efetivos do forte de Itaipus e do Tiro Naval de Santos, além de milícias provenientes de outros estados.
Dessa forma, falhou um elemento decisivo do plano original, que previa uma ocupação fulminante da capital, liberando tropas para a realização de ações ofensivas e enlaces com contingentes aliados de outras regiões. Diante da nova situação criada pela presença de fortes bastiões legalistas no perímetro urbano da capital, o general Isidoro optou pela retirada das tropas rebeldes em direção a Jundiaí, sede do 2º Grupo de Artilharia de Montanha. Essa decisão provocou um atrito entre os chefes revolucionários, pois Miguel Costa defendeu a posição oposta, acreditando num desfecho favorável da luta pelo controle da cidade. Seu ponto de vista prevaleceu sobre o de Isidoro, que chegou a cogitar da renúncia à chefia do movimento.
Miguel Costa enviou um emissário ao palácio do governo para entregar uma carta em que responsabilizava o presidente de São Paulo, Carlos de Campos, pela revolta na Força Pública e pelas consequências do levante. O emissário, entretanto, constatou que as forças governistas haviam abandonado o palácio em direção a Moji das Cruzes, onde estava sediado seu quartel-general. Miguel Costa ordenou então o avanço imediato de uma companhia do 5º RI sobre a sede do governo, finalmente ocupada. Depois de quatro dias de luta, os rebeldes consolidaram seu controle sobre a cidade. Entretanto, essa ocupação tardia comprometeu de forma decisiva toda a campanha revolucionária, pois impediu o deslocamento de tropas para Santos e o vale do Paraíba, conforme previa o plano original. O destacamento embarcado no encouraçado Minas Gerais já controlava o principal porto paulista, enquanto a concentração de tropas legalistas comandadas pelo general Sócrates no vale do Paraíba impedia a adesão das forças mineiras consideradas simpáticas à revolução. O cerco da capital paulista foi completado a leste com a ocupação do ramal da São Paulo Railway e no sul com o reforço das posições governistas no ramal de Itararé. No interior do estado, líderes políticos regionais como Ataliba Leonel, Washington Luís e Júlio Prestes constituíram os chamados “batalhões patrióticos”, formados por voluntários fiéis ao governo.
O bombardeio legalista contra a cidade de São Paulo foi intensificado, atingindo duramente a população civil, em especial os moradores dos bairros da Mooca, Brás e Belenzinho. Diante do agravamento da situação e da multiplicação de saques, Isidoro Dias Lopes encontrou-se com José Carlos de Macedo Soares, presidente da Associação Comercial de São Paulo, e com o prefeito Firmiano Pinto para tentar regularizar a administração e o policiamento da cidade. Macedo Soares tornou-se mediador entre as forças legalistas e rebeldes, mas não conseguiu obter nos dias seguintes nenhum acordo e nem a suspensão dos bombardeios contra São Paulo. Em 26 de julho, aviões lançaram boletins sobre a cidade pedindo que a população se retirasse do perímetro urbano a fim de que as tropas e a artilharia legalista pudessem agir livremente contra os rebeldes. Diante dessa ameaça, as negociações de paz foram intensificadas, mas o impasse continuou, pois o governo se manteve intransigente na exigência de rendição incondicional. Isidoro decidiu então ordenar a retirada das tropas rebeldes na noite de 27 de julho, pois o prosseguimento da resistência, apesar de viável por mais dez ou 15 dias, “seria a ruína da vida econômica do Brasil”. Redigiu um manifesto à população, comunicando a resolução de “transferir a sede do governo provisório e do comando geral das forças libertadoras para o interior”.
A retomada da capital paulista pelas tropas legalistas não significou o fim da luta armada no estado, pois cerca de três mil revolucionários se retiraram, preservando sua capacidade de combate. Além disso, o descontentamento reinante nos meios militares provocava uma situação propícia à eclosão de revoltas em outros estados.
A FORMAÇÃO DA COLUNA MIGUEL COSTA-PRESTES
Atravessando a região oeste do estado de São Paulo, os rebeldes se dirigiram inicialmente para Campinas, mas mudaram sua rota para Itirapina em virtude da possibilidade de o governo utilizar a estrada de ferro Sorocabana para deslocar suas tropas. Sempre em marcha, passaram por Bauru, São Manuel, Botucatu, Porto Tibiriçá e chegaram a Presidente Epitácio, na fronteira com Mato Grosso. Nesse estado, ocuparam a cidade de Três Lagoas, onde proclamaram a República de Brasilândia. Mas a chegada das tropas legalistas do coronel João Nepomuceno da Costa obrigou os revoltosos a novo deslocamento em direção à região oeste do Paraná, onde ocuparam em fins de setembro a área situada entre Catanduvas e Guaíra, instalando seu quartel-general em Salto.
Alguns oficiais rebeldes foram então enviados para o Rio Grande do Sul a fim de participar da articulação de um novo levante, deflagrado no dia 29 de outubro em guarnições sediadas em Uruguaiana, São Borja, São Luís Gonzaga, Santo Ângelo e Alegrete, sob o comando do capitão Luís Carlos Prestes. Essas unidades, que totalizavam cerca de dois mil homens, iniciaram uma guerra de movimento no noroeste do Rio Grande do Sul e buscaram unir-se às forças paulistas sublevadas. Estas enfrentavam uma série de combates com as forças legalistas, que em março de 1925 recuperaram Catanduvas, forçando nova retirada dos contingentes de Isidoro Dias Lopes.
