PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO (PCB)

Partido político de âmbito nacional fundado em março de 1922 com o nome de Partido Comunista do Brasil, sigla PCB. A alteração do nome para Partido Comunista Brasileiro ocorreu durante a conferência nacional realizada em agosto de 1961, e teve como finalidade facilitar o registro eleitoral do partido e sua legalização.

O objetivo do PCB desde a fundação foi promover a revolução proletária no Brasil e conquistar o poder político para realizar a passagem do sistema capitalista para o sistema socialista. É o mais antigo partido político brasileiro, embora tenha atuado a maior parte de sua existência na ilegalidade. Sobreviveu a todas as alterações político-institucionais por que passou o Brasil desde a década de 1920, assim como às crises internas que em muitos momentos determinaram a saída ou expulsão de vários de seus membros. Entre essas crises destacam-se as que deram origem ao novo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), em 1962, às diversas organizações ligadas à luta armada, em 1968, e ao Partido Popular Socialista (PPS), em 1992.

 

Antecedentes

Até a década de 1920, o movimento operário no Brasil foi liderado basicamente pelos anarquistas. Os movimentos grevistas, esporádicos nos primeiros anos da República, tornaram-se mais frequentes a partir do início século XX, chegando algumas vezes a ter alcance estadual ou nacional. As principais reivindicações dos movimentos eram a melhoria dos salários, a redução da jornada de trabalho para oito horas, a regulamentação do trabalho de mulheres e crianças e a estipulação do repouso semanal. Entre 1916 e 1919, houve uma intensificação das greves, com reivindicações mais agressivas. Foi nesse momento que apareceram com maior clareza as deficiências do movimento anarquista enquanto condutor de demandas políticas.

Também nesse momento, a Revolução Russa de 1917 despertou o interesse dos anarquistas pelas ideias de Karl Marx e Friedrich Engels. Assim, em 1918, antigos militantes anarquistas simpatizantes do comunismo fundaram no Rio Grande do Sul a Liga Comunista de Livramento, na atual Santana do Livramento, e, no ano seguinte, o barbeiro libanês Abílio de Nequete fundou a União Maximalista em Porto Alegre. O termo “maximalista” era usado para designar os bolchevistas, adeptos do programa máximo do Partido Operário Social Democrata russo, por oposição aos “minimalistas” ou menchevistas adeptos do programa mínimo. Os dois termos na verdade tiveram origem na tradução do idioma russo para o inglês, e deste para o português, não expressando exatamente a distinção entre os dois grupos oriundos da cisão ocorrida em 1903, em função da definição de militante e do conceito de partido.

No início de 1919, os anarquistas fundaram o Partido Comunista-Anarquista no Rio de Janeiro e, no mês de junho, o Partido Comunista do Brasil, em São Paulo. Este último, guardando o cunho anarquista, tinha em José Oiticica um de seus principais dirigentes, e no jornal Spartacus, dirigido por Astrojildo Pereira, seu órgão de divulgação. Considerando a Revolução Russa um movimento de tipo libertário, os anarquistas-comunistas, além dessas associações, organizavam greves e manifestações de solidariedade à União Soviética.

Também em 1919, em Moscou, foi criada a III Internacional, ou Internacional Comunista, ou Komintern, que veio suceder à II Internacional, fundada em 1889 e dissolvida então em consequência da grave crise provocada pela divisão dos países socialistas em torno da participação na Primeira Guerra Mundial. Enfrentando os problemas do conflito mundial, do bloqueio internacional e da guerra civil, os bolchevistas convocaram uma conferência internacional comunista para obter apoio externo. No encontro, foi criada a III Internacional, cuja direção passou a ser integrada, além de comunistas, por grande número de anarquistas, sindicalistas revolucionários e socialistas.

A despeito da identificação inicial entre anarquistas e comunistas, as divergências logo começaram a se aguçar. No Brasil, enquanto o grupo liderado por Astrojildo Pereira defendia e difundia o programa da Internacional Comunista, e o jornal A Vanguarda, publicado em torno de 1920 por antigos anarquistas, entre os quais Everardo Dias, saudava a Revolução Russa, parte do movimento anarcossindicalista desferia violentos ataques à III Internacional. O jornal A Plebe, por exemplo, que circulou em São Paulo até 1935, denunciava em 1920 “o terror bolchevista na Rússia”.

Ainda em 1920, surgiu no Rio de Janeiro o grupo Clarté, filiado ao grupo francês do mesmo nome, liderado por Henri Barbusse e René Lefèvre. Dele participaram, entre outros, Evaristo de Morais, Maurício de Lacerda, Nicanor Nascimento, Agripino Nazaré e Everardo Dias. Seu objetivo era defender a Revolução Russa e definir o papel dos intelectuais na reforma social brasileira. Para divulgar suas ideias, seria criada no ano seguinte a revista Clarté. Alguns membros do grupo tentaram fundar o Partido Socialista, mas não tiveram êxito.

Com o início dos fuzilamentos de anarquistas na União Soviética, consumou-se também no Brasil a ruptura entre anarquistas e comunistas. O pequeno grupo liderado por Astrojildo Pereira, identificado com o bolchevismo, criou em setembro de 1921, no Rio de Janeiro, o Comitê de Socorro aos Flagelados Russos, do qual Astrojildo se tornou secretário-geral. Em 4 de novembro seguinte, quando da comemoração do quarto aniversário da Revolução Russa, a mesma facção fundou o Grupo Comunista do Rio de Janeiro, o primeiro de uma série de núcleos comunistas que seriam implantados em outros estados. Pouco depois, a União Maximalista converteu-se no Grupo Comunista de Porto Alegre.

O objetivo do Grupo Comunista era transformar-se no Partido Comunista do Brasil, depois de preencher as 21 condições necessárias para a admissão na Internacional Comunista. Para serem aceitos, os partidos deveriam fundamentalmente adotar o nome de comunistas, dissociar-se de todas as posições reformistas e lutar pela derrubada revolucionária do capitalismo e pelo estabelecimento da ditadura do proletariado.

 

A fundação

A fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB) ocorreu em um período de grande tensão na vida política brasileira. A sucessão de Epitácio Pessoa na presidência da República era disputada, de um lado, por Artur Bernardes, candidato oficial, hostilizado porém pela jovem oficialidade do Exército, e, de outro, por Nilo Peçanha, que era apoiado pela Reação Republicana. A vitória de Bernardes nas eleições de 1º de março de 1922, longe de trazer tranquilidade ao país, iria provocar, ao lado de outros fatores, o levante dos 18 do Forte (5/7/1922), marco inicial das revoltas tenentistas que se estenderiam por toda a década de 1920, culminando na Revolução de 1930. Outro acontecimento importante do início de 1922 foi a Semana de Arte Moderna, realizada em fevereiro, marco de um rompimento com a tradição acadêmica e início de uma nova estética na arte brasileira.

Dentro desse quadro de contestações, por iniciativa do Grupo Comunista de Porto Alegre, realizou-se em Niterói, então capital do estado do Rio, nos dias 25, 26 e 27 de março, um congresso para a fundação do PCB. A intenção do grupo era que o novo partido participasse do IV Congresso da Internacional Comunista, a ser realizado em Moscou em novembro/dezembro de 1922.

Participaram do encontro em Niterói intelectuais e operários representantes de Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. Além de Abílio de Nequete, representante do Grupo de Porto Alegre, da Agência de Propaganda para a América do Sul da III Internacional e do Partido Comunista do Uruguai, e de Astrojildo Pereira, representante do Grupo do Rio de Janeiro, estiveram presentes, entre outros, Cristiano Cordeiro, contador de Recife, Hermogênio Silva, eletricista e ferroviário de Cruzeiro (SP), João da Costa Pimenta, gráfico de São Paulo, Joaquim Barbosa, alfaiate do Rio de Janeiro, José Elias da Silva, sapateiro do Rio de Janeiro, Luís Peres, vassoureiro do Rio de Janeiro, e Manuel Cendón, alfaiate espanhol. Na pauta dos debates figuravam os seguintes pontos: exame das 21 condições para a admissão na Internacional Comunista, elaboração e aprovação de um estatuto para o PCB com base no estatuto do PC argentino, eleição da comissão central executiva (CCE) do novo partido, ação pró-flagelados do Volga, na União Soviética, e assuntos gerais.

O PCB foi afinal criado com o objetivo de promover a organização política do proletariado em um partido de classe, “para a conquista do poder e consequente transformação política e econômica da sociedade capitalista em sociedade comunista”. A CCE, integrada por cinco membros e cinco suplentes, deveria manter “o mais rigoroso controle político sobre todos os organismos do partido”. Foram escolhidos para compor a CCE Abílio de Nequete, eleito secretário-geral, Astrojildo Pereira, Antônio Bernardo Canellas, Luís Peres e Antônio Gomes Cruz Júnior. Para suplentes foram indicados Cristiano Cordeiro, Rodolfo Coutinho, Antônio de Carvalho, Joaquim Barbosa e Manuel Cendón.

Ainda na reunião de Niterói, foram aprovados os pontos essenciais relativos à organização do PCB. Em toda localidade onde se constituísse um núcleo do partido, seria designada uma comissão encarregada dos trabalhos de secretaria e relações. O entendimento entre os núcleos se faria através de conferências, às quais seriam enviados delegados, devendo as deliberações ser tomadas por acordo unânime.

Ao ser criado, o PCB tinha 73 membros espalhados em diversos núcleos. No final 1922, calcula-se que o número de aderentes houvesse subido a 250, com 123 no Rio de Janeiro. Ao relembrar a fundação e os primeiros anos do partido, Astrojildo Pereira declarou que, “a não ser nos meios sindicais, onde militavam ativistas do movimento operário, a fundação do PCB passou completamente despercebida da opinião pública. A grande imprensa ignorou o fato, e, se acaso houvesse tomado conhecimento dele, certamente não o teria levado a sério”. A difusão das ideias comunistas era feita através da revista mensal Movimento Comunista, fundada em janeiro de 1922, que passou a ser o órgão do partido.

Logo após sua formação, o PCB passou a atuar intensamente nos sindicatos operários, combatendo basicamente os anarquistas. Em junho de 1922, três meses após sua fundação, o partido foi fechado, ainda pelo governo de Epitácio Pessoa, passando a atuar na ilegalidade e tendo vários de seus membros presos. Entre eles figurava Abílio de Nequete, que, após sua prisão em julho de 1922, renunciou ao cargo de secretário-geral e regressou ao Sul, sendo substituído por Astrojildo Pereira.

Em novembro de 1922 — mês em que se iniciou no Brasil o governo de Artur Bernardes —, o PCB enviou como representante ao IV Congresso da Internacional Comunista Antônio Bernardo Canellas, que se encontrava na Europa na ocasião. A participação de Canellas teve consequências negativas para o partido, pois, segundo Edgar Carone, ele possuía uma precária formação marxista e era na verdade um pragmático, acostumado à ação individual e espontânea.

Inaugurando uma série de equívocos, Canellas confundiu sua indicação para participar dos trabalhos do congresso tendo direito a “voto deliberativo” com a admissão do PCB na Internacional Comunista. Tampouco percebeu o esquema de funcionamento do congresso, segundo o qual as questões se decidiam nas comissões ampliadas ou restritas para serem apenas homologadas nas reuniões plenárias. Além disso, diante da condenação de Leon Trotsky à participação de maçons nos partidos comunistas — dirigida principalmente ao PC francês —, defendeu a ideia de que “nosso gênero de socialismo é neutro em moral”, podendo o partido brasileiro ter como membros elementos maçons, protestantes, católicos etc. Ao afirmar que o PCB contava com “alguns bons camaradas maçons, cuja ação revolucionária no seio da maçonaria é notável e notória”, ele se referia principalmente a Cristiano Cordeiro e Everardo Dias, membros da maçonaria e do partido.

Finalmente, ao prestar informações sobre o PCB, Canellas cometeu algumas falhas, afirmando que o partido contava com quinhentos militantes, quando na verdade não passavam de 250, e declarando que ele próprio havia colaborado numa revista de orientação anarquista. Diante da atuação do delegado brasileiro, o comitê executivo da Internacional Comunista considerou que o PCB ainda não era um verdadeiro partido comunista, pois conservava “restos de ideologia burguesa alimentados pela presença de elementos da maçonaria e influenciados por preconceitos anarquistas, o que explica a estrutura descentralizada do partido e a confusão reinante sobre a teoria e a tática comunista”. A Internacional decidiu aceitar apenas provisoriamente o PCB dentro de seu organismo como um “partido simpatizante”.

Os resultados gerais do IV Congresso da Internacional consistiram na aprovação de uma política de frente única, principalmente em relação aos partidos socialistas europeus. O comunismo na Europa encontrava na época sérios obstáculos, principalmente na Itália, onde a subida dos fascistas ao poder em 1922 impedia os comunistas de atuar politicamente. Procurando formular uma nova estratégia de ação para a conquista do poder, com a participação em governos de coalizão socialista, o congresso lançou a palavra de ordem de “governo operário”.

Ao retornar ao Brasil, em janeiro de 1923, Canellas foi instado a apresentar à CCE um relato do que se passara durante o IV Congresso. Redigiu um relatório intitulado “Relatório da delegacia à Rússia”, e um parecer elogioso em nome da CCE. A direção do partido, decepcionada com o documento, aprovou em 6 de junho um parecer próprio contendo críticas ao texto e sugerindo que Canellas o reformulasse. Canellas resolveu ao contrário publicar seu relatório sem consultar o partido, o que determinou sua expulsão.

Após a vinda ao Brasil de Rodolfo Ghioldi, argentino representante da Internacional Comunista, para estudar a situação interna do PCB, o partido foi admitido na Internacional durante o V Congresso dessa organização, realizado em Moscou em junho/julho de 1924, cinco meses após a morte de Lênin.

Durante o V Congresso, foi proposta uma revisão da política de frente única, que passou a ser considerada um simples meio de agitar e mobilizar as massas. Desde a morte de Lênin desencadeara-se a luta de Stalin contra Trotsky e Zinoviev pelo controle do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), luta essa que repercutia dentro da Internacional. Na medida em que a construção mundial do socialismo passou a ser considerada como dependente de seu sucesso na União Soviética, todos os comunistas deveriam cerrar fileiras ao lado dos bolchevistas. Os que se inclinassem pelas facções dissidentes — ou seja, por Trotsky — seriam considerados traidores.

A divulgação das ideias comunistas no Brasil intensificou-se por essa época, com a publicação de livros e folhetos e a realização de palestras e conferências nas sedes dos sindicatos. O Manifesto comunista de Karl Marx, publicado pela primeira vez na Voz Cosmopolita, saiu sob a forma de livro em 1924. Em 1º de maio de 1925, foi lançado o jornal Classe Operária, com cinco mil exemplares, fechado pela polícia dois meses depois. Em São Paulo, circulavam os jornais Internacional Solidário.

 

O II Congresso e a legalidade em 1927

O II Congresso do PCB realizou-se no Rio de Janeiro nos dias 16, 17 e 18 de maio de 1925, confirmando Astrojildo Pereira no cargo de secretário-geral do partido. Grande parte das teses apresentadas durante o encontro procurava explicar as revoltas tenentistas de 1922 e 1924 como manifestações da contradição fundamental da sociedade brasileira, ou seja, da luta entre o capitalismo agrário semifeudal, apoiado pelo imperialismo inglês, contra o capitalismo industrial moderno, apoiado pelo imperialismo norte-americano. Essas teses baseavam-se, sobretudo, no estudo “Agrarismo e industrialismo”, escrito por Otávio Brandão em 1924 com o pseudônimo de Fritz Mayer.

Ainda durante o II Congresso, foi aprovado um documento no qual se fazia um balanço do movimento sindical e se concluía pela necessidade da unidade como base do desenvolvimento e do fortalecimento da ação sindical de massas. Foi também aprovada uma recomendação no sentido de que fosse dada especial atenção à formação da Juventude Comunista em todo o país, pois, desde sua fundação em janeiro de 1924, essa organização continuava restrita ao Rio de Janeiro.

Em 1º de janeiro de 1927, já no governo de Washington Luís (1926-1930), o PCB voltou a atuar na legalidade. Dois dias depois, o jornal A Nação, título de propriedade do jornalista e professor de direito Leônidas de Resende, passou a circular como órgão do partido, desempenhando papel relevante na campanha para as eleições legislativas de fevereiro seguinte. Ainda em janeiro, o PCB decidiu formar uma frente única eleitoral baseada na unidade da classe operária, criando o Bloco Operário. Nessa legenda, Azevedo Lima elegeu-se deputado federal.

Durante os meses em que gozou de liberdade de atuação, o PCB ampliou sua penetração no movimento operário, criando células dentro dos sindicatos e acirrando assim as disputas entre anarquistas e comunistas. Levou também adiante sua preocupação de organizar a juventude, criando em abril de 1927 uma diretoria provisória para a Federação da Juventude Comunista, integrada por Leôncio Basbaum, Manuel Karacick e Francisco Mangabeira. A federação foi instalada oficialmente em 1º de agosto de 1927, dia internacional da juventude. Por essa época, foi lançado O Jovem Proletário, órgão da Juventude Comunista, que alcançou uma tiragem de mil exemplares e circularia até 1º de maio de 1928.

Com o intuito de criar uma confederação geral do trabalho, ainda em 1927 o PCB promoveu um congresso sindical, para “congregar e unificar todas as forças dispersas dos trabalhadores sem ter em conta suas diferenças ideológicas”. Foram criadas então a Federação Sindical Regional do Rio de Janeiro, que teve como primeiro-secretário o alfaiate Joaquim Barbosa, e a Federação dos Trabalhadores Gráficos do Brasil, que teve como um de seus primeiros dirigentes João da Costa Pimenta.

Contudo, a aprovação da chamada Lei Celerada, em 12 de agosto de 1927, veio pôr fim à atuação legal do PCB e provocar a suspensão do jornal A Nação. Essa lei tornava inafiançáveis os crimes definidos pelo Decreto nº 162, de 12 de dezembro de 1890, ou seja, “desviar os operários e trabalhadores dos estabelecimentos em que forem empregados, por meio de ameaças e constrangimento”, assim como “causar ou provocar cessação ou suspensão de trabalho por meio de ameaças ou violências, para impor aos operários ou patrões aumento ou diminuição de serviço ou salário”. A Lei Celerada também autorizava o governo a fechar por tempo determinado as agremiações, sindicatos, centros ou entidades que incidissem na prática de crimes ou atos contrários à ordem, moralidade e segurança públicas, e vedava a essas entidades a propaganda, impedindo a distribuição de escritos ou suspendendo os órgãos de publicidade que a ela se dedicassem. A Lei Celerada visava a atingir o PCB e o movimento operário, e de fato os atingiu.

