PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (1945-1965)

PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (1945-1965)

 

Partido político de âmbito nacional fundado no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, no dia 15 de maio de 1945, e extinto em outubro de 1965 em decorrência da aplicação do Ato Institucional nº 2.

 

Fundação

Com o aprofundamento da crise do Estado Novo e o início do processo de redemocratização do país, abriu-se um espaço para o surgimento de novos partidos políticos. Nessas circunstâncias, a partir da promulgação do Ato Adicional nº 9, em 28 de fevereiro de 1945, determinando que no prazo de 90 dias seria baixado um decreto fixando a data das próximas eleições presidenciais, estaduais e municipais, começou-se a articular a criação do Partido Trabalhista Brasileiro sob a inspiração do próprio presidente Getúlio Vargas.

Segundo Alzira Vargas do Amaral Peixoto, o PTB, na concepção de Vargas, “destinava-se a ser um anteparo entre os verdadeiros trabalhadores e o Partido Comunista — que tinha então voltado à legalidade. Os trabalhadores não se filiariam ao PSD [Partido Social Democrático] nem à UDN [União Democrática Nacional]. Iriam com mais facilidade engrossar os quadros do comunismo. O PTB, sendo dos operários, um veículo para que eles possam expressar seus anseios e suas necessidades, servirá ao mesmo tempo de freio contra o comunismo e de acicate para o PSD”.

Interpretação semelhante para a criação do PTB foi dada por Hélio Silva, ao afirmar que o objetivo do partido era atrair camadas populares, principalmente nos grandes centros urbanos, mobilizadas pela obra social e trabalhista do Estado Novo, e também pela imagem pública de Vargas. Maria Vitória Benevides também afirmou que o PTB surgiu como uma tentativa de aglutinar as novas forças sociais, nascidas do impulso econômico pela industrialização, visando atingir fundamentalmente os operários urbanos frente à ameaça que constituía a influência do Partido Comunista, não apenas sobre a massa trabalhadora desorganizada, mas principalmente sobre os sindicatos.

O veículo primordial para a organização do partido foi o Ministério do Trabalho. O titular da pasta em 1945, Alexandre Marcondes Filho, foi um dos seus principais organizadores, juntamente com José de Segadas Viana, Paulo Baeta Neves e outros igualmente ligados ao ministério e aos sindicatos. O partido tinha como base os sindicatos controlados pelo Ministério do Trabalho e utilizava-se do prestígio adquirido por Vargas graças à legislação social e trabalhista do Estado Novo para atrair as camadas populares, principalmente urbanas, para a sua legenda.

Ao lado desses grupos vinculados à estrutura de poder, incorporaram-se ao PTB correntes de orientação mais doutrinária, sob a liderança do gaúcho Alberto Pasqualini, que tinham uma perspectiva reformista influenciada pelo trabalhismo inglês. Pasqualini, que participou ativamente na elaboração do programa do PTB, publicou inúmeros trabalhos com o objetivo de divulgar as idéias básicas do trabalhismo.

Ainda assim, a formação do PTB enfrentou grandes dificuldades. Segundo depoimento de José Gomes Talarico, o partido não conseguiu apresentar o número de assinaturas de eleitores necessário para a obtenção do registro junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Às vésperas do prazo final para a concessão do registro, apesar do esforço feito no Rio de Janeiro, São Paulo e no estado do Rio, faltavam ainda entre sete e oito mil assinaturas. A solução encontrada para esse problema foi a utilização, por Edmundo Barreto Pinto, então secretário do presidente do TSE, Frederico de Barros Barreto, de folhas de papel almaço assinadas, pertencentes ao pedido de registro do PSD.

Nos meses seguintes, com o surgimento do “queremismo”, movimento popular que tinha como objetivo lutar pela permanência de Vargas na presidência da República através da convocação de uma assembléia nacional constituinte, a organização do PTB ganhou nova força. Se, por um lado, o queremismo se fortaleceu com o apoio de políticos vinculados ao trabalhismo, que encampariam a tese da “Constituinte com Getúlio”, a mobilização trazida por esse movimento proporcionou uma grande expansão para o PTB e teve grande influência na fixação da política do novo partido, constituindo-se os queremistas em pioneiros de sua organização.

Mesmo assim o PTB não conseguiu se organizar em todos os estados e, nas eleições de dezembro de 1945, iria apresentar candidatos em apenas 14 unidades da Federação, enquanto a UDN, o PSD e o Partido Comunista Brasileiro (PCB) concorreriam às eleições em todas as unidades.

 

Programa

A primeira convenção nacional do PTB realizou-se em 14 de setembro de 1945, no Rio de Janeiro. Nessa ocasião foi eleita sua comissão executiva nacional, cujo presidente era Paulo Baeta Neves e cujo presidente de honra era Getúlio Vargas. Nessa convenção foi também lançado o programa do PTB, que era composto de 27 pontos e defendia sobretudo: 1) o reexame da Constituição sem que fossem reduzidos os direitos por ela assegurados aos trabalhadores; 2) o amparo da legislação aos trabalhadores rurais e também aos trabalhadores das autarquias e servidores públicos quando seus direitos fossem inferiores aos dos trabalhadores nas empresas privadas; 3) a criação de órgãos paritários da Justiça do Trabalho em todos os grandes centros trabalhistas do país, assegurando-se um rápido andamento nos processos; 4) a ampliação da representação das classes sem preponderância de qualquer delas, em todos os órgãos que interessassem ao capital e ao trabalho; 5) a planificação econômica atingindo todos os setores e visando, por meio da orientação, intervenção ou gestão do Estado, que a produção do país atendesse às necessidades internas; 6) a melhor distribuição de riqueza, reconhecido ao capital o direito a um lucro com limite razoável; 7) a extinção dos latifúndios improdutivos, assegurando-se possibilidade de posse da terra a todos os que quisessem trabalhá-la, e 8) o direito de greve pacífica e a distinção entre greve legal e ilegal.

 

As eleições de 1945

Ainda na primeira convenção do PTB ocorreu uma cisão em seu grupo fundador, tendo a facção de Luís Augusto de França, do Sindicato dos Empregados no Comércio Hoteleiro e secretário-geral do PTB, abandonado o partido. Essa divergência foi ocasionada pelas diversas posições existentes em relação ao pleito presidencial marcado para dezembro de 1945. Enquanto Getúlio recomendava que o PTB examinasse a possibilidade de lançar uma candidatura própria sugerindo os nomes de João Neves da Fontoura ou Osvaldo Aranha, Luís Augusto de França se manifestava a favor da candidatura do general Eurico Dutra, lançada pelo PSD.

Entretanto, as divergências entre Vargas e a oposição, em virtude do temor das chamadas manobras continuístas, se agravaram ao longo do mês de outubro e resultaram no golpe de Estado do dia 29, que depôs o presidente e entregou o poder ao Judiciário na pessoa do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), José Linhares. O PTB, que apoiara a fórmula “Constituinte com Getúlio”, hesitou após o golpe quanto à atitude a tomar ante o pleito presidencial.

Nas semanas que antecederam as eleições, a discussão ficou em torno de três hipóteses: abstenção, apoio a Dutra ou escolha de um candidato próprio. Excluída esta última pelo diretório nacional, restaram apenas as duas primeiras. A abstenção era defendida por Segadas Viana e por Baeta Neves, enquanto o apoio ao general Dutra era pretendido pelo líder queremista Hugo Borghi. Reunido o diretório nacional, decidiu-se pela abstenção, por 17 votos contra 13. A decisão, entretanto, não foi aceita pelo grupo de Borghi, que iniciou uma campanha para convencer os diretórios estaduais de que a oposição do diretório nacional era apenas uma recomendação e não algo definitivo. Ao mesmo tempo, Borghi batalhava pela obtenção do apoio de Vargas ao nome de Dutra.

Getúlio, entretanto, de seu retiro no Rio Grande do Sul, resistia a se posicionar a favor do candidato pessedista. No dia 10 de novembro, lançou um manisfesto aos trabalhadores brasileiros, concitando-os a apoiar o PTB e a votar em seus candidatos. Na expectativa de obter o apoio de Vargas, no dia 20 de novembro Dutra enviou ao PTB uma mensagem assumindo os compromissos caso fosse eleito: a escolha em comum acordo com o PTB do ministro do Trabalho, o apoio ao programa do PTB e o reconhecimento e aperfeiçoamento das leis trabalhistas e de amparo social.

A partir dessa proposta, Vargas divulgou um manifesto ao povo brasileiro recomendando como seu candidato o general Dutra. Advertiu, porém, que permaneceria vigilante, afirmando que caso o futuro presidente não cumprisse suas promessas de candidato, se colocaria contra ele. Essa posição de Vargas suscitou várias divergências no seio do PTB, pois Segadas Viana e Baeta Neves manifestaram-se contra o apoio à candidatura Dutra, alegando que a comissão executiva nacional não fora consultada sobre o assunto.

Realizado em 2 de dezembro o pleito para presidente da República e para o Congresso Nacional que se instalaria como Constituinte, Dutra venceu seu principal adversário, o candidato udenista brigadeiro Eduardo Gomes, tendo obtido três milhões e duzentos e cinqüenta mil votos (55% do total). O PTB, nas 14 unidades da Federação em que concorreu, elegeu 22 deputados federais (num total de 286) e dois senadores, Alexandre Marcondes Filho, por São Paulo, e Getúlio Vargas, por São Paulo e pelo Rio Grande do Sul (Getúlio iria optar pela representação gaúcha, deixando vago seu lugar de senador por São Paulo). Com isso, o partido constituiu a terceira bancada da Constituinte.

A obtenção desses resultados, segundo Gláucio Ari Soares, deveu-se ao aparelho sindical montado por Getúlio, que oferecia uma base organizacional urbano-industrial utilizada com êxito pelo PTB. Por outro lado, o lançamento da candidatura de Vargas como deputado e senador por vários estados na legenda do PTB carreou muitos votos e ajudou na eleição de vários candidatos. Dos 603.500 votos obtidos pelo partido para a Câmara dos Deputados, Vargas sozinho angariou 318 mil, permitindo que o PTB alcançasse os resultados indicados.

Passadas as eleições, Baeta Neves, na qualidade de presidente da comissão executiva nacional, enviou a Vargas um relatório justificando as restrições da comissão executiva à candidatura Dutra e denunciando as intrigas e manobras de Hugo Borghi durante a campanha eleitoral com vistas a apoiar o candidato do PSD à revelia da comissão executiva do partido. Nesse documento, Baeta Neves reafirmou ainda sua fidelidade ao getulismo, desmentindo os boatos espalhados por Borghi de que as suas hesitações e as de Segadas Viana frente ao nome de Dutra eram fruto da adesão de ambos à UDN.

Ao se iniciar o ano de 1946, a luta interna entre Borghi, de um lado, e Segadas Viana-Baeta Neves, de outro, acentuou-se, chegando determinados setores do partido a reivindicar que Getúlio assumisse a presidência efetiva do PTB. Como conseqüência dessas divergências, a comissão executiva nacional sofreu uma reestruturação, sendo Segadas Viana substituído na secretaria geral do partido por Nélson Fernandes, vinculado ao grupo de Borghi.

Ainda no mês de janeiro, contra o voto do presidente Baeta Neves, instituiu-se uma comissão de coordenação política com a finalidade de promover os entendimentos com as autoridades governamentais e restabelecer as bases da reorganização partidária. Faziam parte da comissão Hugo Borghi, Nélson Fernandes, Benjamim Farah e Jarbas de Lery Santos. Com essas medidas, Borghi firmava sua posição no partido e criava as condições para a colaboração do PTB com o novo governo.