A brigada sob o comando de Miguel Costa recuou na direção oeste, tomando a estrada que ligava Catanduvas a Foz do Iguaçu (PR), para onde também se dirigia a coluna rebelde gaúcha. Em 3 de abril de 1925, Prestes e Miguel Costa se encontraram na localidade de Benjamim Constant (PR) e decidiram agrupar suas forças para seguir até o estado de Mato Grosso. No dia 12, ambos se reuniram em Foz do Iguaçu com os generais Isidoro e Bernardo Padilha, o coronel Mendes Teixeira e os majores Álvaro Dutra, Demont e Asdrúbal Gwyer de Azevedo. Depois de apresentar um relato pessimista sobre as condições político-militares de prosseguimento da luta, Isidoro sugeriu que tomassem o rumo do exílio, mas foi contestado por Prestes e Miguel Costa, defensores de uma estratégia de guerra de movimento. Este ponto de vista prevaleceu, levando à união das forças gaúchas e paulistas na 1ª Divisão Revolucionária, que nos anos seguintes percorreria grandes extensões do território brasileiro e ficaria conhecida como Coluna Miguel Costa-Prestes. Isidoro Dias Lopes, então com 60 anos de idade, foi enviado para a Argentina por ser muito idoso para participar do tipo de luta que se desenvolveria.
Na reorganização das forças rebeldes, todos os oficiais receberam novas patentes, de acordo com suas funções na coluna. Miguel Costa, comandante-geral, foi promovido a general, e seu estado-maior ficou composto pelo major Coriolano de Almeida Júnior e os capitães Djalma Dutra, Lourenço Moreira Lima e Alberto Costa. Prestes recebeu a patente de coronel e continuou no comando da Brigada Rio Grande, composta por cerca de oitocentos homens divididos em quatro destacamentos sob a chefia dos tenentes-coronéis Osvaldo Cordeiro de Farias, João Alberto Lins de Barros e Antônio Siqueira Campos, e do capitão Ari Salgado Freire. A Brigada São Paulo, com 1.300 homens, passou para o comando do tenente-coronel Juarez Távora, e a chefia dos seus quatro destacamentos foi confiada aos majores Manuel Alves Lira e Virgílio dos Santos, e aos capitães Henrique Ricardo Holl e Jorge Danton.
O comando revolucionário optou por alcançar Mato Grosso através de território paraguaio, decisão comunicada em boletim oficial editado em Porto Mendes no dia 26 de abril de 1925. O boletim era assinado por Miguel Costa, que enviou em seguida um documento às autoridades paraguaias comprometendo-se a respeitar as leis e a soberania do país. A passagem da coluna pelo Paraguai durou apenas alguns dias. Em 30 de abril, o destacamento João Alberto atravessou o rio Iguatemi e reingressou em território brasileiro, sendo seguido pelo resto das tropas rebeldes, que se dirigiram para Ponta Porã (MS), onde Miguel Costa instalou seu quartel-general em 13 de maio. Depois de vários combates com as forças legalistas comandadas pelo major Bertoldo Klinger, as duas brigadas se retiraram para as cabeceiras do rio Camapuã, onde se reuniram em 10 de junho seguinte. Miguel Costa pretendia travar um combate decisivo com o inimigo, mas sua proposta encontrou forte oposição de Prestes, que alegava inferioridade de forças. Acabou prevalecendo esse último ponto de vista e, pouco depois, a cadeia de comando e a estrutura operacional da coluna foram reestruturadas, com a indicação de Prestes para a chefia do estado-maior, a desativação das duas brigadas e a formação de quatro novos destacamentos comandados por Cordeiro de Farias, João Alberto, Siqueira Campos e Djalma Dutra.
Em 23 de junho de 1925, a coluna penetrou em Goiás, perseguida pelas tropas do major Klinger. Depois de inúmeros combates, o comandante legalista enviou aos chefes rebeldes uma proposta de rendição, rejeitada no dia 30 de junho por Miguel Costa, que acusou Klinger de traidor. Pouco depois, a coluna atingiu uma região em que os caminhões legalistas não podiam penetrar, o que forçou o fim da perseguição. Em 11 de agosto os revolucionários entraram em Minas Gerais através da serra do Paranã e em 2 de setembro cruzaram o rio Carinhanha, passando para a Bahia. Depois de atravessar esse estado, alcançaram o Maranhão em novembro de 1925, estabelecendo seu quartel-general em Balsas. No dia 2 de dezembro, quando se preparavam para entrar no Piauí, receberam a adesão de duzentos homens armados, liderados pelo “coronel” Manuel Bernardino, líder sertanejo e inimigo da oligarquia maranhense.