Diante da repressão ao movimento operário e aos comunistas, a CCE do PCB, após uma análise crítica de suas posições, entendeu que o isolamento em que se encontrava o partido era devido às suas “posições sectárias”. Foi então decidido que o PCB deveria alargar as suas alianças, e uma delas seria com Luís Carlos Prestes e os demais integrantes da Coluna Prestes. Assim, em dezembro de 1927, a direção do partido enviou Astrojildo Pereira à Bolívia para entrar em contato com o comandante exilado da marcha revolucionária que havia percorrido o interior do Brasil durante dois anos (abril de 1925 - fevereiro de 1927) em protesto contra o governo de Artur Bernardes e o sistema político então vigente no país. Astrojildo foi propor a Prestes uma aliança entre “o proletariado revolucionário, sob a influência do PCB, e as massas populares, especialmente as massas camponesas, sob a influência da coluna e de seu comandante”, mas sua proposta não teve resultados positivos.

Em maio de 1928 ressurgiu A Classe Operária, semanário com uma tiragem normal de 15 mil exemplares. O jornal participou da campanha para as eleições municipais de outubro, defendendo a frente eleitoral criada pelo PCB em 1927, já então denominada Bloco Operário Camponês (BOC). Nessa legenda foram eleitos dois representantes para o Conselho Municipal do Distrito Federal, Otávio Brandão e Minervino de Oliveira.

 

O III Congresso

Entre 17 de julho e 1º de setembro de 1928, realizou-se em Moscou o VI Congresso da Internacional Comunista, ao qual compareceram como representantes brasileiros Paulo Lacerda, Leôncio Basbaum, Lago Morales e Astrojildo Pereira. Este último foi eleito um dos 58 membros da comissão executiva da Internacional, ao lado de Stalin, Bukharin, Molotov e Dmitri Manuilsky.

No congresso, foi reafirmado que a construção do socialismo na União Soviética era um fator fundamental para a revolução mundial. Assim, todos os outros movimentos revolucionários seriam considerados secundários. A ideia predominante em Moscou entre os congressistas era que o capitalismo mundial estava prestes a entrar em sua fase final. Desse modo, os partidos comunistas deveriam se preparar para a tomada do poder. Das análises sobre a situação mundial e do avanço do comunismo, o Komintern concluiu que os anos do pós-guerra se dividiam em três períodos: o primeiro, de 1919 a 1923, ter-se-ia caracterizado como uma época de tensões revolucionárias; o segundo, de 1923 a 1928, teria sido um período de estabilização do capitalismo; e o terceiro, que então se iniciava, seria marcado por lutas revolucionárias, pois as análises previam a crise econômica de 1929. As análises só não previram que essa crise não levaria ao aguçamento das lutas operárias.

O congresso da Internacional se preocupou ainda em alertar os dirigentes comunistas do mundo inteiro contra o perigo dos “desvios de direita”. Entre as resoluções aprovadas, inclusive pelos representantes do Brasil, encontrava-se a que apontava como o maior inimigo do comunismo na Alemanha a social-democracia, e não o nazismo.

Por outro lado, durante o ano de 1928, o PCB teve que enfrentar uma cisão interna. Joaquim Barbosa, alfaiate e secretário da Federação Sindical do Rio de Janeiro, ao lado de João da Costa Pimenta, divergiu da CCE quanto à orientação do partido em relação à ação sindical. Barbosa, através de uma carta aberta à direção do PCB, fez uma série de acusações em que procurava demonstrar a inabilidade do partido para alcançar a adesão e a unidade dos sindicatos. Mostrou-se contrário à utilização dos sindicatos em benefício da política do partido, assim como se manifestou contra a decisão da CCE de estabelecer contatos com os membros da Coluna Prestes visando a uma aliança política com os “tenentes”. Esse incidente permitiu que Joaquim Barbosa liderasse um grupo que ficou conhecido como Oposição Sindical. Barbosa e mais 40 integrantes do grupo abandonaram então as fileiras do PCB.

Ao mesmo tempo, mas por razões diferentes, um grupo de intelectuais também rompeu com o PCB. As divergências nesse caso se colocaram no nível da ideologia. Para Lívio Xavier, o comunismo tal como era praticado no Brasil tinha um conteúdo excessivamente nacionalista, o que se chocava com a ideia de revolução internacional. A posição de Lívio Xavier foi considerada por Astrojildo Pereira como próxima da defendida pelos comunistas franceses e simpática às opiniões de Trotsky. Além disso, sua posição foi criticada por ser vista como “um desvio pequeno-burguês”. Lívio Xavier, Aristides Lobo e Hilcar Leite deixaram o PCB, para mais tarde formar o núcleo brasileiro de trotskistas.

Estando já convocado o III Congresso do PCB para o fim de 1928, desenvolveu-se durante sua preparação uma discussão sobre as diretrizes partidárias. Foi criado pela CCE um órgão especial, denominadoAutocrítica, para circular entre os membros do partido até a realização do congresso, com o objetivo de divulgar as divergências que se manifestavam internamente.

O III Congresso do PCB teve lugar finalmente na sede da Federação Operária do Estado do Rio, em Niterói, entre os dias 29 de dezembro de 1928 e 4 de janeiro de 1929. Durante o congresso, foram discutidas teses sobre a situação política nacional baseadas nas mesmas análises já apresentadas no II Congresso sobre as revoltas de 1922 e 1924, o que serviu para a formulação da teoria da “terceira força”. Essa teoria previa uma “terceira explosão revolucionária” após os movimentos de 1922 e 1924, incluindo neste último, como desdobramento, a Coluna Prestes. Essa terceira revolução seria mais ampla e radical. Por isso, a tarefa do PCB era mobilizar as massas e se colocar à sua frente, conquistando “não só a direção da fração operária, mas a hegemonia de todo o movimento”. Ainda entre as teses defendidas, encontrava-se a que dava ênfase ao trabalho sindical e combatia o espírito corporativista e as tradições anarcossindicalistas.

 Durante o III Congresso foram aprovados os estatutos definitivos do partido e a comissão central executiva (CCE) passou a ser chamada de comitê central (CC). Foram eleitos para o CC o gráfico Mário Grazini, o operário metalúrgico José Casini, o padeiro José Caetano Machado, o médico Fernando Lacerda e Leôncio Basbaum. Astrojildo Pereira foi confirmado no cargo de secretário-geral.

 

Os estatutos

De acordo com os estatutos do PCB – que foram aprovados em 1928-1929 e sofreriam revisões em congressos posteriores –, o princípio que regulava a estrutura e o funcionamento do partido era o centralismo democrático, que significava direção centralizada com base na democracia. Todos os órgãos e cargos dirigentes do partido eram preenchidos por meio de eleições, pela votação direta dos membros ou de delegados por eles eleitos. Todos os dirigentes, de qualquer escalão, poderiam ser destituídos de seus cargos através do mesmo processo empregado para sua eleição.

As organizações do partido estruturavam-se segundo os critérios de local de trabalho ou moradia e de área territorial, de acordo com a divisão administrativa do país. De baixo para cima, essas organizações eram as seguintes: organizações de base, distritais, municipais, estaduais e territoriais. As organizações de base (OBs) concentravam a atividade principal do partido e eram constituídas, cada uma, pelos membros do partido que trabalhavam numa mesma empresa, residiam numa mesma área ou atuavam no mesmo setor profissional. Para a constituição de uma organização de base, eram necessários pelo menos três membros do partido. O órgão dirigente da OB era o secretariado, cujo número era decidido pela assembleia ou pela conferência da própria OB.

As organizações distritais, municipais e estaduais ou territoriais eram as organizações intermediárias, constituídas, respectivamente, de todas as organizações e membros do partido na área administrativa do distrito, do município e do estado ou território. A conferência distrital, municipal e estadual ou territorial era o órgão dirigente superior de cada organização e era formado por delegados eleitos pelas próprias organizações.

Os órgãos dirigentes centrais eram o congresso nacional, o comitê central (CC), a conferência, a comissão executiva e o secretariado nacional. O congresso nacional era o órgão dirigente supremo, constituído de delegados eleitos pelas conferências das organizações diretamente subordinadas à direção central. As decisões do congresso nacional eram obrigatórias para todo o partido e não podiam ser revogadas, no todo ou em parte, senão por outro congresso. O congresso nacional tinha o poder de: a) examinar a prestação de contas do CC e sobre ela decidir; b) estabelecer o programa, os estatutos e a orientação política geral do partido; e c) eleger o CC. O congresso era convocado pelo CC e deveria reunir-se ordinariamente de quatro em quatro anos. Onúmero de delegados ao congresso nacional e as normas preparatórias deste eram estabelecidas pelo CC ou pelo congresso anterior.

O CC era o órgão dirigente do partido entre um e outro congresso. O número de membros efetivos e suplentes era estabelecido pelo congresso nacional. Suas atribuições eram: a) dirigir toda a atividade partidária em cumprimento às resoluções do congresso nacional; b) examinar a prestação de contas da comissão executiva do CC e do secretariado do CC e sobre ela decidir; c) representar o partido nas relações com outros partidos e organizações; d) nomear e substituir os responsáveis pelos órgãos centrais da imprensa do partido; e) distribuir os quadros do partido; f) resolver sobre os candidatos a postos públicos eletivos federais a serem registrados na legenda do partido ou por este apoiados; g) estabelecer as normas relativas às contribuições dos membros do partido e às quotas financeiras a que estavam obrigadas as organizações partidárias; h) eleger entre seus membros a comissão nacional de controle, a comissão executiva e o secretário-geral, além de três ou mais secretários que constituiriam o secretariado do CC.

A reunião do CC era convocada pela comissão executiva. O CC deveria se reunir ordinariamente com intervalos não maiores do que seis meses. No período entre um e outro congresso nacional, o CC convocaria pelo menos uma vez a conferência do partido, para a discussão mais ampla de determinados problemas partidários. A conferência era constituída pelos membros do CC e, segundo as normas por este fixadas, de delegados eleitos por todos os comitês estaduais e territoriais. Suas resoluções só se tornariam obrigatórias para o partido depois de ratificadas pelo CC. Mas a conferência poderia substituir, entre um e outro congresso nacional, até 1/5 dos membros efetivos do CC por seus suplentes.

A comissão executiva, cujos trabalhos eram coordenados pelo secretário-geral, era o órgão dirigente do CC entre uma e outra reunião deste. O número de seus membros era determinado pelo CC. Suas atribuições principais eram: a) dirigir toda a atividade partidária com vistas à execução das resoluções do CC; e b) coordenar a atuação dos membros do CC.

O secretariado nacional era o órgão operativo do CC, atendendo ao trabalho de direção entre uma e outra reunião da comissão executiva.

A comissão nacional de controle era órgão anexo do CC, e tinha como atribuições examinar os casos de infrações graves dos dirigentes comunistas e as medidas disciplinares tomadas.

Os recursos financeiros do partido seriam constituídos pelas contribuições mensais de seus membros e simpatizantes, por donativos, rendas eventuais e pelo resultado de campanhas financeiras. A contribuição mensal mínima de cada membro seria de 0,5% de sua receita mensal.

 

Obreirismo, prestismo e Revolução de 1930

No período que se iniciou em 1929, como consequência da orientação do III Congresso, o PCB marcou sua atuação por um forte obreirismo, desenvolvendo intenso trabalho de ampliação de suas bases, principalmenteem São Paulo e no Rio de Janeiro. Segundo o relatório apresentado por Astrojildo Pereira em Moscou em 1929 sobre a situação do Brasil, verifica-se que o PCB contava com oitocentos membros, seiscentos dos quais organizados em células. Os comunistas tinham maior penetração entre metalúrgicos, gráficos da imprensa e de tipografias, operários das indústrias alimentícias e da construção civil, carpinteiros, operários das fábricas de tecidos, da indústria de couros, e marinheiros. Ainda segundo Astrojildo, o PCB era constituído de 80% de operários, 10% de profissionais e 5% de assalariados agrícolas e pequenos lavradores. A Juventude Comunista era integrada por mais de duzentos membros.

Em abril de 1929, o PCB criou a Confederação Geral do Trabalho, tendo como secretário-geral Minervino de Oliveira. Essa organização, no entanto, não chegaria a desempenhar o papel que dela esperava o partido.

Em maio de 1929, segundo Prestes, ou em junho, de acordo com Astrojildo Pereira, foram a Buenos Aires participar da I Conferência Latino-Americana dos Partidos Comunistas o secretário do PCB e chefe da delegação, Paulo Lacerda, acompanhado de Leôncio Basbaum, Mário Grazini e Danton Jobim. Nessa ocasião, Paulo Lacerda, acompanhado de Basbaum, foi ao encontro de Prestes — que já se transferira da Bolívia para a Argentina — para convidá-lo a se candidatar à presidência da República com o apoio de uma frente única formada pelo PCB e a Coluna Prestes. Aproximavam-se as eleições para a sucessão de Washington Luís, e começavam as articulações em torno das possíveis candidaturas.

Prestes pediu na ocasião que Basbaum lhe apresentasse o programa da frente única. Basbaum preparou um projeto em que pedia a nacionalização da terra e a repartição dos latifúndios, a nacionalização das empresas industriais e bancárias imperialistas, a abolição das dívidas externas, a liberdade de organização e de imprensa, o direito de greve, a legalidade para o PCB, a jornada de trabalho de oito horas, a Lei de Férias, aumento de salários e outros benefícios para os trabalhadores.

Prestes considerou o programa radical e não aceitou sua indicação como candidato à presidência. Formulou em contrapartida um programa em que pedia o voto secreto, alfabetização, justiça, liberdade de imprensa e de organização e melhorias para os operários. Prestes teria sugerido ainda a Basbaum o nome de José Joaquim Seabra, um dos mais importantes representantes da oligarquia baiana, como candidato à presidência da República (em depoimento publicado em 1982, contudo, Prestes desmentiu essa informação).

Ao voltar ao Rio, Basbaum transmitiu a seus companheiros a notícia de que o encontro com Prestes revelara não ser possível uma aliança do PCB com o líder da marcha revolucionária, por não haver coincidência de posições. Mas o partido queria preparar-se para a “terceira explosão revolucionária” e decidiu manter-se em contato com Prestes. Segundo Basbaum, teve então início o “prestismo”, quando muitos comunistas abandonaram o partido para seguir a liderança de Prestes.

Em depoimento publicado em 1982, Prestes declarou que sua decisão de recusar a candidatura à presidência sem o prévio entendimento com os “tenentes” levou Paulo Lacerda a propor-lhe que continuassem as negociações através do secretariado sul-americano da Internacional Comunista, sediado em Buenos Aires. Nessaocasião, o PCB teria organizado um comitê militar revolucionário destinado a manter contato e a traçar os planos da conspiração com os chefes da Coluna Prestes. Esse comitê militar fracassou e foi dissolvido.

Por essa época, prosseguiam no Brasil as articulações visando às eleições para a presidência da República no quadriênio 1930-1934. Na escolha dos candidatos ocorreu uma cisão entre os estado de Minas Gerais e São Paulo. Washington Luís, ao impor como candidato à sua sucessão Júlio Prestes — paulista e presidente do estado de São Paulo —, provocou a aproximação de Minas Gerais com o Rio Grande do Sul. Os dois estados firmaram um pacto para a indicação do candidato oposicionista, Getúlio Vargas, formando a Aliança Liberal. Além dos políticos de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, a Aliança Liberal incluiu a Paraíba e todas as oposições estaduais e contou com o apoio dos “tenentes” revolucionários de 1922, de 1924 e da Coluna Prestes.

Decididos a lançar um candidato próprio, os comunistas não apoiaram o candidato da Aliança Liberal. Consideravam necessário um programa que incluísse dois pontos: “O confisco sem indenização das terras dos grandes proprietários do campo, para entrega dessas terras aos camponeses pobres, e a luta feroz contra o imperialismo internacional.” O PCB identificava os candidatos da Aliança Liberal como aliados dos imperialistas e, desse modo, lançou a candidatura de Minervino de Oliveira. Realizadas as eleições em março de 1930, saiu vencedor o candidato paulista Júlio Prestes, recebendo o candidato comunista votação inexpressiva: segundo Foster Dulles, Minervino obteve no Rio de Janeiro 534 votos num total de 59.478. O PCB apresentou ainda candidatos ao Senado Federal. Foram eles Duvitiliano Ramos, gráfico e romancista, e Domingo Brás, tecelão e ex-anarquista, pelo estado do Rio, e Paulo Lacerda, advogado, e Mário Grazini, gráfico, pelo Distrito Federal. Nenhum deles foi eleito.

Alguns aliancistas protestaram contra os resultados eleitorais, que acusavam de fraudulentos. Em maio de 1930, iniciaram-se os preparativos para uma revolução armada que teve nos “tenentes” e nos jovens políticos da oligarquia seus principais organizadores. Luís Carlos Prestes foi convidado para assumir a chefia militar do movimento, ao lado de Vargas, chefe civil. Foram enviados por Osvaldo Aranha, um dos líderes revolucionários, amplos recursos financeiros para a compra de armamentos. Em manifesto publicado em 30 de maio, contudo, Prestes, que aderira recentemente ao marxismo, se declarou radicalmente contra os objetivos da Aliança Liberal e da revolução. Segundo ele, a situação do Brasil só podia ser analisada e compreendida como um simples reflexo da luta interimperialista, pela conquista de mercados na América Latina. Segundo esse manifesto, o governo que seria instalado após a “revolução agrária e anti-imperialista” cumpriria o programa de confisco, nacionalização, divisão e entrega gratuita da terra aos que trabalhavam. Também confiscaria e nacionalizaria as concessões, as vias de comunicação, os serviços públicos, as minas e os bancos, e anularia as dívidas externas. O papel da Aliança Liberal era finalmente qualificado de contrarrevolucionário.

Ao romper com seus companheiros da coluna, que articulavam a revolução, Prestes lançou um movimento de caráter comunista denominado Liga de Ação Revolucionária (LAR). A partir desse momento, os comunistas iniciaram uma campanha contra o “prestismo”, que a seu ver significava a liderança da pequena burguesia sobre o operariado. Em 2 de outubro, um dia antes da eclosão da Revolução de 1930, Prestes foi presoem Buenos Aires devido a uma entrevista concedida à United Press sobre a situação política na Argentina. Outra explicação para sua prisão teria sido a solicitação do governo brasileiro para que a Argentina o extraditasse para o Brasil. Ao ser solto, Prestes foi residir em Montevidéu. Lá, decidiu com Emídio Miranda, Silo Meireles e Aristides Lobo encerrar as atividades da LAR.

O PCB tampouco apoiou a Revolução de 1930. Em suas análises, o movimento seria feito em benefício do imperialismo inglês e, em lugar de introduzir mudanças na estrutura agrária do país, tentaria, ao contrário, “evitar a revolução das massas”. O PCB enfrentava na época sérios problemas, em consequência, principalmente, da nova orientação da comissão executiva do Komintern, reunida no início de 1930. Durante essa reunião, Dmitri Manuilsky mostrou a necessidade de os partidos comunistas organizarem o movimento revolucionário sem depender de outra classe que não a proletária. Fez referências expressas à América Latina e ao Brasil, acusando os comunistas brasileiros de colaborarem, sob o disfarce do BOC, com a Coluna Prestes, o que teria consequências desastrosas para o movimento revolucionário.