Contudo, a escolha do ministro do Trabalho veio gerar novo ponto de atrito. Respeitando o compromisso pré-eleitoral estabelecido, Vargas enviou uma lista tríplice ao PTB com os nomes de João Carlos Vital, Otacílio Negrão de Lima e Nélson Fernandes para que o partido escolhesse um e o indicasse ao presidente Eurico Gaspar Dutra para ocupar a pasta do Trabalho. O escolhido foi Otacílio Negrão de Lima, mas houve divergências quanto ao veto ao nome de João Carlos Vital — ligado a Vargas e muito ativo no Ministério do Trabalho durante o Estado Novo —, o que, segundo alguns, teria acontecido por ordem de Borghi.

Nessas circunstâncias, a principal preocupação de Vargas passou a ser a pacificação interna do PTB. Suas cartas aos principais dirigentes do partido mostravam sua preocupação com o “restabelecimento da harmonia e da disciplina” e seu desgosto com a luta interna. A partir de tais manifestações de seu presidente de honra, a comissão executiva nacional enviou uma nota às comissões executivas estaduais transmitindo a palavra de ordem de Vargas: “Disciplina e coesão.”

Esta nota conseguiu estabelecer uma certa trégua no diretório nacional e na comissão executiva nacional e, a partir dela, Marcondes Filho tornou-se líder da bancada do PTB no Senado, enquanto Hugo Borghi e Segadas Viana tornavam-se líder e vice-líder da bancada do partido na Câmara. A seguir, a bancada petebista decidiu apoiar a Constituição de 1937, isto é, mantê-la em vigor até ser promulgada a que se encontrava em elaboração, só participando das discussões quando o nome de Vargas fosse envolvido.

Porém, esse clima de aparente tranqüilidade logo iria se modificar com a proximidade dos pleitos estaduais marcados para janeiro de 1947. As disputas internas iriam se suceder em nível regional, ao mesmo tempo em que o partido iria caminhar para o rompimento com o governo federal. O desinteresse de Dutra pelo programa trabalhista seria em grande parte responsável por esse afastamento. Por outro lado, conforme José Gomes Talarico declarou em entrevista ao Cpdoc, a atuação de Otacílio Negrão de Lima no Ministério do Trabalho seria marcada por um comprometimento com Dutra e com o PSD muito maior do que com Getúlio e com o trabalhismo.

Em abril de 1946, Hugo Borghi elegeu-se presidente da comissão executiva estadual do PTB de São Paulo, numa eleição, segundo alguns, irregular. Este fato, aliado à denúncia da existência de um acordo entre Borghi e o interventor José Carlos de Macedo Soares para a escolha dos novos prefeitos paulistas nos municípios onde o PTB havia saído vitorioso em 2 de dezembro de 1945, gerou novos descontentamentos no diretório estadual de São Paulo.

Em setembro, a nova Constituição foi promulgada determinando que o Congresso escolhesse o vice-presidente da República. O PTB apoiou Nereu Ramos, que era candidato do PSD e saiu vitorioso.

 

As eleições de 1947

Em São Paulo, com a aproximação do fim do ano e a necessidade de apresentação de um candidato ao governo do estado, os conflitos no interior do PTB se intensificaram. Vargas, tentando contornar as divergências, conseguiu um acordo entre Baeta Neves e Hugo Borghi para o adiamento da convenção da seção paulista do partido que escolheria o candidato. Entretanto, tal compromisso não foi mantido e Borghi foi aclamado por unanimidade candidato do PTB.

Segundo Ivete Vargas, o nome de Borghi ainda assim encontrava fortes resistências entre alguns políticos petebistas, temerosos de que ele, uma vez eleito, se articulasse com Dutra e ameaçasse o controle getulista sobre a seção do PTB de São Paulo. O próprio Vargas, através de declarações públicas, tentou esvaziar Borghi politicamente. Esse processo culminou pouco antes das eleições no cancelamento de sua candidatura, em virtude do recurso enviado pela comissão executiva nacional do PTB ao TSE. Considerando-se boicotado por seu próprio partido, Borghi decidiu relançar sua candidatura na legenda do Partido Trabalhista Nacional (PTN). Embora sem nenhum compromisso, a ala petebista fiel à orientação getulista aderiu à candidatura de Ademar de Barros, presidente do Partido Social Progressista (PSP).

No Rio Grande do Sul também surgiram problemas para o PTB, mas de caráter interpartidário. Elementos do PTB e do PSD tentaram conseguir um acordo para o lançamento de um candidato único ao governo estadual. O nome lançado foi o de Válter Jobim, do PSD. Seguiram-se negociações entre os dois partidos, até que Vargas decidiu que o acordo nas bases propostas pelo PSD era inaceitável, lançando então o PTB as candidaturas de Alberto Pasqualini para governador e de Joaquim Pedro Salgado Filho para a terceira vaga de senador. Entretanto, preocupado em não desunir o Rio Grande do Sul, Vargas lançou às vésperas da eleição um manifesto aos gaúchos onde afirmava que os candidatos dos dois partidos ao Executivo estadual eram igualmente bons e que a luta eleitoral deveria ser travada pelos programas partidários.

Graças a um trabalho intensivo de estruturação e de organização partidária, o PTB compareceu às urnas em todas as 21 unidades da Federação. O crescimento da votação nacional do partido foi de 127 mil votos. Embora não tenha conquistado nenhum governo estadual, teve resultados positivos nos legislativos dos estados, principalmente no Rio Grande do Sul, onde elegeu 22 deputados para a Assembléia Legislativa, além de ver Salgado Filho eleito para o Senado Federal. No total, o PTB elegeu 85 dos 855 deputados estaduais e nove dos 50 vereadores do Distrito Federal.

Passadas as eleições, em março de 1947 o PTB realizou sua convenção nacional com o objetivo de definir melhor vários aspectos do seu programa. Nessa ocasião, Vargas pronunciou um discurso enfatizando o papel do partido, os méritos do seu desempenho eleitoral e o seu caráter nacionalista-democrático como uma alternativa de participação política para a classe trabalhadora fora da ideologia comunista.

A seguir, as preocupações do partido voltaram-se para os pleitos municipais e para os casos onde a Constituição estadual estabelecia eleição para a vice-governança. São Paulo era um desses casos, e daí nasceria a maior crise ocorrida até aquele momento no interior do PTB desde sua criação, atingindo a própria comissão executiva nacional. Dada a importância política de São Paulo, essas eleições foram encaradas nacionalmente como termômetro para a avaliação do prestígio de Vargas, de Dutra e do governador Ademar de Barros, avaliação essa fundamental para as primeiras articulações visando à sucessão presidencial.

Getúlio Vargas e o PTB, que a essa altura já haviam rompido com Dutra, deram apoio ao candidato pessedista Carlos Cirilo Júnior, que tinha como principal opositor o deputado federal Luís Novelli Júnior, igualmente pessedista e genro do presidente da República, representante portanto dos interesses do governo federal. Novelli contava também com o apoio de Ademar de Barros que, com isso, visava consolidar sua posição em São Paulo diante do governo federal, ameaçada pelas acusações que lhe eram feitas de se haver beneficiado de votos dos comunistas em sua eleição.

No compromisso firmado entre o PSD e o PTB, ficou estabelecido que o primeiro forneceria os recursos financeiros para a campanha de Cirilo Júnior, enquanto o segundo levaria Getúlio Vargas numa excursão pelo estado. Vargas compareceu a diversas cidades paulistas, inclusive à capital, pedindo votos para o candidato da coligação PSD-PTB e afirmando que o voto em Cirilo Júnior seria uma reação contra o governo federal.

De maneira geral, os resultados eleitorais desse pleito trouxeram um considerável avanço para o PTB, que, em virtude do cancelamento do registro do PCB em maio de 1947, conseguiu obter os votos de seus eleitores. No caso específico de São Paulo, a vitória de Novelli em novembro de 1947 levou o PSD a acusar o PTB de não-cumprimento do acordo e a revelar o compromisso financeiro entre os dois partidos. Essa revelação gerou acusações de corrupção contra membros do PTB paulista por parte da comissão executiva nacional.

Em meio a essa crise interna, Getúlio nomeou uma comissão presidida por Epitácio Pessoa Cavalcanti de Albuquerque para apurar responsabilidades. O senador Salgado Filho também foi chamado para mediar a crise entre os paulistas e a comissão executiva nacional. As negociações encaminhadas pelo senador Salgado Filho resultaram no compromisso de renúncia de toda a comissão executiva nacional; de eleição de Vargas para a presidência efetiva do partido e de escolha de uma nova comissão executiva nacional, medidas essas que não seriam concretizadas imediatamente.

Paralelamente, no início de 1948, com o estabelecimento do acordo interpartidário entre o PSD, a UDN e o Partido Republicano (PR), o presidente da República procurou incorporar o PTB tanto à nova composição governamental como ao acordo recém-firmado, numa tentativa de cooptá-lo e esvaziá-lo politicamente. Em carta a Baeta Neves, ainda presidente do partido, Getúlio questionou o interesse de Dutra em incorporar o PTB ao acordo interpartidário, uma vez que o partido se encontrava fraco e dividido, e que Dutra sempre se preocupara em dizimar o queremismo. Para José Soares Maciel Filho, esse interesse em que o PTB participasse do acordo derivava exatamente do temor generalizado de que a candidatura Vargas fosse lançada na sucessão de Dutra.

Finalmente, no dia 30 de junho de 1948, a crise interna do PTB foi solucionada com a reunião do seu diretório nacional, ocasião em que se concretizou um acordo determinando a renúncia de todos os membros da executiva nacional e a eleição de Vargas para presidente da mesma. Os cargos de vice-presidente, secretário-geral e tesoureiro-geral foram preenchidos em caráter provisório, respectivamente, pelo senador Salgado Filho, por Landulfo Alves e pelo deputado Romeu Fiori. Essa comissão provisória atuaria até que Getúlio Vargas reunisse novamente o diretório nacional, a fim de proceder à eleição definitiva dos demais membros da comissão executiva nacional.

Ainda nessa reunião foi lida uma mensagem de Vargas ao diretório nacional pedindo harmonia e conciliação e afirmando que, se isso não ocorresse, ele se retrairia progressivamente do PTB. Vargas declarava ainda que não pretendia assumir a presidência efetiva do partido, mas que caso se fizesse a conciliação, estaria pronto a colaborar. Nessas circunstâncias, Salgado Filho, ainda que tivesse sido escolhido vice-presidente, foi obrigado a exercer as funções de presidente. Essa situação iria perpetuar-se até sua morte em julho de 1950. Com a situação interna tranqüilizada, o PTB passou a se fixar, como os demais partidos, no problema da sucessão presidencial.

 

As eleições de 1950

No início de 1949, o general Dutra abriu o debate sucessório ao se encontrar com Mílton Campos, governador de Minas Gerais. Não saíram, entretanto, resultados práticos desse encontro. Até aquele momento apresentavam-se duas posições como alternativas para a sucessão presidencial: uma candidatura suprapartidária que girava em torno do nome do general Canrobert Pereira da Costa, ou a chamada “fórmula mineira”, que propunha um candidato único escolhido pelos três partidos integrantes do acordo interpartidário, o PSD, a UDN e o PR.

