PLANO COLLOR

PLANO COLLOR

 

Conjunto de tentativas de contenção inflacionária e estabilização econômica efetuado no governo de Fernando Collor de Melo, sob os nomes de Plano Collor e Plano Collor II.

 

Antecedentes

A aceleração da inflação no final do governo Sarney — de cerca de 40% em outubro de 1989 para 80% em março de 1990 — atestava o fracasso do Plano Verão. Seus efeitos duraram até o terceiro trimestre do ano, quando ainda sobrevivia num clima de festa promovido pelo governo que apeava do poder, causando uma elevação irresponsável das despesas públicas em meio à comemoração cívica da primeira eleição democrática desde 1960. O consumo do governo aumentou de 5,8% para 8,2% do PIB entre 1989 e 1990, em decorrência dos aumentos salariais ao final do governo Sarney. A aceleração progressiva da inflação foi acompanhada de um comportamento favorável da balança comercial nos seis meses anteriores ao programa, atribuído ao atraso cambial decorrente da defasagem da indexação diante da aceleração inflacionária.

 

O Plano Collor I

O Plano Collor, decretado no início do primeiro governo eleito pela via direta em 29 anos, constituiu uma opção de alto risco, condicionada pela percepção de alguns fatores que o enquadram na lógica dos fracassos das intervenções que lhe precederam. O primeiro fator era a crença de que a explosão inflacionária seria iminente e inevitável caso se tentasse qualquer alternativa gradual. O segundo, a avaliação política da precária composição pluripartidária de apoio ao governo no Congresso, o que não abriria espaço para prolongadas negociações em torno de um programa minimamente consensual, especialmente depois de uma eleição presidencial acirrada no segundo turno. A aprovação pelo Congresso de toda a legislação enviada pelo governo desmentiu esse diagnóstico na prática. Como terceiro fator existia uma análise política de que em ano de eleições (parlamentares e locais) o melhor ativo que o governo teria a oferecer aos que lhe apoiassem seria a parceria em um programa com boa chance de sucesso rápido, ainda que seus resultados a médio prazo tivessem eventualmente de ser aprimorados através de uma maioria parlamentar após as eleições.

As expectativas em torno de uma nova tentativa de choque antiinflacionário no início do governo Collor condicionaram, em grande medida, o caráter do novo programa: tinha data marcada e deveria vir na forma de uma descontinuidade dramática, dado o estilo do próprio presidente. Em seguida à posse do novo governo, o choque foi anunciado pela ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello, a partir de um diagnóstico de que os programas anteriores haviam falhado basicamente por não terem atacado as causas do desequilíbrio financeiro do Estado brasileiro nem terem destruído os mecanismos que impedem, na economia brasileira, a atuação de uma política monetária rígida.

Três pontos foram então apresentados como base do programa: 1) uma reforma fiscal com o objetivo de permitir, já no ano de 1990, uma reversão das contas do setor público da ordem de 10% do PIB, objetivando-se uma conversão de um déficit operacional previsto para 8% do PIB em um superávit operacional de 2% do PIB; 2) uma reforma monetária destinada a acabar com a moeda indexada, seguida por um bloqueio ao acesso a cerca de 80% dos ativos financeiros do setor privado. Tal indisponibilidade, que resultou em um controle direto do Banco Central sobre um montante de quase 51 bilhões de dólares ao final de março (mais do que o dobro do valor dos títulos federais fora do banco) visava impedir que a massa de recursos financeiros líquidos em poder do setor privado pudesse dirigir-se para os ativos reais, durante o período de transição da economia para taxas mais baixas de inflação; 3) o anúncio de uma política de rendas, a partir da instauração de congelamento imediato de preços e salários, depois de uma modesta correção em alguns preços públicos, e uma regra para o reajuste de preços e salários, destinada a impedir que as pressões inflacionárias acumuladas no período anterior, que continha expectativas explosivas, viessem a prejudicar o andamento do programa.

A regra imediata para reajuste de preços e salários, criada pela Medida Provisória (MP) nº 154, era engenhosa e objetivava o desatrelamento dos reajustes à inflação passada. Seria feita uma prefixação, a partir de maio, de uma taxa mensal que constituiria o limite máximo para ajustar preços de mercadorias e serviços, não sendo necessária, portanto, uma autorização. A publicação da inflação seria realizada no primeiro dia útil após o dia 15 de cada mês, a partir de 15 de abril, o que serviria de base para a correção do salário mínimo e para o reajuste de salários em geral, apoiada em um índice de ponta a ponta que, de fato, nunca foi calculado pelo IBGE.

