ÚLTIMA HORA

ÚLTIMA HORA

 

Jornal diário e vespertino fundado no Rio de Janeiro em 12 de junho de 1951 por Samuel Wainer. A partir de 1952, passou a ser igualmente editado em São Paulo.

Em 1955, surgiu uma edição matutina no Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que começava a ser articulada a Rede Nacional de Última Hora. Essa cadeia foi formalmente organizada em 1961, quando, além das edições carioca e paulista, surgiu uma edição nacional, impressa no Rio e complementada em Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife, Niterói, Curitiba, Campinas, Santos, Bauru e na Região do ABC paulista (Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano).

Em 1971, o jornal, até então publicado por uma editora cuja razão social era também Última Hora, foi vendido por Wainer a um grupo empresarial liderado por Maurício Nunes de Alencar, que havia arrendado igualmente o Correio da Manhã. De 1973 até 1987, a responsabilidade pela edição do jornal passou à Arca Editora S.A., do empresário Ari de Carvalho. Após ser vendido ao empresário José Nunes Filho, a Última Hora encerrou definitivamente suas atividades em 26 de julho de 1991, quando teve sua falência decretada pela Justiça, devido a uma dívida que chegava a 450 milhões de cruzeiros.

Origem

Última Hora revolucionou a imprensa brasileira de sua época, introduzindo uma série de técnicas de comunicação de massa até então desconhecidas no Brasil. A importância desse aspecto técnico do jornal é ressaltada nos depoimentos de sua antiga equipe, segundo a qual Última Hora foi fundada para ser “a Volta Redonda da imprensa brasileira”.

Última Hora foi fundada ainda para servir de respaldo ao getulismo junto à opinião pública. Segundo o próprio Samuel Wainer, seu objetivo era romper com “a formação oligárquica da imprensa brasileira e dar início a um tipo de imprensa popular e independente”.

Wainer apresentava Getúlio Vargas como “o poder contra o poder”, a contraditória figura política que, embora na presidência da República, empenhava-se em lutar contra “a classe dirigente brasileira” na qual estariam congregados os “verdadeiros elementos do poder”. Última Hora pretendia ser, portanto, “um jornal de oposição à classe dirigente e a favor de um governo”, um governo que em última análise representava a tendência popular. Entretanto, ainda que tivesse procurado enfatizar as preocupações do povo — identificando-se assim com a própria política de Getúlio —, Wainer reconheceria mais tarde que seu jornal foi incapaz de atingir as camadas populares.

Fundação

O fundador e proprietário de Última Hora até 1971 já era conhecido durante o Estado Novo pela atuação de sua revista Diretrizes, perseguida pelo Departamento de Imprensa e Propaganda, e por seu desempenho como repórter dos Diários Associados. Samuel Wainer era um dos homens de confiança de Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo, proprietário e presidente dessa cadeia e figura de destaque na imprensa brasileira nas décadas de 1940 e 1950.

Ligado à União Democrática Nacional (UDN), e portanto em decidida oposição a Getúlio Vargas, no início de 1949 Chateaubriand determinou a Wainer que obtivesse do ex-ditador, então retirado na estância de seu irmão Plutarco Vargas, no Rio Grande do Sul, uma entrevista. Desde meados de 1947, Getúlio vinha-se mantendo no mais absoluto mutismo, e seria indubitavelmente de grande efeito trazer suas declarações a público. Embora Samuel Wainer refutasse essa versão, consta que seu primeiro encontro com Vargas, ocorrido no mês de fevereiro, tinha por objetivo uma entrevista, de fato realizada e publicada em O Jornal, órgão líder dos Diários Associados. A matéria de Wainer, além de afirmar que Getúlio voltaria, “mas como líder de massas, e não de partidos”, acrescentava que o ex-ditador lançaria o nome de Ademar de Barros como candidato às próximas eleições presidenciais.

A ligação de Samuel Wainer com Getúlio Vargas se consolidou a partir desse contato. Era do interesse de Chateaubriand explorar o medo que supunha haver despertado nos círculos de oposição ao trabalhismo com o anúncio da possível volta de Getúlio. O candidato de Chateaubriand à presidência era o general Canrobert Pereira da Costa, ministro da Guerra do governo do general Eurico Dutra. Entretanto, para que Canrobert pudesse se tornar o candidato de oposição por excelência, seria preciso afastar a candidatura de Cristiano Machado, do Partido Social Democrático (PSD), e levar Ademar de Barros a apoiá-lo. Assim, era interessante que Samuel Wainer continuasse cobrindo o “assunto” Getúlio. Wainer, segundo seu próprio depoimento, esteve diversas vezes com Vargas no período que vai de 1949 até sua posse como presidente da República, em 31 de janeiro de 1951.

Ainda segundo o depoimento de Wainer, logo após as eleições Getúlio lhe teria perguntado se não desejava possuir um jornal. Tendo contra si a quase totalidade da chamada grande imprensa, o presidente teria expresso com sua pergunta o desejo de possuir um porta-voz governamental. Wainer negaria mais tarde que o jornal fundado a partir de sua ligação com Vargas pretendesse ser um porta-voz stricto sensu do governo. Sua intenção teria sido antes “interpretar” as decisões governamentais, ou seja, servir de instrumento de mediação entre o governo e o grande público.