Como essas alternativas não alcançassem um consenso, em junho foi proposto pelo governador do Rio Grande do Sul, o pessedista Válter Jobim, o que se denominou “fórmula Jobim”: a consulta a todos os partidos para a escolha de um candidato de união nacional. O conselho nacional do PSD encampou essa fórmula, designando Nereu Ramos, seu presidente nacional, para entrar em entendimento com os presidentes dos demais partidos. Salgado Filho, presidente efetivo do PTB, declarou-se contrário à participação de seu partido em tal fórmula, alegando que o mais importante deveria ser a elaboração de um programa de governo, ficando a escolha de um candidato para um segundo momento.

Diante desse quadro, Ernâni Amaral Peixoto propôs a Vargas a formação de uma coligação entre o PSD e o PTB para levar à presidência “um grande nome nacional”. Por seu turno, Salgado Filho foi ter com Vargas para saber se em torno de alguns nomes pessedistas — como os de Nereu Ramos, Válter Jobim, Alexandre Barbosa Lima Sobrinho ou Israel Pinheiro — seria possível o acordo dos dois partidos. Getúlio insistiu em sua posição favorável à discussão prévia em torno de programas e não de nomes.

Simultaneamente, Ademar de Barros, presidente do PSP e governador de São Paulo, compreendeu a impossibilidade de lançar sua própria candidatura, como pretendera: seus desentendimentos com o governo federal impossibilitavam sua desincompatibilização, já que, nesse caso, o governo estadual seria ocupado por Novelli Júnior, da extrema confiança de Dutra. Em conseqüência, ainda em janeiro de 1950 Ademar iniciou articulações com Vargas, procurando estabelecer um acordo visando lançar o nome do ex-presidente para concorrer à presidência da República.

Em junho de 1950, os dirigentes petebistas, em reunião de caráter extraordinário, recomendaram a indicação de Getúlio Vargas à convenção nacional do partido. A seguir, o ex-presidente, após ter sido procurado por uma comissão do PTB, enviou a Salgado Filho um comunicado em que declarava aceitar sua indicação. A candidatura de Getúlio foi homologada na convenção nacional do PTB em 17 de julho de 1950. Ainda nesse mesmo mês se consolidou a aliança PTB-PSP, com a homologação por esse partido do nome de Vargas. Em agosto foi lançada a candidatura de João Café Filho, deputado federal pelo PSP do Rio Grande do Norte, à vice-presidência na chapa de Getúlio.

Durante a campanha eleitoral, Vargas desfraldou duas grandes bandeiras: a questão nacional e os programas de reforma social. Por outro lado, tentando dividir os demais partidos e buscando alianças, o PTB ligou-se em diversos estados a candidatos a governador de outros partidos. Em Minas Gerais ligou-se ao candidato do PSD, Juscelino Kubitschek, na Bahia formou a Coligação Democrática com o PSD, apoiando Régis Pacheco, no Rio Grande do Sul vinculou-se também com o PSD através de Ernesto Dornelles e, em São Paulo, apoiou Lucas Carcez, do PSP.

Em 3 de outubro de 1950, Getúlio recebeu 3.849.040 votos (48,7%) enquanto o udenista Eduardo Gomes ficou com 2.342.384 votos (29,6%), Cristiano Machado, do PSD, com 1.697.193 votos (21,5%) e João Mangabeira, do Partido Socialista Brasileiro (PSB), com menos de dez mil votos. O PTB elegeu ainda 51 deputados federais, obtendo 1.389.300 votos em 7.662.200 (18,1% do total), e cinco senadores: Vivaldo Lima Filho, pelo Amazonas; Landulfo Alves, pela Bahia; Carlos Gomes de Oliveira, por Santa Catarina; Alberto Pasqualini, pelo Rio Grande do Sul, e Napoleão de Alencastro Guimarães, pelo Distrito Federal. Todos os quatro candidatos a governador apoiados pelo partido foram eleitos.

Divulgados os resultados, a UDN tentou embargar a vitória de Vargas e Café Filho levantando a tese de maioria absoluta. Porém, em janeiro de 1951, contrariando as expectativas udenistas, o TSE proclamou Getúlio Vargas e Café Filho legalmente eleitos.

 

O segundo governo Vargas

Empossado Getúlio Vargas em 31 de janeiro de 1951, o PTB não ocupou um lugar de destaque no novo governo. Como afirma Maria Celina d’Araújo, o sucesso eleitoral de Vargas não correspondeu ao sucesso partidário daqueles que lhe forneceram a legenda.

Eleito formal e oficialmente nas legendas do PTB e do PSP, Vargas incluiu na composição do novo governo o PSD e elementos da UDN, relegando a um segundo plano o fortalecimento do PTB, que teve pouca expressividade na composição ministerial e recebeu apenas uma pasta: o Ministério do Trabalho, ocupado sucessivamente por Danton Coelho, José Segadas Viana, João Goulart e Hugo de Faria. Essa postura de Vargas, além de não proporcionar um fortalecimento do PTB, iria permitir a instalação de sucessivas crises no interior do partido ao longo do seu governo.

Logo nos primeiros meses do ano de 1951, Danton Coelho, que, paralelamente ao cargo de ministro do Trabalho, ocupava a presidência da comissão executiva nacional do PTB desde a morte de Salgado Filho em julho de 1950, começou a fazer articulações políticas com vistas a unificar o trabalhismo. Seu principal objetivo era promover a volta de Hugo Borghi ao partido e realizar a incorporação do PTN. Com essa perspectiva, destituiu a comissão executiva estadual paulista, chefiada pelo major Nílton Santos, e todos os diretórios municipais, criando a seguir uma comissão de estruturação partidária estadual.

Essa atitude, além de não produzir os resultados esperados, uma vez que o reingresso de Borghi não promoveu a incorporação do PTN, em virtude da negativa de Emílio Carlos, presidente daquela agremiação, de transferir-se para o PTB, provocou uma aguda crise na seção paulista do partido, abrindo uma longa dissidência. Além dessa questão paulista, segundo Ivete Vargas, Danton enfrentou dificuldades em diversos outros estados, criando um clima desfavorável à sua permanência à frente do partido.

Nessas circunstâncias, quando, em junho de 1951, realizou-se a convenção nacional do PTB, foi articulada a deposição de Danton. Como seu substituto foi escolhido Dinarte Dornelles, também membro da executiva nacional, que, no entanto, não conseguiu trazer um apaziguamento para a agremiação. Os partidários de Danton fizeram um requerimento ao TSE pedindo a anulação da eleição de Dinarte Dornelles, mas não alcançaram seu objetivo.

O acirramento dos conflitos nas hostes petebistas acabou por repercutir na composição ministerial, provocando dissensões. Em setembro de 1951, Danton deixava a pasta do Trabalho, acusando o governo de assumir compromissos políticos elitistas em detrimento de sua proposta de cunho popular, o que acarretava a descaracterização trabalhista do PTB. Entretanto, a escolha de Segadas Viana como novo ministro e o afastamento de Danton dos postos do controle do PTB não enfraqueceram consideravelmente o poder do ex-ministro do Trabalho, nem trouxeram uma alteração significativa nas relações do partido com o governo.

Em fevereiro de 1952, o grupo liderado por Danton Coelho ampliou a cisão do PTB com a tentativa de criação de um novo partido trabalhista através da organização da Frente Trabalhista Brasileira. A solução encontrada para resolver esse conflito que se arrastava há vários meses ocorreu na quinta convenção nacional do PTB, em junho de 1952, quando João Goulart (Jango), considerado protegido de Vargas, foi chamado pelo presidente para restabelecer a unidade do partido. Contornando as divergências entre as diferenças facções, Jango tornou-se o presidente nacional do PTB, cargo que iria ocupar até 1964.

À frente do PTB, Jango não só resolveu os problemas da comissão executiva, mas passou a estabelecer novos contatos nos meios sindicais, com vistas a fortalecer as bases do partido. Nesse período, Goulart preocupou-se também em conferir maior substância doutrinária ao partido, encarregando então o senador Pascoalini de organizar um departamento de estudos sobre o trabalhismo.

Paralelamente, com o agravamento da crise política que envolvia o governo e o fracasso das tentativas de conciliação de Vargas, tornava-se necessário preparar um novo esquema em que os sindicatos deveriam assumir maior importância política, de forma a dar um maior respaldo ao presidente. Contrariamente ao esperado, o ministro do Trabalho, Segadas Viana, não favorecia a aproximação da massas trabalhadoras com o governo, ao preconizar uma política repressiva em relação às reivindicações operárias. Estas, ao se iniciar o ano de 1953, tornavam-se cada vez mais intensas. Goulart e o PTB em geral começaram assim a se opor à permanência de Segadas à frente do ministério.

Com a reformulação ministerial de julho de 1953, Goulart foi indicado novo ministro do Trabalho. Ainda que essa mudança ministerial não tivesse significado mais profundo de alterar substancialmente o papel do PTB dentro da estrutura política vigente, uma vez que o governo dava seqüência a um projeto que supunha prescindir de um mínimo de apoio partidário estruturado, algumas modificações poderiam ser apontadas.

Na verdade, o ingresso de Goulart no ministério trouxe ganhos para o PTB. Internamente, o fato fortaleceu a liderança de Goulart e aprofundou o processo de reunificação das diversas correntes em disputa; no nível externo, promoveu uma maior estabilidade nas relações com o governo, acarretando uma posição de maior prestígio para o partido, já que Goulart gozava de influência junto a Vargas. Finalmente, através do Ministério do Trabalho, Goulart fortaleceu as ligações do PTB com os meios sindicais, inaugurando ao mesmo tempo uma política de aproximação com os comunistas, não só para atuar frente aos problemas sindicais como na defesa de princípios nacionalistas.

Porém, o desempenho de Goulart à frente do ministério suscitou agudas críticas dos grupos conservadores e de setores militares. Jango foi principalmente combatido por sua proposta de duplicação do salário mínimo, que acabou por suscitar, em fevereiro de 1954, o lançamento do chamado Manifesto dos coronéis, documento assinado por 82 coronéis e tenentes-coronéis em protesto contra a exigüidade de recursos destinados ao Exército e a política salarial do ministro do Trabalho.

Diante dessas pressões, Goulart foi exonerado do cargo em 22 de fevereiro de 1954. Nessa ocasião, o PTB lançou uma nota oficial solidarizando-se com Goulart e reafirmando os principais pontos de seu programa. A nota declarava ainda que o PTB prosseguiria na luta contra a usura social e o poder econômico. Para concretizar tal objetivo, o partido reivindicava novas tabelas de salário mínimo, o congelamento dos gêneros de primeira necessidade, a extensão da legislação social ao trabalhador rural, a reforma agrária, a unidade e liberdade sindical, a participação dos trabalhadores nos lucros das empresas e a libertação econômica contra a “agiotagem internacional”.

O afastamento de Jango do Ministério do Trabalho não significou uma perda para o PTB, uma vez que Goulart manteve sua influência sobre aquele órgão através do ministro interino, Hugo de Faria, também petebista e íntimo colaborador do ex-ministro.

Porém, nos meses que se seguiram, a crise política que marcou o governo Vargas aprofundou-se e as bases de apoio do governo tornaram-se cada vez mais estreitas. O PTB, a despeito de algumas divergências com Vargas ao longo do período, ainda era a agremiação política que lhe devia maior fidelidade. A partir de 1953 Getúlio revestiu-se cada vez mais de um apoio político-partidário para enfrentar a oposição da UDN, uma vez que o PSP e o PSD consolidavam sua independência, desfazendo as possibilidades de aliança com o PTB de maneira a sustentar o governo.