Além destes elementos pertinentes essencialmente ao choque de desindexação, o novo governo anunciou quatro reformas que constariam da agenda de qualquer partido “progressista” ou de qualquer programa de “ajuste estrutural” inspirado no estilo de Washington. As propostas eram destinadas à reconstrução de uma estrutura econômica que permitisse a retomada do crescimento econômico em bases mais estáveis. Seriam programadas uma reforma administrativa; uma nova política comercial com forte conteúdo de liberalização; uma reforma cambial; um programa de enxugamento da máquina estatal e uma reforma tributária destinada a eliminar isenções, expandindo a base da tributação e promovendo o fim do anonimato fiscal com a extinção dos títulos ao portador e das transações de monta sem identificação dos beneficiários; e a extinção dos incentivos fiscais. Além disso, foi anunciado um programa de privatização com ampla participação do sistema financeiro através da compra compulsória de certificados de privatização com base nos ativos dos bancos.

A implementação do programa econômico foi feita sem criar uma situação que levasse à perda de reservas, ao agravamento do déficit público e à violenta especulação (diante da impossibilidade de contrair rapidamente a oferta de moeda). Desta forma, conseguiu surpreender a todos aumentando a demanda por moeda, sem fazer crescer, de imediato, a taxa de juros nominal. Isso foi possível porque logrou obter prontamente uma forte e generalizada queda na inflação esperada.

Tais surpresas, entretanto, ocorreram à custa de uma grande intervenção no mercado de ativos financeiros, cujas conseqüências eram então imprevisíveis e resultaram desastrosas. A curto prazo ocorreu uma longa interrupção de transações, em princípio por conta do feriado bancário e, em seguida, por uma grande desorganização nos mercados financeiros devido: à confusão quanto às regras operacionais; à sobrecarga dos centros de processamento de dados, atropelados pela virtual duplicação, da noite para o dia, do número de contas bancárias; e a uma resistência dos bancos às novas regras. A principal conseqüência de médio e longo prazos, entretanto, foi a grande incerteza sobre a validade dos contratos representados pelos diversos ativos financeiros, notadamente diante do fracasso da estabilização.

A intervenção nos mercados financeiros foi realizada a partir de uma reforma monetária e uma separação de dois mercados com regras estanques para a quitação de débitos e disponibilidade de ativos. Pela MP nº 168, todos os ativos financeiros, inclusive depósitos à vista existentes em 13 de março, ficariam convertidos em depósitos à ordem do Banco Central durante 18 meses, rendendo juros de 6% ao ano mais correção monetária, medida pela correção nominal dos Bônus do Tesouro Nacional. Foram feitas exceções para valores abaixo de limites que seriam convertidos imediatamente em cruzeiros, a nova moeda. Esses limites variavam de ativo para ativo: 50 mil para depósitos à vista e cadernetas de poupança, 20% ou 25 mil para depósitos remunerados. Segundo a mesma medida provisória, débitos formais existentes em moeda corrente até o dia 13 de março poderiam ser pagos com a transferência de titularidade dos saldos dos depósitos à ordem do Banco Central. O mesmo foi aplicado aos impostos devidos até 18 de maio e às dívidas entre agentes privados até 18 de setembro.

Além dos mecanismos tradicionais de política monetária, o governo permitiu três fontes imediatas de emissão de cruzeiros: os pagamentos feitos pelo Tesouro Nacional, por estados, municípios e Previdência Social, que tiveram suas contas convertidas ao par; leilões de monetização, que seriam realizados sempre que o Banco Central sentisse a necessidade de injetar cruzeiros na economia; e, finalmente, os excessos de compras sobre as vendas de divisas estrangeiras no novo mercado flutuante de câmbio.

Imediatamente após a reforma monetária, instalou-se um grande descasamento entre ativos e passivos em cruzados, que, diante do abandono da idéia de promover um mercado secundário no qual se pudesse trocar saldos em cruzados bloqueados por cruzeiros, levou à perda de controle da liquidez, decretando o fim prematuro do programa de estabilização num emaranhado de exceções e decisões seqüenciais não programadas acerca das liberações dos saldos bloqueados.

