*pref. DF 1902-1906.

Francisco Pereira Passos nasceu em São João do Príncipe, na então província do Rio de Janeiro, em 29 de agosto de 1836, filho de Antônio Pereira Passos, barão de Mangaratiba, e de Clara Oliveira Passos.

Em 1850, aos 14 anos, veio para a Corte – como era então chamada a cidade do Rio de Janeiro – para estudar no Colégio São Pedro de Alcântara. Em 1852 ingressou na Escola Militar – sucessivamente chamada de Escola Central (1858) e Escola Politécnica (1874) –, que oferecia um curso teórico de ciências matemáticas, físicas e naturais, e um curso de engenharia, voltado para as técnicas de construção de estradas, pontes e edifícios, e ministrado para os civis que frequentavam as aulas. Graduou-se em dezembro de 1856 e, no ano seguinte, foi nomeado adido à legação brasileira em Paris, ocasião em que teve a oportunidade de frequentar os cursos da École de Ponts et Chaussées e de se dedicar a estudos sobre hidráulica, construção de portos, canais e estradas de ferro. Nessa estada na França, que se estendeu até fins de 1860, pôde ainda acompanhar diversas obras, como a construção da estrada de ferro ligando Paris e Lyon e, sobretudo, a monumental reforma urbana empreendida em Paris por Eugène Georges Haussmann, prefeito do departamento do Sena desde 1853.

A partir da segunda metade do século XIX, o acelerado processo de urbanização demandou a interferência do poder público na ordenação das cidades por meio do planejamento urbano. O espectro das doenças contagiosas, facilmente disseminadas pelas moradias, muitas vezes coletivas, em precárias condições higiênicas, alertava para a necessidade de intervenções urbanísticas que erradicassem esses focos de contaminação. A chamada Reforma Haussmann em Paris, que se tornaria o modelo da reforma urbana a ser empreendida futuramente por Pereira Passos no Rio de Janeiro, abrangeu, entre outras, a construção de um conjunto monumental de largas e extensas avenidas em perspectiva, com fachadas uniformes, que se transformaram em grandes artérias por onde deveriam circular mercadorias e força de trabalho. Um dos efeitos desse tipo de cirurgia urbana foi reduzir os populosos quarteirões populares, considerados insalubres, que se espalhavam por uma teia de ruas estreitas e tortuosas, palco de barricadas erguidas pela população parisiense em diversas ocasiões.

 

O engenheiro

Com experiência no exterior e uma preeminente posição social, de volta ao Brasil Pereira Passos se inseriu profissionalmente em um dos setores mais novos e dinâmicos da economia brasileira, o da construção de ferrovias. Sua primeira atividade nessa área foi a elaboração de estudos para o prolongamento da estrada de ferro que faria o transporte do café dos municípios de Cantagalo e Santa Maria Madalena para Niterói. Atuou ainda junto a técnicos norte-americanos no projeto de assentamento dos trilhos da segunda seção da Estrada de Ferro Dom Pedro II em direção ao vale do Paraíba. Na condição de funcionário do governo imperial, fiscalizou a obra da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, inaugurada em 1867 como São Paulo Railway. A perspectiva de conhecer o interior, elemento importante para a elaboração de um saber técnico sobre o país, se abriu com a ida para a Bahia, onde chefiou a comissão encarregada dos estudos e da exploração para o prolongamento da Estrada de Ferro Dom Pedro II até o rio São Francisco.

Ao longo da década seguinte, Pereira Passos consolidaria sua carreira na área. Na condição de consultor técnico do Ministério da Agricultura e Obras Públicas, permaneceu em Londres de 1871 a 1873 como inspetor especial das estradas de ferro subvencionadas pelo governo brasileiro, com a incumbência de firmar um acordo sobre o capital garantido à Estrada de Ferro Santos-Jundiaí. Em 1876, foi nomeado diretor da Estrada de Ferro Dom Pedro II, um dos mais altos do escalão burocrático imperial, onde permaneceu por quatro anos. Em junho de 1880, por ocasião da inauguração da nova estação marítima da Gamboa, proferiu discurso em que chamava a atenção para a eliminação de uma das “praias mais prejudiciais à saúde pública”.