Nessas circuntâncias, o PTB pouco podia fazer para apoiar seu criador. Sua bancada no congresso e suas lideranças políticas assistiam, perplexas, às manobras golpistas e aos artifícios legais tentados pela UDN, que visavam pressionar Vargas a deixar o governo.

Dentro de seu apartidarismo, durante o seu governo Vargas pouco havia feito para fortalecer o PTB como instrumento político. Como afirmava Maria Celina Soares D’Araújo, “o trabalhismo de Vargas não estava remetido a propostas organizacionais mais objetivas, extrapolando o âmbito formal do PTB. Esse partido, ainda que considerado partido dos trabalhadores, teria limitações para transformar-se no porta-voz de uma formulação tão ampla e que era apresentada como uma mensagem descomprometida dos interesses particulares”.

Assim, quando as pressões oposicionistas atingiram o ponto máximo contra seu governo, Vargas não dispunha de um esquema político-partidário de sustentação, o que acabou por conduzi-lo a um isolamento total e finalmente ao suicídio.

 

O governo Café Filho e as eleições de 1954-1955

A morte de Vargas em 24 de agosto de 1954, seguida da posse do vice-presidente João Café Filho na presidência da República, trouxe alterações significativas para a vida política do país. Logo no dia 25 de agosto, a comissão executiva nacional do PTB se reuniu, decidindo fazer oposição sistemática ao governo recém-instalado “por ser reacionário e inimigo dos trabalhadores”.

Visando atenuar as posições petebistas, Café Filho entregou a pasta do Trabalho a Napoleão de Alencastro Guimarães, senador do PTB defensor de posições marcadamente conservadoras. Como resposta a essa indicação, a direção do partido decidiu proclamar que o novo ministro do Trabalho não representava o pensamento do partido, chegando alguns setores a pedir sua expulsão sumária. Em contrapartida, segundo José Gomes Talarico, setores antigetulistas, inclusive alguns antigos militantes do próprio partido trabalhista, liderados por Alencastro Guimarães, procuravam demolir a estrutura do partido e denegrir a atuação de Goulart à frente do Ministério do Trabalho.

O desaparecimento de Vargas do cenário político e o controle do novo governo pelas forças antigetulistas, contrariando ao esperado, trouxeram um novo vigor para o PTB, que passou a desfrutar do prestígio póstumo do ex-presidente e incorporou o conteúdo ideológico da carta-testamento ao seu programa. Por outro lado, a aliança entre o PTB e o PSD recebeu um novo alento, a despeito das divergências ideológicas entre seus membros.

Nas eleições de outubro de 1954 as forças getulistas saíram fortalecidas em termos globais, embora isso não ficasse claramente evidenciado, uma vez que o PTB em particular não conquistou uma vitória significativa. O partido obteve 56 cadeiras na Câmara dos Deputados (contra 51 na legislatura anterior) e elegeu oito senadores distribuídos pelos estados: Amazonas (dois), Piauí, Ceará, Sergipe, Bahia, Distrito Federal e Minas Gerais. Elegeu ainda três governadores, Plínio Coelho, no Amazonas, Antônio Balbino, na Bahia, e Francisco Lacerda Aguiar, no Espírito Santo. Contudo, no Rio Grande do Sul, principal núcleo petebista por ser o estado onde o partido era mais bem estruturado e de onde vinham suas principais lideranças, o PTB teve um desempenho fraco. Alberto Pasqualini, candidato a governador, foi derrotado, assim como os dois candidatos ao Senado, Rui Ramos e João Goulart.

Ainda que o pleito de 1954 não tenha trazido os resultados esperados e que Jango tenha sido derrotado, o PTB passou a ser considerado o depositário da herança política de Vargas e Jango passou a ser visto como o legítimo herdeiro, líder em cuja direção se orientavam as principais forças do trabalhismo. Nessas circunstâncias, ao se aproximarem as eleições de outubro de 1955, as hostes petebistas capitaneadas por Goulart renovaram seu empenho nas articulações das forças políticas, afirmando sua vinculação ao getulismo.

Nesse momento, mais do que nunca a justificativa para a aliança PTB-PSD possuía inúmeros argumentos, desde a necessidade comum de ganhar as eleições carreando os votos de vários grupos, até a origem comum dos partidos, ambos criados sob a inspiração de Vargas para terem funções complementares: o PSD, encarregado de dar continuidade à obra administrativa de Getúlio, e o PTB, de dar seguimento à obra da legislação trabalhista.

A aproximação do pleito fazia, entretanto, armar-se nova crise, na medida em que os setores antigetulistas defendiam a tese de que a luta eleitoral entre duas candidaturas polarizadas tenderia a agravar a situação do país. Nessa perspectiva, várias propostas foram feitas com o objetivo de encontrar uma solução unitária, através do lançamento de uma candidatura de união nacional, que impedisse a concretização da aliança PTB-PSD.

A despeito das inúmeras tentativas para dificultar o lançamento da candidatura do governador mineiro Juscelino Kubitscheck, a convenção nacional do PSD homologou seu nome no dia 10 de fevereiro de 1955. Paralelamente, progrediam as conversações entre Juscelino e Goulart com o objetivo de articular um nome do PTB como companheiro de chapa de Juscelino para a vice-presidência da República.

No dia 11 de abril de 1955, de forma a dar maior concretude a essas conversações iniciais, foi realizada em casa de Osvaldo Aranha uma reunião entre os líderes petebistas João Goulart e Abilon de Sousa Naves, vice-presidente nacional do partido, e os líderes pessedistas Ernâni Amaral Peixoto e Juscelino Kubitschek, durante a qual foram ajustadas as bases para a aliança PTB-PSD.

No dia 16 desse mês foi oficializado o acordo entre os dois partidos, estabelecendo-se que Goulart seria o nome que comporia a chapa como vice-presidente ao lado de Juscelino e que, em caso de vitória, o PTB indicaria os nomes dos ministros do Trabalho e da Agricultura no novo governo. Dois dias depois o diretório Nacional do PSD aceitou a indicação do PTB e ainda nesse mesmo dia a chapa Juscelino-Goulart foi homologada na convenção nacional do PTB. Durante essa convenção, foi lida uma carta de Luís Carlos Prestes, na qual o líder do PCB propunha uma ação comum entre petebistas e comunistas, o que aumentava as desconfianças em relação ao nome de Goulart.

Após o lançamento oficial das candidaturas Juscelino-Goulart, a movimentação contra as eleições e a favor da intervenção dos militares tornou-se mais evidente. As restrições à candidatura pessedista cresceram assustadoramente com a incorporação do nome de Jango.

No final de abril essa situação foi agravada com a entrevista de Dutra ao jornal carioca O Globo, manifestando sua oposição ao nome de Goulart. Essas restrições ao líder petebista abriram também uma crise no interior do PSD, culminando com a negativa dos diretórios dissidentes de Pernambuco, Santa Catarina e Rio Grande do Sul em aceitar sua candidatura. No dia 10 de junho os pessedistas reunidos na sua convenção nacional ratificaram finalmente o nome de Goulart para concorrer às eleições ao lado de Juscelino, desfazendo assim qualquer possibilidade de rompimento da aliança PTB-PSD. Isso contudo não dissolveu os problemas que envolviam a crise sucessória.

Em meados de setembro, um novo episódio veio tumultuar o cenário político. No dia 17, Carlos Lacerda publicou na Tribuna da Imprensa uma carta datada de 5 de agosto de 1953, e dirigida a Goulart, naquela época ministro do Trabalho. A carta, cujo suposto autor era o deputado argentino Antonio Jesús Brandi, relatava os entendimentos secretos que Goulart teria tido com Juan Domingo Perón, então presidente da Argentina, no sentido da implantação no Brasil de uma república sindicalista, e mencionava também a existência de contrabando de armas argentinas para o país. Em face da gravidade dessas denúncias, o ministro da Guerra, general Henrique Lott, atendendo a solicitação de parlamentares petebistas, ordenou a abertura de um inquérito policial militar (IPM), que foi chefiado pelo general Emílio Maurell Filho. Os primeiros resultados da sindicância efetuada em Buenos Aires, embora admitissem a autenticidade da denúncia, não chegaram a pesar em termos eleitorais, por terem sido divulgados no dia exato do pleito. Essa questão, porém, só seria devidamente esclarecida quando, ao final da sindicância, a carta foi declarada forjada.

Garantidas pelas tropas do Exército, em 3 de outubro de 1955 realizaram-se as eleições em que concorreram as seguintes chapas: Juscelino Kubitschek de Oliveira e João Goulart, do PSD-PTB; Juarez Távora e Mílton Campos, da UDN, Partido Democrata Cristão (PDC), PSB e o Partido Libertador (PL); Ademar de Barros e Danton Coelho, do PSP, e Plínio Salgado (que não possuía candidato à vice-presidência), do Partido de Representação Popular (PRP). Concluídas as apurações em meados do mês, Juscelino obteve 3.077.411 votos (correspondentes a 36% do total) e Jango alcançou três milhões e seiscentos mil sufrágios, saindo ambos vitoriosos.

Logo após a divulgação dos resultados, a oposição iniciou um movimento no sentido de impedir a posse dos eleitos com base na alegação de fraude eleitoral e na não obtenção da maioria absoluta. A situação se agravou com o afastamento repentino do presidente Café Filho em 9 de novembro por motivo de saúde e sua substituição pelo pessedista Carlos Luz, presidente da Câmara, que defendia posições próximas às da UDN.

Com o objetivo de sustar um possível golpe em preparação dentro do governo, o general Henrique Lott, ministro da Guerra demissionário, liderou um movimento que no dia 11 de novembro depôs Carlos Luz, colocando na chefia da nação Nereu Ramos, vice-presidente do Senado. No Congresso foi votado o impedimento de Carlos Luz, tendo a bancada petebista apoiado integralmente a medida. Diante da disposição de Café Filho de reassumir seu posto, no dia 22 de novembro o Congresso votou também seu impedimento. Novamente a bancada petebista votou favoravelmente ao afastamento do presidente da República.

No dia 7 de janeiro de 1956 o TSE proclamou os resultados das eleições de 3 de outubro, dando como vencedores Juscelino e Jango.

 

O governo Kubitschek

Juscelino Kubitschek e João Goulart foram empossados no dia 31 de janeiro de 1956. Conforme ficara estabelecido no acordo eleitoral entre o PSD e o PTB, ao se iniciar o novo governo seriam entregues ao PTB a pasta da Agricultura e o Ministério do Trabalho, que na época controlava os institutos de previdência social e as delegacias regionais do trabalho, de grande importância em nível local nos dissídios trabalhistas por categoria. Na condição de presidente nacional do PTB e de vice-presidente da República, Goulart era assim o responsável pela escolha dos nomes que deveriam ocupar os dois ministérios, além de controlar o movimento sindical.

A despeito do acordo, Juscelino não estava conformado em depender do PTB para tratar das questões trabalhistas. Desde o início de seu governo, o novo presidente procurou construir sua própria alternativa para os sindicatos, ao tentar uma aliança direta com eles, diminuindo assim a intermediação de Goulart e do PTB.

Na prática, a saída encontrada por Juscelino centrou-se na negociação de nomes para ocupar o Ministério do Trabalho que dessem margem a manobras. Os ministros José Parcifal Barroso e Fernando Nóbrega, que ocuparam a pasta do Trabalho em seu governo, refletiram essa disputa, na medida em que eram nomes que não representavam a linha mais autêntica do PTB e tinham pouca expressão no partido. Desse modo, Juscelino cumpria seus compromissos partidários ao consultar Goulart quando da escolha dos ministros do Trabalho mas, ao mesmo tempo, tratava de lhe impor sua própria política. Assim, o PTB só veio a adquirir pleno controle sobre o ministério com João Batista Ramos, na fase final do governo. O próprio Fernando Nóbrega, segundo Abelardo Jurema, declarou que no ministério fez exclusivamente a política do presidente, contrariando os interesses de seus correligionários mais exigentes.