Ao iniciar as gestões para a fundação de seu jornal, Samuel Wainer entrou em contato com Horácio de Carvalho Júnior, proprietário do prédio onde funcionavam o jornal Diário Carioca e a empresa gráfica Érica, o qual lhe apresentou uma proposta. Mediante 30 milhões de cruzeiros antigos, Wainer compraria todas as ações da Érica, então em nome de Aluísio Sales, e assumiria toda a responsabilidade pelas diversas dívidas do Diário Carioca e da Érica no Banco do Brasil e na Caixa Econômica, no valor de 22 milhões de cruzeiros antigos, garantidas pelo imóvel e os equipamentos gráficos da empresa. Além disso, Wainer se comprometeria a imprimir durante dois anos o Diário Carioca, que naturalmente desocuparia o prédio da Érica. Em suma, a transação importava num total de 64 milhões de cruzeiros, dos quais 22 teriam um prazo de 15 anos para pagamento ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica.

Ansioso por obter o controle de uma oficina gráfica, pois sem essa retaguarda não ousaria lançar um jornal, Wainer aceitou as condições de Horácio de Carvalho Júnior e saiu à procura de recursos. A própria Alzira Vargas do Amaral Peixoto, filha e secretária de Getúlio Vargas, havia prometido todo o seu apoio e o de seu pai ao empreendimento, desde que Wainer não contasse com subsídios do governo e se dispusesse a procurar financiamento junto a particulares. No entanto, surgiu aí a primeira dificuldade em relação ao projeto de Wainer. Ernâni Amaral Peixoto, governador do estado do Rio de Janeiro e genro de Vargas, sabendo que o Diário Carioca estava às portas da falência, percebeu que a transação acabaria por salvar o jornal, como de fato aconteceu. Na medida em que o Diário Carioca era um jornal de oposição ao governo, sua recuperação não interessava aos elementos ligados a Vargas.

Wainer, contudo, insistiu na transação, pois a Érica era a única oficina gráfica disponível no Rio de Janeiro, e sua aquisição significava poder lançar o novo jornal antes de junho de 1951, data em que Vargas contava iniciar a primeira grande ofensiva de medidas populares de seu governo. Informado da situação em que se encontrava Wainer, Getúlio não interferiu, pois lhe havia dado plena liberdade de ação, desde que não procurasse obter recursos oficiais.

O primeiro financiador privado procurado por Wainer, o banqueiro Válter Moreira Sales, tinha o maior interesse em que a compra da Érica fosse efetuada, pois seu banco era o principal credor dessa empresa. Assim, Moreira Sales emprestou dez milhões de cruzeiros a Wainer, garantidos pelas ações que este iria adquirir de Aluísio Sales. Os dois outros financiadores procurados não hesitaram em emprestar dez milhões cada, pois ambos tinham profundas ligações políticas com o governo Vargas e alimentavam razoáveis ambições de ascenso na vida pública. O primeiro foi Ricardo Jafet, então presidente do Banco do Brasil, bem como de um dos mais importantes grupos econômicos de São Paulo, e o segundo foi Euvaldo Lodi, industrial mineiro, presidente da Confederação Nacional da Indústria.

Com esses 30 milhões de cruzeiros, Wainer tornou-se proprietário de uma empresa gráfica e de um prédio projetado por Eduardo Reidy, situado na avenida Presidente Vargas.

De posse das instalações da Érica, Wainer solicitou um empréstimo de 26 milhões de cruzeiros ao Banco do Brasil, a ser rigorosamente aplicado na complementação do equipamento gráfico e em obras no prédio, investimentos esses que dariam à nova empresa condições operacionais de maior eficiência econômica.

Esse empréstimo, mais a absorção pelo Banco do Brasil da dívida com a Caixa Econômica, seriam garantidos com a hipoteca do imóvel e o penhor dos equipamentos gráficos. Segundo Thomas Skidmore, esse empréstimo do Banco do Brasil teria sido aprovado por Getúlio Vargas.

Para formar a Empresa Editora Última Hora S.A. e lançar o jornal, Wainer conseguiu ainda, através de Juscelino Kubitschek, recém-eleito governador de Minas Gerais, um empréstimo de três milhões de cruzeiros do Banco Hipotecário de Crédito Real, a serem pagos futuramente em publicidade. Com essa importância, Samuel Wainer reuniu a equipe inicial de Última Hora, na qual se destacavam Otávio Malta, organizador da redação e futuro editor-geral, João Etcheverry, Medeiros Lima, Nabor Caires de Brito e Edmar Morel, entre outros.

Wainer trouxe também de Buenos Aires um dos mais famosos diagramadores argentinos, Andrés Guevara, da equipe do jornal portenho La Crítica. Ao lado do artista plástico Augusto Rodrigues, Guevara seria o introdutor de novas técnicas de paginação e diagramação no Brasil.

Para compor a administração, tendo em vista o confronto que se travaria entre Última Hora e o que chamava de “oligarquia da grande imprensa” do país, Wainer convidou elementos de famílias tradicionais ou vinculados de alguma maneira ao poder. Assim, passaram à equipe do jornal o engenheiro Luís Fernando Bocaiúva Cunha e Armando Daudt d’Oliveira. Um ano após a fundação do jornal no Rio, seria lançada a Última Hora de São Paulo, financiada pelo conde Francisco Matarazzo.