A coluna ameaçou ocupar Teresina, mas, diante da enorme concentração de tropas governistas nessa cidade, decidiu, em 31 de dezembro de 1925, suspender os ataques e iniciar a marcha em direção ao Ceará. Nesse mesmo dia, Juarez Távora foi preso na serra do Ibiapaba, na fronteira dos dois estados. Os revolucionários penetraram no Ceará em 22 de janeiro de 1926, sendo obrigados a enfrentar os jagunços de Floro Bartolomeu e do padre Cícero Romão Batista, mobilizados pelo governo para combater a coluna. Sempre em marcha, chegaram ao Rio Grande do Norte em 3 de fevereiro, à Paraíba seis dias depois e a Pernambuco no dia 12. Atravessaram o rio São Francisco em 26 de fevereiro, penetrando novamente na Bahia, e em 25 de março receberam a visita de emissários de Horácio Matos, importante chefe sertanejo desse estado. Os líderes da coluna tentaram, sem êxito, sua adesão. Dois dias depois, foram atacados por suas tropas, contra as quais combateram durante todo o período da passagem pela Bahia.
A coluna entrou em Minas Gerais no dia 19 de abril, acampando nas margens do rio Pardo. Quatro dias depois, constatando a impossibilidade de avanço, retornou à Bahia e marchou novamente para o Nordeste, já bastante desgastada pelo longo tempo de deslocamentos e combates. Em 2 de julho penetrou em Pernambuco em direção ao Piauí, de onde retornou à Bahia em meados de agosto através da serra da Tabatinga. Em Formosa (BA), voltou a enfrentar as forças de Horácio de Matos, tomando o rumo de Goiás já com a perspectiva de uma possível emigração, pois o estado geral da tropa e dos equipamentos era bastante precário. Em Goiás, Miguel Costa foi ferido em um ataque de surpresa desfechado por um grupo de jagunços, guiados por um soldado recém-incorporado à coluna. Os atacantes só foram dispersados com a intervenção do destacamento de Siqueira Campos.
A coluna entrou em Mato Grosso no dia 15 de outubro de 1926. Seus líderes reuniram-se então para discutir o que fazer. Prestes defendeu a divisão da coluna em destacamentos autônomos que continuariam a luta de movimento, mas Miguel Costa se opôs a essa fragmentação e conseguiu impedir a aprovação da proposta. O comando revolucionário decidiu enviar Djalma Dutra e Lourenço Moreira Lima para a Argentina a fim de saber a opinião de Isidoro Dias Lopes sobre a continuidade do movimento. O destacamento de Siqueira Campos protegeu a viagem dos emissários até a fronteira, mas, ao retornar, não conseguiu mais contatar a coluna, iniciando uma infrutífera perambulação de vários meses pelos sertões de Goiás, Minas e Mato Grosso.
Chegando a Paso de Los Libres, na Argentina, em novembro de 1926, Djalma Dutra e Lourenço Moreira Lima encontraram imediatamente Isidoro e ouviram sua ponderação no sentido de que a coluna continuasse a luta até a deflagração do levante que estava sendo preparado no Rio Grande do Sul, pois, na sua opinião, a posse de Washington Luís na presidência da República em 15 de novembro não levaria a nenhuma mudança na política oficial. Caso não houvesse condições de prosseguir o combate, o general Isidoro aconselhava a coluna a emigrar e dirigir-se posteriormente para o Sul, a fim de retomar as atividades militares em outra ocasião.
A deflagração da revolta no Sul foi antecipada, sem o conhecimento de Isidoro, para o dia 14 de novembro. Iniciada em Santa Maria e seguida de levantes parciais em outras regiões do estado, todos rapidamente sufocados, ela ficou conhecida como a “coluna relâmpago”. Isidoro criticou severamente essa “precipitação”, considerando-a insensata. No dia 23 seguinte, despachou através de Lourenço Moreira Lima uma carta dirigida a Miguel Costa e Prestes pedindo que a coluna se mantivesse em armas por mais dois meses, aguardando a evolução da situação no Sul. Caso a posição dos revolucionários não melhorasse nesse período, poderiam emigrar e se dirigir para o Rio Grande do Sul a fim de continuar a luta ou preparar novas campanhas.
Essas informações foram passadas por Lourenço Moreira Lima ao comando da coluna no dia 3 de fevereiro de 1927 em Capim Branco, na fronteira de Mato Grosso com a Bolívia. A tropa revolucionária estava bastante desgastada, com oitocentos homens, seiscentas armas e pouca munição, o que levou seus líderes a ordenar a emigração para a Bolívia no mesmo dia. Feito o inventário, foram entregues às autoridades bolivianas 90 fuzis Mauser, quatro metralhadoras pesadas (uma delas inutilizada) e dois fuzis-metralhadora, quase todos descalibrados, além de cerca de oito mil cartuchos de munição. No dia seguinte, Miguel Costa e Prestes assinaram a ata em que os revolucionários se comprometiam a depor as armas e respeitar as leis bolivianas. Chegava ao fim a longa marcha da coluna. Em 24 de março de 1927, Siqueira Campos emigrou para o Paraguai à frente dos seus 80 combatentes desgarrados do corpo principal da tropa revolucionária.
O EXÍLIO E A PREPARAÇÃO DA REVOLUÇÃO DE 1930
A maior parte da coluna acompanhou Prestes e se fixou na cidade boliviana de La Gaiba, passando a trabalhar na grande empresa colonizadora Bolivia Concessions Ltd., ali sediada. Miguel Costa, Cordeiro de Farias e João Alberto se transferiram para a Argentina, onde o primeiro passou a viver na chácara Santa Faustina, nos arredores de Paso de Los Libres, junto com Estillac Leal, Tales do Prado, João Procópio e Alcides Araújo.