Ainda assim, a posição de Juscelino não era fácil na área sindical. Possuía uma aproximação com os sindicatos demasiadamente recente, além de não contar com nenhuma equipe política ou sindical que lhe permitisse enfrentar a concorrência do PTB. Goulart era tido como o continuador de Vargas e possuidor de uma ascendência sobre as massas que ultrapassava o poder dos ministros. Além disso, a tradição varguista autêntica ficara com o PTB e Goulart, e não com a aliança PSD-PTB.

Nessas circunstâncias, era de crucial importância o papel do PTB. Segundo Timothy Harding, a ele cabia a tarefa de garantir o financiamento da política sindical do governo, que tinha como objetivo evitar os antagonismos de classes e promover a unidade e cooperação entre patrões e empregados, contemporizando nos conflitos sociais de forma a conter seus aspectos mais agudos e agressivos.

Para que tal objetivo tivesse sucesso, o PTB estruturou um complicado sistema de alianças. A cooperação entre as diversas facções, e principalmente com o PCB, segundo Timothy Harding, ajudou a manter o pacto populista entre operariado e elite, na medida em que os comunistas supriam os quadros sindicais com pessoal disciplinado que o PTB não possuía. Por outro lado, sendo o PCB ilegal, o PTB se constituía em seu canal para a ação legal, através do lançamento de candidatos em sua legenda.

Na esfera do Ministério da Agricultura, a atuação do PTB foi menos significativa e ainda mais cerceada por Juscelino. Dos três ministros que ocuparam o cargo, somente Ernesto Dornelles e Antônio de Barros Carvalho eram do PTB e, somado o tempo em que ambos estiveram à frente do ministério, o total foi inferior a um ano. Em contrapartida, o pessedista Mário Meneghetti foi ministro de outubro de 1956 a abril de 1960.

Segundo o deputado José Gomes Talarico, em termos de política interna do PTB também ocorreram dificuldades em relação à aliança como PSD. Juscelino, sempre que podia, manobrava com as direções estaduais, do PTB, contrariando a orientação da direção nacional e criando assim dificuldades para Jango controlar a máquina partidária. Exemplos concretos dessa intervenção ocorreram em Mato Grosso, com o presidente da executiva estadual, Wilson Fadul, e em São Paulo, com Ivete Vargas. Neste último caso em especial, Juscelino prestigiou seguidamente Ivete, contrariando a presidência do partido na distribuição de cargos pertencentes ao PTB.

No âmbito do Congresso também surgiram conflitos. A atuação conservadora do PSD muitas vezes entravava a aprovação de projetos de interesse do PTB, o que o obrigava a apresentar projetos de “leis especiais” de forma dinamizar os trabalhos.

A despeito dessas divergências e contradições, a aliança PSD-PTB teve grande utilidade para ambos os partidos. Para o PSD, proporcionou nos principais momentos do governo Kubitschek o apoio efetivo no Congresso e concorreu para a estabilidade da políticia do período. Do ponto de vista do PTB a aliança também trouxe vantagens. Em primeiro lugar, em termos mais amplos, a política desenvolvimentista executada por Juscelino promoveu um crescimento do parque industrial do país e conseqüentemente do contingente de trabalhadores urbanos, ampliando as áreas onde o PTB tinha melhores condições de penetrar e proporcionando com isso uma grande expansão do partido. Por outro lado, a participação do PTB no poder, ocupando a vice-presidência, o Ministério do Trabalho e eventualmente a pasta da Agricultura, possibilitava o controle de um maior número de verbas e cargos a serem distribuídos.

Outro aspecto que contribuiu para a expansão do PTB foi o aprofundamento de sua orientação nacionalista durante os primeiros anos do governo de Juscelino. Em 1956, o PTB participou ativamente da fundação da Frente Parlamentar Nacionalista (FPN), que tinha como objetivo lutar contra a exploração do capital estrangeiro no país. A maioria dos parlamentares da frente era oriunda do PTB e, por outro lado, 60% de deputados do partido se integravam  à Frente.

 

As eleições de 1958 e a expansão do PTB

A aliança PTB-PSD, que funcionou bem para as eleições presidenciais, passou a apresentar dificuldades para as eleições estaduais e municipais, ocorrendo apenas acordos locais. Assim, para o pleito de 1958, na medida em que havia um início de afastamento em relação ao PSD, ocorria uma aproximação maior com o PCB, que apoiava aceleradamente os candidatos nacionalistas do PTB, afirmando que a questão política fundamental era a luta pelo nacionalismo, contra a posição favorável ao capital, estrangeiro chamada de “entreguista”.

Nessas eleições o PTB teve um bom desempenho, elegendo 66 deputados federais. Para o Senado, elegeu Vivaldo de Palma Lima Filho no Amazonas, Alexandre Zacarias de Assunção no Pará, Barros Carvalho em Pernambuco, Abilon de Sousa Naves no Paraná e Guido Mondin no Rio Grande do Sul. Para os governos estaduais o PTB elegeu Gilberto Mestrinho no Amazonas, Francisco de Chagas Rodrigues no Piauí, José Parcifal Barroso no Ceará, Roberto Silveira no estado do Rio de Janeiro e Leonel Brizola no Rio Grande do Sul.

Essa expansão do PTB decorreu não só dos benefícios trazidos pela aliança com o PSD já apontados, mas também do trabalho de organização partidária que se estendeu em nível municipal, permitindo a penetração no campo. Outro fator importante foi a existência de uma estrutura sindical relativamente forte. A expansão do partido, entretanto, colocou para ele próprio um desafio, na medida em que abria espaço para o surgimento de novas tendências e o acirramento dos conflitos internos já existentes.

Já antes mesmo das eleições, durante o ano de 1957, o deputado federal gaúcho Fernando Ferrari, líder da bancada petebista na Câmara, começou a fazer forte oposição à direção nacional do partido, acusando Goulart de não imprimir ao PTB uma orientação ideológica, limitando-se apenas a capitalizar a legenda de Vargas para obter vantagens eleitorais. Ferrari criticava ainda a estrutura unipessoal do poder decisório e, com essa perspectiva, lançou um manifesto conclamando seus correligionários a lutar pela democratização da organização partidária, pela definição de sua opção ideológica e por uma atuação mais efetiva junto às massas trabalhadoras do campo e das cidades.

Por outro lado, constituiu-se dentro do PTB uma facção intitulada “Grupo Compacto”, que congregava parlamentares de tendências de esquerda que pretendiam manter uma linha de independência frente ao comando de Goulart e defendiam a implantação de reformas sociais a curto prazo, além de uma política nacionalista mais agressiva.

Diante do surgimento dessas novas tendências, ainda em 1958 a direção do PTB designou uma comissão formada por Osvaldo Lima Filho, Armando Doutel de Andrade, César Pinto, Francisco Clementino San Tiago Dantas e outros, com o objetivo de estruturar um programa nacional de reformas de base que propusesse uma reforma constitucional de maneira a implantar a reforma agrária e a disciplinar o capital estrangeiro. Nessa ocasião, segundo Osvaldo Lima Filho, foram definidas as reformas de base.

O delineamento de um quadro de maior complexidade interna do partido, aliado à expansão eleitoral, começou por outro lado a acirrar as contradições, entre o PTB e o PSD. O crescimento do PTB e sua penetração no campo começaram a evidenciar a inviabilidade da antiga aliança, na medida em que com isso eram solapadas as bases do PSD e subtraídos contingentes eleitorais e área de influência desse partido. Segundo Maria Vitória Benevides, a convergência de interesses começou a desmoronar porque o PTB passou a pleitear um papel hegemônico que até então era incontestavelmente do PSD.

 

A campanha sucessória e as eleições de 1960

O debate em torno das eleições presidenciais de 1960 acentuou as divergências e contradições na aliança PTB-PSD e no próprio interior do PTB. Isso se manifestou na prática inicialmente na atitude de Juscelino, que desde o começo de 1959 manobrava para que Juraci Magalhães, então governador da Bahia e presidente da UDN, fosse lançado como candidato de união nacional à presidência da República. Seria uma tentativa de estabilizar a vida política brasileira permitir que a UDN, três vezes derrotada, chegasse ao governo federal pelo caminho das urnas. Ao mesmo tempo, achando que Juraci faria um governo inepto, devido principalmente à difícil situação econômica, Juscelino pensava garantir sua volta à presidência em 1965.

A idéia da candidatura de Juraci foi definitivamente afastada no dia 20 de abril de 1959, quando foi lançada no Rio de Janeiro, através da formação do Movimento Popular Jânio Quadros (MPJQ), a candidatura do ex-governador paulista e então deputado federal pelo Paraná, à presidência da República. Carlos Lacerda apoiou essa iniciativa, tornando ostensiva a divisão da UDN e assim inviabilizando definitivamente a coligação dos três maiores partidos, almejada por Juscelino.

Ao mesmo tempo, a candidatura do general Henrique Lott começou a ser articulada por setores do PSD e do PTB. Jango, porém, e consideráveis parcelas do seu partido, omitiam seu apoio, alegando a falta de respaldo popular e conseqüentemente a fraqueza eleitoral do ministro da Guerra.

Por outro lado, durante o ano de 1959, as divergências entre os dois partidos aumentaram. O PTB discordava fortemente da orientação do ministro da Fazenda, Lucas Lopes, que se propunha a executar um programa de estabilização monetária segundo as diretrizes do Fundo Monetário Internacional (FMI), o qual recomendava que o aumento do salário mínimo se limitasse a recompor o poder de compra dos trabalhadores somente na proporção da alta do custo de vida a partir de 1956.

Em abril, Jango enviou uma carta ao presidente do PSD, Benedito Valadares, afirmando que a economia brasileira estava caindo progressivamente na dependência de interesses internacionais e pedindo o apoio do líder pessedista para a aprovação de várias emendas constitucionais. Essas emendas deveriam possibilitar a realização da “reforma agrária, de maneira a permitir o acesso do trabalhador rural à terra e instituir em algumas regiões uma forma de exploração cooperativa ou coletiva, como a assistência financeira e técnica da União ou dos estados”, e ainda a “redistribuição das rendas públicas para que os estados mais pobres pudessem atender às suas necessidades sem precisar do auxilio federal”. Goulart pediu ainda apoio para a aprovação de várias medidas legislativas que beneficiariam os trabalhadores, cujos projetos já estavam em tramitação no Congresso.

Por outro lado, discordando da indicação de Lott, setores mais radicais do PTB começaram a articular um movimento em prol de um candidato popular e nacionalista. Em maio de 1959, na 9ª Convenção Nacional do PTB, foi apresentada uma moção apelando a João Goulart para que aceitasse “a candidatura à presidência da República que os trabalhistas lhe impunham como dever cívico, na luta pela independência econômica e pela justiça social a que aspirava o povo brasileiro”. Exigia-se ainda “que em caso algum o PTB [desse] o seu apoio a candidato lançado por outro partido sem que este [assumisse] com a direção nacional trabalhista compromissos definidos em relação ao programa de ação do PTB” e sem que se verificasse que “esse candidato, pela expressão de sua visão pública, [tinha] condições para se tornar o condigno fiador de tais compromissos”.