Quando da conferência do secretariado sul-americano da Internacional Comunista, realizada em Buenos Aires em abril/maio de 1930, as diretrizes de Manuilsky foram transmitidas a todos os partidos comunistas. A orientação dada foi no sentido de “proletarizar” os partidos comunistas, e Astrojildo Pereira e Otávio Brandão foram criticados por fazer concessões à pequena burguesia. O Komintern criticou severamente as resoluções do III Congresso do PCB, por admitirem a “teoria da terceira revolta” e basearem a política do partido na atuação do BOC, colocando o proletariado a reboque da burguesia. Otávio Brandão, apesar de discordar dessa nova orientação que se opunha a alianças com os não comunistas, para não ser expulso das fileiras do partido aceitou voltar atrás em suas posições e fazer uma autocrítica.

Em novembro de 1930, em reunião do CC, Astrojildo Pereira foi destituído do cargo de secretário-geral do PCB por ter sido considerado responsável pela resistência oposta à “proletarização do partido”. O Komintern desejava que a direção do PCB ficasse sob controle operário. A proletarização, na verdade muito próxima da ideologia do obreirismo, desprezava os intelectuais e dava grande importância ao comportamento e ao estilo de vida do operário. Assim, em janeiro de 1931, o intelectual de origem operária Heitor Ferreira Lima, que entre 1927 e 1930 vivera na União Soviética, fazendo cursos na Escola Leninista, foi eleito secretário-geral do PCB.

A nova direção do partido convocou imediatamente uma “marcha da fome” para protestar contra as péssimas condições de vida da população. A polícia impediu a manifestação, que deveria realizar-se no dia 17 de janeiro e foi transferida para o dia 19, e efetuou numerosas prisões, inclusive de Fernando Lacerda e Paulo Lacerda, figuras de destaque no partido.

Por outro lado, em resposta à manifestação dos comunistas, várias associações operárias realizaram uma passeata de apoio a Getúlio Vargas e a Lindolfo Collor, ministro do Trabalho, Indústria e Comércio. A criação desse ministério foi uma das primeiras medidas tomadas pelo governo revolucionário, assim como a promulgação de leis de proteção ao trabalhador urbano e de regulamentação dos sindicatos. Desse modo, associações operárias, como a dos foguistas, dos trabalhadores marítimos e dos portuários, dos empregados da companhia Light e dos ferroviários da Central do Brasil e da Leopoldina Railway uniram-se para essa manifestação favorável ao governo.

Pouco depois, em 19 de março de 1931, foi aprovada uma lei de sindicalização que determinava, entre outras medidas, que o sindicato após ser constituído deveria ser reconhecido pelo Ministério do Trabalho. Para obter reconhecimento, o sindicato deveria enviar seus estatutos para aprovação do ministério, acompanhados de uma relação de todos os associados, incluindo nome, profissão, idade, estado civil, nacionalidade, residência e local de trabalho. As assembleias gerais dos sindicatos teriam que contar com a presença de um delegado do Ministério do Trabalho, e o balanço financeiro seria submetido trimestralmente à aprovação do mesmo ministério. Somente os sindicatos reconhecidos poderiam firmar contratos de trabalho e criar e administrar caixas beneficentes, serviços hospitalares e escolas.

Essa legislação sofreu forte oposição do PCB, que desencadeou campanha contra o controle dos sindicatos pelo ministério. Por outro lado, a nova legislação permitiu o avanço dos sindicatos denominados pelos comunistas de “amarelos”, ou seja, aqueles que se submeteram às exigências da nova lei.

Ao mesmo tempo, os comunistas foram alvo de severa repressão por parte dos novos dirigentes saídos da revolução. O chefe de polícia do Distrito Federal, João Batista Luzardo, declarou, por exemplo, que contratara dois técnicos do Departamento de Polícia de Nova Iorque com o objetivo de organizar, à semelhança dos Estados Unidos, “um serviço especial de repressão ao comunismo”. A repressão levou à prisão, durante o ano de 1931, entre outros, Leôncio Basbaum e Otávio Brandão. Também em 1931, no mês de novembro, Prestes desembarcou em Moscou para trabalhar como engenheiro por indicação de comunistas uruguaios.

O auge do obreirismo no PCB ocorreu em 1932, quando Astrojildo Pereira foi afastado e muitos intelectuais foram expulsos do partido, entre eles Leôncio Basbaum, Mário Grazini, Raquel de Queirós e o próprio Heitor Ferreira Lima. Em maio desse ano, realizou-se uma reunião do CC no Rio de Janeiro, e nela o gráfico Duvitiliano Ramos foi eleito secretário-geral.

A reconstitucionalização do país foi uma das reivindicações que se colocaram logo após a Revolução de 1930 e provocaram um grande debate. Em torno desse tema, surgiram posições antagônicas entre os “tenentes”, de um lado, e facções da oligarquia que haviam participado da revolução, aliadas às facções que se haviam oposto ao movimento revolucionário, de outro. Os “tenentes” eram contrários à volta do Brasil ao regime constitucional por considerarem que a revolução ainda não alcançara seus principais objetivos. Os constitucionalistas, por sua vez, iniciaram um movimento de mobilização a fim de organizar as forças políticas em prol da convocação de uma constituinte. O movimento teve como consequência, em primeiro lugar, a eclosão da Revolução Paulista, que se prolongou de julho a setembro de 1932, e, em segundo, a convocação de eleições para a Assembleia Constituinte.

O PCB não teve nenhuma participação no movimento constitucionalista por considerá-lo uma luta entre agentes do imperialismo inglês e do imperialismo norte-americano. De acordo com as análises dos comunistas brasileiros, a Revolução Paulista teve a colaboração e ajuda de grupos ingleses que mantinham interesses econômicos em São Paulo. Entretanto, a International Press Correspondance, publicação do Komintern, analisando o mesmo acontecimento, atribuiu aos norte-americanos a ajuda e colaboração que permitiram a eclosão do movimento.

Nos primeiros anos do pós-1930, o PCB apresentava-se fraco e com pouca penetração no movimento sindical. Iniciada a reorganização partidária em todos os estados da Federação, diante da convocação das eleições constituintes para maio de 1933, o PCB não obteve registro no Tribunal Eleitoral, sob a justificativa de que era um partido internacionalista. O partido procurou lançar candidatos através da legenda já registrada da União Operária e Camponesa, mas não conseguiu eleger nenhum representante à Assembleia.

A nova legislação eleitoral previa, por outro lado, que 40 representantes classistas dos empregadores, empregados, funcionários públicos e profissionais liberais participariam da elaboração da nova Constituição. Os representantes classistas seriam escolhidos entre os membros dos sindicatos reconhecidos pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Diante disso, contrariando sua posição anterior, o PCB procurou influenciar os sindicatos para que eles cumprissem as determinações do Ministério do Trabalho e obtivessem seu reconhecimento oficial. A essa altura, porém, o partido percebeu que se encontrava isolado e que tinha diante de si uma nova ameaça, a Ação Integralista Brasileira (AIB), movimento político de tendência fascista. O surgimento da AIB colocou para o PCB a necessidade de uma ação mais eficaz para conquistar os sindicatos e a classe média. A nova tática de propaganda e expansão levou a um aumento rápido do número de adeptos do partido, principalmente entre os marítimos, motoristas, bancários e têxteis.

A volta ao regime constitucional deu-se em 1934, com a promulgação de uma nova Constituição em 16 de julho, e com a eleição, logo em seguida, de Getúlio Vargas para presidente da República. Em outubro realizaram-se eleições para a Câmara dos Deputados e para as assembleias estaduais, que deveriam eleger indiretamente em cada estado governadores e senadores.

 

Frentes populares e Revolução de 1935

Em 1934 realizou-se a I Conferência Nacional do PCB, na qual foram eleitos Antônio Maciel Bonfim (Miranda) para secretário-geral e Lauro Reginaldo Rocha (Bangu), Honório de Freitas Guimarães (Martins) e Adelino Deícola dos Santos (Tampinha) para o secretariado nacional. Também durante o ano de 1934 as campanhas contra a guerra e contra o fascismo ganharam amplitude, culminando com um violento choque no mês de outubro, em São Paulo, entre antifascistas e integralistas. Surgiram em todo o país as frentes antifascistas, que propiciaram a aproximação entre comunistas, socialistas e “tenentes” de esquerda.

Paralelamente, diante da ascensão do nazismo na Europa, teve início em Moscou, em 1934, uma série de discussões em torno da possibilidade de formação de uma frente popular internacional destinada a frear a expansão nazista. A discussão sobre a formação de frentes populares na Europa tivera início na Espanha em 1931 e prosseguiu na França, sobretudo quando se deu o pacto entre o PC francês e a seção francesa da Internacional Comunista em julho de 1934. O debate em Moscou sobre a formação de frentes populares opunha Giorgi Dmitrov e Dmitri Manuilsky, presidente do comitê executivo da Internacional Comunista. Enquanto Dmitrov defendia a extensão global das frentes populares, Manuilsky era favorável, em determinados países, à insurreição armada e à tomada do poder pelas forças populares sob a chefia dos partidos comunistas.

Em outubro ainda de 1934, realizou-se em Moscou uma reunião preparatória para o VII Congresso da Internacional Comunista. O VII Congresso deveria realizar-se em 1934, mas fora transferido para o ano seguinte e não houvera tempo para avisar os delegados da América Latina sobre a transferência de data. Como eles desembarcaram em Moscou, foi decidido que seria realizado um pré-congresso com os representantes latino-americanos. Participaram do encontro, entre outros, Dmitrov, Manuilsky, Klement Gottwald, Otto Kuusinen, Wilhelm Pieck, Vasil Koralov, Palmiro Togliatti, Ho Chi-Min, Maurice Thorez, Raymond Juyot, Van Minh e os representantes latino-americanos Antônio Maciel Bonfim, José Caetano Machado, Lauro Reginaldo da Rocha e Elias dos Santos (do Brasil), Vittorio Codovilla e Rodolfo Ghioldi (da Argentina) e Eudosio Ravines (do Peru).

Levantada a questão das frentes populares, os latino-americanos também divergiram. Luís Carlos Prestes, que fora formalmente aceito como membro do PCB em 1º de agosto de 1934, e que, vivendo em Moscou, acompanhava de perto os debates que se vinham travando em torno da nova orientação a ser dada aos partidos comunistas, mostrou-se contrário à proposta de Dmitrov, enquanto Ravines e os representantes do Chile se manifestaram favoráveis. Diante das divergências, ficou decidido que seria feita uma experiência de frente popular no Chile, onde as condições eram favoráveis, enquanto Prestes deveria preparar uma revolução no Brasil. É possível que os membros da Internacional se tenham decidido a apoiar a ideia do levante armado no Brasil por ignorarem as condições reais do país e tomarem como base os relatórios otimistas de Antônio Maciel Bonfim e outros.

Desse modo, Prestes voltou ao Brasil para acelerar os preparativos da revolta armada. A Internacional enviou para assessorá-lo o alemão Arthur Ernst Ewert, conhecido como Harry Berger, o argentino Rodolfo Ghioldi, o belga Jules Leon Vallée e o norte-americano Victor Baron. Um outro alemão, Heinz Neumann, também deveria vir como conselheiro de Prestes, e para isso recebera treinamento em um grupo especial de guerrilha urbana, mas nas vésperas da viagem foi avisado, através de Manuilsky, que não mais partiria para o Brasil, pois Iosif Piatnitski, seu protetor, perdera as funções que exercia no Komintern.

No Brasil, em janeiro de 1935 surgiram as primeiras notícias de formação da Aliança Nacional Libertadora (ANL), organização política de âmbito nacional liderada pelo PCB. Fundada oficialmente em 12 de março seguinte, a ANL constituiu-se em uma ampla frente da qual participaram socialistas, comunistas, católicos e democratas, todos unidos em torno da luta “contra o fascismo, o imperialismo, o latifúndio e as leis de opressão às liberdades democráticas”. A 26 de abril foi lançado como órgão de divulgação do movimento o jornal A Manhã, que circularia até 27 de novembro de 1935.

Também em abril de 1935, Prestes chegou ao Brasil e foi aclamado presidente de honra da ANL. Conservando-se na mais completa clandestinidade e só mantendo contatos com os chefes aliancistas por correspondência, Prestes iniciou os preparativos para a revolta armada que visava à tomada do poder e à instalação de um governo popular.

A orientação do PCB no sentido de uma maior radicalização das posições da ANL levou vários aliancistas a se afastarem do movimento. Também dentro do PCB, vozes discordantes se manifestaram em relação à luta armada. Cristiano Cordeiro era contrário a essa forma de luta por considerá-la prematura, Heitor Ferreira Lima temia que o partido se envolvesse numa quartelada, e João Batista Barreto Leite Filho, um dos dirigentes da União de Trabalhadores em Livros e Jornais, considerava que o partido cometia erros de aventureirismo, desprezando uma melhor preparação teórica na pressa de tomar o poder. Outros membros do PCB, como Febus Gikovate e os irmãos Augusto, Marino e Lídia Besouchet, apoiavam a posição de Barreto Leite Filho. Esse grupo, junto com os líderes bancários, enviou documentos ao CC comunicando sua posição contrária à política adotada para a tomada do poder. Em 26 de outubro de 1935, Barreto Leite Filho enviou carta a Prestes analisando e criticando a orientação imprimida ao PCB, atitude essa que lhe valeu a expulsão das fileiras do partido.

No mês de agosto de 1935, durante o VII Congresso — e último — da Internacional Comunista, realizado em Moscou, Fernando Lacerda apresentou um relatório sobre a situação política brasileira e a ação da ANL, indicando as possibilidades de sucesso de uma revolução popular no país. Também Caetano Machado e Antônio Maciel Bonfim haviam enviado relatórios em que mostravam que a situação interna do Brasil era propícia a uma revolta popular. Na mesma ocasião, Prestes foi eleito membro do comitê executivo da Internacional. A orientação política emanada do VII Congresso foi que os partidos comunistas deveriam formar frentes únicas com os socialistas e social-democratas, para impedir o avanço do fascismo.

A preparação da revolta armada no Brasil se intensificou após o fechamento da ANL, em 11 de julho de 1935, pelo governo federal, com base na Lei de Segurança Nacional. O PCB previa numa primeira etapa a instalação de um governo nacional revolucionário sob a chefia de Luís Carlos Prestes, e, numa segunda etapa, a organização de um governo de operários e camponeses. O movimento revolucionário se iniciaria com levantes militares em várias regiões do país e deveria contar com o apoio da massa proletária, que desencadearia greves em todo o território nacional.

A revolta armada, que ficou conhecida como Intentona Comunista, eclodiu a 23 de novembro de 1935 em Natal, e os aliancistas instalaram nessa capital o Comitê Revolucionário ou Governo Revolucionário Popular. Entretanto, as tropas do Exército e a polícia retomaram o poder das mãos dos revoltosos, no dia 27. No dia 24 de novembro, a revolta comunista eclodiu em Recife e foi imediatamente reprimida. No Rio de Janeiro, o levante irrompeu na noite de 26 para 27 no 3º Regimento de Infantaria da Praia Vermelha e na Escola de Aviação Militar do Campo dos Afonsos, ambos os movimentos imediatamente reprimidos pelas tropas do Exército, comandadas pelo general Eurico Gaspar Dutra.

A repressão aos envolvidos na revolta de novembro atingiu não só os comunistas, socialistas, trotskistas e anarquistas, como a todos os opositores do governo Vargas. A tentativa de tomada do poder pelos comunistas foi utilizada como justificativa para o fortalecimento do governo central. O medo do comunismo aglutinou em torno de Vargas forças até então contrárias, o que possibilitaria o golpe do Estado Novo.

Durante o ano de 1936, foi criada a Comissão Nacional de Repressão ao Comunismo, encarregada de investigar a participação de funcionários públicos e outras pessoas em atos e crimes contra as instituições políticas e sociais. O atestado de ideologia passou a ser exigido para todos que exercessem cargos públicos e cargos sindicais. Foi instituído o Tribunal de Segurança Nacional para julgar os implicados na Revolta de 1935.

Apesar do grande número de prisões que atingiram os dirigentes da revolta, como Luís Carlos Prestes, Arthur Ernst Ewert, Victor Baron, Jules Vallée e Antônio Maciel Bonfim, a estrutura organizacional do PCB manteve-se praticamente intacta, e o partido continuou a atuar na clandestinidade. O CC foi transferido para Salvador, juntamente com o jornal A Classe Operária. Os comitês estaduais começaram a se reorganizar pouco a pouco.

O novo secretário-geral escolhido para substituir Bonfim foi Lauro Reginaldo da Rocha, o Bangu, professor primário no Rio Grande do Norte. O secretariado nacional, em 1936, passou a ser integrado ainda por Honório de Freitas Guimarães (Martins), Deícola dos Santos (Tampinha), Francisco Leira (Cabeção), José Cavalcanti (Gaguinho) e Eduardo Ribeiro Xavier (Abóbora).

Em 1937, quando já era intensa a campanha eleitoral para a presidência da República, ocorreu dentro do PCB uma nova cisão, determinada pelas divergências entre o secretário-geral e o comitê regional de São Paulo. Bangu defendia o apoio do partido a José Américo de Almeida, candidato situacionista que enfrentava Armando de Sales Oliveira, candidato das oposições a Vargas. O comitê regional de São Paulo, dirigido por Hermínio Sacheta, não aceitou a orientação de Bangu e, segundo Leôncio Basbaum, apoiou a candidatura de Armando Sales. Esse grupo, segundo outras fontes, entre as quais Ronald Chilcote, teria lançado simbolicamente a candidatura de Luís Carlos Prestes.

Na reunião da direção nacional realizada em agosto de 1937, Sacheta conseguiu inicialmente apoio da maioria contra Bangu e formou um comitê central provisório que destituiu o secretário-geral. A situação, entretanto, inverteu-se logo em seguida, conseguindo Bangu o apoio dos representantes do Paraná, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e de alguns comitês regionais do Nordeste, o que lhe permitiu retomar seu cargo e controlar a situação. Mas as divergências se agravaram, e a Internacional Comunista resolveu intervir, dando apoio à facção de Bangu. Sacheta, juntamente com Issa Maluf, Heitor Ferreira Lima, Tito Batini, Alberto da Rocha Barros, Hílio Manna de Lacerda e outros, abandonou o partido e aderiu ao trotskismo.

As eleições, entretanto, não se realizaram, pois, por meio de um golpe de Estado, o presidente Getúlio Vargas instituiu a ditadura do Estado Novo em 10 de novembro de 1937.

 

No Estado Novo

A outorga da Constituição de 1937 e as medidas que se seguiram, como o fechamento do Congresso Nacional, a extinção de todos os partidos políticos, a instituição rigorosa da censura e as perseguições políticas, intensificaram o cerco em torno dos comunistas e principalmente de seus dirigentes.