À semelhança dos malogrados experimentos que o antecederam, o Plano Collor restaurou a capacidade do governo de fazer política econômica, mas não garantiu a adoção de uma política de estabilização coerente depois do choque. Os governos muito preocupados com a recessão pós-choque acabam por tomar a direção, rapidamente, para o caminho da reflação.

As pressões por flexibilização foram fortes, diante de uma ação tão intervencionista e tão avassaladora nos mercados financeiros, ainda que algumas delas como a taxação imediata das ações e do ouro tenham tido obviamente o efeito de impedir uma liquidação generalizada e prematura de ativos. O número de vítimas inocentes do seqüestro inicial é proporcional ao grau de generalização do comportamento defensivo em relação à inflação no regime anterior. Só não foram atingidos diretamente pelo programa aqueles agentes econômicos que não tinham defesa contra a inflação: provavelmente aqueles 87% da população que manifestaram imediatamente seu apoio ao programa, independentemente das inconveniências causadas, porque se sentiam estrangulados pela alta inflação. Os demais estavam apenas se defendendo, ou da inflação, ou do terremoto que poderia vir com a posse do novo governo. Todos estes, portanto, sentiram-se naturalmente vítimas de grande injustiça, já que não se sentiam responsáveis pela inflação, mas vítimas da política de combate. A ameaça de recessão mostrou que os que não perderam controle dos seus ativos poderiam perder seus empregos.

As críticas mais importantes feitas ao programa foram de dois tipos: de um lado, apontava-se para erros de concepção, a exemplo de Afonso Celso Pastore; de outro, para as conseqüências das próprias “inovações” em termos de intervenção sobre a avaliação futura dos ativos financeiros domésticos.

O primeiro ponto pode ser resumido a partir da idéia de que M1 é o que interessa, pois os ativos que não são meios de pagamentos não podem pressionar diretamente os preços. Para a inflação, é a variação do M1 e não o estoque que importa. Se o programa diminui o estoque de moeda indexada em poder do público e aumenta o fluxo de meios de pagamentos, indexados ou não, para atender às necessidades de transação, necessariamente estará inflacionando, pois estará criando meios de pagamentos a uma velocidade maior do que a de criação de bens. Além disso, a credibilidade seria minada pelo excesso de intervenção e, portanto, o programa seria autodestruidor. Os aspectos mais liberalizantes do programa foram ironizados pelo senador Roberto Campos como uma missa liberal rezada por sacerdotes intervencionistas, e que por isso não seria levada a sério. Dentre outros fatores que contribuíram para o fracasso, Pastore também apontou para o fato de que o programa não restaurou os mecanismos de política monetária a tempo, persistindo em fazer política passiva.

De outro lado, Mário Henrique Simonsen chamava a atenção para os possíveis efeitos desestabilizadores do seqüestro dos ativos financeiros. Segundo o autor, apesar de consistente do ponto de vista macroeconômico, o programa constituía uma alternativa de alto risco pois, se fracassasse, com a desmoralização dos ativos financeiros domésticos criada pelo programa a dolarização da economia poderia vir rapidamente e, assim, haveria uma desorganização ainda maior. A saída, portanto, estaria na criação de um dispositivo constitucional que impedisse o governo de repetir a dose.

Lamentavelmente, a flexibilização dos preços requer em princípio uma coordenação entre a política monetária e os controles de preços, de forma a compatibilizar a maior flexibilidade de preços com a maior inflexibilidade do Banco Central. Quanto mais a sério for levado pelos agentes econômicos o esforço de contenção por parte do governo, mais fácil, em princípio, deveria ser a aceitação de perdas passadas e a conversão da economia de uma prática de reposição de inflação passada (que constitui a indexação backward looking) para uma indexação corrente com base em inflação esperada, como pretendia a nova legislação de correção de preços e salários.