Como essa convenção tivesse deixado em aberto o candidato à vice-presidência da República, formou-se no Rio Grande do Sul uma corrente favorável à candidatura de Fernando Ferrari, que cresceu nos meses seguintes, dando origem ao movimento intitulado Cruzada Cívica das Mãos Limpas, numa referência às acusações de corrupção feitas contra petebistas detentores de cargos públicos. Como essa candidatura não foi aceita pelo diretório nacional trabalhista, Ferrari entrou em divergência aberta com o partido, o que resultou no seu afastamento definitivo, e mais tarde na fundação do Movimento Trabalhista Renovador (MTR).

Em junho de 1959, o governo recuou na política econômica através do rompimento com o FMI, mas o impasse em torno das reformas prosseguiu. Ainda nesse mês, o deputado petebista San Tiago Dantas reforçou a indicação de Jango ao declarar que o candidato que reunia de maneira mais completa as condições para exprimir a tendência nacionalista do partido era João Goulart. San Tiago afirmou ainda que a nona convenção “deu poderes a João Goulart para examinar, com os demais partidos, a viabilidade de uma aliança de forças que assegurasse a vitória dos pontos fundamentais porque se batiam, condicionando-a não a reivindicações pessoais, mas a um certo número de base”.

A oposição ao nome do Lott cresceu dentro do PTB. Com a ida de Goulart à Conferência Internacional do Trabalho em Genebra, Brizola assumiu interinamente a presidência do partido. Aproveitando a ocasião, o governador gaúcho, em acordo com o Pacto de Unidade Intersindical (PUI), tentou mobilizar os trabalhadores para a deflagração de numerosas greves, reivindicando a retirada da indicação de Lott em prol de um candidato popular e nacionalista.

Ao regressar da viagem, Goulart comprometeu-se com Juscelino a definir rapidamente a posição do seu partido em face da sucessão presidencial. Logo em seguida, embarcou para o Rio Grande do Sul a fim de discutir o assunto com Brizola. Paralelamente, ocorria na praça da Sé, em São Paulo, o Comício do Feijão, manifestação de protesto contra a política econômica do governo promovida pelo PUI.

Assustado com tais acontecimentos, Juscelino convocou os ministros militares — Henrique Lott (Guerra), Francisco Correia de Melo (Aeronáutica), Jorge Matoso Maia (Marinha) — e os ministros do Trabalho, Fernando Nóbrega, e da Justiça, Carlos Cirilo Júnior, e autorizou-os a coordenar um plano de prevenção e repressão ao movimento liderado por Brizola e Jango, emitindo ainda uma nota oficial onde esclarecia a opinião pública sobre as agitações em curso. Embora a nota omitisse nomes, a imprensa identificou Brizola e Jango como os conspiradores contra a ordem pública.

Em seguida a esse episódio, Goulart anunciou a adesão do PTB à candidatura Lott, que foi lançada em 4 de julho de 1959 em reunião pública na Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Como Lott declarasse que só deixaria a pasta da Guerra a fim de se desincompatibilizar depois que o PTB homologasse a sua candidatura, Jango e Brizola lideraram um movimento entre os petebistas no sentido de ser adiada a convenção nacional do partido, fixada para 6 de fevereiro de 1960. Brizola e Jango pretendiam com isso pressionar o governo federal a aprovar a Lei Orgânica de Previdência Social e a regulamentação do direito de greve, além de outras medidas que vinham há anos sendo barradas pelo PSD no Congresso. Jango, no entanto, não teve êxito em seus objetivos, já que o governo se manteve alheio às suas pretensões e Lott, independentemente da homologação petebista, decidiu exonerar-se do cargo no dia 11 de fevereiro de 1960.

Finalmente, no dia 18 de fevereiro de 1960, foi realizada a convenção petebista, que homologou as candidaturas de Lott à presidência e de Goulart à vice-presidência da República. Manifestando-se contrários à orientação do partido, os diretórios regionais de Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul declararam-se dissidentes. O lançamento oficial da candidatura Lott pelo PTB não eliminou, portanto, as restrições feitas a seu nome. O próprio Goulart não deixou de estimular o Movimento Jan-Jan, surgido nos meios sindicais para promover as candidaturas de Jânio Quadros, candidato da UDN, do PDC, do PTN e do PL, e de Goulart, respectivamente à presidência e vice-presidência da República.

Em 3 de outubro de 1960 realizaram-se as eleições, nas quais concorreram Lott e Goulart, apoiados pelo PTB-PSD; Jânio Quadros (UDN, PL, PTN e PDC) e Mílton Campos (UDN e PL) e ainda Fernando Ferrari (PTN, PDC e MTR), e Ademar de Barros (PSP).

Jânio venceu com 5,6 milhões de votos, obtendo uma diferença sobre o segundo colocado, Lott, de quase dois milhões. O resultado para a vice-presidência foi a eleição de João Goulart com 4.547.010 votos, cerca de trezentos mil a mais do que o candidato udenista Mílton Campos. Embora vencesse nacionalmente, Goulart foi derrotado no Rio Grande do Sul por Ferrari e em São Paulo, Guanabara e Minas Gerais por Mílton Campos.

Nos estados onde houve eleição para os executivos estaduais o PTB não concorreu com candidatos próprios, participando de coligações com outros partidos.

Os resultados eleitorais do pleito de 1960, dando a vitória a Jânio e Goulart, foram mais um passo para o rompimento da aliança PSD-PTB. Segundo Abelardo Jurema,“a derrota da candidatura do marechal Lott e a eleição, para vice, de João Goulart, foram as sementeiras da desunião entre os dois partidos. Dois complexos, o do êxito e o do fracasso, passaram a fazer mal ao PTB e ao PDS. O primeiro, sentindo-se com o direito da conquista que lhe indicava uma liderança natural, e o segundo carpindo a derrota com a esperança de retomar a dianteira na sucessão próxima”.

 

Governo Jânio Quadros

Em 31 de janeiro de 1961, Jânio Quadros e João Goulart assumiram a presidência e a vice-presidência da República. O ministério nomeado por Jânio caracterizou-se pelo antigetulismo e pela orientação ortodoxa em matéria econômica, lançando-se imediatamente à execução de um programa antiinflacionário que atendesse às indicações do FMI.

Diante dessa orientação, o PTB colocou-se na oposição, unindo-se ao PSD e ao PSP para formar o bloco parlamentar da maioria, com o objetivo de combater as medidas do governo federal “que fossem contrárias aos princípios e aos direitos e garantias institucionais”.

Em maio de 1961, as relações do PTB com o Executivo tornaram-se tensas. Jânio Quadros determinou a instauração de um inquérito para apurar irregularidades na Previdência Social. Nesse inquérito, João Goulart era nominalmente acusado de ter-se beneficiado do dinheiro público para custear sua campanha eleitoral.

Em decorrência desse fato, Almino Afonso, líder do PTB na Câmara, e Barros Carvalho, líder do PTB no Senado, levaram ao presidente uma carta a Goulart, refutando as acusações que lhe eram imputadas. Jânio negou-se a receber a carta, alegando que a defesa do presidente do PTB ali contida não representava a verdade. Esse gesto repercutiu desfavoravelmente na Câmara e no Senado. A maioria no Congresso, composta pelo PSP-PTB, preocupada com a ameaça política que esse tipo de medida trazia para os partidos, constituiria uma comissão de inquérito sobre as investigações presidenciais.

Paralelamente, as dificuldades do governo aumentavam na medida em que começavam a aparecer os limites e contradições de seu esquema político, levando-o a voltar-se para uma estratégia desenvolvimentista e um aprofundamento da política externa independente. O delineamento dessas novas diretrizes atenuou as divergências do PTB com o Executivo, tendo segmentos importantes dessa agremiação dado amplo apoio à política de reaproximação com os países comunistas. Nesse quadro inseriu-se a indicação de Goulart para chefiar a missão político-comercial brasileira destinada a visitar o Leste europeu e a China.

Com a renúncia de Jânio Quadros à presidência da República, no dia 25 de agosto de 1961, abriu-se aguda crise política no país, em virtude do veto dos ministros militares à posse de João Goulart — então em visita à República Popular da China — por razões de segurança nacional. A primeira reação do PTB diante desse quadro foi a denúncia feita pelo deputado Almino Afonso de que a renúncia de Jânio representava uma tentativa de golpe, com o objetivo de retornar ao governo com poderes ditatoriais.

Afastada a possibilidade da volta de Jânio ao poder, o PTB se lançou em articulações políticas visando garantir a posse de Goulart. Enquanto o governador gaúcho, Brizola, arregimentava forças para se contraporem ao veto militar, organizando a chamada Cadeia da Legalidade, parlamentares petebistas, ainda que mostrando resistências, discutiam a possibilidade de uma emenda constitucional de maneira a permitir a implantação de um governo parlamentarista de composição.

Em 2 de setembro, a Câmara Federal, em duas votações consecutivas (236 votos contra 59 e 233 contra 55), aprovou a Emenda Constitucional nº 4, que instituiu o parlamentarismo no país, restringindo os poderes do novo presidente. Apenas 19 dos 66 deputados da bancada petebista votaram a favor da emenda.

 

O gabinete Tancredo Neves

A posse de João Goulart na presidência da República não proporcionou uma participação significativa do PTB no poder, na medida em que o novo governo, ao procurar concretizar uma política de conciliação, atribuiu aos trabalhistas apenas as pastas das Relações Exteriores, entregue a San Tiago Dantas, da Saúde, entregue a Estácio Souto Maior, e a chefia do gabinete Civil, entregue a Hermes Lima. Em contrapartida, o PSD, além da chefia do Gabinete, entregue a Tancredo Neves, recebeu três ministérios, sendo as demais pastas distribuídas pela UDN, o PST e o PDS.

Essa composição ministerial, que visava restaurar a aliança com o a PSD, abalada na fase de sucessão, mesmo a aceitação por Goulart do regime parlamentarista desgostaram os setores mais radicais do PTB, que entendiam que, uma vez tendo seu presidente atingido o poder, caberia ao partido uma participação maior nessa aliança.

Grosso modo, o PTB poderia ser dividido em duas grandes facções: um grupo ideológico, que procurava manter uma linha de independência em face do comando de Goulart, defendendo a realização de reformas de base de cunho radical e a adoção de medidas político-econômicas de caráter antiimperialista, e um grupo moderado, que aceitava a política de conciliação do presidente da República, postulando a realização de reformas sociais não radicais, e defendendo uma maior aproximação com o PSD.

Contudo, a existência de alguns objetivos unificadores fazia com que as divergências do partido não se manifestassem claramente nesse primeiro momento. A luta pelo restabelecimento do presidencialismo, pela implementação da política externa independente e pelo estabelecimento de limites para a atuação do capital estrangeiro no país funcionavam, segundo palavras de Hugo de Faria, “como um cimento que unia o PTB, tão dividido internamente”. Porém, à medida que o governo Goulart evoluía e que se tornava necessário apresentar opções concretas que encaminhassem o problema da reforma agrária e fornecer definições mais claras da política econômica do governo, aprofundavam-se as divergências e demarcavam-se de maneira mais nítida as diferentes tendências que por algum tempo foram contornadas.

Decorridos alguns meses da gestão do gabinete Tancredo, a dificuldade de concretização das medidas destinadas a agilizar as prometidas reformas, principalmente a agrária, levou os setores mais radicais do PTB, liderados por Brizola, a pressionar Goulart por medidas mais efetivas. Atendendo a essas reivindicações, a partir de maio de 1962 Goulart oficializou posições mais radicais, dando início a uma ofensiva política que redundaria na mudança do ministério, na solicitação de poderes especiais ao Congresso e na oficialização da campanha pela antecipação do plebiscito que decidiria sobre a manutenção do parlamentarismo.