Nesse período, o governo de Washington Luís começou a desfazer as esperanças de uma liberalização do sistema político brasileiro. Miguel Costa e outros líderes da coluna perderam suas patentes e sua cidadania. A maioria governista derrotou o projeto de anistia apresentado pela oposição à Câmara. O número de condenações por crimes políticos voltou a crescer. Em agosto de 1927, o Partido Comunista Brasileiro — então Partido Comunista do Brasil (PCB) — foi novamente colocado na clandestinidade depois de alguns meses de atuação legal e, pouco depois, o governo conseguiu a aprovação do projeto apresentado ao Congresso por Aníbal Toledo, que se transformou na chamada Lei Celerada, cerceando as liberdades de expressão e organização.
Ao mesmo tempo, crescia a oposição ao governo. A formação do Partido Democrático Nacional em setembro de 1927 e a eleição de Getúlio Vargas para a presidência do Rio Grande do Sul em novembro seguinte fortaleceram correntes oposicionistas, que começaram a buscar contato com os “tenentes” revolucionários. Por incumbência do líder gaúcho Joaquim Francisco de Assis Brasil, o paulista Paulo Nogueira Filho viajou a Libres e, depois, a Buenos Aires, a fim de encontrar Isidoro Dias Lopes, Miguel Costa e Luís Carlos Prestes para discutir a preparação de novo movimento revolucionário. A partir desses contatos, a capital argentina passou a ser um importante centro de conspiração, com a presença de Siqueira Campos, João Alberto, Miguel Costa e Prestes. Os dois últimos passaram a trabalhar juntos em uma firma de exportação de café ali sediada.
As articulações oposicionistas resultaram na formação, em agosto de 1929, da Aliança Liberal, coligação de âmbito nacional apoiada pelas forças políticas dominantes no Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba, e por uma parcela significativa da jovem oficialidade do Exército. Essa frente lançou a chapa Getúlio Vargas-João Pessoa para concorrer às eleições presidenciais de março de 1930, mas prosseguiu os contatos voltados para preparar uma alternativa revolucionária de tomada do poder. Ao contrário da maioria dos “tenentes”, Prestes não confiava na Aliança Liberal por considerá-la uma frente limitada às classes dominantes, incapazes de liderar uma verdadeira revolução. Mas a vitória do situacionista Júlio Prestes no pleito de março de 1930 provocou a intensificação dos preparativos para o levante. Alguns “tenentes”, como Siqueira Campos e João Alberto, começaram a se preparar para retornar clandestinamente ao Brasil, enquanto Prestes rejeitava todas as tentativas de atraí-lo para esse projeto, negando-se inclusive a aceitar a chefia militar do movimento.
Nos primeiros dias de maio de 1930, Miguel Costa participou em Buenos Aires de uma reunião em que Prestes anunciou que lançaria um manifesto rompendo com a Aliança Liberal, mas foi convencido por Siqueira Campos e João Alberto a esperar um mês para tomar essa iniciativa. Depois de oscilar entre as posições pró e contra a participação na conspiração aliancista, Miguel Costa se definiu pelo apoio às atividades de João Alberto e Siqueira Campos. Ficou combinado que ambos partiriam de avião para o Brasil no dia 9 de maio e Miguel Costa aguardaria na capital argentina o chamado para se incorporar à conspiração. Nessa viagem ocorreu o acidente aéreo que resultou na morte de Siqueira Campos.
Em fins de maio, Prestes lançou seu manifesto em que reconhecia a presença de “revolucionários sinceros” na Aliança Liberal, mas negava seu apoio a essa articulação, defendendo a necessidade de “um governo de todos os trabalhadores, baseado nos conselhos da cidade e do campo” e capaz de aplicar um programa antilatifundiário e anti-imperialista.
A evolução da conjuntura política brasileira favoreceu o projeto revolucionário. Com o assassinato de João Pessoa em 26 de julho de 1930, os ânimos se acirraram, e com a adesão do presidente eleito de Minas, Olegário Maciel, cuja posse estava marcada para 7 de setembro, as condições materiais para a deflagração do levante se fortaleceram. Nesse contexto, Miguel Costa chegou a Porto Alegre para se integrar ao Grupo de Comando da Revolução, formado por Pedro Aurélio de Góis Monteiro (comandante militar), Osvaldo e Luís Aranha, Virgílio de Melo Franco, João Alberto, Estillac Leal, Alcides e Nélson Etchegoyen, Augusto do Amaral Peixoto, Herculino Cascardo, Pinheiro de Andrade, Cícero Góis Monteiro, Ricardo Holl, Maurício Cardoso e Adalberto Cardoso. Além deste grupo, havia outros núcleos também integrantes da chamada Coluna Mestra da Revolução, onde se destacavam Assis Brasil, João Neves da Fontoura, Raul Pilla, Lindolfo Collor, José Antônio Flores da Cunha e João Batista Luzardo. O chefe supremo do movimento era Getúlio Vargas.
A revolução foi deflagrada às 17:30h do dia 3 de outubro de 1930, obtendo pleno êxito nas suas metas iniciais e se expandindo rapidamente a partir dos três estados em que a Aliança Liberal era mais forte. O Rio Grande do Sul foi completamente dominado em 24 horas, começando então a organização dos destacamentos que marchariam para o Norte. Em Minas, houve uma tenaz resistência do 12º Regimento de Infantaria, finalmente abafada depois de cinco dias. A Paraíba foi controlada no dia 4 e, em poucos dias, quase todo o Nordeste estava nas mãos dos revolucionários chefiados por Juarez Távora.
