Vocábulo que se aplicou ao primeiro fenômeno político centrado na figura de uma liderança republicana, a de Floriano Peixoto, o vice-presidente que se tornou o segundo presidente da República com a renúncia forçada do presidente Deodoro da Fonseca em 23 de novembro de 1891.

No governo de Floriano Peixoto (1891-1894) foi construído o protagonismo político que ensejou a adesão de setores militares e civis. Boa parte das tensões por ele enfrentadas decorreu da interpretação da Constituição, cujo texto deu margem a dúvidas quanto à legalidade da posse do vice-presidente decorridos menos de dois anos da posse do titular, ou seja, de Deodoro, que foi eleito pelos constituintes no ato final da promulgação da Constituição, em 25 de fevereiro de 1891. Esse embate interpretativo escondeu, na verdade, interesses a envolver a própria idéia de República, já que naquele momento disputou-se a hegemonia entre duas concepções de republicanismo, e Floriano não foi neutro nesse processo.

Muito embora o florianismo tenha, de fato, se constituído nos meses em que transcorreram a Revolta da Armada (de setembro de 1893 a março de 1894), antes disso a figura de Floriano era objeto de lembranças a enaltecê-lo, desde a época em que era simples cadete. Sua bravura foi então demonstrada, quando enfrentou o temido malandro Manduca da Praia, que atemorizava os alunos da Escola Militar. Por ocasião da Guerra do Paraguai (1864-1870), a presença de Floriano já era comentada entre seus camaradas de armas, tanto pela bravura de seu desempenho à frente da tropa como pela capacidade de resistir às mais sérias adversidades próprias de uma guerra. O Major, como passou a ser conhecido na corporação, era saudado durante e depois daquele grande conflito.

Com o advento da República, o Exército se projetou como ator político no cenário nacional. De seus quadros saíram dois dos candidatos aos cargos máximos do regime, o de presidente e o de vice-presidente. As eleições os consagraram, e teve início a difícil relação entre os militares, imbuídos dos deveres de defensores da nova ordem, e os civis, majoritariamente adeptos da fórmula federalista. Nesse confronto ideológico multiplicaram-se os embates, e eles se tornaram mais intensos quando a permanência de Floriano no governo passou a ser questionada por membros da Armada (Marinha), tendo à frente o contra-almirante Custódio de Melo.

Floriano assumiu a defesa de seu governo como se a sobrevivência da República dependesse exclusivamente dele. Com isso, fortaleceu ainda mais sua liderança junto a seus camaradas, com o apoio entusiástico dos alunos da Escola Militar. Diante das ameaças e das pressões, o vice-presidente em exercício – como gostava de ser tratado – transformou seu governo em trincheira na defesa da legitimidade institucional por ele representada. Em paralelo, interveio junto aos atravessadores dos produtos de primeira necessidade, de modo a conter e reprimir a espoliação e a ganância de comerciantes e aproveitadores quando da Revolta da Armada. Seu prestígio cresceu. Nasceu aí o florianismo.

Dado o seu caráter múltiplo, uma vez que não se restringiu à caserna, não sendo uma expressão meramente corporativa dos militares do Exército, é possível identificar no florianismo duas vertentes: o florianismo de governo e o florianismo de rua. Na primeira, formavam todos os que se alinharam ao governo Floriano, por razões de ordem prática ou mais precisamente de ordem pragmática. Foi o caso dos membros mais ativos da oligarquia cafeeira de São Paulo, ávidos por manter a estabilidade institucional do regime recém-instalado para dela tirar proveito, como de fato ocorreu em seguida, com a eleição para três quadriênios consecutivos de seus líderes mais destacados, Prudente de Morais, Campos Sales e Rodrigues Alves, dando início à hegemonia paulista na Primeira República.

O outro florianismo, o de rua, foi espontâneo, surgiu da afinidade dos segmentos populares com Floriano. Para esses contingentes sociais, o Marechal de Ferro simbolizava a própria República, e mantê-lo à frente da presidência passou a ser uma tarefa à qual se dispuseram, alheios a interesses que não fossem os da preservação da República ameaçada por seus opositores mais ferrenhos. Não é por acaso que várias outras alcunhas foram atribuídas a Floriano, tais como Marechal Vermelho ou Robespierre brasileiro, ambas tendo como matriz a Revolução Francesa e, especialmente, seu período de maior radicalização política, o Terror. Claro está que essas alusões partiram do segmento mais doutrinário do florianismo, o dos jacobinos. Todos ou quase todos eram florianistas, embora nem todos os florianistas fossem adeptos do jacobinismo, como bem salientou a historiadora Suely Robles de Queiroz.

As duas vertentes do florianismo coexistiram sem grandes problemas durante o governo do marechal. Contudo, logo após o término da Revolta da Armada e a proximidade do pleito para a escolha do sucessor de Floriano, essas vertentes passaram a se conflitar. Os florianistas de governo abraçaram logo a candidatura sustentada pelos paulistas, de Prudente de Morais, ao passo que os florianistas de rua não só não demonstraram qualquer apreço pelo candidato oficial, como engrossaram a articulação promovida nos bastidores para uma eventual permanência de Floriano no poder. Essa ação golpista realmente existiu, e posteriormente foi objeto de um processo que culminou no arrolamento, como conspirador, do próprio vice-presidente Manuel Vitorino, além do deputado Barbosa Lima e do jornalista Diocleciano Mártir.

Com a morte de Floriano em 1895, o florianismo perdeu sua referência, mas a lembrança de Floriano continuou no imaginário político e na literatura memorialística. Nesta, cabe destacar as memórias de Inocêncio Serzedelo Correia. Não foram poucas as menções à figura e à desenvoltura do marechal em documentos, manifestos, palestras ou efemérides promovidas nos anos subsequentes por destacadas personalidades da vida política do país ou por comandantes militares. Tais menções envolveram desde Luís Carlos Prestes, em comunicado de 1935 a seus companheiros da Aliança Nacional Libertadora (ANL) intitulado “O grande movimento popular nacional”, até o general Artur da Costa e Silva, então ministro da Guerra, na ordem do dia dirigida a seus comandados e datada de 15 de novembro de 1965, logo após o golpe de 1964, portanto de autorias as mais díspares do espectro político e ideológico brasileiro, proclamou-se a herança benfazeja do Consolidador da República, epíteto mais recorrente dentre tantos que a ele foram conferidos, não por acaso. .

 

Lincoln de Abreu Penna

 

[Verbete do Dicionário histórico-biográfico da Primeira República 1889-1930. Coordenação: Alzira Alves de Abreu/FGV]

FONTES: CORREIA, I. Páginas; FREIRE, A. Capital; PEIXOTO, S. Início; PENNA, L. Progresso; PRADO, E. Fastos; QUEIROZ, S. Radicais; VOVELLE, M. Jacobinos.