Em 1940, todos os membros do CC — incluindo Bangu, Eduardo Ribeiro Xavier e Joaquim Câmara Ferreira — foram presos, o mesmo acontecendo com praticamente todos os dirigentes regionais. Em 1941, o PCB se encontrava totalmente desarticulado, com toda a sua liderança e direção na prisão. Também nesse ano, a União Soviética foi invadida pelos alemães e a Internacional Comunista, cortada de todo contato com os partidos comunistas nacionais, perdeu sua força e deixou de ter um papel significativo.

A desarticulação do CC permitiu por outro lado a descentralização organizatória e a formação de comitês regionais com linhas de atuação independentes. Em fins de 1941 e início de 1942, pequenos grupos de comunistas, isolados em vários estados do país, iniciaram as primeiras tentativas de rearticulação do PCB. Esses grupos se localizavam em São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Deles, o mais bem organizado era o grupo da Bahia, que, com Diógenes Arruda Câmara, tentou estabelecer contato com os paulistas, mas sem resultado. Arruda tentou então contatos com o grupo do Rio de Janeiro, que havia formado a Comissão Nacional de Organização Provisória (CNOP), dirigida por Amarílio Vasconcelos e Maurício Grabois e ligada a Luís Carlos Prestes. O grupo baiano aceitava a liderança de Prestes, o que não ocorria com os paulistas.

A partir do fim de 1942 — tendo já o Brasil declarado guerra aos países do Eixo —, o PCB voltou a atuar de forma mais organizada, iniciando a publicação de revistas como SeivaLeitura Continental, esta última porta-voz da CNOP, e participando da revista Diretrizes, de Samuel Wainer. A Editorial Calvino publicou vários livros de conteúdo marxista, o que significava que a repressão aos grupos de contestação ao Estado Novo começava a se afrouxar.

Em maio de 1943, a Internacional Comunista foi dissolvida como uma concessão de Josef Stalin aos Aliados, principalmente os norte-americanos.

Também em 1943 a institucionalização do regime no Brasil tornou-se uma preocupação para os membros do governo, pois, segundo a Constituição de 1937, o mandato de Vargas terminava e deveria ser convocado um plebiscito. Por outro lado, as vitórias dos Aliados e a derrota provável dos nazifascistas vinham reforçar internamente as posições em favor de uma redemocratização do país. Vargas respondeu a essas pressões com o lançamento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a campanha de sindicalização em massa. Isso provavelmente significava que Vargas preparava o caminho para utilizar a massa trabalhadora no momento da reabertura política. Entretanto, ao ser detonada, em fevereiro de 1945, a abertura se faria através da cúpula política, e só alguns meses mais tarde é que a massa trabalhadora seria utilizada no movimento “queremista”.

Dentro desse quadro, ainda em 1943 apareceram mais claramente as dissensões no interior do PCB. Levantada a bandeira da união nacional em função do conflito mundial, formaram-se três correntes dentro do partido. A primeira delas, liderada pelo comitê de São Paulo, tendo à frente Caio Prado Júnior e outros intelectuais como Mário Schemberg, Vítor Konder, Zacarias de Sá Carvalho e Davi Lerner, formou o comitê de ação, que defendia uma posição de luta contra o fascismo tanto externo como interno. A segunda corrente, liderada por Fernando Lacerda e pelos irmãos Paulo e Pedro Mota Lima, defendia a união nacional com o apoio ao governo Vargas e a extinção do PCB. A terceira posição, por fim, era a da CNOP, que defendia a união nacional como um esforço de guerra e como tal apoiava Vargas, mas sem a dissolução do PCB. O argumento dessa posição era que, se o Brasil se colocava ao lado dos que lutavam contra os países do Eixo, estava lutando ao lado da URSS.

Esta última posição foi defendida e aprovada na II Conferência Nacional do partido, conhecida como Conferência da Mantiqueira, realizada entre 28 e 30 de agosto de 1943, no município fluminense de Engenheiro Passos. Participaram do encontro Ivan Ramos Ribeiro, Diógenes Arruda Câmara, Pedro Ventura Pomar, Amarílio de Vasconcelos, Francisco Gomes, João Amazonas de Sousa Pedroso, Maurício Grabois, Agostinho Dias de Oliveira, Mário Alves de Sousa Vieira, Dinarco Reis, José Medina, Armênio Guedes e Álvaro Ventura.

As principais resoluções da Conferência da Mantiqueira, além da adesão à linha política de união nacional em torno do governo, com apoio incondicional a Vargas, foram no sentido do fortalecimento ideológico, contra as tendências de liquidação do PCB, e da adoção de uma política de legalidade com a perspectiva de formação de um grande partido comunista ligado às massas. Decidiu-se concentrar esforços principalmente em favor da participação do Brasil na guerra contra a Alemanha. Para a CNOP, a guerra tinha um caráter de libertação dos povos nacionalmente oprimidos pelo nazismo e de preservação da liberdade contra a ameaça de dominação fascista. O documento apresentado pela CNOP dizia também que o governo Vargas não era de tipo fascista, existindo dentro dele reacionários, mas também elementos que lutavam pela democratização. As resoluções da conferência iriam servir de linha condutora das posições do PCB no período de 1945-1947.

Também durante a Conferência da Mantiqueira Luís Carlos Prestes foi eleito secretário-geral do partido, mas, como se encontrava preso, foi substituído temporariamente pelo operário José Medina e, depois, pelo ex-deputado classista de 1934 Álvaro Ventura. A conferência revelou, por outro lado, a ascensão de um novo grupo na direção do PCB, com a promoção de Diógenes Arruda Câmara, um dos chefes que tinham o maior controle sobre a máquina partidária. Surgiram, nessa época, ocupando postos de direção, João Amazonas, José Maria Crispim, Maurício Grabois, Carlos Marighella e Pedro Pomar. Esse grupo deteria o controle do partido até a segunda metade da década de 1950, enquanto Prestes manteria a posição de secretário-geral até 1980.

 

A legalidade em 1945-1947

Ao se iniciar o ano de 1945, a rigorosa censura governamental exercida pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) já não podia conter a onda de protestos que se intensificava contra o Estado Novo. A 26 de janeiro, o I Congresso Brasileiro de Escritores, realizado no Rio de Janeiro, pediu a “completa liberdade de expressão” e exigiu um governo eleito por “sufrágio universal, direto e secreto”. José Américo de Almeida, em entrevista ao Correio da Manhã publicada no dia 22 de fevereiro de 1945, exigiu a realização de eleições e o retorno às liberdades democráticas. Em 28 de fevereiro, poucos dias após a publicação da entrevista, Vargas promulgou o Ato Adicional em que, por meio de emenda à Constituição de 1937, anunciava a realização de eleições para a presidência da República, a Assembleia Nacional Constituinte, os governos e assembleias legislativas estaduais. Ainda em fevereiro foi lançada a candidatura de Eduardo Gomes à presidência da República pelos opositores do regime estadonovista, e em março foi lançado o nome do ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, apoiado pelas forças favoráveis a Getúlio Vargas. Em 18 de abril, foi concedida a anistia a todos os presos políticos, o que devolveu a liberdade a um grande número de comunistas, entre eles Luís Carlos Prestes. Em 28 de maio, com o Decreto-Lei nº 7.586, as eleições presidenciais e constituintes foram marcadas para 2 de dezembro daquele ano.

A orientação política adotada pelo PCB durante esse período não foi muito diferente daquela predominante durante quase toda a sua existência. Com exceção de curtos períodos, a formação de frentes únicas dominou sua linha política, principalmente após o ingresso de Prestes em suas fileiras. Do mesmo modo, o nacionalismo permeou de forma mais ou menos acentuada, dependendo do período, toda a sua atuação. A linha política que prevaleceu nos dois primeiros anos após o conflito mundial foi também ditada pela União Soviética, que preconizava a convivência pacífica com os Estados Unidos e demais países capitalistas.

Assim é que, para o PCB, em 1945, as contradições fundamentais que existiam na sociedade brasileira não eram de caráter econômico, e sim político. As contradições que se localizavam no núcleo do sistema capitalista vinham de passar pela sua forma política mais extrema, a guerra mundial. Nesse período, os comunistas brasileiros também sofreram influência das ideias do norte-americano Earl Browder, que considerava que lutar pela democracia deveria ser o objetivo principal capaz de unir todas as forças políticas. Earl Browder defendia a colaboração de classes e o caminho pacífico para o socialismo, a tal ponto que dissolveu o PC norte-americano ao fim da guerra.

Prestes afirmava que a única alternativa para o Brasil naquele momento era lutar pela democracia dentro do regime capitalista, pois não existiam condições objetivas para uma revolução socialista. A participação do capital estrangeiro no desenvolvimento dos países mais atrasados era vista como um fator de progresso e prosperidade. De acordo com a posição da União Soviética, a derrota do nazismo havia “quebrado os dentes do imperialismo”. Prestes atribuía ao Parlamento democrático a competência para legislar contra o capital estrangeiro mais reacionário e contra os contratos lesivos ao interesse nacional.

As palavras de ordem do PCB nessa fase eram união nacional, paz e tranquilidade para acabar com os resquícios do fascismo e tirar o povo da miséria. A união do proletariado com a burguesia progressista era fundamental para a realização desses objetivos. A reforma agrária era entendida como uma revolução técnica, pois naquela fase do desenvolvimento brasileiro não era possível a luta pela coletivização da terra. Naquele momento, dever-se-ia empreender a luta contra o feudalismo e distribuir aos camponeses as terras que se localizavam próximo dos grandes centros. Quanto à política sindical, o PCB defendia a liberdade de organização, eleições livres das diretorias, posse dos eleitos independentemente da homologação oficial, estatutos não padronizados e simplificação da contabilidade sindical. Essas reivindicações, segundo os comunistas, não implicavam uma luta contra o Ministério do Trabalho.

Em abril de 1945, o PCB criou o Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), organização de âmbito nacional que pretendia fazer frente à organização corporativista oficial. Fundado sob a liderança de João Amazonas, com a participação de trezentos dirigentes sindicais oriundos de 13 estados, o movimento visava a agrupar e coordenar os diversos dirigentes e estimular a sindicalização em geral, tendo em vista o fortalecimento da unidade operária. No Congresso Sindical dos Trabalhadores do Brasil, realizado em setembro de 1946, os comunistas substituiriam o MUT pela Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil. Estas foram as medidas práticas tomadas para enfrentar a política sindical do Ministério do Trabalho. Por outro lado, o PCB nessa fase mostrou-se contrário às greves, para não prejudicar o projeto mais amplo de união nacional. As greves só deveriam ser aceitas, de acordo com Prestes, após terem sido esgotados todos os meios pacíficos de negociação, e quando os empregadores se mostrassem intransigentes diante das reivindicações mínimas dos trabalhadores.

O movimento estudantil conheceu também, nessa fase, uma grande influência do PCB. A luta pela entrada do Brasil na guerra ao lado dos países Aliados, liderada pela União Nacional dos Estudantes (UNE), já tivera uma grande participação dos comunistas. Sob a bandeira do antifascismo, o PCB reuniu grande parte da juventude universitária, passando assim a exercer o controle sobre a UNE e as demais entidades estudantis.

Ainda em maio de 1945, surgiram as primeiras manifestações do movimento “queremista”, cujo lema era “Queremos Getúlio” ou “Constituinte com Getúlio”, e cujo objetivo era manter Vargas no poder, com a realização das eleições para a Constituinte e o adiamento das eleições presidenciais, ou, no caso de ser mantida a data do pleito, com o lançamento da candidatura de Vargas. Os comunistas, com sua linha política de união nacional, apoiaram Vargas até sua queda, defendendo inclusive o adiamento das eleições para a presidência. O movimento militar que derrubou Vargas em 29 de outubro de 1945 não contou com o apoio do PCB, mas o partido apoiou em seguida o governo de José Linhares e manteve-se em sua política de conciliação.

Nos termos do decreto-lei de maio de 1945, em setembro o PCB requereu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o seu registro, que lhe foi concedido provisoriamente por decisão de 27 de outubro, e definitivamente por decisão de 10 de novembro. Desse modo, o partido voltava a atuar na legalidade, após 18 anos de atuação clandestina. Essa nova condição atraiu para suas fileiras um grande número de escritores, jornalistas e professores universitários. Entretanto, nenhum deles atingiu postos de direção, sendo-lhes atribuídas apenas tarefas secundárias dentro do partido. Muitos iriam concorrer na legenda do PCB às eleições de 1945 e 1947, como os escritores Jorge Amado, Graciliano Ramos e Álvaro Moreira, o historiador Caio Prado Júnior, o pintor Cândido Portinari, o físico Mário Schemberg e o jornalista Aparício Torelli.

Decidido a apresentar candidato próprio à presidência da República, o partido lançou a candidatura de Iedo Fiúza, que fora prefeito da cidade de Petrópolis (RJ) e não era filiado a seus quadros, corroborando assim a tese da união nacional. Fiúza obteve, nas eleições de 2 de dezembro, 569 mil votos, ou seja, 10% do total, contra 55% do candidato apoiado por Vargas, o general Eurico Dutra, e 35% do candidato da oposição, o brigadeiro Eduardo Gomes. Essa candidatura própria repercutiu mal dentro do partido, pois havia um grupo que era favorável a Eduardo Gomes. Prestes chegou a discutir com Gomes o apoio à sua candidatura, mas no final não houve um bom entendimento. Como consequência do apoio a Fiúza, Silo Meireles, amigo de longa data de Prestes, com quem fundara a LAR e trabalhara na ANL, além de participar da Revolta Comunista de 1935 no Nordeste, abandonou o partido e apoiou Eduardo Gomes.

A opção política de aliança com Vargas mostrou-se afinal produtiva, se se levar em consideração que o PCB entrou no Estado Novo totalmente desorganizado, esfacelado e com muito pouca penetração no movimento operário. Nas eleições para a Constituinte, o partido conseguiu o apoio de 9,7% do eleitorado e elegeu 14 deputados e um senador, Luís Carlos Prestes. O mais votado no então Distrito Federal, Prestes obteve 157.397 votos num total de 496 mil. Os deputados eleitos foram: por Pernambuco, Gregório Lourenço Bezerra, Alcedo de Morais Coutinho e Agostinho Dias de Oliveira; pela Bahia, Carlos Marighella; pelo Rio de Janeiro, Claudino José da Silva e Alcides Rodrigues Sabença; pelo Distrito Federal, Joaquim Batista Neto, João Amazonas de Sousa Pedroso e Maurício Grabois; por São Paulo, José Maria Crispim, Osvaldo Pacheco da Silva, Jorge Amado e Mário Scott; e pelo Rio Grande do Sul, Abílio Fernandes.

A bancada comunista na Constituinte, cujos trabalhos se iniciaram em fevereiro de 1946, se distribuiu pelos órgãos técnicos, nos quais teve atuação destacada. Atuou, por exemplo, na Comissão de Investigação Econômica e Social, na qual o deputado Alcedo Coutinho foi relator de um projeto sobre o problema sanitário do Brasil. Esse estudo teve grande repercussão na imprensa, sendo considerado um dos mais completos até então realizados sobre o assunto por jornais como O Globo e O Radical. Outro assunto que contou com a participação da bancada comunista foi a questão da distribuição de rendas aos municípios. Também a educação recebeu estudos e contribuições, principalmente do escritor Jorge Amado.

Durante seu período de atuação legal, o PCB dispôs de uma vasta rede de órgãos de divulgação, entre jornais, revistas, editoras e entidades culturais. Em 1946, o partido possuía oito jornais diários, alguns semanários e duas editoras. A Editorial Vitória tornou-se a editora oficial do partido em 1946, embora se tivesse lançado no mercado ainda durante o Estado Novo, em 1944. Desde 1945, havia sido fundada também a Edições Horizonte e haviam começado a surgir novos jornais diários: a Tribuna Popular (maio de 1945) no Rio de Janeiro, seguida deHoje, de São Paulo, Momento, da Bahia, Folha do Povo, de Recife, Estado de Goiás, de Uberlândia (MG), O Democrata, de Fortaleza, e a Tribuna Gaúcha, de Porto Alegre. Como órgão oficial máximo do partido, reapareceu A Classe Operária.

A fase de atuação legal propiciou um aumento rápido no número de inscritos no partido. A adesão ao PCB estava ligada, em parte, ao prestígio de Luís Carlos Prestes, e em parte, ao prestígio da URSS, que tivera um papel fundamental na derrubada do nazifascismo. Segundo algumas estimativas, o PCB, no início da fase de redemocratização, em 1945, contava entre dois e cinco mil membros, e em 1946, de acordo com Leôncio Basbaum, atingiu 180 mil membros inscritos.

Entretanto, o PCB sofria restrições, mesmo defendendo uma política de união nacional. Já na ocasião em que encaminhara seu pedido de registro em 1945, haviam sido levantadas dúvidas quanto ao caráter democrático de seu programa. Nessa ocasião, os comunistas convenceram os magistrados do TSE de que seu programa visava a modificações na sociedade brasileira, mas dentro do sistema capitalista, longe de qualquer tipo de ditadura.

Em março de 1946, surgiu a primeira denúncia contra o PCB, quando Prestes, respondendo a uma pergunta de jornalistas do Jornal do Comércio e da Tribuna Popular, sobre de que lado ficaria no caso de uma guerra entre o Brasil e a União Soviética, declarou que, no caso de uma guerra imperialista, apoiaria a União Soviética. No dia 23 de março, o advogado Honorato Himalaia Virgulino, que fora procurador do Tribunal de Segurança Nacional em 1935 e denunciara os líderes da Revolta Comunista, encaminhou ao TSE um pedido de cancelamento do registro do PCB, tendo em vista as declarações de Prestes.

Na sessão de 26 de março de 1946 da Assembleia Nacional Constituinte, a questão voltou a ser colocada por diversos parlamentares a Prestes, que não declarou explicitamente que ficaria ao lado do Brasil. Pouco tempo depois foi apresentada denúncia contra o PCB, pelo deputado do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Edmundo Barreto Pinto. A denúncia se baseava no fato de ser o PCB um partido internacional comandado por Moscou, insuflador da luta de classes, antidemocrático e que apoiaria a União Soviética no caso de uma guerra entre esta e o Brasil. As denúncias foram encaminhadas ao TSE, que mandou ouvir o PCB. Apresentada sua defesa e ouvido o Ministério Público, o procurador-geral da República, Temístocles Brandão Cavalcanti, mandou arquivar o processo. Entretanto, no plenário do TSE, por três votos contra dois, o processo não foi arquivado e foi ordenada a instauração de sindicância.

Paralelamente, em 8 de julho de 1946, foi instalada a III Conferência Nacional do PCB. As posições assumidas reafirmaram a defesa das conquistas democráticas de 1945 e o apoio aos atos democráticos do governo. Defendeu-se a luta contra os resquícios de fascismo ainda existentes no governo, a busca da união nacional, o aumento dos salários e a revogação de leis antidemocráticas. Na luta pela união nacional, foi recomendado que os comunistas desenvolvessem esforços pela paz, por uma atitude democrática do Brasil na Organização das Nações Unidas (ONU), pelo rompimento com o governo espanhol dirigido por Francisco Franco, pela aproximação com a URSS e as nações democráticas e contra as guerras imperialistas. Durante a conferência, Luís Carlos Prestes mostrou a necessidade de organização e mobilização das massas para garantir os objetivos propostos. Seria importante, a seu ver, transformar os débeis sindicatos em organizações livres e soberanas, ampliar a sindicalização em massa e lutar pela liberdade e a unidade sindical. Prestes referiu-se também à situação das massas rurais, afirmando que era necessário dar aos camponeses a posse da terra, melhores condições de trabalho e melhores contratos de arrendamento.