O principal foco de resistência legalista passou a ser São Paulo, onde estavam estacionadas importantes guarnições federais comandadas pelo general Arnaldo de Sousa Pais de Andrade. Os destacamentos revolucionários gaúchos invadiram e controlaram rapidamente Santa Catarina e em seguida o Paraná, divididos em três colunas, comandadas por Miguel Costa (comissionado no posto de general), pelo general Felipe Portinho e pelo “tenente” Trifino Correia. Em seguida, as forças de Miguel Costa aceleraram sua marcha para penetrar em São Paulo, encontrando em 5 de outubro na cidade paulista de Itararé uma grande concentração militar legalista, composta de 3.600 soldados da Força Pública, 1.600 do Exército e mil voluntários, apoiados por baterias de artilharia. A posição topográfica favorecia a defesa da cidade, situada sobre um alto penhasco de granito escavado pelo rio Itararé, mas os contingentes revolucionários tinham superioridade numérica, com seus 7.800 homens e 18 canhões de grosso calibre. Fixando seu quartel-general em Sengés (PR), Miguel Costa dividiu suas forças em quatro destacamentos e organizou o ataque, precedido de ações de fustigamento. Depois de 12 dias de tensão e escaramuças, os revolucionários conseguiram ocupar a fazenda Morungava, a 8km de Itararé, forçando o recuo legalista para o perímetro da cidade. O general Pais de Andrade comunicou a dramática situação aos seus superiores, recebendo ordens expressas de defender Itararé “a todo transe”.
A situação militar evoluía de forma claramente favorável aos rebeldes em todas as principais frentes de luta. Nesse contexto, oficiais de alta patente lotados no Distrito Federal articularam um golpe militar contra o governo, finalmente deflagrado no dia 24 de outubro, com êxito. De posse dessa notícia, Miguel Costa enviou um emissário para exigir a rendição incondicional das tropas legalistas estacionadas em Itararé, cujo comandante, o general Pais de Andrade, ainda ignorava os últimos acontecimentos. Incrédulo, o general resolveu ir encontrar pessoalmente Miguel Costa em Sengés, onde confirmou a veracidade do informe e, na tarde do próprio dia 24, assinou a capitulação de suas forças. Estas, depois de desarmadas, começaram a se retirar para Ponta Grossa (PR) a fim de se apresentarem ao tenente-coronel Góis Monteiro, chefe militar da revolução.
A queda de Washington Luís não resolveu imediatamente o conflito de poder, pois a junta governativa então empossada não estava claramente comprometida com a posse de Vargas na presidência, reivindicada pelos revolucionários, e decidiu determinar a passagem dos governos estaduais para as mais altas autoridades militares de cada região. Assim, o governo paulista passou inicialmente para o general Hastínfilo de Moura, comandante da 2ª RM e amigo de Júlio Prestes. Entretanto, os revolucionários começaram a substituir os governantes por interventores ligados ao seu movimento. Na noite do dia 25, Vargas partiu de trem para a cidade de São Paulo a fim de enfrentar a delicada questão do poder local e, em seguida, prosseguiu viagem até o Distrito Federal. Miguel Costa, João Alberto, Maurício Cardoso, Luís Aranha, Virgílio de Melo Franco, Francisco de Assis Chateaubriand, Paulo Nogueira Filho e outros líderes revolucionários acompanharam o chefe do movimento, sendo recebidos festivamente na capital paulista no dia 28 de outubro. Miguel Costa chegou a percorrer a cidade em carro aberto, sob grande ovação popular.
A CRISE PAULISTA: 1930-1932
Miguel Costa e outros líderes tenentistas propuseram o nome de João Alberto para assumir a interventoria em São Paulo, contrariando assim as pretensões do Partido Democrático (PD), que esperava a indicação do seu presidente, Francisco Morato, para o cargo. O acordo obtido por Vargas estabeleceu que o Executivo paulista permaneceria provisoriamente sem chefe, cabendo ao secretariado a responsabilidade pelos negócios do governo, enquanto João Alberto ficava como delegado militar da revolução no estado. Vargas partiu em seguida para o Rio, onde, depois de superadas as resistências iniciais da junta militar, tomou posse em 3 de novembro à frente do governo provisório. Nesse mesmo dia, Miguel Costa, cuja cidadania brasileira foi novamente reconhecida, foi nomeado comandante da Força Pública de São Paulo, passando a deter, junto com João Alberto, o controle das decisões relativas à ordem pública e à segurança no estado.