Antes que se rodasse o primeiro número de Última Hora, Samuel Wainer recebeu uma carta de Getúlio em que este se congratulava com a fundação do novo jornal e fazia votos de completo êxito ao empreendimento. Após uma série de considerações em que deixava clara sua opinião sobre o que seria um bom jornal — aquele que elogia o que deve ser elogiado e censura o que deve ser corrigido, sem ser “desleal” e sem deturpar os fatos, aquele que fica a meio caminho entre o “apoio incondicional” ao governo e a “oposição sistemática” —, Getúlio terminava dizendo receber com “satisfação a notícia do aparecimento de um novo jornal, para cuja orientação elevada e patriótica o espírito de seu fundador constitui garantia eficiente e motivo bastante de confiança e de contentamento”.

Esta carta foi publicada com destaque no primeiro número de Última Hora, lançado em edição vespertina no dia 12 de junho de 1951. Segundo Samuel Wainer, Última Hora seria o único jornal brasileiro a possuir um editorial assinado pelo próprio presidente da República.

Última Hora e o getulismo

Já no primeiro número do jornal evidenciava-se a preocupação com a defesa dos interesses populares. A manchete em tipos fortes, advertindo “Nova tragédia a qualquer momento”, encimava uma matéria sobre o precário estado dos trilhos e dos dormentes da Central do Brasil. Eram também definidos no primeiro número os pressupostos políticos que iriam nortear o jornal durante todo o período em que Samuel Wainer esteve à sua frente: Última Hora propunha-se a lutar pela soberania nacional e pelo desenvolvimento econômico, combatendo a intromissão de interesses estrangeiros na economia brasileira. A própria prática de apoio às massas encontrava explicação na visão política de Wainer, que em depoimentos posteriores confessou associar o “nacional” ao “popular”.

Logo após sua entrada em circulação, Última Hora promoveu um júri popular no Social Ramos Clube, em que foi julgado e condenado um açougueiro local que roubava no preço. Pouco depois, publicou a reportagem “Cemitério dos vivos”, de José Montenegro, sobre o atendimento aos loucos internados no Hospital Psiquiátrico Pedro II, denunciando as arbitrariedades cometidas e os maus-tratos infligidos aos internos. O jornal desencadeou em seguida uma campanha em defesa dos direitos dos inquilinos, em prol de uma nova Lei do Inquilinato, diante da média de 650 ações de despejo movidas por mês no Rio de Janeiro.

Durante seus três primeiros meses de vida, Última Hora enfrentou sérias dificuldades financeiras. Foi João Etcheverry quem encontrou a fórmula para salvá-la do fracasso, através do lançamento de outdoors, shows e concursos com distribuição de prêmios.

Em contraste com todo o resto da imprensa brasileira da época, Última Hora distinguiu-se pelas inovações que apresentou na área técnica. Foi essencialmente a mudança no aspecto técnico e gráfico que possibilitou o confronto do novo jornal com os demais órgãos de imprensa. Segundo o depoimento de Paulo Silveira, redator e mais tarde diretor do jornal, a grande contribuição de Última Hora foi ter estabelecido uma nova forma de comunicação entre o leitor e o jornal, fruto da necessidade de fugir à concorrência que o rádio e a televisão vinham impondo ao levar ao público com maior rapidez o acontecimento e sua imagem. A grande preocupação de Otávio Malta, que a partir de setembro de 1951 assumiu o cargo de editor-geral, foi sempre diminuir o intervalo de tempo entre a elaboração do jornal e seu oferecimento ao leitor.

Até o mês de setembro, o jornal teve uma tiragem diária de 15 mil a 16 mil exemplares. Em novembro, atingiu 50 mil, e, após o carnaval de 1952, ultrapassou os cem mil. Às segundas-feiras, a tiragem era superior a 150 mil. Atraída pela grande circulação, a publicidade comercial de pequenas lojas, de magazines de vendas a crédito e de imóveis começou a afluir.

De acordo com a edição comemorativa do 20º aniversário do jornal, o primeiro ano caracterizou a grande fase de Última Hora, “cheia de novidades gráficas e de forte atuação populista e nacionalista”. O novo periódico “complementava as notícias dos matutinos e apresentava uma abundância de fatos novos do dia no campo político, econômico, social e policial”.

O papel de Última Hora como porta-voz da política de Vargas foi também marcante. O depoimento de Lourival Fontes, chefe do Gabinete Civil de Getúlio, trouxe à luz alguns bilhetes de seu arquivo contendo instruções do presidente, os quais comprovam a importância do jornal como veículo de divulgação do situacionismo: “Dizer ao Wainer que o número do jornal dele, que li hoje, só tratava de esporte. Nada havia para alentar ao povo e ao Congresso, bem como as informações sobre entrada de gêneros, aumento de transportes etc., a fim de desfazer a campanha adversária de que o governo está parado. E argumentar com o que está sendo feito. O programa deste ano é o equilíbrio orçamentário, sem o qual não poderá haver o barateamento da vida.” Mais adiante Getúlio acrescentava que “os jornais da oposição, principalmente o Diário Carioca e os do Ademar, timbram em atribuir ao governo os desastres da Central. É preciso tomar a sério a defesa deste, através da Última Hora. Mostrar que a eletrificação da Central ficou parada, nada se adquiriu no governo passado. Tudo está velho, gasto e suportando um peso superior às suas possibilidades. O governo atual está procurando melhorar a situação dos transportes em geral. Falar nos trabalhos da Comissão Mista, reaparelhamento geral das estradas de ferro, dos portos de navegação. O diretor da Central vem pleiteando junto à Comissão Mista que se dê prioridade ao fornecimento de novas unidades elétricas para o transporte suburbano. O chefe do governo está empenhado neste sentido e tomando providências com brevidade possível”.