Suas atividades não se restringiram, porém, ao setor ferroviário. Em 1873, havia assumido a direção do estaleiro da Ponta da Areia, de propriedade do barão de Mauá. No ano seguinte, nomeado engenheiro do Ministério do Império, tornar-se-ia responsável pelo acompanhamento das obras de engenharia do país, especialmente daquelas realizadas na Corte. Participaria assim da Comissão de Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro, constituída em 1874. O acelerado crescimento urbano verificado à época suscitou debates sobre as alarmantes condições sanitárias da capital imperial. Epidemias frequentes de febre amarela e varíola, que atingiam a todos independentemente da classe social, levaram à mobilização das autoridades públicas em busca de uma “cidade saudável”. Um dos projetos, por exemplo, visava a atacar focos de “infecções miasmáticas”, como o canal do Mangue. Sem a adesão do setor privado, nem o apoio institucional e o aporte de recursos financeiros públicos, os “melhoramentos” propostos pela comissão, que incluíam a vacinação compulsória, acabaram ficando como herança para a futura República.

Circulando entre cursos na Sorbonne e no Collège de France e o trabalho de consultoria à Compagnie Générale de Chemins de Fer Brésiliens, Pereira Passou regressou ao Rio de Janeiro em 1882, quando assumiu a presidência da Companhia de Carris de São Cristóvão. Junto com Marcelino Roma e Lopes Ribeiro, projetou e construiu a Estrada de Ferro do Corcovado, a primeira via de turismo criada na Corte. Seu envolvimento em planos de reforma urbana do Rio de Janeiro se acentuaria dois anos depois, quando propôs aos 30 maiores acionistas da Carris que adquirissem o projeto, elaborado pelo arquiteto italiano Giuseppe Fogliani, de uma grande avenida a ser construída no centro da capital. Aprovada a ideia, caberia a Pereira Passos obter a concessão do governo.

Pereira Passos diversificou suas atividades ao se tornar empresário da construção civil. Por volta de 1887, fundou uma serraria que se tornaria uma das maiores fornecedoras de madeira para a construção de mansões e palacetes no Rio de Janeiro. No final de 1902, foi convidado pelo presidente Rodrigues Alves (1902-1906), recém-empossado, para assumir a prefeitura do Rio de Janeiro com a missão explícita de “consertar os defeitos da capital que afetam e perturbam todo o desenvolvimento nacional”, como consta da mensagem presidencial enviada ao Congresso Nacional em maio de 1903.

 

Rio de Janeiro, uma capital insalubre

A escolha do nome de Pereira Passos para essa ambiciosa missão decorreu de um conjunto de qualidades que lhe eram próprias. Em termos pessoais, sua experiência de trabalho na esfera pública e na área privada juntou-se à atividade empresarial, o que lhe possibilitou montar uma rede de relações onde frequentemente se cruzavam interesses públicos e privados. Pereira Passos também fez parte da geração de engenheiros que, principalmente a partir da segunda metade do século XIX, foi investida da missão de construir uma cidade “moderna” a partir de um saber considerado “técnico”. Por isso mesmo, do ponto de vista político, se encaixava no tipo de prefeito que seguiria sem pestanejar a orientação do governo Rodrigues Alves, cuja meta era “reorganizar” a política do Distrito Federal, pondo fim à “politicagem” denunciada por parte da imprensa carioca. Como resultado da aprovação pelo Congresso da Lei nº 939, de dezembro de 1902, que adiava por seis meses as eleições para o Conselho Municipal, Pereira Passos assumiu a prefeitura com amplos poderes para “consertar os defeitos da capital”, inclusive para demitir ou suspender a aposentadoria de funcionários.  

O crescente adensamento urbano aumentou a necessidade de investimentos públicos na reordenação da sede do governo e maior cidade do país. Desde 1850, quando aí ocorreu a primeira grande epidemia de febre amarela, a defesa sanitária se tornara uma forte preocupação das autoridades imperiais. Foram então criadas a Comissão de Engenheiros, para se ocupar dos melhoramentos urbanos indispensáveis ao saneamento da cidade (extinta em 1859), e a Junta de Higiene Pública, encarregada de propor e executar o conjunto de medidas necessárias para a preservação da saúde pública. Pântanos deveriam ser aterrados, morros, arrasados, e as condições higiênicas das habitações, especialmente as coletivas, que serviam as populações mais pobres, devidamente atacadas. O debate sobre a saúde pública ganhou fôlego quando, no início da década de 1870, a febre amarela voltou a fustigar o Rio. Desse debate resultou o primeiro plano urbanístico da cidade, a cargo da já citada Comissão de Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro, da qual fazia parte Pereira Passos.