 

O gabinete Brochado da Rocha

Com a renúncia de Tancredo Neves acompanhado de todo o gabinete em junho de 1962, Goulart indicou San Tiago Dantas para o cargo de primeiro-ministro. Com essa indicação, Jango visava prestigiar mais o PTB e os setores nacionalistas e de esquerda do Parlamento e do movimento sindical. Entretanto, as bancadas do PSD e da UDN se uniram para vetar o nome de San Tiago, em virtude de seu desempenho à frente do ministério das Relações Exteriores, considerado excessivamente favorável à política externa independente. Sem o apoio do PSD, a designação de San Tiago Dantas foi rejeitada por 174 votos contra 110.

Saindo o PTB derrotado, Jango, pressionado pelo PSD, indicou o pessedista Auro de Moura Andrade, que teve seu nome aprovado em 3 de julho. Votaram a favor o PSD, a UDN, o PR, o PDC, o PSP e o PRP, e contra, o PTB. Entretanto, enquanto o nome de Auro de Moura Andrade era homologado pelo Congresso, líderes sindicais petebistas articulavam a deflagração de uma greve geral em desagravo a San Tiago Dantas, em apoio ao presidente Goulart e com o objetivo de obter um gabinete favorável ao programa de reformas.

Graças às pressões das bases petebistas e em virtude da impossibilidade de obter um consenso político para a formação do gabinete, Auro de Moura Andrade renunciou.

O impasse para a indicação de um primeiro-ministro foi finalmente resolvido no dia 10 de julho, quando o nome de Francisco de Paula Brochado da Rocha, ex-secretário do Interior e Justiça de Brizola, no Rio Grande do Sul, foi aprovado pelo Congresso por 215 votos contra 58. Votaram a seu favor o PSP, o PR, o PSB, o PTN, a grande maioria do PSD e naturalmente o PTB. A UDN votou contra.

Com a instalação do novo gabinete, o PTB adquiriu uma maior participação no poder. Brochado da Rocha, ainda que pertencente aos quadros do PSD, possuía maiores ligações com o PTB e tinha desempenhado importante papel na encampação da subsidiária da International Telephone Telegraph no Rio Grande do Sul, o que lhe dava prestígio nos meios nacionalistas. Além disso, o PTB obteve as pastas do Trabalho, entregue a Hermes Lima, da Viação e Obras Públicas, entregue a Hélio de Almeida, da Agricultura, entregue a Renato Costa Lima, e a chefia do Gabinete, Civil, entregue a Hugo de Faria.

Comprometido com o PTB e com os demais grupos de esquerda, o novo gabinete tinha por objetivo obter poderes especiais para legislar sobre as reformas e conseguir antecipação para dezembro seguinte do plebiscito, previsto para o início de 1965. Entretanto, o pedido de delegação dos poderes especiais foi rejeitado pelo Congresso, e todo o gabinete renunciou no dia 14 de setembro. Em contrapartida, foi aprovado o projeto de lei complementar autorizando a realização do plebiscito no dia 6 de janeiro de 1963.

Dessa forma, o PTB sofria uma derrota, ao não obter os meios para promover as reformas de base, mas conseguia a antecipação do plebiscito, objetivo difundido constantemente pelo líder da bancada trabalhista na Câmara, deputado Almino Afonso.

 

O gabinete Hermes Lima

Com a aprovação do projeto que autorizava a realização do plebiscito, foi permitido a Goulart constituir imediatamente um conselho de ministros provisórios, sem prévia anuência do Congresso, o que significava a restauração informal do presidencialismo. Nessa nova fase, Goulart encarregou Hermes Lima de organizar, como primeiro-ministro, o gabinete provisório que vigoraria até 6 de janeiro de 1963. Hermes Lima foi aprovado por 164 votos contra 34.

No novo ministério, o PTB, além do cargo de primeiro-ministro, ficou com as pastas das Relações Exteriores, entregue também a Hermes Lima, da Viação e Obras Públicas, mantida com Hélio de Almeida, da Agricultura, mantida com Renato Costa Lima, do Trabalho, entregue a João Pinheiro Neto, e a chefia do Gabinete Civil, mantida com Hugo de Faria. Nessa fase do governo, o PTB apoiou integralmente a Campanha de Goulart pelo retorno ao presidencialismo e empenhou-se na mobilização dos principais setores sociais pela vitória dessa posição no plebiscito.

Paralelamente à campanha presidencialista, desenrolavam-se os preparativos, para as eleições previstas para outubro de 1962 em que seriam renovados parte do Congresso Federal, as assembléias estaduais, as câmaras municipais e parte dos executivos estaduais e municipais.

Realizado o pleito, o PTB aumentou de maneira marcante sua bancada, passando de 66 para 104 deputados. Para o Senado, elegeu dez parlamentares, distribuídos pelos seguintes estados: Acre (dois), Amazonas (dois), Ceará (um), Minas Gerais (um), Paraíba (um), Paraná (um), Pernambuco (um) e estado do Rio (um).

O PTB elegeu ainda os seguintes governadores: do Acre — José Augusto de Araújo, do Amazonas — Plínio Coelho, do Rio de Janeiro — Badger da Silveira, e do Espírito Santo — Francisco Lacerda de Aguiar. Na Guanabara, nas eleições para vice-governador, foi eleito Elói Dutra, enquanto Leonel Brizola foi o deputado federal mais votado do país. Com isso, fortaleceram-se nesse estado as correntes petebistas contra o governador Carlos Lacerda, da UDN. Por outro lado, o PTB não participou nas eleições de 1962 de nenhuma aliança com o PSD.

A despeito da considerável expansão do PTB, a correlação de forças político-partidárias não foi alterada de forma significativa. Se, por um lado, o PTB ampliou sua bancada no Congresso, seu antigo aliado, o PSD, se afastava, indo procurar nova aliança com a UDN. Com isso, era mantido o predomínio do PSD e da UDN que, juntos, detinham 54% da representação. Por outro lado, os principais estados estavam fora do controle do PTB. Minas e Guanabara haviam sido conquistados em 1960 pela UDN com José de Magalhães Pinto e Carlos Lacerda, respectivamente, São Paulo fora ganho por Ademar de Barros e o Rio Grande do Sul pelo pessedista Ildo Meneghetti.

Nesse quadro, ainda que os resultados eleitorais não tivessem trazido uma maior base de sustentação concreta para o governo Goulart, a grande expansão de sua bancada fazia o PTB acreditar no avanço do nacionalismo reformista e na intensificação da luta pelas reformas de base. Nos meses seguintes, o principal foco de atuação foi a campanha pelo retorno ao presidencialismo.

 

O governo presidencialista de Goulart

No dia 6 de janeiro de 1963, foi realizado o plebiscito que resultou no fim do regime parlamentarista, proporcionando assim uma grande vitória para o PTB.

Investido dos poderes atribuídos ao presidente da República pela Constituição de 1946, Goulart nomeou um novo ministério cuja composição, ainda que refletisse mais uma tentativa de compromisso com as várias tendências em jogo no cenário político, demonstrava visivelmente o fortalecimento do PTB, não só do ponto de vista do número, mas também do ponto de vista da importância das pastas que o partido recebeu. O PTB obteve o Ministério da Fazenda, entregue a San Tiago Dantas; o Ministério do Trabalho, entregue a Almino Afonso; o Ministério do Exterior, entregue a Hermes Lima; o Ministério da Viação e Obras Públicas, entregue a Hélio de Almeida e o Ministério da Agricultura, entregue a José Ermírio de Morais.

Nessa nova conjuntura, Goulart procurou manter a aliança PTB-PSD, mas sob a hegemonia do PTB. Segundo Afonso Arinos, a partir desse momento a posição do PSD mudou, passando de partido do poder com apoio do PTB para partido do poder por apoiar o PTB. Contudo, na medida em que o PTB se expandia, ampliavam-se suas divergências internas. Em conseqüência, tornou-se mais manifesto o desacordo de alguns desses setores com a política levada a efeito pelo Executivo. Na verdade, a participação mais efetiva no poder veio desnudar as contradições do partido, aprofundando suas cisões.

Visando solucionar a crise econômico-financeira que atingia o país, acarretando um acentuado declínio da taxa de crescimento econômico e uma grande elevação dos índices de inflação, o governo Goulart tentou por em prática uma política econômica planificada que respondesse às necessidades dessa nova fase. As principais diretrizes dessa política foram expressas através do Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico, executado sob a direção de San Tiago Dantas e Celso Furtado.

Objetivando buscar respaldo para a concretização desse programa, em março de 1963 San Tiago Dantas viajou a Washington para discutir um plano de ajuda do governo norte-americano ao Brasil, bem como a renegociação das dívidas do país. Os Estados Unidos, embora demonstrassem algum empenho em colaborar, condicionaram sua ajuda à execução de um programa de estabilização econômica e de combate à inflação que seria analisado por uma comissão do FMI encarregada de visitar o Brasil em maio, e ainda à solução do problema das desapropriações das empresas concessionárias de serviços públicos Amforp e as subsidiárias da ITT.

Diante dessa orientação econômica, os chamados setores ideológicos do PTB liderados por Brizola passaram a combater o Plano Trienal e a denunciar a submissão do ministro da Fazenda às exigências norte-americanas.

Paralelamente, na esfera do Ministério do Trabalho, surgiam áreas de atrito. A política salarial imposta a partir das diretrizes antiinflacionárias do Plano Trienal, restringindo os reajustes de salários, levou Almino Afonso a divergir dessa orientação. Além disso, Almino Afonso defendia o fortalecimento das lideranças operárias mais independentes, o que permitia que o movimento sindical escapasse ao controle do Estado.

Nessas circunstâncias, reacenderam-se as divisões no interior do PTB, delineando-se com mais clareza várias tendências que lutavam por influenciar a política do governo segundo seu ponto de vista. Na esfera do ministério, entraram em divergência aberta San Tiago Dantas e Almino Afonso, que por sua vez tinham suas discordâncias reproduzidas em nível mais amplo no seio do partido. De outro lado, na relação entre ministros petebistas e a presidência da República também apareciam conflitos. Goulart não concordava plenamente com as diretrizes do Plano Trienal, na medida em que sua aplicação implicava penalizar a classe operária e os assalariados em geral, sua principal base política, concordando nesse ponto com Almino. Porém, as propostas do ministro do Trabalho de dar condições para a classe operária ampliar sua autonomia esbarrava nos interesses de Goulart.

Esse complexo quadro interno foi ainda mais agravado a partir de maio de 1963, quando Brizola teve sua posição fortalecida no partido, ao denunciar um acordo entre o governo brasileiro e a Amforp, que previa a compra de bens da empresa norte-americana no Brasil pelo preço — que Brizola denunciava como escorchante — de 135 milhões de dólares. Em pronunciamento transmitido pelo rádio e televisão no dia 28 de maio, Brizola acusou os ministros San Tiago Dantas, Amauri Kruel, da Guerra, e Antônio Balbino, da Indústria e Comércio, membros da comissão encarregada de negociar a compra da Amforp, de traidores dos interesses nacionais, procurando demonstrar com números que todas as empresas da Amforp já tinham recuperado o valor de seus investimentos.

As denúncias de Brizola, aliadas ao fracasso do Plano Trienal resultante da ampla oposição feita às medidas antiinflacionárias que ele impunha, levaram à dissolução do ministério. Na composição do novo gabinete, em junho de 1963, a despeito do fortalecimento dos setores radicais do PTB, Jango não privilegiou essa tendência, e sim tentou uma nova base de entendimento com os demais partidos, principalmente o PSD, com vistas a obter a conciliação nacional.