Ainda durante a III Conferência Nacional do PCB, foi ampliada a direção nacional do partido. Como membros efetivos do CC foram eleitos Luís Carlos Prestes, Diógenes Arruda Câmara, Pedro Pomar, Jorge Herlein, Agostinho Dias Oliveira, João Amazonas, Maurício Grabois, Francisco Gomes, Lindolfo Hill, Domingos Marques, José Francisco de Oliveira, Celso Cabral, Mílton Caires de Brito, Carlos Marighella, Amarílio Vasconcelos, José Maria Crispim, Lourival Vilar, Pedro de Carvalho Braga, Sérgio Holmos, Mautílio Muraro, Giocondo Alves Dias, José Martins, João Massena, Davi Capistrano, Estocel de Morais, João Sanches Segura e Mousa Walchencker. Como suplentes foram eleitos Fernando Lacerda, Armênio Guedes, Abílio Fernandes, Claudino José da Silva, Álvaro Ventura, Manuel Jover Teles, Carlos Cavalcanti, Clóvis de Oliveira Neto, Hermes Caires, Astrojildo Pereira, Osvaldo Pacheco, Orestes Timbaúva, Valkírio de Freitas e José Marinho Vasconcelos. Como tesoureiro foi indicado Mílton Caires de Brito, que foi substituído em dezembro de 1946 por Otávio Brandão. A comissão executiva passou a ser integrada por Luís Carlos Prestes, Diógenes de Arruda Câmara, Jorge Herlein (que deixou o cargo em dezembro de 1946), Pedro Pomar, João Amazonas, Francisco Gomes, Agostinho Dias de Oliveira, Maurício Grabois e Mílton Caires de Brito. O secretariado nacional ficou assim constituído: secretário-geral, Luís Carlos Prestes; secretário de organização, Diógenes de Arruda Câmara; secretário sindical, Jorge Herlein; e secretário de agitação e propaganda, Pedro Pomar.

Em setembro de 1946, mês em que foi promulgada a Constituição, foi também encerrada a sindicância sobre o PCB, aparecendo no relatório do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do antigo Distrito Federal a afirmação de que haviam sido encontrados dois estatutos do partido: o que estava registrado oficialmente e outro intitulado “Projeto de reforma”. Nesse momento, já se encontrava à frente do processo o subprocurador-geral da República, Alceu Barbedo, pois o procurador Temístocles Cavalcanti se considerou impedido, já que fora derrotado no seu pedido de arquivamento do processo.

Nas eleições suplementares de janeiro de 1947, Abel Chermont foi eleito suplente de Prestes no Senado Federal. Pedro Pomar e Diógenes Arruda Câmara foram eleitos deputados federais por São Paulo na legenda do Partido Social Progressista (PSP), e Roberto Morena foi eleito deputado federal pelo Distrito Federal na legenda do Partido Rural Trabalhista (PRT). O PCB elegeu 18 vereadores no Distrito Federal, num total de 50 — tornando-se com isso o partido majoritário na Câmara — e 46 deputados nas assembleias legislativas estaduais. Seu eleitorado concentrava-se nas zonas urbanas do Distrito Federal e dos estados de Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.

Em reunião do dia 7 de maio de 1947, o TSE julgou procedentes as acusações contra o PCB por três votos contra dois, cancelando assim o seu registro. Alceu Barbedo argumentou que, além da irregularidade dos estatutos, o PCB era um partido estrangeiro, apresentando como prova o seu nome: não era um Partido Comunista Brasileiro e sim um Partido Comunista do Brasil. Em 10 de maio, o ministro da Justiça, Benedito Costa Neto, determinou o encerramento das atividades do PCB. Desencadeou-se então a repressão sobre os núcleos comunistas. A polícia do Rio de Janeiro fechou cerca de seiscentas células do partido. Em São Paulo, foram fechados em torno de 360 células, 22 núcleos distritais e 102 comitês. Em Porto Alegre, 123 células tiveram suas atividades encerradas pela polícia.

Também por essa época começou a se alterar o quadro internacional. Os Estados Unidos foram abandonando gradativamente a política desenvolvida por Franklin Roosevelt, de cooperação com a União Soviética, alegando como justificativas para essa mudança o avanço soviético na Europa central, o que para os países ocidentais significava uma ameaça militar, e também o papel que desempenhava a União Soviética, de incentivadora de revoluções. Foi então formulada a doutrina da contenção do avanço soviético. Por outro lado, os Estados Unidos começaram a promover programas de ajuda econômica e militar aos governos ameaçados por revoluções socialistas. O Plano Marshall, por exemplo, teve essa finalidade.

A União Soviética, por seu lado, se apressava em apoiar e proteger as revoluções socialistas vitoriosas, o que vinha confirmar as suspeitas de que incentivava a revolução mundial. A Europa oriental foi considerada sua área de influência, e os soviéticos passaram a exercer um controle rígido sobre a região, impedindo qualquer tipo de ajuda dos países ocidentais.

Em 1947, foi organizado o Bureau de Informação dos Partidos Comunistas (Kominform), organismo que veio a ter funções semelhantes às da antiga Internacional Comunista, atuando como uma espécie de centro dirigente do movimento comunista internacional. O informe de Andrei Jdanov apresentado em setembro de 1947, quando da instalação do Kominform, acusava os Estados Unidos de desenvolverem uma política expansionista, imperialista e antidemocrática. Afirmava que o capitalismo se encontrava à beira de uma crise econômica, o que levaria os Estados Unidos inevitavelmente a uma guerra. Caberia às forças democráticas se unirem em todo o mundo para lutar pela paz, pela independência e pela soberania nacional.

Na verdade, a luta entre os dois sistemas, capitalismo e socialismo, determinava uma verdadeira guerra de propaganda ideológica de parte a parte, e uma corrida armamentista. A luta entre os dois sistemas políticos exigia que as demais nações do mundo se alinhassem de um ou de outro lado, o que permitiria a ampliação da área de influência dos países hegemônicos, Estados Unidos e União Soviética. Esse período histórico, que se iniciou em torno de 1947 e que iria até a década de 1960, foi chamado de “guerra fria”.

À medida que se dava a mudança da política de cooperação para a da “guerra fria”, o Brasil se alinhava ao lado dos Estados Unidos, enquanto o PCB se colocava ao lado da União Soviética. Pouco a pouco, o governo brasileiro foi tomando medidas para cercear a atuação dos comunistas, e estes, em resposta, foram radicalizando suas posições, inicialmente contra o capital estrangeiro e o imperialismo, e mais tarde contra o governo Dutra.

Apesar do cancelamento de seu registro, o PCB conseguiu manter seus órgãos de divulgação, porque uma parte de seus jornais e revistas não se apresentavam como seus órgãos oficiais. No Rio de Janeiro, aTribuna Popular foi substituída pela Imprensa Popular, e em São Paulo, o diário Hoje deu lugar a Notícias de Hoje. A revista Problemas, que apareceu em 1947 como órgão teórico do CC, continuou a ser editada.

Ainda em 1947, a bancada comunista na Câmara, tendo à frente o deputado Carlos Marighella, manteve-se atuante e apresentou dois projetos referentes à exploração de petróleo. O primeiro, de 7 de junho de 1947, dispunha sobre o regime legal das jazidas, isto é, vinha a ser um substitutivo para o Código de Minas. Em seu artigo 4º, o projeto dizia que “o direito de pesquisar e lavrar petróleo e gases naturais só [poderia] ser outorgado a brasileiros, pessoas físicas ou jurídicas, constituídas estas de sócios ou acionistas brasileiros”.

O segundo projeto, de 25 de julho de 1947, dispunha sobre a criação do Instituto Nacional do Petróleo, que, segundo a justificativa apresentada, seria uma autarquia que viria a substituir o Conselho Nacional do Petróleo, visto que este não tinha condições de atingir seus objetivos. O instituto teria âmbito de atuação muito maior do que o conselho, e uma de suas mais importantes atribuições consistiria em promover a constituição de sociedades de economia mista com pessoas físicas ou jurídicas brasileiras, que deteriam 51% das ações e desenvolveriam atividades relacionadas com o abastecimento nacional do petróleo. O projeto procurava resguardar o controle acionário das empresas para os nacionais e evitar qualquer participação dos trustes e monopólios na constituição de seu capital e de sua direção.

Esses dois projetos seriam considerados mal-formulados mais tarde, pelos próprios comunistas, com uma redação pouco precisa em algumas passagens permitindo a entrada sub-reptícia de interesses externos no setor do petróleo. O PCB não aceitou inicialmente a tese do monopólio estatal do petróleo, defendida pelo general Júlio Caetano Horta Barbosa, por Artur Bernardes, por Fernando Luís Lobo Carneiro e pela corrente nacionalista. Os comunistas aceitavam a participação de capitais privados nacionais.

A 7 de janeiro de 1948, 169 deputados votaram nominalmente a favor da cassação do mandato dos parlamentares comunistas, e 74 votaram contra. Todos os deputados e vereadores — além do senador Prestes — eleitos na legenda do PCB perderam seus mandatos, restando apenas dois comunistas no Congresso, Diógenes Arruda e Pedro Pomar, eleitos em São Paulo na legenda do PSP.

O Ministério do Trabalho interveio em 143 sindicatos considerados sob controle comunista, e a Confederação dos Trabalhadores do Brasil (CTB), órgão criado e controlado pelo PCB, foi fechada. Ainda em janeiro de 1948, o partido lançou um manifesto rompendo com o governo, com o qual procurara colaborar por meio de sua política de “ordem e tranquilidade”. O documento denunciava os atos inconstitucionais de Dutra, pedia sua renúncia e declarava a franca oposição do PCB ao governo.

 

O Manifesto de agosto de 1950

Ao passar a atuar na ilegalidade, as análises políticas do PCB sobre a situação interna brasileira passaram a caracterizar o governo Dutra como “fascista sanguinário”. Na interpretação de Prestes, os comunistas deveriam preparar a luta revolucionária de massas. A nova orientação, anunciada no manifesto de janeiro de 1948, foi ratificada em maio de 1949 em reunião do CC e desenvolvida no Manifesto de agosto, como ficou conhecido um documento assinado por Prestes em agosto de 1950.

Nesse manifesto, o PCB defendia o confisco e a nacionalização de todos os bancos, empresas industriais, de serviços públicos, de transportes e de energia elétrica, minas, plantações etc. “pertencentes ao imperialismo”. Propunha o confisco das grandes propriedades latifundiárias, sem indenização, e a entrega das terras aos camponeses. Propunha-se também defender os seguintes pontos: 1) um governo democrático e popular; 2) a paz; 3) a imediata libertação do Brasil do jugo imperialista; 4) a entrega da terra a quem trabalha; 5) o desenvolvimento independente da economia nacional; 6) liberdades democráticas para o povo; 7) a imediata melhoria das condições de vida das massas trabalhadoras; 8) instrução e cultura para o povo; e 9) um exército popular de libertação nacional.

O novo programa do partido rompia com a política de união nacional e atribuía ao capital estrangeiro e ao latifúndio o papel de grandes obstáculos ao desenvolvimento brasileiro. O partido propunha a formação de uma frente democrática de libertação nacional que deveria levar a luta das massas até formas “mais altas e vigorosas, inclusive choques violentos com as forças da reação, e combates parciais que nos levarão à luta vitoriosa pelo poder e à libertação nacional”.

Nas eleições presidenciais de 1950, os comunistas foram aconselhados a votar em branco, pois, segundo Prestes, todos os candidatos eram reacionários. Alguns comunistas se candidataram à Câmara dos Deputados por outros partidos. Em São Paulo, por exemplo, eles se apresentaram sob a legenda do Partido Social Trabalhista (PST), na qual Roberto Morena foi eleito deputado federal.

O governo Vargas, iniciado em janeiro de 1951, sofreu forte oposição dos comunistas, que o acusavam de ser o principal “agente do imperialismo”. O PCB atuou em várias campanhas, como o Movimento Nacional pela Proibição das Armas Atômicas, e, junto com os grupos nacionalistas, liderou a campanha “O petróleo é nosso”. Participou também da campanha contra o Acordo Militar Brasil-Estados Unidos, assinado em 1952, e da campanha contra a participação do Brasil na Guerra da Coreia, quando promoveu o Congresso Continental da Paz.

Entretanto, o programa de 1950 acabou por se distanciar da ação do partido. Assim é que um documento sobre o trabalho sindical elaborado por Hércules Correia e Roberto Morena, e aprovado pelo CC em 1952, afastou-se bastante do Manifesto de agosto. As greves de 1953, a participação (aprovada no CC em dezembro de 1953) nas eleições de outubro de 1954 — quando Antônio Bruzzi de Mendonça foi eleito deputado federal pelo então Distrito Federal na legenda do PRT —, a campanha pelo monopólio estatal do petróleo e a decisão de apoiar as candidaturas de Juscelino Kubitschek e João Goulart nas eleições de outubro de 1955 são exemplos de uma atuação distante do Manifesto de agosto. As razões dessa contradição entre o programa e a ação podem estar ligadas ao momento político em que o programa de 1950 foi lançado, ou seja, dois meses antes da eleição de Vargas. A política desenvolvida por Vargas durante seu segundo governo veio a contrariar as análises do PCB, na medida em que lutou por um desenvolvimento industrial baseado no capital privado nacional e no Estado, procurou aumentar o poder aquisitivo da classe operária e aboliu o atestado de ideologia exigido para os dirigentes sindicais.

Manifesto de agosto, por outro lado, não teve apoio unânime dentro do PCB e chegou a provocar uma cisão em 1952. Essa cisão foi determinada por José Maria Crispim, ex-deputado federal e membro do CC,que discordou da orientação do programa de 1950, considerando-a “sectária”. Crispim sugeriu que fosse adotada uma política mais voltada para os trabalhadores, que o partido lutasse pela legalidade e que fosse convocado o IV Congresso. As críticas de Crispim levaram o CC a expulsá-lo do partido, sob a acusação de “traição” e “direitismo”. Junto com Crispim, abandonaram o PCB alguns dirigentes dos escalões intermediários de São Paulo e militantes do Rio de Janeiro.

Na área sindical, o PCB procurou nesse período desenvolver um trabalho de penetração nos sindicatos, já que se encontrava isolado do meio operário. O decreto de 1º de setembro de 1952 do ministro do Trabalho Danton Coelho, que extinguiu o atestado de ideologia para os dirigentes sindicais, foi saudado pelos comunistas como uma grande vitória. Com o decreto, muitos comunistas voltaram a ocupar cargos de direção dentro dos sindicatos. Durante a Greve dos Trezentos Mil, em São Paulo, da qual participaram os metalúrgicos, têxteis, vidreiros, gráficos, marceneiros e outras categorias profissionais, o PCB destacou-se como o condutor do movimento, sob a liderança de Antônio Chamorro.

A ação do PCB na área estudantil foi muito fraca a partir de 1949. Durante os primeiros anos da década de 1950, predominou dentro da UNE e de quase todos os diretórios acadêmicos do Rio de Janeiro e dos outros estados a orientação anticomunista. Somente em 1956 é que os comunistas voltariam a ter cargos de direção dentro da UNE.

 

O IV Congresso

Em janeiro de 1954, foi apresentado um projeto para reformular os estatutos e o programa do PCB, contendo entre seus pontos a derrubada do governo Vargas e sua substituição por “um governo de libertação nacional”. Em 24 de agosto de 1954, enquanto se desenrolava a discussão em torno do novo programa, ocorreu o suicídio de Vargas. O programa teria que ser modificado, pois continha um capítulo inteiro sobre o governo então encerrado, que era acusado de “agente do imperialismo americano”.

O PCB, que no dia 23 de agosto se aliara às forças que hostilizavam Vargas para derrubá-lo do governo, no dia 25, ao verificar a reação popular de repúdio aos que haviam levado Vargas ao suicídio, voltou atrás em suas posições e se colocou ao lado do povo. A manchete da Imprensa Popular que circulou no dia 24 de agosto dizia: “Abaixo o governo de traição nacional de Vargas”. Entretanto, diante da reação popular, que queimava os jornais oposicionistas como O Globo, o partido mandou recolher nas bancas os números de seus jornais. Em Porto Alegre, o povo indignado com a posição dos comunistas depredou a sede do jornal Tribuna Gaúcha, órgão do PCB.

Entre 7 e 11 de novembro de 1954, em São Paulo, realizou-se o IV Congresso do PCB. Nessa ocasião, foi aprovado o novo programa do partido, com um maior detalhamento do Manifesto de agosto. O programa pregava a derrubada do governo Café Filho, por ser “um governo de latifundiários e grandes capitalistas e instrumento do imperialismo norte-americano”. Defendia o confisco das terras dos latifundiários e sua distribuição entre os camponeses sem-terra. Reafirmava o Manifesto de agosto ao declarar que os obstáculos ao desenvolvimento do país eram o latifúndio e o imperialismo. A ação política do partido até o fim da década de 1970 iria girar em torno da luta contra esses obstáculos ao desenvolvimento.

O outro ponto importante apresentado no programa de 1954 dizia respeito à “garantia de liberdade de iniciativa para os industriais e liberdade para o comércio interno. O governo democrático de libertação nacional não confiscará as empresas e os capitais da burguesia nacional”. O programa indicava que a indústria nacional devia ser protegida contra a concorrência de produtos estrangeiros, especialmente dos Estados Unidos. Alguns pontos do programa seriam melhor explicitados em 1960, como, por exemplo, a formação de uma frente única da qual participariam a burguesia industrial nacional e o proletariado. A frente única significava para os comunistas a tática adequada para eliminar os obstáculos ao desenvolvimento industrial, representados pelo latifúndio e pelo imperialismo. Esse desenvolvimento seria conduzido pelo PCB por meio de um “Estado democrático popular cuja fórmula política seria uma república democrática popular”. A partir do lançamento do programa, uma das bandeiras do PCB seria o nacionalismo, o que permitiria estabelecer alianças com outros grupos políticos atuantes principalmente na década de 1960.