Começou assim o longo conflito entre as lideranças tenentistas e as forças políticas tradicionais de São Paulo. No dia 13 de novembro, Miguel Costa, João Alberto e o coronel João Mendonça Lima fundaram a Legião Revolucionária, voltada para garantir a realização das reformas reivindicadas pelos “tenentes”, de modo a evitar que a revolução representasse apenas “uma derrubada de ocupantes de posições para dar lugar a um assalto a essas mesmas posições”. Nas semanas seguintes, José Maria Whitaker e Plínio Barreto ocuparam, sucessivamente, a chefia do governo paulista, mas a influência de João Alberto se fortaleceu através da nomeação de muitos militares ligados a ele para diversos órgãos da administração estadual. No dia 25 de novembro, o cargo de delegado militar da revolução em São Paulo foi extinto e João Alberto assumiu o posto de interventor, levando todo o secretariado a pedir demissão. Depois de algumas negociações, essa decisão foi provisoriamente suspensa, mas nos dias seguintes as divergências se aprofundaram. Em 2 de dezembro, Vicente Rao, membro do PD, foi demitido da chefia de polícia pelo novo interventor, provocando um novo pedido de demissão — dessa vez concretizado — de todos os secretários de governo. No dia 4, João Alberto nomeou o novo secretariado, criando inclusive uma nova secretaria, a de Segurança Pública, confiada a Miguel Costa. Acumulando grande poder, Miguel Costa se tornaria um alvo constante dos ataques do PD, que foi marginalizado dos principais postos de decisão no estado.
No período seguinte, a Legião Revolucionária experimentou grande crescimento, a ponto de Miguel Costa, seu principal líder, anunciar em 31 de janeiro de 1931 que essa organização contava com 17 mil adeptos e estava representada em todos os distritos do estado. Em 4 de março, a Legião lançou um manifesto, redigido por Plínio Salgado e assinado por Miguel Costa, Mendonça Lima e outros. O documento defendia a necessidade de um governo forte e centralizado, capaz de intervir nos múltiplos aspectos da vida econômica e social do país; denunciava o latifúndio privado, os trustes, os monopólios e a “absorção dos patrimônios nacionais pelos sindicatos estrangeiros”; criticava a importação de modelos políticos e ressaltava a necessidade de “respostas tipicamente brasileiras” para esses problemas.
O crescimento da Legião junto à classe média, à oficialidade militar e a setores do operariado acirrou a tensão existente entre essa organização e as forças políticas tradicionais em São Paulo, especialmente o PD e o Partido Republicano Paulista (PRP). Esse conflito evoluiu para uma ruptura, configurada em 24 de março de 1931, com a elaboração do manifesto em que o PD acusava João Alberto de afastar da administração estadual “ilustres paulistas” em favor de elementos de sua confiança e estimular perseguições promovidas pela Legião Revolucionária. O documento defendia ainda a formação de uma frente única em São Paulo para lutar pela convocação de uma assembleia nacional constituinte e a devolução da autonomia estadual. A pedido de Vargas, o manifesto não foi divulgado imediatamente, vindo a público apenas no dia 7 de abril, depois de uma ofensiva de repressão contra o PD. Em protesto contra a política aplicada pelo interventor e por Miguel Costa, Isidoro Dias Lopes pediu demissão do comando da 2ª RM dois dias depois, mas não foi atendido.
Com o acirramento das tensões, oficiais da Força Pública e membros do PD deflagraram um levante em 28 de abril de 1931 para depor João Alberto e Miguel Costa. O movimento foi rapidamente sufocado, com a prisão de mais de duzentos revoltosos e a posterior transferência de vários oficiais do Exército para outras regiões do país, inclusive o general Isidoro Dias Lopes, que foi substituído pelo general Góis Monteiro no comando da 2ª RM.
O crescimento da Legião Revolucionária causava atritos com diferentes grupos políticos e setores sociais. Acusada de comunista por seus adversários conservadores e de demagógica por Luís Carlos Prestes (ainda exilado no Uruguai e já adepto do marxismo), essa organização era alvo também da desconfiança dos setores mais organizados da classe operária, que não aceitavam o enquadramento da estrutura sindical conforme os planos oficiais. O próprio João Alberto passou a temer o crescimento da influência de Miguel Costa e o poder paralelo representado pela Legião, que conseguiu inclusive colocar obstáculos à sua política de aproximação com os produtores de café. Em meados de 1931, Miguel Costa viajou para o Rio a fim de solicitar o afastamento de João Alberto, que, se sentindo isolado, pediu demissão em 24 de julho.
O primeiro nome então escolhido para assumir a chefia do governo paulista foi Plínio Barreto, homem de confiança do PD, que pretendia afastar imediatamente Miguel Costa do comando da Força Pública. Reagindo a essa possibilidade, o líder tenentista vetou a posse do novo interventor, colocou suas tropas de prontidão e mobilizou a Legião Revolucionária para um eventual conflito. Nesse contexto, Plínio Barreto foi preterido para dar lugar a Laudo Camargo, que tomou posse em 25 de julho com a condição de que Miguel Costa deixasse de acumular as funções de secretário de Segurança e comandante da Força Pública. Para garantir esse remanejamento, o novo interventor fundiu as secretarias de Segurança e de Justiça, provocando protestos de Miguel Costa, cuja situação ficou confusa. Laudo Camargo afirmava que recebera seu pedido de demissão e de reforma, nomeando então Abraão Ribeiro para substituí-lo à frente da Força Pública, mas Miguel Costa, apoiado por Góis Monteiro, negava essa versão. O resultado dessa polêmica foi seu afastamento da Secretaria de Segurança e sua manutenção no comando da Força Pública. Tentando reagir a essa perda de poder, Miguel Costa convocou um congresso da Legião Revolucionária, realizado de 24 a 27 de setembro de 1931, quando foi discutida a transformação da entidade em um grande partido de oposição ao interventor Laudo Camargo. O principal tema programático abordado foi a necessidade de estruturar um estado forte e centralizado, capaz de promover a industrialização do país e assegurar melhores condições de trabalho para os assalariados.