Nessa nova composição, o PTB passou a ter sua participação diminuída não só numérica como qualitativamente, recebendo as pastas da Saúde, entregues a Wilson Fadul, Indústria e Comércio, a Egídio Michaelsen, Agricultura, a Osvaldo Lima Filho, e Trabalho, a Amauri Silva. O grande nome do novo ministério passou a ser Carlos Alberto de Carvalho Pinto, ex-governador de São Paulo e renomado administrador vinculado a grupos empresariais paulistas.

Nessa nova fase os desencontros entre o PTB e Jango aumentaram, na medida em que os setores mais ativos do partido liderados por Brizola se radicavam, reclamando uma recomposição do ministério e a concretização de um novo programa de governo que agilizasse as reformas.

Esse descompasso manifestou-se de maneira clara no pedido de estado de sítio enviado por Jango à Câmara dos Deputados com o objetivo de punir Carlos Lacerda, governador da Guanabara, por desacatar o presidente da República e as forças armadas. Nessa ocasião, Luís Fernando Bocaiúva Cunha, líder do PTB na Câmara, acompanhado da maioria da bancada, se aliou à UDN e ao PSD na oposição à medida, por temer que a suspensão das liberdades públicas viesse a permitir a repressão dos movimentos de esquerda. Jango, na iminência de ver derrotado seu projeto, retirou o pedido.

Nos meses seguintes, a ativa militância dos radicais do PTB ganhou força no partido, neutralizando os setores moderados. Os parlamentares petebistas Armando Temperani Pereira, Almino Afonso, Adão Pereira Nunes, Fernando Santana, Leonel Brizola e Sérgio Magalhães ampliavam continuamente sua atuação política, comandando as atividades da Frente Parlamentar Nacionalista (FPN) e da Frente de Mobilização Popular (movimento nacionalista surgido em 1962 com o objetivo de pressionar em favor das reformas de base), com vistas a denunciar a política de conciliação do governo e exigir uma recomposição ministerial.

Visando preservar seu comando sobre o PTB, cada vez mais ameaçado por Brizola e os radicais, e recuperar o apoio dos demais setores de esquerda, no final de 1963 Jango tentou nova ofensiva nacionalista, concretizando várias medidas de controle do capital estrangeiro. Entre essas medidas incluíram-se, em janeiro de 1964, a regulamentação da Lei de Remessas de Lucros, que fora aprovada pelo Congresso em 1962, e novas medidas com vistas a implantar a reforma agrária.

Ainda nessa ocasião, Jango aceitou as pressões da esquerda petebista contra o ministro da Fazenda, Carvalho Pinto, que acabaram resultando em sua demissão. Assim, Goulart e os setores mais moderados do PTB embarcavam no processo de radicalização, embora a reivindicação básica desse setor, de que a pasta da Fazenda fosse entregue a Brizola, não tenha sido atendida.

Nessas condições, o fosso entre o PTB e o PSD gradualmente se aprofundava, inviabilizando a aliança histórica que os unia e promovendo cada vez mais uma aproximação do PSD com a UDN. Nos primeiros meses de 1964 o processo de radicalização política se acentuou e o movimento de conspiração para depor Goulart cresceu abertamente.

Pressentindo a gravidade que a situação apresentava, San Tiago Dantas, ainda que afastado do governo, tentou buscar uma solução de compromisso com a formação de uma frente única que apoiaria as reformas de base, num programa mínimo aceitável pelo PSD, PTB e PCB. A frente entretanto não se concretizou em virtude da dificuldade de unir todos os grupos em torno de um programa mínimo. Embora o PCB e os setores moderados do PTB estivessem empenhados nessa união, Brizola não concordou em participar da frente ao lado dos conservadores do PSD.

Na convenção nacional do PTB, no dia 11 de março, Brizola discursou aplaudindo o governo por ter-se livrado do incômodo apoio conservador do PSD e pedindo a união do PTB em torno de Goulart. Com isso, a possibilidade de qualquer renovação do pacto PTB-PSD esgotou-se definitivamente, abrindo caminho para o crescimento da conspiração militar, que passava a receber crescentes adesões, num processo que o PTB sozinho não conseguia estancar.

 

O PTB pós-1964

Com a queda do governo Goulart em 31 de março de 1964, o PTB sofreu um processo de crescente enfraquecimento, tendo sido seus quadros submetidos a sucessivos expurgos.

A junta que assumiu o governo do país editou, em 9 de abril de 1964, o Ato Institucional nº 1 (AI-1), que, entre outras medidas, instituiu a cassação de mandatos parlamentares e determinou a imediata eleição indireta do presidente e vice-presidente da República, com mandato até 31 de janeiro de 1966. Essas medidas atingiram profundamente o PTB, que teve suas principais lideranças e grande número de parlamentares cassados. Iniciado o processo de escolha do próximo presidente, o PTB absteve-se de apresentar candidato e não apoiou o nome do general Humberto Castelo Branco, apoiado pela nova aliança PSD-UDN, além dos partidos menores como o PSP, PR, PL, PTN, PRP e MTR.

Para justificar sua atitude, o PTB lançou uma nota onde afirmava: “O PTB também condena o comunismo como doutrina social e política, mas reclama para si o direito de continuar a lutar sem desfalecimento em defesa das formulações nacionalistas e das reformas de base, que permitirão ao nosso povo realizar as grandes transformações sociais e a independência política da pátria. E a liderança, por deliberação de maioria da bancada, anuncia o propósito de, embora comparecendo à eleição, abster-se, tanto na indicação do presidente como do vice-presidente da República, já que no curto prazo destinado à realização desta escolha não foi possível às forças políticas realizarem uma consulta válida que lhes permita traduzir perante os senhores congressistas e a nação brasileira o que eles representam.”

Eleito e empossado Castelo Branco, com a vice-presidência preenchida pelo pessedista José Maria Alkmin, o PTB, juntamente com o PSB, nas palavras de Doutel de Andrade, ficou responsável por “sustentar a luta contra a prepotência e o arbítrio que se instalaram no país”.

Para cumprir essa tarefa, o PTB procurou se recompor, realizando uma convenção nacional extraordinária em maio de 1965 de maneira a preencher as lacunas deixadas pelas inúmeras cassações. Com o afastamento de Jango do país, tornava-se necessário eleger o novo presidente nacional do partido. Nessa escolha manifestaram-se duas correntes, uma liderada pelo ex-presidente, apoiando José Ermírio de Morais, e outra liderada por Ivete Vargas, apoiando Lutero Vargas, filho do presidente Getúlio Vargas. Com o objetivo de obter uma composição política entre as duas tendências, José Ermírio ficou com a presidência do diretório nacional e Lutero com a presidência da comissão executiva. Entretanto, essa situação não foi duradoura em virtude das divergências surgidas entre ambos e, ao se realizar a convenção nacional ordinária, em setembro de 1965, José Ermírio foi derrotado, passando Lutero a acumular os dois cargos até a extinção do partido. Votaram contra Lutero os diretórios do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina.

 

As eleições de 1965

Com o endurecimento do regime militar, inúmeras forças políticas que o haviam apoiado começaram a se afastar, buscando novas articulações políticas com vista às eleições que se aproximavam para o governo de alguns estados, entre os quais Minas e Guanabara. Nessas circunstâncias, o PSD voltou a se aproximar do seu antigo aliado, formando uma nova coligação com o PTB contra a UDN.

Na Guanabara, o PTB liderou a aliança, lançando como candidato ao governo do estado o ex-ministro de Jango, Hélio de Almeida. Uma nova lei das inelegibilidades então introduzida impediu contudo essa candidatura, de acordo com o dispositivo que tornava inelegíveis todos os civis que houvessem sido ministros de Estado de janeiro de 1963 a março de 1964, excluídos os parlamentares no exercício do mandato. Inviabilizada a candidatura do PTB e a que se lhe seguiu, do marechal Lott, esta por falta de domicílio eleitoral na cidade, o PSD forneceu o nome de Francisco Negrão de Lima, em torno do qual se concretizou a aliança entre os dois partidos.

Em Minas Gerais o PTB apoiou o pessedista Sebastião Pais de Almeida, nome vetado pela Justiça Eleitoral sob a acusação de abuso do poder econômico. Seu substituto, o também pessedista Israel Pinheiro, contou igualmente com o apoio do PTB.

Realizado o pleito, a coligação PSD-PTB foi vitoriosa nesses dois estados. Esse fato convulsionou as áreas militares mais radicais, que passaram a pregar o não-acatamento dos resultados eleitorais. Castelo Branco garantiu a posse dos eleitos, mas, em contrapartida, para neutralizar a vitória oposicionista, editou em 27 de outubro de 1965 o Ato Institucional nº 2 (AI-2), que, entre outras medidas, extinguiu os partidos políticos existentes e possibilitou a implantação do bipartidarismo.

Extinto o PTB em outubro de 1965, os parlamentares petebistas ingressam em sua grande maioria no Movimento Democrático Brasileiro (MDB), agremiação oposicionista formada nos primeiros meses de 1966.

Em 1978, com a abertura política encetada pelo presidente João Figueiredo, começou a se delinear a perspectiva de extinção do bipartidarismo e, conseqüentemente, de criação de novos partidos políticos. A ex-deputada petebista cassada, Ivete Vargas, começou então a tentar a rearticular o PTB. Assim como Ivete, outros trabalhista se mobilizaram com esse objetivo, destacando-se entre eles Leonel Brizola, que se encontrava no exílio e sobre quem recaía a expectativa de unificação nacional para os trabalhistas. Dentro dessa perspectiva, Ivete tentou uma aproximação com Brizola, mas, por não se dispor a abrir mão de sua liderança na organização do partido, acabou por não chegar a um acordo com o ex-governador gaúcho.

Diante da impossibilidade de unificação das duas facções, a comissão diretora do PTB de Ivete requereu ao TSE o registro provisório do partido. Logo depois o grupo Brizolista encaminhou também ao TSE pedido de registro da mesma sigla. Em maio de 1980, o TSE se pronunciou em favor de Ivete, concretizando assim em definitivo a divisão dos antigos petebistas. Em contrapartida, o grupo vinculado a Brizola fundou uma nova agremiação, intitulada Partido Democrático Trabalhista (PDT).

Marieta de Morais Ferreira

 

 

FONTES: ANDRADE, D. Remetendo; ARAÚJO, M. Segundo; ARQ. GETÚLIO VARGAS; BANDEIRA, M. Governo; BANDEIRA, M. Origens; BENEVIDES, M. Diretrizes; BENEVIDES, M. UDN; CAFÉ FILHO, J. Sindicato; CARMO, J. Diretrizes; CERQUEIRA, S. Brasil; CHACON, V. História; Cruzeiro (23/5 e 20/6/59); ENTREV. FARIA, H.; ENTREV. LIMA FILHO, O.; ENTREV. TALARICO, J.; ENTREV. VARGAS, I.; ENTREV. VIANA, J.; FLEISCHER, D. Partido; HARDING, T. Political; JUREMA, A. PTB; MARANHÃO, R. Estado; PETERSON, P. Brazilian; SAMPAIO, R. PSD; SILVA, H. 1945; SILVA, H. 1946; SKIDMORE, T. Brasil; SOARES, G. Sociedade; TOLEDO, C. Governo; VÍTOR, M. Cinco; WEFFORT, F. Sindicalismo.