Nas eleições de 1955 para a presidência da República, o partido decidiu manifestar-se sobre os candidatos, embora o programa saído do IV Congresso combatesse o apoio a qualquer candidatura e defendesse mais uma vez a tese do voto em branco. Segundo Leôncio Basbaum, o PCB se teria inclinado inicialmente pelo candidato do PSP, Ademar de Barros, que teria prometido cinco milhões de cruzeiros ao partido em troca de votos. Esse apoio não se concretizou, porque as bases se manifestaram contra a candidatura. Como não podia apoiar o candidato da União Democrática Nacional (UDN), Juarez Távora, que era identificado como o representante do imperialismo e do latifúndio, nem Plínio Salgado, candidato integralista lançado pelo Partido de Representação Popular (PRP), o PCB decidiu-se pela candidatura de Juscelino Kubitschek, candidato do Partido Social Democrático (PSD) e do PTB. O apoio a essa candidatura também estava relacionado ao fato de que Kubitschek baseou sua campanha na luta que iria travar, se eleito, pela democracia, pelas liberdades e pelo desenvolvimento do país, o que para os comunistas poderia significar um grande avanço no combate ao imperialismo.

Eleito e empossado Kubitschek, o governo acionou uma política de desenvolvimento econômico baseada no estímulo aos investimentos do capital privado nacional e estrangeiro, e também no investimento estatal. Foi durante esse período de governo que se verificou o aprofundamento das inversões estrangeiras no parque industrial brasileiro. Kubitschek defendia o desenvolvimento econômico como um dos meios para evitar a penetração de ideias contrárias ao capitalismo e à democracia, ou seja, ideias defendidas pelos comunistas. Durante seu governo, o país gozou de um regime de franquias democráticas, passando o PCB a atuar de forma semilegal e a manifestar-se em muitas ocasiões favorável à política do governo, que era vista como de tendência nacionalista.

 

O XX Congresso do PCUS e a cisão de 1957-1958

A discussão sobre as denúncias de “culto à personalidade” e de crimes políticos de Josef Stalin, apresentadas no XX Congresso do PCUS em fevereiro de 1956 por meio do relatório de Nikita Kruschev, só teve início no PCB no final do ano.

O relatório de Kruschev foi publicado inicialmente no jornal O Estado de S. Paulo, e a direção do PCB não abriu a discussão interna sobre o assunto, o que fez com que muitos militantes e mesmo dirigentes se recusassem a acreditar na veracidade do documento. Muitos atribuíram as denúncias a uma invenção da Central Intelligence Agency (CIA). Entretanto, Diógenes Arruda, que participara do XX Congresso como representante do Brasil, e que antes de retornar ao Brasil viajara para a China, chegou em agosto de 1956 confirmando a autenticidade do relatório. Ainda assim, dentro do CC não havia acordo quanto à abertura da discussão. Quando o debate foi aberto, outros problemas foram levantados, relacionados à forma como o “núcleo dirigente” conduzia o PCB.

Em reunião realizada em outubro de 1956, o CC aprovou um documento intitulado “Projeto de resolução do comitê central do PCB sobre os ensinamentos do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, o culto da personalidade e suas consequências, a atividade e as tarefas do Partido Comunista do Brasil”, que estabelecia o direito do militante de apresentar suas divergências quanto à orientação dada ao partido por seus dirigentes. Os debates, entretanto, se iniciaram antes da divulgação desse documento, através dos jornais Voz Operária e Imprensa Popular, por iniciativa do grupo denominado “Sinédrio” — que reunia secretamente intelectuais e jornalistas que trabalhavam na imprensa do PCB. Esse grupo era integrado por Osvaldo Peralva, Leôncio Basbaum, Otávio Brandão, Armando Lopes da Cunha (ex-secretário do semanário Democracia Popular e membro da comissão de propaganda do CC), Áidano do Couto Ferraz (escritor, diretor da Voz Operária e ex-diretor da Tribuna Popular), Carlos Duarte (ex-diretor da Imprensa Popular), Demóstenes Lobo (antigo dirigente da União da Juventude Comunista), Ernesto Luís Maia (jornalista da Voz Operária), Horácio Macedo (secretário de Emancipação), Vítor Konder (diretor de Problemas) e Zacarias de Sá Carvalho (diretor de Democracia Popular).

O artigo que provocou o debate foi assinado por João Batista de Lima e Silva, jornalista de Sergipe e ex-redator da Voz Operária e da Imprensa Popular. Foi publicado nesses dois jornais no dia 6 de outubro e se intitulava “Não se pode calar uma discussão que está em todas as cabeças”. Os jornais Voz Operária eImprensa Popular passaram a publicar cartas dos leitores que se pronunciavam sobre as denúncias feitas no XX Congresso, sobre a invasão da Hungria e a vinculação do PCB ao PCUS.

Diante disso, em novembro de 1956 o CC traçou normas para que o debate continuasse, considerando, por exemplo, inadmissível qualquer crítica ao centralismo democrático e a outros princípios do marxismo-leninismo. Na verdade, duas posições se manifestaram: de um lado, a do “grupo dirigente”, ou “fechadista”, ou “stalinista”, composto por Prestes, Arruda, Amazonas, Grabois, Pomar e Marighella, favorável a uma discussão limitada ao interior do partido, e, de outro lado, a do grupo “abridista”, ou “renovador”, liderado por Agildo Barata, tesoureiro do CC, e integrado por André Vítor, Áidano do Couto Ferraz, Osvaldo Peralva e outros jornalistas e intelectuais que defendiam um amplo debate aberto ao público.

A 28 de fevereiro de 1957 Áidano do Couto Ferraz foi afastado da Voz Operária e, dos 32 jornalistas da imprensa comunista, 27 deixaram seus postos. Em 13 de abril, Agildo Barata assinou o documento intitulado “Pela renovação e o fortalecimento do partido”, trabalho coletivo em que era apresentada a posição do grupo que defendia a democratização interna, a independência frente ao PCUS e a busca de um caminho brasileiro para o socialismo, baseado em uma política de massas e em um governo nacionalista, democrático e progressista. Ainda no mês de abril, em uma resolução denominada “Sobre a unidade do partido”, o CC decidiu o encerramento dos debates no mês de maio. Vencera assim o “grupo dirigente”.

Em maio de 1957, ocorreu o rompimento do grupo “abridista” com o partido, mas somente em reunião de agosto do mesmo ano é que Agildo Barata, líder do grupo, foi expulso por atividades antipartidárias. O grupo fundou imediatamente a Corrente Renovadora do Marxismo Brasileiro, que teve vida efêmera. Editou também o jornal O Nacional, que saiu durante dois anos, com uma linha política de defesa do nacionalismo econômico e da formação de uma frente ampla que integrasse os nacionalistas marxistas e não marxistas.

A saída do grupo liderado por Agildo Barata não encerrou a questão. Novas dissensões surgiram. A luta travou-se principalmente em torno do afastamento de Diógenes Arruda. Este, em julho de 1957, no jornalImprensa Popular, fez sua autocrítica em artigo denominado “Renovar o partido e derrotar o antipartido”. Logo em seguida, em agosto, o CC, então constituído de 30 membros, reuniu-se e decidiu afastar da comissão executiva Diógenes Arruda, João Amazonas e Maurício Grabois, considerados identificados com a linha stalinista. Os três foram substituídos por Giocondo Dias, antigo cabo do Exército, Mário Alves, formado em ciências sociais, e Carlos Marighella, ex-estudante de engenharia. Este último, embora fosse identificado com o grupo stalinista, passou a ocupar o lugar de segundo homem mais importante do partido depois de Prestes. A comissão executiva passou a ser integrada ainda por Ramiro Luchesi, ferroviário de São Paulo, Sérgio Holmos, pedreiro do Rio Grande do Sul, Jover Teles, operário gaúcho, e Calil Chade, de São Paulo. Prestes continuou como secretário-geral, embora fosse identificado por muitos membros do partido como stalinista em sua forma de conduzir a organização.

Ainda dentro dessa conjuntura, Jacó Gorender, Armênio Guedes (baiano, formado em direito) e Alberto Passos Guimarães, embora não pertencessem à direção, passaram a desempenhar um papel importante na formulação do esboço da Declaração política, documento apresentado em março de 1958 e que representou o rompimento com o programa do IV Congresso. Esse documento, ao ser reelaborado, passou a ser denominadoDeclaração sobre a política do Partido Comunista do Brasil, mas ficou realmente conhecido comoDeclaração de março. Trazendo uma nova orientação e interpretação política para a situação brasileira, aDeclaração afirmava em seu primeiro capítulo — no qual era analisado o processo de desenvolvimento econômico do Brasil — que o desenvolvimento capitalista nacional não havia conseguido eliminar as características de subdesenvolvimento do país. Referia-se em seguida às duas contradições fundamentais que apresentava o desenvolvimento, a “contradição entre a nação e o imperialismo norte-americano e seus agentes internos e a contradição entre as forças produtivas em desenvolvimento e as relações de produção semifeudais na agricultura”. Havia também “a contradição entre o proletariado e a burguesia, que não exige, entretanto, uma solução radical na presente etapa. Por conseguinte, a revolução brasileira não é ainda socialista, mas anti-imperialista e antifeudal, nacional e democrática”.

Com esse programa, o PCB defendia, como em 1945, o caminho pacífico da revolução brasileira. Propunha a formação de uma frente única de todas as forças interessadas na luta contra a política de submissão ao imperialismo norte-americano. Declarava ainda que, “das formas de frente única, a mais importante atualmente é o movimento nacionalista”, capaz de integrar forças heterogêneas, como operários, camponeses, a pequena burguesia urbana e setores latifundiários que possuíam contradições com o imperialismo norte-americano. O proletariado se aliaria à burguesia em torno de um objetivo comum de lutar por um desenvolvimento independente e progressista contra o imperialismo norte-americano.

Dizia ainda a Declaração que os comunistas não condicionavam sua participação a uma prévia direção do movimento. Os comunistas trabalhariam para que as forças anti-imperialistas e democráticas, principalmente as grandes massas da cidade e do campo, aceitassem a direção do proletariado. A Declaração apresentava por fim uma plataforma de frente única que incluía os seguintes pontos: 1) política exterior independente e de paz, com o estabelecimento de relações amistosas com todos os países; 2) desenvolvimento progressista e independente da economia nacional; 3) medidas de reforma agrária em favor das massas camponesas; 4) elevação do nível de vida do povo; e 5) consolidação e ampliação da legalidade democrática.

Após a crise deflagrada em 1957, o PCB reestruturou seus meios de divulgação. Deixaram de circular aImprensa Popular e a Voz Operária em 1958, e ainda Notícias de Hoje e Problemas. Foram criados o semanário nacional Novos Rumos, com uma tiragem média de 60 mil exemplares, e a revista Estudos Sociais.

 

O V Congresso

A defesa de uma política nacionalista permitiu ao PCB ampliar suas bases e atingir setores mais amplos da sociedade. A partir de 1958, o partido começou a considerar de máxima importância sua participação nas eleições através de coligações eleitorais, a fim de eleger candidatos comunistas ao Congresso. Por meio das eleições, o PCB poderia, de acordo com suas análises, aprofundar a polarização entre “nacionalistas” e “entreguistas”, fortalecer a “frente única” e também firmar sua posição dentro do Parlamento e junto do governo.

Em 1958, realizar-se-iam eleições para a renovação do Congresso. O PCB conseguiu inscrever, sob a legenda de vários partidos, principalmente do PTB, candidatos que se apresentaram como representantes e defensores das ideias nacionalistas. Prestes, saindo da clandestinidade, deu uma entrevista ao jornal O Globo, de 16 de setembro de 1958, na qual afirmava que a eleição de uma bancada nacionalista majoritária poderia levar o governo federal a praticar uma política externa de relações com todos os povos e uma política interna de defesa da indústria nacional, de combate à inflação e de reforma agrária. Realizadas as eleições em outubro, foram eleitos deputados federais Lício Silva Hauer, pelo Distrito Federal, e Fernando Santana, pela Bahia.

Nesse momento, após a fase de crise e dissidências que eclodira a partir de 1956 e que havia enfraquecido suas bases, o PCB tentava se reorganizar. O partido contava nessa época, segundo Prestes, com cerca de cinco mil militantes. Por outro lado, buscava sair do isolamento em que se encontrava desde 1947, quando fora impedido de atuar legalmente, e, principalmente, do isolamento em que se colocara com o Manifesto de agosto de 1950. O movimento nacionalista servia assim como meio de captar a adesão de setores da população que normalmente se mostravam hostis à ideologia comunista. A ação do partido se desenvolveu no sentido de influenciar e controlar o movimento estudantil, os sindicatos operários e as associações profissionais.

Também se deve ressaltar que o período iniciado em 1958 correspondeu a uma fase em que já se manifestava o início das tensões sociais que eclodiriam em 1964. O governo Kubitschek, que fizera avançar grandemente a diversificação da estrutura industrial, mostrava-se incapaz de encaminhar soluções para os problemas que o próprio desenvolvimento colocava. Os altos índices de crescimento obtidos eram acompanhados de desequilíbrios no balanço de pagamentos e de um acentuado processo inflacionário. Outro foco de tensão que começou a se manifestar vinha do setor agrário, negligenciado pelo programa econômico de Kubitschek. As tensões no campo iriam dar origem à organização das Ligas Camponesas, sob a liderança de Francisco Julião. As reivindicações eram no sentido de uma melhor distribuição de terras, da extensão de previdência social aos trabalhadores rurais, do aumento de salários etc.

Os primeiros sinais da crise social, política e econômica que o processo de desenvolvimento desencadeara levaram os setores dominantes da sociedade a temer a perda do controle que mantinham sobre as massas, a buscar reforçar as alianças que os uniam e a se organizar para impedir o avanço dos grupos que lideravam o processo reivindicatório de ampliação da participação política.

O V Congresso do PCB, reunido em agosto de 1960 no auditório da Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de Janeiro, com total liberdade, realizou-se dentro dessa conjuntura. Nele foram mais bem explicitados muitos pontos que haviam sido tratados de forma superficial na Declaração de março e foi defendida a tese da coexistência pacífica, levantada no XXI Congresso do PCUS, realizado em 5 de fevereiro de 1959.

Assim, o V Congresso considerou que o Brasil tinha seu desenvolvimento entravado pela exploração do capital imperialista internacional e pelo monopólio da propriedade da terra nas mãos da classe dos latifundiários. As tarefas fundamentais que se colocavam diante do povo brasileiro eram a conquista da emancipação do país do domínio imperialista e a eliminação da estrutura agrária atrasada, assim como o estabelecimento de amplas liberdades democráticas e a melhoria das condições de vida das massas populares. Os interesses da burguesia nacional se chocavam com o capital monopolista estrangeiro, que representava um obstáculo à expansão dos seus negócios. Para enfrentar o imperialismo, a burguesia, segundo os comunistas, necessitava do apoio do proletariado.

A pequena burguesia seria, segundo o programa do congresso, uma força revolucionária, favorável à luta anti-imperialista e democrática. Em relação aos camponeses, os comunistas consideravam que em sua grande maioria eles tinham interesse na transformação da estrutura agrária e na emancipação econômica do país, constituindo o aliado fundamental do proletariado na revolução anti-imperialista e antifeudal. O proletariado seria a classe que encarnava as forças produtivas modernas e a forma de economia mais avançada, sendo por isso o elemento mais revolucionário da sociedade. A classe operária deveria aliar-se à burguesia nacional para lutar contra a espoliação imperialista norte-americana.

Essa etapa do desenvolvimento brasileiro deveria ser conduzida por um governo nacionalista e democrático, e a luta para realizar as transformações radicais exigidas pelo desenvolvimento do país e para avançar a revolução levaria ao poder um governo constituído de forças anti-imperialistas e antifeudais, no qual o proletariado, como a força revolucionária mais consequente, deveria ter o papel dirigente. A revolução se faria por um caminho pacífico.

A visão dos comunistas sobre o Estado brasileiro no programa do V Congresso era mais elaborada do que a que predominara até então. O Estado brasileiro representaria “os interesses dos latifundiários, dos capitalistas associados ao capital monopolista estrangeiro, particularmente o norte-americano, e da burguesia ligada aos interesses nacionais”. Esse caráter heterogêneo do Estado determinaria “contradições e compromissos de classe no seio do próprio Estado”.

Importa assinalar que o programa admitia a atuação do PCB dentro dos quadros legais do sistema constitucional. Algumas discordâncias se manifestaram em relação a ele, como as de Jacó Gorender, em artigo sobre o V Congresso publicado em Estudos Sociais, nº 9, de outubro de 1960. Gorender enfatizava o papel do proletariado na liderança da revolução nacional e democrática e o antagonismo que separava a classe operária da burguesia nacional. Também procurava mostrar que a revolução brasileira não se faria necessariamente por meios pacíficos, mas provavelmente por meio da luta armada.

O V Congresso determinou, por outro lado, a ruptura com o grupo identificado como stalinista. Esse grupo, contrário à Declaração de março de 1958 e à política soviética de coexistência pacífica, tinha como principais representantes Diógenes Arruda, João Amazonas, Maurício Grabois e Pedro Pomar, que haviam liderado os ataques contra a corrente de Agildo Barata. Durante o congresso, foram afastados do CC, com exceção de Arruda, que se encontrava no ostracismo, Amazonas, Grabois, Pomar, José Duarte, Ângelo Arroio, Válter Martins, Calil Chade, Carlos Danielli, Lincoln Oeste e mais outros três membros, por seus “ataques sistemáticos contra a unidade e a disciplina do movimento comunista”.

 

A década de 1960, o PCB e o PCdoB

Os acontecimentos internacionais do fim da década de 1950 e início da década de 1960, como a Revolução Cubana, as mudanças de orientação na política externa da União Soviética e o surgimento da China como uma nova liderança do mundo comunista, aprofundaram as crises, cisões e mudanças dentro do PCB.

A Revolução Cubana, que em janeiro de 1959 levou Fidel Castro ao poder e deu início à passagem ao regime socialista, teve profundas repercussões no Brasil e principalmente entre os jovens comunistas. A luta política e ideológica que se abriu no interior do PCB no período posterior a 1964 estaria estreitamente vinculada à Revolução Cubana e aos seus desdobramentos na América Latina, com núcleos guerrilheiros em vários países. Essa situação levou desde o início a um questionamento das teses defendidas a partir de 1956-1957 sobre a possibilidade de transição pacífica ao socialismo.

A desestalinização progredia lentamente na União Soviética, e a conjuntura mundial, com uma nova exacerbação da luta entre os dois grandes blocos, capitalista e comunista, incentivava a corrida armamentista. A competição entre Estados Unidos e União Soviética chegaria ao ponto de levar o mundo à beira da guerra atômica, durante a “crise dos mísseis” de Cuba, em outubro de 1962.

O início da década de 1960 assistiu também à ruptura entre a União Soviética e a China comunista, precipitada pela recusa de Nikita Kruschev em fornecer a tecnologia da bomba atômica a Mao Tsé-Tung, e principalmente pela retirada de todos os técnicos soviéticos que vinham participando da modernização da economia chinesa. Uma das consequências dessa crise para o movimento comunista mundial foi a perda da hegemonia que mantinha a União Soviética na condução e orientação dos partidos comunistas. A partir desse momento, novos partidos surgiram no mundo sob a égide da China, que definia uma estratégia política mais agressiva, defendendo a luta armada como o único caminho para os países capitalistas atingirem o socialismo.