O principal fator de deterioração das expectativas ao final de dois meses foram as idas e vindas da legislação, notadamente na área financeira. Instalou-se um misto de cabo-de-guerra com o sistema financeiro, que levou um mês sem operar às claras, com uma preocupação excessiva do Banco Central em não causar danos irreparáveis ao sistema, o que terminou por levar a um desgaste. O clímax deste processo de desgaste ocorreu quando teve de ser revogada, por ser claramente inconstitucional, a imposição de um imposto sobre os pagamentos de impostos feitos com os saldos bloqueados de cruzados, conforme era previsto pela própria legislação que instituiu o programa. A sucessão de equívocos nas remessas de legislação ao Congresso, que terminou por erodir o apoio dos próprios parlamentares governistas, marcava inexoravelmente os pontos de conflito entre o estilo informal e caracterizadamente improvisado de corrigir os erros e as necessidades políticas de estabelecer um clima de confiança e apoio crescentes para o programa de estabilização. Finalmente, a surpresa com a primeira taxa de inflação sem resíduo inflacionário, medida em 3,3% pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), quando era esperado um índice de menos de 1%; e os índices de maio, com taxas superiores a 7,7%, marcaram o fim do período de euforia com os resultados imediatos do programa.

 

O Plano Collor II

O Plano Collor II, exposto à nação em 31 de janeiro de 1991, foi a resposta que o governo conseguiu para sair da situação de encurralamento a que fora levado a partir do quarto trimestre de 1990. Com expectativas de inflação crescente, o Banco Central não conseguia vender títulos prefixados sem sinalizar juros nominais em elevação e, por essa via, inflação crescente. O desequilíbrio financeiro notório do governo paulista ao final do ano anterior e a incapacidade política de controlar os estragos que poderiam ser feitos ao sistema financeiro como um todo pela presença de um grande banco com problemas de liquidez aumentava ainda mais as expectativas inflacionárias no país.

O Banco Central assumiu as perdas, monetarizou os títulos para socializar o prejuízo e pediu trégua com mais uma rodada de desindexação. Decretou-se, assim, mais um adiamento do apocalipse, com congelamento de preços e de câmbio, tablita para a conversão de encargos e, dessa vez, o anúncio de um programa de retomada dos investimentos.

O governo conseguiu a trégua proposta com o Plano Collor II nas primeiras cinco semanas: baixou rapidamente a taxa de juros e ainda assim conseguiu vender títulos públicos; paralisou a taxa de câmbio e mesmo assim não interrompeu as exportações; financiou (via expansão monetária vigorosa em fevereiro) a absorção de parte da dívida infinanciável dos estados, podendo, então, apelar para as “necessidades adicionais de moeda causadas pela menor taxa de inflação esperada”; interrompeu a queda do nível de atividade pela via do congelamento e dos aumentos salariais; desindexou a economia, ainda que temporariamente, tumultuando de vez as regras contratuais. Porém, trouxe para si o apoio interessado dos setores industriais, de olho em dois ou três meses de maiores vendas e, assim, alguma chance de recuperação dos lucros a curto prazo. E, finalmente, sem que tenha havido qualquer melhora de perspectivas quanto à recuperação da poupança pública que sustentasse a recuperação do investimento, anunciou um relançamento da economia, como base para um grande entendimento nacional.

A durabilidade da trégua era uma questão crucial para o novo estilo. Obviamente, ela não seria sustentável com inflação fora do controle e ficaria cada vez mais difícil sustentá-la sem que seus reais objetivos pudessem ser anunciados à nação. Assim, foi feita a substituição da equipe econômica, comandada pela ministra Zélia Cardoso de Melo, por uma equipe que trouxesse para o governo a confiança do mercado financeiro internacional e que sinalizasse a disposição efetiva para uma mudança de rumos na estratégia de estabilização.

Houve inegável vitória em fevereiro, a partir do anúncio de uma taxa de inflação (FIPE) de 20,54%, com índices semelhantes tanto do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) quanto da Fundação Getulio Vargas (FGV). Por duas razões, esse número foi inferior entre cinco e dez pontos percentuais ao esperado: a primeira foi a gordura acumulada pelo aumento preventivo de vários preços desde dezembro; a segunda foi a combinação da desindexação com o congelamento da taxa de câmbio.

Dinamitados os mecanismos formais de indexação e lançada a incerteza quanto à validade de contratos em moeda nacional, seria de se esperar por uma dolarização das cláusulas contratuais — o que não significa necessariamente a dolarização da economia ou das formas e meios de pagamento. A formação de preços do setor de serviços, por exemplo, que estava superindexada, pode ter ficado, pelo menos por esses dois meses, atrelada a uma taxa de câmbio que se atrasou com relação aos custos.