Ao longo das décadas seguintes, o quadro sanitário do Rio de Janeiro se degradou, e o Império deixou de herança para a República uma capital com sérios problemas de saúde pública. A mortalidade aumentou significativamente devido principalmente a quatro moléstias – febre amarela, varíola, malária e influenza –, e o Rio de Janeiro se tornou uma cidade estigmatizada pelas constantes epidemias que assustavam os visitantes estrangeiros, causando sérios prejuízos para o comércio externo do Brasil. Por isso mesmo, da plataforma eleitoral de Rodrigues Alves constavam a remodelação e o saneamento do Distrito Federal, bem como a modernização de seu porto, principal porta de entrada dos produtos importados pelo país.

 

O prefeito do bota-abaixo

O propósito da reforma urbana iniciada em 1903, que ficou conhecida como “o bota-abaixo” – nome estendido ao prefeito que comandaria o processo – era, no entanto, mais ambicioso. Não se tratava apenas – e já seria muito – de remodelar e sanear o Distrito Federal. O que a série de decretos e posturas municipais então vigentes deixa perceber é o intuito de modificar o modo de vida da população carioca, introduzindo novos hábitos e costumes. Durante a administração de Pereira Passos, foram baixadas várias medidas restritivas em relação ao comportamento do cidadão nos espaços públicos. Ficavam proibidos: o exercício de qualquer forma de comércio ambulante; a venda de bilhetes de loteria; a ordenha de vacas leiteiras nas ruas; a prática da medicina pública; os atos de urinar fora de mictórios, de cuspir nas ruas, de soltar fogos de artifício; a existência de cães soltos pela cidade. Todo esse esforço convergia para o objetivo de tornar a capital republicana uma “cidade civilizada”, condição indispensável para a inserção do Brasil no mundo do progresso, bem ao gosto do século que se iniciava.

A chamada Reforma Pereira Passos foi um marco na urbanização carioca. Houve uma verdadeira reconstrução do Centro da cidade, a partir de novos traçados mais compatíveis com o uso de trens e bondes, em vez de animais e carruagens. Foram então abertos grandes eixos de circulação viária, como as avenidas Passos, Mem de Sá e Salvador de Sá. A principal obra dessa reforma, no entanto, foi de responsabilidade do governo federal: a abertura da avenida Central – posteriormente, avenida Rio Branco –, que uniu o Rio de Janeiro de “mar a mar”, isto é do porto, na então Prainha, até a recém-construída avenida Beira-Mar. A União realizou ainda obras de ampliação do porto do Rio de Janeiro, além de abrir as avenidas Rodrigues Alves e Francisco Bicalho. Iniciada em fevereiro de 1903, com a demolição do prédio nº 27 da rua da Prainha, a avenida Central foi inaugurada em 15 de novembro de 1905, por ocasião da comemoração dos 16 anos da proclamação da República.

Ainda durante a administração de Pereira Passos, em 1905, foi iniciada a construção do Teatro Municipal. Seu filho, o também engenheiro Francisco de Oliveira Passos, foi o autor do projeto, claramente inspirado na Opéra de Paris, e o construtor do teatro.

Em 15 de novembro de 1906, ao final do mandato de Rodrigues Alves, Pereira Passos deixou a prefeitura do Distrito Federal. Seu sucessor foi Francisco Marcelino de Sousa Aguiar.

Pereira Passos morreu no dia 12 de março de 1913, a bordo do navio Araguaia, em viagem do Rio de Janeiro para a Europa.

 

Marly Motta

 

[Verbete do Dicionário da Política Fluminense. Coordenação: Alzira Alves de Abreu/FGV]

FONTES: ABREU, M. Evolução; BENCHIMOL, J. Pereira; CARVALHO, M. Governar; DIAS, J. Engenheiros; FRITSCH, L. Palavras; KROPF, S. Sonho; PINHEIRO, M. Pereira Passos; REIS, J. Administrações; ROCHA, O. Era; SANTOS, Â; MOTTA, M. Bota-abaixo.