No Brasil, o início da década de 1960 foi marcado pela ascensão do nacionalismo enquanto movimento de mobilização popular, no qual se engajaram o PCB, o movimento sindical, o movimento estudantil, grupos parlamentares, católicos etc. Ao mesmo tempo, em oposição aos nacionalistas, se organizaram grupos para defender uma maior participação do capital estrangeiro no desenvolvimento industrial brasileiro e uma maior integração do Brasil na órbita dos países capitalistas. Esses grupos eram contrários à participação dos comunistas no processo político, assim como não aceitavam a ampliação da participação política em geral.

O acirramento de posições iria acentuar-se com a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961. Após ter sido eleito com uma grande votação — e com o apoio do PCB em São Paulo, pois a orientação emanada do CC foi de apoio ao general Henrique Lott — Jânio renunciou ao cargo com sete meses de governo. Os ministros militares, general Odílio Denis, da Guerra, brigadeiro Gabriel Grün Moss, da Aeronáutica, e almirante Sílvio Heck, da Marinha, se opuseram à posse do vice-presidente João Goulart sob o argumento de ser ele ex-ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, manter ligações com os sindicatos e promover agitação nos meios operários. Contra essa posição, que tinha o apoio de ponderável parcela das forças armadas, se manifestaram outros setores da sociedade, incluindo políticos, militares e comunistas. Como solução para a crise, o Congresso recomendou que a posse de Goulart fosse acompanhada da adoção no país do regime parlamentarista. A proposta foi transformada na Emenda Constitucional nº 4 e aprovada em 2 de setembro de 1961, tendo Goulart tomado posse cinco dias depois.

O governo de Goulart iria enfrentar desde o início pressões conflitantes. De um lado, havia as reivindicações mais agressivas dos sindicatos e dos grupos nacionalistas e comunistas, que exigiam maior participação nas decisões políticas e pediam reformas estruturais, como a reforma agrária, bancária, cambial, universitária e outras, maior intervenção do Estado na economia e redução e controle da remessa de lucros das empresas estrangeiras. De outro lado, os grupos contrários a Goulart, incluindo-se aí os empresários industriais nacionais, começaram a se preparar para derrubá-lo, por identificarem a política de seu governo como tendente a favorecer a instalação do regime comunista no Brasil.

Paralelamente a esses acontecimentos, em agosto de 1961 realizou-se uma conferência nacional do PCB, na qual ficou decidido que o partido passaria a se chamar Partido Comunista Brasileiro, para facilitar o registro no TSE. Os dirigentes comunistas, preocupados em legalizar novamente o partido, tinham a intenção de mostrar o caráter nacional da organização, já que um dos argumentos utilizados para o cancelamento do seu registro em 1947 fora o de que era de um partido vinculado à União Soviética, como o demonstrava o nome de Partido Comunista do Brasil. O grupo que fora afastado do CC durante o V Congresso se opôs a essa decisão, e nesse momento a direção do partido decidiu expulsá-lo.

Em fevereiro de 1962, o grupo liderado por Amazonas, Grabois e Pomar convocou uma conferência nacional extraordinária de oposição ao “partido prestista” e fundou uma nova organização, com o nome de Partido Comunista do Brasil, adotando a sigla PCdoB e vinculando sua orientação à política da China Popular. Arruda aderiu em seguida ao novo partido. Em março de 1962, tendo como editores Grabois e Pomar, foi revivido o jornalA Classe Operária, que passou a ser o órgão oficial do PCdoB.

A saída do grupo stalinista permitiu a ascensão dentro do PCB do grupo liderado por Jacó Gorender e Mário Alves, que conquistou posições importantes dentro da máquina partidária.

O PCB nesse período se engajou na campanha pela legalização do partido e pelo reatamento de relações diplomáticas e comerciais com a URSS, desenvolveu uma intensa atuação na luta pelas reformas de base e participou ativamente da campanha por um plebiscito que restituísse a João Goulart seus poderes presidenciais. Ainda nessa fase, apresentou uma proposta de programa de governo que incluía a rejeição dos programas do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Aliança para o Progresso; a limitação da remessa de lucros e a expansão da Petrobras; a nacionalização das companhias estrangeiras concessionárias de serviços públicos; a reforma agrária radical, assegurando a distribuição da terra aos camponeses e indenizando os latifundiários com bônus; o combate à inflação, o controle do comércio externo e o intercâmbio comercial; o repúdio à Lei de Segurança Nacional; a reforma eleitoral, com extensão do direito de voto a todos os adultos, incluindo analfabetos e militares; a política externa independente, a coexistência pacífica, o desarmamento, a luta pela paz e o combate aos grupos terroristas e aos golpes militares. Esse programa foi defendido durante todo o período presidencial de João Goulart.

Na área sindical, o PCB empenhou-se na criação do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e na expansão de suas bases no campo, por meio de seus sindicatos ligados à União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB). Procurou incentivar a formação de grupos como a Frente de Mobilização Popular, criada em 1962 e integrada pelo CGT, pela UNE e pela Frente Parlamentar Nacionalista. O objetivo era a formação de uma grande frente nacionalista e popular, capaz de mobilizar a massa para a obtenção de um programa mínimo de caráter “nacional democrático” para contrapor-se ao imperialismo. Por outro lado, essa frente, encabeçada pelo PCB, teria uma força de pressão que possibilitaria a participação comunista no governo. O PCB nesse período teria, segundo estimativas, entre 30 mil e 40 mil inscritos.

Nas eleições de 1962 para a Câmara dos Deputados e as assembleias estaduais, o partido apresentou candidatos, elegendo deputados federais, pelo antigo estado da Guanabara, Benedito Cerqueira, na legenda do PTB, e Marco Antônio Tavares Coelho, apoiado pela coligação entre o PSD e o PST. Pelo estado do Rio de Janeiro, foi eleito Demistóclides Batista, lançado pela coligação entre o Movimento Trabalhista Renovador (MTR), o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e o PST. O PCB elegeu também deputados estaduais na Guanabara, como Hércules Correia, pelo PTB, e João Massena Melo e Sinval Palmeira Vieira, pelo PST.

Em 27 de março de 1964, o semanário Novos Rumos, órgão oficial do CC, publicou um suplemento especial com as teses que seriam apresentadas no VI Congresso, marcado inicialmente para novembro daquele ano. As teses mantinham a mesma orientação do V Congresso e focalizavam a luta contra o imperialismo norte-americano como forma de conquistar a emancipação nacional; a conquista de um governo nacional-democrático; a luta anti-imperialista e antifeudal para as reformas de base; a via pacífica da revolução brasileira, que “em determinadas circunstâncias requer uma violenta confrontação com as forças reacionárias”, e a necessidade da consolidação da aliança operário-camponesa com o estabelecimento da “hegemonia do proletariado”. Cinco dias após a divulgação do documento, um movimento militar derrubou o presidente João Goulart, iniciando-se um período de forte repressão aos movimentos populares, principalmente aos comunistas.

 

1964: repressão e crítica interna

A direção do PCB se mostrou surpresa com a vitória dos militares e despreparada para enfrentar a nova situação. Em suas análises, não contavam os comunistas com a possibilidade de um golpe, pois confiavam no espírito democrático dos comandos militares. O partido assistiu nos meses seguintes à prisão de seus líderes e dirigentes. Em abril de 1964, foi preso em Pernambuco o velho líder Gregório Bezerra, em maio no Rio de Janeiro foi a vez de Carlos Marighella e mais tarde, em 1965, seriam presos Mário Alves, Ivan Ribeiro e Leivas Otero.

Após a queda do governo constitucional e a instalação do regime militar, Prestes sofreu violentas críticas dentro do partido, formando-se então duas tendências: uma pró-Prestes e outra anti-Prestes. A primeira considerava que o erro do partido estava em ter levantado palavras de ordem incentivando greves etc. sem ter como sustentar de fato essa política. A segunda, liderada por Carlos Marighella, acusava o partido e Prestes de não se terem preparado para dar início à luta armada. As críticas se iniciaram após a apreensão pela polícia, em 9 de abril de 1964, de 20 cadernos escritos por Prestes relatando as reuniões do PCB desde 1961 e os contatos que ele estabelecia com personalidades políticas de outros partidos. Esse material permitiu ao Exército a abertura de um Inquérito Policial-Militar (IPM), chefiado pelo então coronel Ferdinando de Carvalho, no qual foram arrolados 74 militantes e do qual resultou a suspensão dos direitos políticos de 59 pessoas.

Líder máximo do partido desde 1940, Prestes viu sua posição se enfraquecer. A volta a uma clandestinidade rigorosa levou o secretário-geral a contatos esporádicos com os integrantes da própria direção do PCB, o que permitiu por outro lado uma descentralização do poder. Um exemplo desse fato é o conteúdo do primeiro documento elaborado pela comissão executiva após a queda de Goulart, denominado “Esquema para discussão”. Nesse documento, lançado em julho de 1964, eram enfatizados os “erros de direita” cometidos pelo PCB antes do movimento militar de 31 de março de 1964. A aprovação desse documento foi obtida graças ao trabalho desenvolvido dentro da comissão executiva por Mário Alves e Jacó Gorender, que há muito expressavam o seu descontentamento em relação à linha do partido, de “seguidismo” frente à burguesia nacional.

O novo regime instalado em 1964, por outro lado, deu continuidade à política econômica iniciada por Kubitschek, baseada no aprofundamento do processo de industrialização através de empréstimos e inversões de capital estrangeiro, inversões do Estado e incentivo aos investimentos do capital nacional. A política econômica do pós-1964 fez da compressão salarial um dos seus elementos fundamentais, adotando como medidas para sua implantação desde uma nova Lei de Greve até a utilização da CLT para decretar centenas de intervenções em todos os sindicatos que vinham atuando de forma mais combativa. Foram feitas centenas de prisões e foi iniciado o processo de suspensão de direitos políticos de muitos cidadãos que haviam participado da vida política do país, e de cassação de mandatos de parlamentares identificados com a política do governo João Goulart. Bastante visados pela repressão, em todo o Brasil centenas de comunistas ou de indivíduos identificados como tais pelo novo regime foram presos, perderam seus empregos e/ou tiveram seus direitos políticos cassados, por força de atos institucionais.

Em 5 de maio de 1965, o CC se reuniu em São Paulo pela primeira vez após o movimento militar de 1964. Durante essa reunião, manifestaram-se claramente duas posições quanto à orientação a ser seguida pelo PCB, levando consequentemente à formação de dois grupos: de um lado, a facção majoritária, que deu seu apoio a Prestes e defendeu a participação dos comunistas em uma frente antiditadura, e de outro, o grupo liderado por Mário Alves, Manuel Jover Teles, Jacó Gorender e Neri Reis de Almeida, que defendeu a luta armada como estratégia política. Mário Alves e Jover Teles foram afastados da comissão executiva, embora continuassem como membros do CC. Dessa reunião, saiu uma resolução política que orientava os comunistas no sentido de participarem das eleições municipais que se realizariam em São Paulo e das eleições para governador de alguns estados, como uma forma de luta contra a ditadura. O objetivo do PCB passou a ser “isolar e derrotar a ditadura e conquistar um governo amplamente representativo das forças antiditadura”. Dessa forma, o partido apoiou o candidato a governador pelo antigo estado da Guanabara, Francisco Negrão de Lima, que foi lançado pelo PSD-PTB e eleito em outubro de 1965.

Mas foi em torno das eleições previstas para 1966 para a Câmara dos Deputados e para o governo de 12 estados, eleições que afinal se realizaram de forma indireta, que se deu a primeira cisão significativa do pós-1964, anunciando o início de uma profunda crise. A grande maioria dos universitários do PCB da Guanabara recusou-se a seguir a orientação do partido e optou pelo voto nulo. Esses militantes foram expulsos, mas se mantiveram organizados na chamada Dissidência da Guanabara.

Enquanto se preparavam para o VI Congresso e enfrentavam a crise interna, os dirigentes do PCB se ocuparam também em atender à solicitação dos políticos que desejavam discutir a formação da Frente Ampla. Essa frente foi articulada pelo ex-governador do estado da Guanabara, Carlos Lacerda, e lançada oficialmente em outubro de 1966 com o objetivo de lutar “pela pacificação política do Brasil por meio da plena restauração do regime democrático”. Carlos Lacerda, que participara do movimento militar que derrubara Goulart em 31 de março de 1964, não concordava com as medidas políticas e econômicas adotadas pelo regime militar. Além de Lacerda, a frente contou com a participação dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart.

O contato da Frente Ampla com o PCB deu-se através do ex-deputado Renato Archer. Dentro do partido, não havia unanimidade quanto à posição a seguir. O grupo liderado por Prestes via favoravelmente a ideia de formação da frente por considerá-la um passo importante contra o regime instalado no país, ao contrário do grupo liderado por Carlos Marighella, que se posicionou contra por entender que aquele era o momento de organizar e preparar os operários e camponeses para a revolução. A frente seria extinta por portaria de 5 de abril de 1968, baixada pelo ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva.

As divergências de Marighella com a direção do PCB haviam tido origem logo após 1964, quando passara a defender a tese de que a revolução socialista e a subida ao poder dos comunistas só seriam possíveis pela via revolucionária, e, logo, de que o partido deveria se engajar de imediato na preparação da luta armada. Em dezembro de 1966, Marighella pediu demissão da comissão executiva. Em sua carta, mostrava suas divergências com a orientação dominante, enfatizando a passividade e o caráter burocrático da direção, ao mesmo em tempo que denunciava seus métodos de “intimidação ideológica”. Afirmava ainda estar “pronto a participar da luta revolucionária com as massas”, levantando como alternativa a luta armada. Essa posição refletia a aproximação de Marighella das ideias de Ernesto Guevara, o “Che”, que havia comandado a Revolução Cubana ao lado de Fidel Castro. A figura de “Che” se difundira na América Latina, não só como o comandante revolucionário, mas principalmente como o estrategista e teórico de uma nova concepção de revolução para os países subdesenvolvidos, baseada na guerra de guerrilha. “Che” deixara Cuba para iniciar a guerrilha na Bolívia e a ele juntara-se o francês Régis Debray, na época estudante de filosofia que escrevera sobre a revolução em Cuba e em outros países da América Latina. Debray enfatizava a necessidade da constituição de um pequeno núcleo de revolucionários, o “foco” guerrilheiro na zona rural, que não só centralizaria a iniciativa militar contra os exércitos regulares, como teria a direção política do processo. Essa concepção rompia com a visão clássica de partido de vanguarda e iria influenciar a formação no Brasil de organizações baseadas nessa estratégia.

Ainda nessa época, Marighella decidiu participar da reunião da Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS), que se realizou em Cuba entre 31 de julho e 10 de agosto de 1967, reunião essa que não contou com representação oficial do PCB. A OLAS e o governo cubano consideravam que a América Latina só atingiria o socialismo por via revolucionária, posição que se chocava com as diretrizes da URSS e consequentemente do PCB.

A reação da ala prestista diante das posições de Marighella foi a de expulsá-lo dos quadros do partido, o que de fato se verificou em setembro de 1967, por decisão do CC. O partido expulsou também Jover Teles, Joaquim Câmara Ferreira, Mário Alves, Jacó Gorender, Apolônio de Carvalho e Miguel Batista e suspendeu a presença de alguns delegados já escolhidos para participar do VI Congresso. Nessa reunião de setembro, foi também decidida a intervenção nos comitês estaduais de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.

A expulsão de Marighella provocou críticas à direção por parte do comitê estadual de São Paulo, ao qual se juntaram os comitês estaduais da Guanabara, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Ceará e Distrito Federal. Esses comitês lançaram um documento no qual concordavam com as análises do PCB sobre a situação política da sociedade brasileira, mas discordavam quanto aos meios de o Brasil atingir o sistema socialista. Nesse caso, defendiam a luta armada como única via para a revolução socialista brasileira.

 

O VI Congresso e a luta armada

O VI Congresso do PCB foi realizado em dezembro de 1967 e nele se consumou o processo de ruptura política e organizacional que vinha desde 1964. O Congresso aprovou as seguintes teses: 1) abolição das leis de exceção implantadas pelos militares que tomaram o poder em 1964, estabelecimento das liberdades democráticas, realização de eleições, adoção de uma constituição democrática e anistia aos presos políticos; 2) defesa das riquezas naturais do país e política autônoma de desenvolvimento econômico; 3) elevação do padrão de vida dos trabalhadores e implantação parcial da reforma agrária; e 4) política externa afirmadora da soberania nacional e do direito à autodeterminação.

As teses aprovadas reviviam os grandes temas do pré-1964. No que diz respeito à orientação a ser seguida, havia sim adaptações às condições criadas com a tomada do poder pelos militares. No que diz respeito à tática do partido, nada de novo foi apresentado.

O VI Congresso ratificou as expulsões de Carlos Marighella, Jover Teles, Jacó Gorender, Mário Alves, Joaquim Câmara Ferreira, Apolônio de Carvalho e Miguel Batista. Diante das críticas e das divergências que se manifestaram, Prestes afirmou, em entrevista publicada em 1968, que não era contra a luta armada como alternativa, mas que as condições daquele momento não permitiam adotar esse caminho. Mostrou-se também contrário à teoria do “foco guerrilheiro” defendida por Régis Debray, considerando-a antimarxista.

O VI Congresso do PCB veio marcar uma das crises mais profundas e desagregadoras da história do partido. A dissidência atingiu em maior profundidade os setores mais jovens, que aderiram aos movimentos favoráveis à luta armada. Em São Paulo, os dissidentes Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira formaram a Ação Libertadora Nacional (ALN), enquanto Mário Alves e Apolônio de Carvalho criaram o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). No Rio Grande do Sul, a Dissidência Leninista se fundiu com a Organização Revolucionária Marxista Política Operária (Polop) e deu origem ao Partido Operário Comunista (POC). Em Minas Gerais, a dissidência do PCB se uniu a uma dissidência da Polop formando o Comando de Libertação Nacional (Colina). No estado do Rio de Janeiro, formou-se o Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8) dizimado pela polícia logo após a sua criação.

Outro acontecimento que marcou o ano de 1968 e que teve repercussões dentro do PCB foi a invasão da Tchecoslováquia pelas tropas soviéticas, para reprimir as tentativas de reformas econômicas e políticas patrocinadas pelo PC tcheco visando a uma maior democratização do regime socialista. O CC deu todo o seu apoio à ação soviética, enquanto o comitê estadual da Guanabara lançava um manifesto contrário à intervenção.

Ainda durante o ano de 1968, o PCB participou da articulação da chamada Passeata dos Cem Mil, manifestação realizada no Rio de Janeiro em 26 de junho, que contou com a participação de cerca de cem mil pessoas em protesto contra as violências praticadas pela polícia alguns dias antes no Centro da cidade, atingindo estudantes e populares. A passeata foi promovida pelo movimento estudantil e reivindicava o restabelecimento das liberdades democráticas, a suspensão da censura à imprensa e a concessão de mais verbas para a educação. O PCB participou também das greves de Osasco e Contagem. Como resposta a esses movimentos de contestação ao regime, foi editado o Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968. Esse ato significou a suspensão de importantes garantias constitucionais relativas às liberdades individuais e deu ao Executivo preeminência sobre os poderes Legislativo e Judiciário. Como consequência do AI-5, verificou-se o recuo do movimento de contestação estudantil e operário e o surgimento e/ou ampliação dos grupos políticos favoráveis à luta armada.