Enquanto durou o fôlego propiciado pelo congelamento, os preços “adiantados” absorveram os aumentos de custos unitários, em alguns casos com o auxílio da recuperação das vendas. A absorção do “tarifaço” poderia, com alguma repressão adicional, durar de 60 a 90 dias. Depois disso, os atrasos foram dando origem à combinação inadministrável de desobediência e desabastecimento. As repercussões sobre custos e vendas dos aumentos salariais já contratados para os meses seguintes ajudariam a reacelerar a inflação. Mantidas as taxas de juros mais baixas, os produtores e vendedores finais poderiam financiar estoques por mais um mês apostando na remarcação.

Com expectativas de inflação crescente a partir do final de março, o grande desafio para o Banco Central era, como sempre, o que fazer com a taxa de juros. Aproxima-se sempre o ponto crucial em que o governo eventualmente volta ao velho dilema nesse regime de política: como a elevação (ou não) do custo do dinheiro afetaria o público, e mercados financeiros em particular, em termos de inflação esperada. A inovação criada pelos fundos de aplicação financeira (FAFs) foi muito engenhosa, pois permitiu que estes desempenhassem o papel de depósitos remunerados quando a inflação era elevada, representando uma demanda cativa pelos títulos públicos, o que resultou ser de grande valia na devolução dos depósitos retidos. Com inflação baixa e juros nominais correspondentemente pequenos, a taxação cobrada sobre as retiradas com menos de três semanas alongava, de forma automática, as aplicações financeiras. Com inflação elevada, garante ao governo uma participação na senhoriagem que iria para os intermediários financeiros.

Março e abril seriam meses difíceis do ponto de vista fiscal: a queda da arrecadação por conta da recessão já existente e do adiamento do recolhimento do imposto de renda era agravada pelo incentivo à postergação do pagamento de impostos, causado pela desindexação. A recuperação da arrecadação só viria com defasagem, quando a economia já estivesse reindexada, e com expectativas crescentes de taxa de inflação. Em resumo: sem câmbio defasado em relação à inflação, acabava a trégua e inviabilizava-se a taxa de juros baixa necessária para manter a desindexação.

A diferença entre a queda-de-braço de março de 1991 e a de setembro do ano anterior é que em 1990 o esforço na direção do ajuste fiscal era mais convincente a curto prazo, depois que o governo federal absorveu na prática, e financiou via expansão monetária, o excesso de gastos dos governos estaduais, além de enfrentar e devolver os cruzados retidos.

Se o governo não consegue reduzir suas necessidades globais de financiamento, que agora incluem não só o setor público federal, financeiro e não-financeiro, mas também toda a parcela dos governos estaduais que têm o poder efetivo de transformar em pressão monetária seus aumentos de déficit, não há possibilidade de financiar-se a não ser com taxas de juros reais crescentes. Como não se pode operar uma economia em tal regime, novos choques tornam-se inevitáveis para liquefazer os débitos impagáveis, baixar as taxas de juros e começar tudo de novo.

De qualquer maneira, a recuperação do nível de atividade teria de vir para que as dívidas do setor produtivo e dos consumidores gerassem ativos financeiros durante a devolução dos cruzados retidos, caso prevalecesse, como se esperava, um grau elevado de desconfiança do público com relação a títulos públicos. A recuperação da confiança veio de forma muito lenta em 1991, e mesmo assim só depois da substituição da equipe econômica, com a nomeação para a Fazenda de Marcílio Marques Moreira, então embaixador nos EUA. Marcílio havia estabelecido uma excelente relação de confiança com as instituições de Washington, além de uma reputação pessoal de austeridade e de seriedade que eram imprescindíveis para o restabelecimento da confiança. Afinal, o governo estava desmoralizado por dois congelamentos em menos de um ano, e tinha diante de si as tarefas hercúleas de descongelar os preços, recompor as tarifas públicas, desvalorizar o câmbio, devolver os cruzados retidos em um montante de 29 bilhões de dólares — ou seja, mais do dobro da dívida mobiliária fora do Banco Central —, renegociar a dívida externa e dar ao governo uma chance de recuperar o crédito perdido junto aos poupadores, políticos e investidores internacionais.

Dionísio Dias Carneiro

 

 

FONTES: PASTORE, A. Reforma; SIMONSEN, M. Aspectos.