Da mesma forma, as denúncias e críticas feitas por Última Hora eram sempre ouvidas por Vargas: se o jornal publicava uma notícia denunciando um desvio de carne “por ordem do alto”, vinha o bilhete mandando que o chefe do Gabinete Civil apurasse e fizesse cessar a irregularidade.

Em 12 de abril de 1953, Última Hora lançou o Flan, tablóide semanal publicado em cores, com desenhos de Darel. O Flan atingiu uma tiragem de cerca de 150 mil exemplares, rivalizando com a publicação monopolística dos Diários Associados, a revista O Cruzeiro. Circulou até o número 36, extinguindo-se em 13 de dezembro de 1953. Nessa época, era dirigido por Marques Rebelo.

A crise

A partir de 1953, os demais órgãos de imprensa do país desencadearam uma intensa campanha contra Última Hora. Os primeiros passos nesse sentido foram dados por Carlos Lacerda, através de seu jornal Tribuna da Imprensa, e por Assis Chateaubriand. Lacerda começou por afirmar que Samuel Wainer era estrangeiro, e que, portanto, de acordo com o artigo 160 da Constituição de 1946, não poderia possuir ou dirigir qualquer órgão de imprensa no país.

A campanha enfatizou em seguida os empréstimos que deram origem à Última Hora, e sobretudo as relações de Samuel Wainer com o Banco do Brasil. Os financiamentos obtidos por Wainer passaram a ser tachados de “vergonhoso favoritismo”. Última Hora foi acusada de ter conseguido ilicitamente um financiamento de quase 250 milhões de cruzeiros antigos.

Ainda em abril de 1953, instaurou-se na Câmara dos Deputados uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para apurar as transações efetuadas por Última Hora. Lourival Fontes foi incumbido de convocar o líder da maioria, deputado Gustavo Capanema, para formar a CPI, que deveria ser constituída por um número de membros proporcional às representações parlamentares de cada partido — o PSD, a UDN, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido Social Progressista (PSP). A presidência da CPI foi entregue ao deputado Carlos Castilho Cabral, do PSP. A UDN indicou os deputados Aliomar Baleeiro e Guilherme Machado, e o PSD-PTB, os deputados Ulisses Guimarães e Frota Aguiar. As investigações iriam abranger as quatro empresas pertencentes ao grupo Samuel Wainer, a saber a Companhia Paulista Editora de Jornais S.A., a Rádio Clube do Brasil, a Érica Editora de Revista e Publicações S.A. e a Empresa Editora Última Hora S.A.

A estratégia dos inimigos de Wainer — obviamente setores de oposição a Vargas — era menos destruir a Última Hora do que provar as vinculações diretas de Getúlio e membros de sua família com o jornal. Dessa forma, criar-se-iam elementos para envolver o presidente em crime de favorecimento, abrindo-se a possibilidade de um impeachment de seu governo. Paralelamente à CPI, Lacerda prosseguia em seus ataques contra a Última Hora, dispondo, além de seu jornal, da Rádio Globo e da Rede Tupi de Televisão. Um exemplo da campanha movida por Lacerda, segundo depoimento de Wainer, foi o concurso instituído por essa época por Última Hora, do “mais bonito presépio brasileiro”. O vencedor seria abençoado por dom Jaime de Barros Câmara, cardeal do Rio de Janeiro. Lacerda lançou um editorial declarando que os comunistas iludiam a boa fé da Igreja, o que levou o cardeal a “desabençoar” o presépio vitorioso.

A campanha contra Wainer, em seu prosseguimento, aglutinou deputados oposicionistas de grande conhecimento jurídico, como Afonso Arinos de Melo Franco, Raul Fernandes e Prado Kelly. Esse grupo, conhecido através da Última Hora como a “Banda de Música” da UDN, recebia assistência jurídica do escritório norte-americano Momsen, que era vinculado à Standard Oil, e tinha como sócio brasileiro José Tomás Nabuco, cunhado de Afonso Arinos. Um dos principais membros desse escritório era o advogado Fernando Cícero Veloso, genro do financista Valentim Bouças, então diretor da Hollerith do Brasil, um ramo da IBM norte-americana.

Wainer acusou formalmente na CPI o escritório Momsen de fornecer aos representantes da UDN e a outros deputados aliados ao mesmo grupo elementos contra a Última Hora. Além disso, um dos mais modestos advogados do escritório Momsen, Ernâni Mesquita, era também advogado da Última Hora, conhecendo portanto a contabilidade e a escrita do jornal.

A CPI prosseguia seus trabalhos, preparando elementos que pudessem servir de base ao impeachment de Vargas. Em dado momento, com a passagem de Frota Aguiar para a oposição e o desinteresse demonstrado por Ulisses Guimarães, a comissão passou a ser integralmente controlada pela UDN. Ainda assim, não foi possível comprovar qualquer intervenção de Vargas nos supostos favoritismos desfrutados por Wainer, ficando desse modo afastada a possibilidade do impeachment.