A situação em São Paulo tornou-se mais tensa com a anistia decretada por Laudo Camargo para diversos políticos comprometidos com a situação anterior à Revolução de 1930 e a nomeação de juízes também afastados de seus cargos por motivos políticos. O governo federal forçou a demissão desses juízes e, pouco depois, enviou João Alberto e Miguel Costa para intimarem Numa de Oliveira, secretário da Fazenda, a depor em juízo sobre as acusações de corrupção que existiam contra ele. Considerando essas medidas uma violência contra seu governo, Laudo Camargo pediu demissão em 13 de novembro de 1931, sendo acompanhado pelo ministro da Fazenda, José Maria Whitaker, que se afastou três dias depois.
Vargas nomeou então o coronel Manuel Rabelo, vinculado às correntes tenentistas, que tomou posse na interventoria paulista com o apoio de João Alberto, Miguel Costa e Góis Monteiro. Assim, as forças políticas tradicionais no estado passaram novamente para a oposição, radicalizando suas posições. Em 13 de janeiro de 1932 o PD lançou manifesto rompendo com o governo federal e conclamando a população à luta pela imediata constitucionalização do país e a devolução da autonomia estadual. Pouco depois, o PRP fez o mesmo, iniciando o processo da união dos dois grandes partidos que resultou na formação da Frente Única Paulista (FUP) em 16 de fevereiro seguinte. Miguel Costa transformou então a Legião Revolucionária no Partido Popular Paulista.
A intensificação das manifestações populares promovidas pela FUP, contra o governo federal e a interventoria de Manuel Rabelo, e a repercussão positiva dessas pressões em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul levaram Vargas a preparar um estudo para a constitucionalização do país, que resultou no Código Eleitoral decretado em 22 de fevereiro de 1932. Ao mesmo tempo, começou-se a preparar a substituição de Manuel Rabelo por Pedro de Toledo, paulista, civil e próximo do PRP. Apesar da resistência de Miguel Costa, Toledo foi empossado em 7 de março, prometendo abandonar o governo se não conseguisse uma conciliação com os tenentistas. Assim, abriu um espaço predominante em seu secretariado para pessoas ligadas a Miguel Costa, que, entretanto, divergindo de Góis Monteiro, continuou rejeitando qualquer compromisso com a FUP. Foi a vez dos dois generais se desentenderem. O comandante da 2ª RM acusou Miguel Costa de ser comunista, contrário aos militares, conspirador e principal obstáculo à concórdia no estado, além de ter utilizado todas as verbas da Força Pública na aquisição de armamento e munição. Miguel Costa retrucou: “A Legião não combate os militares. A Legião até agora tem seguido a minha orientação e eu não sou contra os militares. Sou contra, isso sim, todos os reacionários, sejam civis, sejam militares.” Para completar, citou quatro oficiais incluídos nessa categoria: Lobato Vale, Branco Pedrosa, Cordeiro de Farias e Granville Belerofonte de Lima.
Góis Monteiro replicou acusando a Legião Revolucionária de responsável pela ruína do PD, a expulsão do general Isidoro e a derrubada de João Alberto, Laudo Camargo e Manuel Rabelo. “Foram estes grupos que não pensam no bem da pátria, internacionalistas como são, que agora se arrogam o papel de defensores do Brasil. Nós estamos aqui para defender o estado e a unidade do território nacional e, se cairmos, os brasileiros vingarão a nossa morte.”
A luta interna em São Paulo continuava intensa quando Osvaldo Aranha, ministro da Fazenda, visitou a capital do estado no dia 22 de maio de 1932 para avaliar a necessidade de composição de um novo secretariado. Recebido por uma gigantesca manifestação de repúdio, telegrafou a Vargas dando parecer favorável à reorganização do governo com nomes da FUP. No dia seguinte, Toledo formou um novo secretariado desvinculado das forças tenentistas e do governo federal, apenas com membros do PD e do PRP. Para comemorar essa vitória, a FUP convocou uma manifestação que resultou no empastelamento do Correio da Tarde, órgão da Legião Revolucionária, e em conflitos generalizados, que provocaram a morte de quatro estudantes: Martins, Miragaia, Drausio e Camargo. As iniciais desses nomes viriam a formar a sigla MMDC, da milícia civil, muito atuante na preparação e condução da luta armada contra o governo federal.
Com a reorganização promovida por Pedro de Toledo, Valdemar Ferreira, do PD, assumiu a Secretaria de Justiça e promulgou imediatamente o decreto de reforma de Miguel Costa, nomeando o coronel Júlio Marcondes Salgado para o comando da Força Pública. Em resposta, o governo federal substituiu Góis Monteiro por Manuel Rabelo no comando da 2ª RM, buscando assim garantir o controle militar de São Paulo através do Exército. Rabelo chegou a tentar unificar os comandos das forças estaduais e federais, sem êxito.
Fortalecida no plano político e com grande penetração no meio militar, a FUP intensificou os entendimentos com as frentes únicas Gaúcha e Mineira para deflagrar um levante contra o governo federal. O planejamento das primeiras ações militares coube ao coronel Euclides Figueiredo, ficando acertado que o comandante da Circunscrição Militar de Mato Grosso, general Bertoldo Klinger, assumiria depois a chefia das forças constitucionalistas.