As conclusões da CPI, publicadas pelo Diário do Congresso Nacional de 18 de novembro de 1953, atestaram ter havido concessão de empréstimo à Última Hora pelo Banco do Brasil mediante a caução de contratos de publicidade, fixada antes mesmo de circular o primeiro número do jornal, e contra descontos de títulos avalizados por Samuel Wainer e Luís Fernando Bocaiúva Cunha. Referiram-se igualmente ao “regime de favoritismo, e até de privilégio, aplicado em relação às empresas do grupo Samuel Wainer pela direção do Banco do Brasil, notadamente pelo seu então presidente, sr. Ricardo Jaffet”, concluindo que os financiamentos concedidos, “além de excessivos em relação às garantias dadas, realizaram-se à margem das condições normais, violando dispositivos legais, estatutários e regulamentares”.

A exposição de defesa de Samuel Wainer, lida perante a CPI, explicitava em detalhes as atividades da Érica e da Última Hora. Nesse depoimento, intitulado “Livro branco da imprensa amarela”, Wainer recusou-se contudo a fornecer o nome de seus financiadores, além de omitir os pormenores de suas conversações com Getúlio Vargas. Sua insistência em não revelar à comissão os nomes de seus financiadores iniciais valeu-lhe uma prisão de 15 dias por desacato ao Congresso (19/7/1953). Dez dias após seu recolhimento ao quartel-general da Polícia Militar do Rio, entretanto, Wainer foi solto, por habeas-corpus.

No dia 31 de julho, Luís Fernando Bocaiúva Cunha assumiu a presidência do jornal, para passá-la, a 12 de outubro, a Danton Coelho, ministro do Trabalho de Getúlio. Durante todo esse período crítico, Última Hora reagiu com uma série de matérias contra os Diários Associados, denunciando os escândalos de Chateaubriand.

No início de 1954, Vargas declarou a Samuel Wainer que os interesses do governo impunham a execução imediata das dívidas de Última Hora, então já em atraso no Banco do Brasil. Dias depois, Osvaldo Aranha, ministro da Fazenda, deu ordens ao Banco do Brasil para que este executasse Última Hora e lhe desse um prazo de 24 horas para saldar o débito. Wainer apelou então a Getúlio através de Alzira e de Benjamim Vargas, para que o prazo fosse dilatado por oito dias e a ordem abrangesse igualmente todos os jornais devedores do Banco do Brasil.

Wainer conseguiu pagar sua dívida através de empréstimo obtido junto ao conde Francisco Matarazzo, Ricardo Jaffet e Ernesto Simões Filho, ex-ministro da Educação. Última Hora conseguiu por fim sobreviver à crise.

A morte de Getúlio

Após o assassinato do major-aviador Rubens Vaz, que acompanhava Carlos Lacerda, ocorrido na noite de 5 de agosto de 1954, acirrou-se a oposição contra Getúlio. A solução mais evidente para o impasse criado seria o afastamento de Vargas do poder.

Getúlio pediu então a Wainer, através de seu filho Manuel Vargas e de Danton Coelho, que publicasse em Última Hora a manchete “Só morto sairei do Catete”. Esta manchete estava pronta quando, no dia 24 de agosto, o presidente se suicidou. Wainer reformulou-a rapidamente, acrescentando uma linha: “Ele cumpriu sua palavra: só morto sairei do Catete.” O jornal publicou ainda um editorial intitulado “Pela ordem”, conclamando o povo a manter a calma, pois era precisamente o desespero e a destruição que os inimigos de Getúlio esperavam para esmagar qualquer reação popular. A tiragem de Última Hora nesse dia foi de setecentos mil exemplares. Foi o único jornal a circular no Rio de Janeiro, pois os demais foram impedidos de fazê-lo pela ação do povo.

Após a morte de Getúlio Vargas, a campanha contra Última Hora foi retomada com maior intensidade, tendo à frente, mais uma vez, Carlos Lacerda. Iniciou-se um boicote de publicidade, que reduziu a tiragem do jornal para 12 mil exemplares.

Nesse momento, Edmar Morel realizou uma série de reportagens sobre as condições em que se encontravam os detentos nas prisões cariocas. Graças a uma ordem de Tancredo Neves, ministro da Justiça, Edmar Morel conseguiu penetrar no que chamou de “catacumbas policiais”, e denunciou a superlotação dos xadrezes através de fotos que “estarreceram a nação”. A tiragem do jornal deu um salto, passando a 330 mil exemplares.

Última Hora passou então a publicar as chamadas “grandes reportagens”, como a que denunciava “o envenenamento da população com o leite misturado com água e até com urina humana, o escândalo dos francos furtados ao Banco do Brasil, a venda de entorpecentes por hospitais dos antigos institutos de aposentadoria e pensões, distribuição de milhões de cruzeiros em subvenções inexistentes a sociedades de caridade e a existência de fábricas de diplomas falsos dentro do próprio Ministério da Educação”.

Na verdade, essa série de reportagens iniciada por Edmar Morel não foi mais que uma tentativa de ressuscitar os dias prósperos de Última Hora. Em 1955, porém, a luxuosa sede da avenida Presidente Vargas foi trocada por um velho depósito de leite, na rua Sotero dos Reis, em São Cristóvão.

De Café Filho a João Goulart

Apesar do suicídio de Getúlio Vargas e das conseqüências desfavoráveis para Última Hora, Samuel Wainer manteve-se fiel à sua política, fazendo cerrada oposição ao presidente João Café Filho. Este, por sua vez, refere-se em seu livro de memórias à violenta campanha movida pelo jornal contra as “autoridades federais e, de modo especial, as forças armadas”.

Por outro lado, a campanha chefiada por Carlos Lacerda exigia o fechamento de Última Hora, acusada de ser “um dos principais órgãos da imprensa comunista”. Foi convocada uma reunião à qual compareceram os ministros da Guerra, da Marinha e da Aeronáutica, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, o chefe do Gabinete Militar da Presidência e o presidente do Banco do Brasil, Clemente Mariani Bittencourt. O total dos débitos hipotecários e relativos à compra de papel pela Érica, segundo Clemente Mariani, ascendiam a mais de 113 milhões de cruzeiros. O fechamento do jornal não se consumou, porém graças ao parecer de Seabra Fagundes, ministro da Justiça, que entrevia na medida um desrespeito aos princípios constitucionais. O parecer de Seabra Fagundes foi encampado pelo próprio Café Filho, que considerava seu governo “essencialmente constitucional, e não revolucionário”. Após a derrubada de Café Filho, Samuel Wainer esteve mais uma vez preso.

Durante o governo de Juscelino Kubitschek, Última Hora iniciou uma fase de recuperação que, no entanto, não lhe devolveu o prestígio anterior. Ao deixar a direção do jornal, em maio de 1957, Danton Coelho foi substituído por Sérgio Lima e Silva, que permaneceu no cargo até abril de 1959. Nesse momento, Samuel Wainer reassumiu a direção de sua folha.

Última Hora apoiou em todo esse período a construção de Brasília, mantendo permanentemente um repórter na nova capital.

No momento em que se desencadearam os debates relativos à sucessão presidencial, o jornal apoiou a candidatura do marechal Henrique Teixeira Lott. Comprometido com o PTB, o jornal apoiou igualmente as candidaturas de João Goulart para a vice-presidência e de Sérgio Magalhães para o governo do estado da Guanabara.

Por volta de 1961, Última Hora possuía 1.500 funcionários e tinha uma tiragem de 350 mil exemplares. Esse total justificava-se pelas edições simultâneas em várias partes do Brasil, configurando a Rede Nacional de Última Hora. Eram feitas dez edições diárias do jornal, cobrindo seis estados: Guanabara, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Samuel Wainer era o diretor-presidente da rede, e Luís Fernando Bocaiúva Cunha, seu vice-presidente. A edição de Última Hora do Rio de Janeiro estava entregue à responsabilidade de Paulo Silveira. O jornal de São Paulo era dirigido pelo próprio Wainer e por Josimar Moreira.

Embora tivesse feito oposição a Jânio Quadros durante a campanha eleitoral, Última Hora mostrou-se favorável a alguns aspectos de seu governo, como a política externa de aproximação com os países socialistas. A renúncia do presidente, no mês de agosto de 1961, foi recebida com perplexidade. De imediato, o jornal empenhou-se na defesa da posse de João Goulart, contra as pretensões manifestadas pela UDN e por alguns setores militares.

Durante o governo de João Goulart, Última Hora permaneceu fiel à sua tradição trabalhista, apoiando o presidente até as vésperas do movimento militar que o depôs. Chegou a ser o único jornal a apoiar Goulart mesmo após a Revolta dos Marinheiros, ocorrida em março de 1964, quando toda a imprensa do país passou a fazer oposição ao governo.

O apoio de Última Hora a Goulart valeu ao jornal problemas com o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), que moveu intensa campanha com o intuito de boicotar a publicidade das grandes empresas. Os anunciantes de médio e pequeno portes, favorecidos pela clientela popular do jornal, é que teriam pressionado para que se continuasse a anunciar nas páginas de Última Hora.

O período pós-1964

Com a eclosão do movimento político-militar de 31 de março de 1964, Última Hora foi apedrejada e Samuel Wainer teve seus direitos políticos cassados. Teve também de fugir para a Europa, onde permaneceu até 1967. A direção do jornal passou então ao advogado Heriberto de Miranda Jordão, assessorado por cinco vice-presidentes: Paulo Silveira, o “cônego” Dutra, João Pinheiro Neto, João Etcheverry e Luís Fernando Bocaiúva Cunha. O jornal adotou uma linha de não comprometimento político, sendo mesmo forçado, segundo Paulo Silveira, a fazer inúmeras concessões para sobreviver.

Miranda Jordão deixou a direção em 31 de janeiro de 1965, passando-a a Danton Jobim. Nessa fase, a cobertura internacional passou a contar com o direito de reprodução dos artigos e reportagens das maiores publicações européias, como Le Monde, L’Express, L’Evènement e New Statesman. Última Hora lançava assim a seção “Jornal do mundo”.

Entretanto, a crise interna desencadeada a partir do movimento militar se acentuava progressivamente. O boicote de publicidade crescia. A equipe do jornal se esforçava por manter a estrutura dos tempos iniciais, e talvez tenha sido este seu erro fundamental.

Por fim, Jânio de Freitas assumiu a chefia da redação. Iniciou-se nesse momento o que seria a fase de recuperação do jornal, pautada pelo combate à política do presidente Humberto Castelo Branco e à chamada “linha dura” do Exército. Durante o governo do presidente Artur da Costa e Silva, Última Hora mostrou-se complacente com a abertura pretendida, centrando sua oposição no questionamento do poder militar e na denúncia de torturas a presos políticos. Embora a política econômica do ministro da Fazenda Antônio Delfim Neto não estivesse claramente definida, o jornal já se pronunciava contra medidas de maior abertura ao capital estrangeiro e defendia a redistribuição da renda. Nessa fase, Última Hora atingiu grande tiragem e chegou a se recuperar financeiramente.