O movimento foi deflagrado em 9 de julho, obtendo pleno êxito em suas metas iniciais em São Paulo. Logo no início do levante, Miguel Costa foi preso em sua residência, permanecendo nessa situação até o fim do conflito, que, ao contrário do esperado pelos paulistas, se transformou em uma guerra civil prolongada. Sem apoio dos outros estados, São Paulo travou uma luta eminentemente defensiva até a capitulação em 2 de outubro de 1932. Apesar desse resultado, a liderança de Miguel Costa, a Legião Revolucionária e o próprio tenentismo não conseguiram se recuperar no estado durante a interventoria do general Valdomiro Lima, enquanto no plano nacional Vargas confirmava as eleições constituintes para 1933, atendendo assim a uma reivindicação dos paulistas derrotados. O Clube 3 de Outubro, então a organização tenentista mais significativa, criticou a medida, considerada um “triunfo das velhas máquinas ou mesmo das máquinas novas, construídas de peças velhas e pela mesma técnica”. A restauração integral da hierarquia militar e o declínio das organizações tenentistas ficaram evidenciados durante o Congresso Revolucionário realizado entre 16 e 25 de novembro de 1932, ocasião em que os setores mais radicais dos “tenentes” não tiveram o menor espaço.
A ALIANÇA NACIONAL LIBERTADORA
A constitucionalização do país em 1934, com a subsequente eleição de Getúlio Vargas para a presidência da República, foi vista por setores do movimento tenentista aglutinados do Clube 3 de Outubro como uma submissão do governo revolucionário às antigas oligarquias. A Constituição de 1934 expressou uma composição entre as propostas centralizadoras defendidas pelos “tenentes” e as aspirações liberais das oligarquias tradicionais. Mas a luta política no período seguinte ganhou novos rumos. A Ação Integralista Brasileira (AIB), de tendência fascista, experimentou notável crescimento, levando partidos de esquerda, sindicatos e outras organizações a formar a Aliança Nacional Libertadora (ANL), fundada em 23 de março de 1935 para lutar contra o imperialismo, o latifúndio e o fascismo. Muitos antigos “tenentes” aderiram a essa proposta, inclusive Miguel Costa, que passou a dirigir a organização da ANL em São Paulo junto com Caio Prado Júnior.
O rápido crescimento da AIB e da ANL e a radicalização resultante na luta política levaram o governo federal a decretar a primeira Lei de Segurança Nacional da história do país — conhecida como “Lei Monstro” —, que deu cobertura às sucessivas prisões de oposicionistas, às frequentes intervenções policiais em manifestações aliancistas e à apreensão, em 21 de abril, do jornal A Pátria, simpático à ANL. Em 5 de julho de 1935, data de aniversário dos levantes tenentistas de 1922 e 1924, Luís Carlos Prestes, já filiado ao PCB e presidente de honra da ANL, lançou um violento manifesto conclamando à luta imediata pelo poder, posição que não refletia a opinião da maioria dos membros da direção da ANL. Em resposta, o governo decretou o fechamento da entidade no dia 11 seguinte, sem encontrar nenhuma reação significativa. Em São Paulo, Miguel Costa e Caio Prado Júnior organizaram uma marcha de protesto que aglutinou cerca de quinhentas pessoas.
A conclamação insurrecional feita por Prestes suscitou muitas críticas. Em agosto de 1935, ao se desligar da ANL, Miguel Costa escreveu uma carta ao líder comunista defendendo o programa da entidade, mas afirmando: “Você, naturalmente pouco informado, supondo que o movimento da ANL tivesse tanto de profundidade como de extensão, lançou seu manifesto, dando a sua palavra de ordem de ‘todo o poder à ANL’, brado profundamente revolucionário, subversivo, aconselhável aos momentos que devem preceder a ação. Grito que deveria, para estar certo, ser respondido pela insurreição. No entanto, aí estão os fatos: veio o seu manifesto, veio o decreto de fechamento da ANL e este movimento popular que parecia à primeira vista ter tomado o país não reagiu nem com duas greves organizadas... Mas, se você tivesse, em vez de pregar o assalto ao poder, recomendado a mais viva congregação em torno da Aliança, não se teriam precipitado os acontecimentos.”
A ANL, sob a influência dominante do PCB, definiu uma orientação insurrecional que conduziu à revolta de novembro de 1935. Na violenta onda de repressão que se seguiu ao fracassado levante, Miguel Costa perdeu sua patente de general honorário do Exército e sua cidadania brasileira, embora não estivesse diretamente envolvido no episódio. Foi preso em seguida ao golpe militar que, liderado pelo próprio presidente Vargas, implantou o Estado Novo em 10 de novembro de 1937, afastando-se a partir de então de qualquer atividade política. Dedicou-se a negócios imobiliários e, mais tarde, comprou um sítio em Guarulhos (SP).
Miguel Costa só recuperou sua patente militar e sua cidadania em 1959, pouco antes de falecer, em São Paulo, no dia 2 de dezembro.
Foi casado com Benedita Laura de Campos, com quem teve três filhos. Desquitado, passou a viver com Euridina, com quem teve mais dois filhos.
Jorge Miguel Mayer
[Verbete do Dicionário histórico-biográfico da Primeira República 1889-1930. Coordenação: Alzira Alves de Abreu/FGV]
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