De volta ao país, Samuel Wainer desentendeu-se com Jânio de Freitas, que acabou por se desligar do jornal. Em 27 de abril de 1971, o título do jornal Última Hora foi vendido por sete milhões e quinhentos mil cruzeiros a um grupo liderado por Maurício Nunes de Alencar, que desde fins de 1969 havia arrendado o Correio da Manhã e mantinha vínculos com a Companhia Metropolitana, considerada uma das maiores empreiteiras do país. Samuel Wainer extinguiu a redação, o departamento fotográfico, o arquivo e outros setores anexos. Apenas três dos antigos funcionários foram contratados pela nova diretoria. O novo jornal passou a ser feito num prédio da Avenida Gomes Freire, sob a direção de Reinaldo Jardim. Esse grupo teria como meta montar um sistema de comunicação para dar sustentação a uma candidatura a presidente do coronel Mário Andreazza, então ministro dos Transportes no governo do presidente Emílio Garrastazu Médici (1969-1974). Ao longo de 1973, contudo, o jornal foi adquirido por Ari de Carvalho e passou a ser editado pela Arca S.A. Última Hora permaneceria nas mãos de Ari de Carvalho até 1987.

Tanto Maurício Alencar quanto Ari de Carvalho imprimiram a Última Hora uma orientação de cunho eminentemente governista, encampando os pressupostos políticos da situação. Assim, já sob a direção de Ari de Carvalho, o jornal permaneceria fiel à política do presidente Ernesto Geisel em seus primeiros confrontos com a chamada “linha dura” militar, e no processo de distensão política “lenta, gradual e segura”, conduzido pelo regime militar depois da vitória da oposição nas eleições legislativas de 1974. Ao longo deste processo, ao final do qual surgiria, em 1985, a Nova República, houve momentos em que o exercício autoritário do poder ainda se faria sentir. Assim, em abril de 1977 Geisel lançou o chamado “pacote de abril”, um conjunto de medidas baixadas em reação à não obtenção no Congresso Nacional dos 2/3 de votos necessários para a aprovação da emenda constitucional encaminhada pelo governo para a reforma do Judiciário. O MDB, partido da oposição, foi acusado de ser uma “minoria ditatorial”, e o Congresso permaneceu fechado por 14 dias, após os quais o pacote foi promulgado. Nele decidiu-se que o mandato presidencial passaria a ter a duração de seis anos a partir do sucessor de Geisel, que as eleições para os governos estaduais permaneceriam indiretas, que os mandatos de prefeitos e vereadores a serem eleitos em 1980 seriam de apenas dois anos, para que se chegasse a uma coincidência geral das eleições de 1982, que 1/3 dos senadores passaria a ser eleito de forma indireta, que as bancadas dos estados menos populosos (onde o governo obtinha os melhores resultados eleitorais) seriam aumentadas, que as emendas constitucionais passariam a depender da maioria simples no Congresso para que pudessem ser aprovadas, e que as limitações à propaganda eleitoral, como rezava a chamada Lei Falcão, seriam estendidas às eleições gerais.

Última Hora, na expectativa da implantação das medidas de abril, por meio da coluna “Hora H”, afirmou que o país contaria “com as suas forças vivas para a implantação de impulso renovador capaz de tornar realidade o modelo brasileiro”, e que as reformas na área política eram “lúcidas e realísticas” e permitiriam que o Brasil prosseguisse “em sua caminhada de potência emergente, ao abrigo de crises de rejeição”. E num momento subseqüente ao pronunciamento do presidente Ernesto Geisel, o editorial “Nova realidade política” sustentou que “o presidente (...) reabriu os caminhos para convivência política no país — suspensa em razão da recusa do MDB em aprovar o projeto de reformulação do Judiciário — e preconizou a solução de um ‘diálogo alto’ entre os partidos”. O fechamento do Congresso não teria significado uma punição a ele próprio, já que a Arena, o partido governista, apoiou maciçamente a emenda, e portanto “não seria capaz de merecer qualquer reparo seu comportamento no Congresso”. Para a Última Hora, “a posição da Arena não teria o significado de um gesto de docilidade e de cega obediência, mas o de um partido amadurecido e consciente do país, num dado momento de sua história, quando não são raras as dificuldades que enfrenta para afirmar-se como potência”. Apesar da recusa oposicionista ter sido matizada como uma atitude legítima, decorrente “do que não pareceu conveniente, oportuno ou de interesse partidário”, a Última Hora concluía afirmando que a partir do lançamento do pacote o país passaria a viver “a plenitude da atuação dos três poderes (...), interdependentes, mas harmônicos entre si”.

Na verdade, de há muito a Última Hora deixara de ser o jornal de opinião dos primeiros 20 anos de sua existência. Em setembro de 1977, o Jornal do Brasil tornava pública a denúncia feita pelo advogado Wilson Lopes dos Santos, contratado pela família de Michel Frank, acusado do assassinato da jovem Cláudia Lessin e cognominado pela imprensa “o tubarão branco”, segundo a qual a Última Hora teria tentado extorquir quinhentos mil cruzeiros de seus clientes para não dar grande destaque ao homicídio. Última Hora voltou a ser notícia em julho de 1978, quando os diretores do jornal foram interpelados pelo ministro Euclides Quandt de Oliveira, titular da pasta das Comunicações do governo Geisel, por noticiarem acusações que lhe foram feitas pelo industrial Kurt Mirow, que publicou o livro A ditadura dos cartéis.

Assim, as tentativas de se conservar em atividade levavam Última Hora ao que a própria imprensa iria classificar como um cortejo a diferentes faixas de público com barulhentas manchetes: o jornal procurava atingir leitores de revistas de variedades, moradores da periferia, estudantes e, de uma forma mais abrangente, oposicionistas em geral. Nessa busca, descia a questões que não raro levavam a que se questionasse a integridade de sua diretoria. Uma publicação da mídia de junho de 1979 classificava os últimos nove anos de Última Hora como de agonia e previa o fechamento do jornal. A posição do jornal em face do processo de abertura e da reação que desencadeava entre os adeptos da linha dura não apresentava grande definição. A apatia dos editoriais se expressava na pura e simples narrativa linear dos acontecimentos. Assim, em maio de 1981 — por ocasião de um atentado a bomba cometido por militares de direita durante o show de música popular promovido pelo Centro Brasil Democrático (Cebrade), uma entidade ligada ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), no centro de convenções Riocentro no Rio de Janeiro — Última Hora limitou-se a apresentar a posição de representantes de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e partidos políticos sobre o episódio, e entre outras coisas, deteve-se sobre a competência das investigações a respeito, se elas seriam da alçada da Polícia Federal ou do I Exército.

Desde o início de 1983, Última Hora, editada em Brasília, tinha como vice-presidente o tenente-coronel Kurt Pessek, comprometido em sua biografia com a chamada linha dura do Exército e, naquela ocasião, aliado do general Hugo Abreu contra a candidatura do então chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), general João Batista Figueiredo, à sucessão do presidente Ernesto Geisel. Pessek, na ocasião, fez severas críticas a jornalistas a quem atribuía a publicação de notícias distorcidas e, durante o período em que permaneceu como vice-presidente do jornal, tentou mostrar-se comprometido com o processo de abertura política. Essa ambivalência era o tom do jornal. Na tentativa de contornar a grave crise que ainda não chegara a seu ponto culminante, mas vinha se prolongando desde a década de 1970, Última Hora continuava não se posicionando de forma clara em seus editoriais. Procurava agradar a um grande público, mas mantinha uma certa docilidade com o que preconizava o regime.

A campanha pelo restabelecimento de eleições diretas para a presidência da República, desencadeada em fins de 1983 e que tinha correspondência no Congresso com a chamada emenda Dante de Oliveira, não logrou êxito. O jornal, em sua trajetória ambígua, publicou editoriais em que se manifestava favoravelmente às manifestações populares em favor da emenda, mas terminou por encampar as posições governamentais. A grande preocupação manifestada pelo jornal era com um desenrolar ordeiro do movimento.

As dificuldades administrativas vinham minando Última Hora e o jornal lançou mão de vários expedientes para tentar evitar seu fechamento, cada vez mais iminente, entre os quais uma reforma que visava à conquista de um público de maior poder aquisitivo. A reforma, iniciada em novembro de 1984 e levada a efeito por Válter Fontoura, vice-presidente executivo da Arca, aumentou o número de projetos e a tiragem do jornal, contratou articulistas para dar ao jornal o caráter de um órgão de opinião. A solenidade de apresentação da reforma teve a presença de Tancredo Neves e Paulo Maluf. A edição de Brasília, em junho de 1985, foi vendida aos empresários Luís Estêvão e Sérgio Naya, que deixaram ainda à sua frente Pessek, já promovido a coronel.

Em fevereiro de 1986, durante a fase inicial do governo do presidente José Sarney, Última Hora apoiou o Plano Cruzado, reforma econômica que pretendia combater a inflação, que tinha chegado a mais de 250% ao ano. Foi criada uma nova moeda, o cruzado, com um valor mil vezes maior do que o cruzeiro, que foi abolido. Em face do grande sucesso inicial do plano, com a redução da inflação e o entusiasmo popular na fiscalização de preços, Última Hora conclamou o público à “confiança na Nova República”. Contudo, com os numerosos problemas de ajuste apresentados pelo Plano Cruzado numa fase posterior, o jornal passou a reconhecer que a crise não tinha sido superada e começou a relativizar os benefícios que o governo afirmava terem sido alcançados.

Em agosto de 1987 Última Hora passou a circular à tarde, tentando ocupar um espaço deixado em aberto pela inexistência de jornais vespertinos no Rio de Janeiro. Os resultados não foram bons e Ari de Carvalho, no mesmo ano, acabou por vender o jornal para o empresário José Nunes Filho. Última Hora, no entanto, acabou tendo sua falência decretada em 26 de julho de 1991, devido a uma dívida que chegava a 450 milhões de cruzeiros, encerrando definitivamente suas atividades.

Carlos Eduardo Leal

 

FONTES: BARROS, T. Última; ENTREV. AMARAL PEIXOTO, A.; ENTREV. BARROS, T.; ENTREV. WAINER, S.; Última Hora; WAINER, S. Caso; WAINER, S. Minha.