O nome MR-8 voltou a ser utilizado pela Dissidência da Guanabara quando, em 1969, o grupo sequestrou o embaixador dos Estados Unidos. Esse grupo ampliou-se com a adesão dos dissidentes da Bahia e dissidentes da Ação Popular (AP).

O sequestro do embaixador norte-americano, Charles Burke Elbrick, levou o PCB a se pronunciar contra esse tipo de ação. Gregório Bezerra, militante preso do partido, foi um dos integrantes da lista de presos políticos cuja libertação era exigida pelos sequestradores. Ao ser libertado, Gregório declarou: “Por uma questão de princípio, devo esclarecer que, embora aceitando a libertação nessas circunstâncias, discordo das ações isoladas, que nada adiantarão para o desenvolvimento do processo revolucionário e que servirão somente de pretexto para agravar ainda mais a vida do povo brasileiro e de motivação para maiores crimes contra os patriotas”. Prestes também fez declarações criticando a ação desses grupos.

A atuação de grupos de extrema esquerda, promovendo assaltos a bancos, para a obtenção de fundos, e a quartéis, para conseguir armamento e munição, e realizando sequestros de embaixadores para em troca obter a libertação de presos políticos, assim como o início de movimentos de guerrilha na zona urbana e no campo, desencadeou uma violenta repressão por parte dos militares, que fizeram milhares de prisões e instituíram a tortura como rotina nos interrogatórios. O PCB não foi o mais visado pelos órgãos de repressão e sua atuação foi bastante limitada nesse período.

Nas eleições para a Câmara dos Deputados e para o Senado em 1970, o PCB apoiou candidatos do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido que reunia as oposições ao governo militar instaurado em 1964. Entretanto, na Guanabara, o comitê estadual resolveu apoiar dois candidatos ao Senado pelo MDB, Nélson Carneiro e Danton Jobim, e um candidato da Aliança Renovadora Nacional (Arena), Gilberto Marinho. Essas posições do comitê estadual desagradavam à direção do partido, que as via como atos de indisciplina partidária e como uma contestação da orientação política ditada pelo CC.

Após as eleições de 1970, foram presos praticamente todos os integrantes do comitê estadual da Guanabara, o que permitiu à direção do PCB indicar o nome de Geraldo Rodrigues dos Santos, integrante da secretaria executiva do CC, para ocupar o cargo de secretário político estadual. O novo secretário teve como função primordial restabelecer a disciplina na Guanabara.

Em 1971, quando a repressão policial aos grupos de oposição ao regime militar se intensificou, dez dos integrantes do CC saíram do Brasil como medida preventiva. Foram eles: Luís Carlos Prestes, Davi Capistrano, Armênio Guedes, Roberto Morena, Agliberto Vieira de Azevedo, João Massena, Zuleica Alambert, Luís Tenório Lima, Armando Ziller e Lindolfo Silva.

Embora Prestes continuasse como secretário-geral ao deixar o Brasil, quem de fato passou a desempenhar essas funções foi Giocondo Gerbasi Alves Dias. Giocondo era considerado por um grupo dentro do partido como o homem da renovação, favorável a uma maior democratização das decisões. Um pouco mais tarde, em 1979, ao se verificar a cisão dentro do CC, Giocondo Dias assumiria oficialmente o cargo.

Em novembro de 1973, o CC aprovou dois documentos, um intitulado “Por uma frente patriótica contra o fascismo”, e uma resolução sobre o trabalho de direção. Do primeiro constava uma análise sobre a situação nacional com a caracterização do governo pós-1964 como uma ditadura militar fascista. O documento apresentava como principal tarefa do PCB nessa fase a luta contra o fascismo. Propunha que todas as forças prejudicadas pelo caráter fascista assumido pela ditadura militar se unissem “numa ampla frente patriótica antifascista, incluindo desde a classe operária, o campesinato, a pequena burguesia urbana, até os setores da burguesia em choque com o regime; desde as forças políticas oposicionistas até os setores arenistas divergentes do caráter fascista do regime”.

Como ponto de convergência para a ação comum, o documento apresentava os seguintes objetivos: 1) a conquista das liberdades públicas, dos direitos e garantias individuais, do direito de associação, do habeas corpus, das liberdades sindicais, da realização de eleições diretas para todos os cargos eletivos; 2) a revogação do AI-5 e do Decreto-Lei nº 477, com a garantia das prerrogativas e da autonomia dos poderes Judiciário e Legislativo; 3) a anistia para os condenados e perseguidos políticos. O documento propunha ainda: o combate à política de arrocho salarial; medidas efetivas contra a carestia e pela elevação do nível de vida das massas trabalhadoras; o cumprimento da legislação trabalhista e previdenciária no campo; a realização da reforma agrária e outras medidas para beneficiar a grande massa rural; a defesa das riquezas e interesses nacionais; e uma política externa de paz, amizade e colaboração com todos os povos.

O segundo documento aprovado na reunião de novembro de 1973 foi o balanço apresentado pela comissão executiva. Nele eram apontados os erros cometidos pela direção. O trabalho desenvolvido pelo CC era considerado falho, pois não se encontrava suficientemente voltado para o partido e para o estudo das questões da classe operária. O centralismo democrático era considerado aplicado de maneira deformada pela direção. Para eliminar as distorções e debilidades da direção, o documento enfatizava a necessidade de buscar as origens, fatores e condicionantes dessas debilidades dentro da sociedade brasileira que haviam influenciado a formação do PCB.

O documento indicava que o culto à personalidade tivera graves consequências para o partido e que “teve o seu florescimento em nossas fileiras favorecido pelas condições sociais do atraso político, da falta de organização das massas e da subestimação do partido”. Outra causa apontada para as falhas e deficiências do trabalho de direção eram as concepções errôneas sobre o processo revolucionário, como, por exemplo, admitir a revolução como resultante da ação de cúpula e não como um fenômeno de massas.

 

A repressão de 1974

Em 1974, ao findar o governo do general Emílio Garrastazu Médici, o terceiro presidente do regime militar instaurado em 1964, começaram a aparecer sinais de esgotamento da política econômica do governo, que nos anos anteriores havia produzido as mais altas taxas de crescimento. O governo seguinte, do general Ernesto Geisel, deu início a um processo de liberalização do regime, que, segundo ele, seria uma “distensão lenta, segura e gradual”. Nessa fase, as oposições, e entre elas o PCB, se engajaram na campanha eleitoral de 1974, para a renovação da Câmara de parte do Senado. A grande vitória do MDB levou o jornal do PCB Voz Operária (que passara a circular clandestinamente a partir de 1965) a publicar o editorial “Apertar o cerco”, no qual se procurava demonstrar que a ditadura estava próxima do fim.

Nesse momento, o PCB sofreu a mais violenta repressão de sua história. Os grupos de extrema-esquerda que haviam aderido à luta armada já tinham praticamente desaparecido ou estavam desativados devido à ação repressiva que sobre eles desencadeara o regime militar. Restava o PCB, que durante esses anos mantivera uma ação limitada. Entre 1974-1975, os órgãos de repressão policial-militar prenderam e mataram dez dos 20 integrantes do CC. Foram eles: Davi Capistrano da Costa, que voltara ao Brasil clandestinamente, Luís Inácio Maranhão Filho, João Massena Melo, Válter Ribeiro, Elson Costa, Jaime do Amorim Miranda, Hiram Lima Pereira, Itaci José Veloso, Orlando Bonfim Júnior e Nestor Veras. Outros, como Marco Antônio Tavares Coelho, Osvaldo Pacheco, Fernando Pereira Cristino, Aristeu Nogueira, Renato Guimarães, Teodoro Jerkon, Francisco Gomes, membros do CC, foram presos e torturados.

A partir da prisão de Marco Antônio e dos gráficos da Voz Operária, teve início a prisão de grande número de comunistas, inclusive das direções estaduais do PCB. Os únicos comitês estaduais que sobreviveram à repressão foram os do antigo estado da Guanabara e do Rio de Janeiro. O jornal Voz Operária deixou de circular, só voltando a ser editado no exterior, a partir de abril de 1976. O número de presos pertencentes aos quadros do PCB durante o período 1974-1976 é calculado entre setecentos e mil. O partido sofreu uma completa desorganização e desestruturação. A permanência no Brasil dos dirigentes que sobreviveram à ação dos órgãos de repressão tornou-se insustentável, o que levou um grande número a deixar o país, passando o CC a funcionar no exterior. Alguns membros ficaram na União Soviética, outros em países do Leste Europeu, e ainda um grande número passou a residir na Europa ocidental, principalmente na França, Itália e Portugal.

No exterior, o PCB retomou a edição do jornal Voz Operária, por meio do qual eram discutidas questões que mais tarde iriam provocar uma nova cisão dentro do partido. As divergências que nesse momento já se manifestavam, além de incluir questões de organização e administração, abrangiam problemas como o do pluripartidarismo no Estado comunista, da luta armada como meio para conquistar o poder, da aceitação ou não da ditadura do proletariado, assim como o problema da independência do partido em relação à orientação soviética. Essas questões faziam parte das preocupações dos partidos comunistas italiano, francês e espanhol e deram origem a uma nova orientação política conhecida como o “eurocomunismo”. Ainda eram discutidos os problemas relativos ao capitalismo brasileiro, que, com a intensificação da industrialização, tornara-se bem mais complexo. Para alguns comunistas brasileiros, o socialismo no Brasil não passava necessariamente pela apropriação indiscriminada de todos os meios de produção. O capitalismo brasileiro estaria mais próximo do espanhol e distante das nações pobres do Terceiro Mundo.

As divergências estavam também ligadas à luta pelo poder, pois se de um lado Prestes procurava manter o controle e centralização das decisões, de outro, o grupo liderado por Giocondo Dias defendia a tomada de decisões em um colegiado e a maior democratização do partido.

Em reunião realizada no exterior em março de 1977, o CC aprovou o documento Resolução política, que analisava a situação política brasileira. Os dirigentes comunistas concluíram que existiam evidências de “falência da política econômica e social” instaurada pelo regime militar, embora não considerassem que esse regime estivesse próximo do fim. Indicavam que havia sinais de descontentamento, manifestados por vários setores da sociedade, e concluíam pela necessidade de concretização da ideia de formação de uma frente antifascista e patriótica. A formação dessa frente vinha há muito sendo defendida pelos comunistas, e nesse momento ela era vista como o único “instrumento capaz de transformar a liquidação do fascismo num movimento de grande envergadura, numa verdadeira revolução antifascista e democrática”.

Todavia, a estratégia da frente antifascista, tal como estava enunciada na Resolução política, não contava com a unanimidade dos dirigentes do partido. Em outro documento, aprovado pelo CC em dezembro de 1977, havia uma análise da situação econômica e política do Brasil e uma caracterização do movimento de oposição à ditadura. Este era visto como heterogêneo, englobando “segmentos provenientes de grupos, camadas e classes sociais diversas, e cujos interesses na luta comum travada contra o fascismo não são idênticos. Existem, no seu interior, ideologias diferenciadas, que vão do liberalismo ao socialismo, que espelham as diferenciações de classe inerentes a qualquer movimento social que se opõe a uma ditadura com as características da brasileira. Este movimento, entretanto, possui uma sólida base de unidade, que se vem desenvolvendo e ampliando nos últimos anos: a luta pelo restabelecimento de um regime democrático”. Dizia ainda o documento que o PCB lutava pela constituição de uma frente antifascista e patriótica. Mas essa era entendida “em sua concepção mais do que em uma determinada configuração, porque não temos a pretensão inútil de ditar a forma que poderá assumir concretamente. Uma frente é algo que resulta de coincidências que se transformam em acordos realizados por seus componentes”.

O documento defendia por fim a necessidade de uma campanha pela convocação de uma assembleia nacional constituinte, livre e democraticamente eleita, para que o país pudesse alcançar o regime democrático. Observa-se que o documento dava uma grande ênfase à construção da unidade pela democracia.

A luta ideológica foi-se aprofundando dentro do CC, com duas posições nítidas, uma mais próxima do eurocomunismo e outra chamada de “ortodoxa”, que se identificava com as posições da União Soviética. A luta pelo controle do aparelho partidário corria paralela às dissensões de caráter ideológico. Luís Carlos Prestes tentou fazer de José Sales, que era integrante do CC, seu sucessor, com o apoio de sua filha Anita Prestes, que também passara a integrar o CC. Sales foi nomeado, por indicação de Prestes, coordenador do trabalho da comissão executiva do CC, cargo que não existia antes. Caso se concretizasse essa nomeação, o cargo de coordenador viria a se chocar com o de secretário-geral do PCB. Os membros do CC, embora contrários à nomeação, aprovaram-na. Entretanto, pouco tempo depois, em janeiro de 1979, em reunião do CC, Sales foi afastado da comissão executiva sob a acusação de malversação de fundos do partido. Nessa reunião, Anita Prestes renunciou à condição de membro do CC e Prestes pediu a expulsão de José Sales. O pedido não foi aceito e uma comissão de averiguação foi instituída para apurar as acusações que pesavam sobre ele. A comissão não conseguiu provas que justificassem as acusações e a expulsão. Luís Carlos Prestes, a partir de então, incompatibilizou-se com a maioria dos integrantes do CC.

Em meados de 1979, Voz Operária anunciava os preparativos para a convocação do VII Congresso do PCB, o que parecia ser o resultado da pressão do grupo liderado por Giocondo Dias e do grupo de contestação à linha pró-soviética, que tinha à frente Armênio Guedes. O congresso, segundo eles, permitiria o confronto entre as correntes divergentes.

 

A cisão de Prestes

Em setembro de 1979, após a Lei da Anistia, começou o retorno ao Brasil dos dirigentes do PCB. Ao chegar, Giocondo Dias defendeu a “unidade de todas as forças de oposição em uma frente ampla para objetivar a conquista da democracia”, e iniciou a campanha pela legalização do partido. Armênio Guedes, ainda em Paris, às vésperas de seu embarque para o Brasil, sintetizou o pensamento do grupo renovador quanto à orientação que deveria seguir o PCB. Ao contrário de Prestes, Armênio não acreditava que a passagem ao socialismo no Brasil se faria por meios violentos, pois sua conquista por meio da luta armada o tornaria um regime de tipo autoritário e não um socialismo de tipo democrático. Por outro lado, Armênio dizia que não era aquele o momento de discutir a passagem para o socialismo, pois o Brasil vivia uma fase de luta pela redemocratização e não de transição para o socialismo. Não acreditava também que a passagem do regime militar ao democrático se fizesse por meio de rupturas violentas, mas sim de forma gradual sob pressão do movimento democrático.

Ao chegar ao Brasil, Prestes mostrou-se contrário à realização do VII Congresso. Seria necessário que em primeiro lugar o partido obtivesse a legalização de sua legenda junto ao TSE, e enquanto existisse a Lei de Segurança Nacional não haveria condições para a convocação imediata de um congresso democrático. De acordo com Prestes, o VII Congresso realizado nas condições daquele momento seria na verdade uma farsa. Os comunistas deveriam, segundo ele, desenvolver uma ampla campanha pela legalização do PCB, “desmascarando o anticomunismo daqueles que a pretexto de defender uma suposta democracia pugnam pela manutenção dos odiosos preceitos da Lei de Segurança Nacional que proíbe a reorganização do Partido Comunista”.

Em março de 1980, em documento intitulado Carta aos comunistas, Prestes denunciou a falência da direção do partido, responsabilizando-a inclusive pelas prisões dos dirigentes comunistas entre 1974-1975, por não ter tomado as providências necessárias para impedi-las. Acusou a direção do partido de ser incapaz de exercer o papel para o qual fora eleita e de não obedecer ao princípio da direção coletiva. Reclamou da falta de democracia interna e afirmou: “Não posso admitir que meu nome continue a ser usado para dar cobertura a uma falsa unidade, há muito inexistente. Reconhecendo que sou o principal responsável pela atual situação a que chegaram o PCB e sua direção, assumo a responsabilidade de denunciá-la a todos os companheiros, apelando para que tomem os destinos do movimento comunista em suas mãos”.

Em sua carta, Prestes analisava também o que considerava “erros e desvios na orientação política do PCB”, afirmando: “Vejo a luta pela democracia em nossa terra como parte integrante da luta pelo socialismo”. E mais adiante: “Nós comunistas não podemos abdicar de nossa condição de lutadores pelo socialismo, restringindo-nos à suposta democracia que nos querem impingir agora os governantes, nem às conquistas muito limitadas alcançadas pela atual ‘abertura’ que na prática exclui as grandes massas populares”.

Considerava ainda que o partido não podia “abdicar de seu papel revolucionário e assumir a posição de freio dos movimentos populares”. Afirmava que, para a formação de uma “efetiva frente democrática de todas as forças que se opõem ao atual regime, é necessário que se unam às forças de esquerda — quer dizer, àquelas que lutam pelo socialismo — no trabalho decisivo de organização das massas ‘de baixo para cima’; que elas se aglutinem, sem excluir também entendimentos entre seus dirigentes, com base numa plataforma de unidade de ação, e que, dessa maneira, cheguem a reunir em torno de si os demais setores oposicionistas, tornando-se a força motriz da frente democrática”. Indicava como pontos básicos para a formulação do programa “a liquidação do poder dos monopólios nacionais e estrangeiros e do latifúndio”, o que seria obtido com a formação de um bloco de forças antimonopolistas, anti-imperialistas e antilatifundiárias capaz de assumir o poder e dar início a essas transformações.

As declarações de Prestes através de sua carta de março lhe valeram a destituição do cargo de secretário-geral do PCB. Em maio Prestes procurou o apoio da União Soviética, viajando em junho para Moscou, mas não encontrou interlocutores para suas críticas aos novos detentores do poder dentro do partido. Giocondo Dias assumiu oficialmente o cargo que Prestes ocupara durante 37 anos. Armênio Guedes e Hércules Correia, por terem se manifestado pela imprensa contra Prestes, foram substituídos na comissão executiva por Luís Tenório de Lima e Givaldo Siqueira. Gregório Bezerra solicitou seu desligamento do CC até a realização do VII Congresso. Na mesma época, a nova direção do PCB lançou um novo jornal, Voz da Unidade. Em outubro, aVoz Operária voltou a circular clandestinamente com o número 161 e com a orientação de apoio a Prestes, acusando a direção do PCB de “direitista” e de seguir uma política de “conchavos de cúpula”.

A nova secretaria executiva do PCB convocou para o primeiro semestre de 1982 o VII Congresso do partido e lançou as teses para debate. Afinal, em dezembro de 1982 o encontro teve início em São Paulo, sob a direção de Giocondo Dias. O VII Congresso não chegou, contudo, a se realizar, pois a polícia invadiu o local e prendeu os participantes, que foram liberados logo depois. Em janeiro de 1984, Prestes se desligou oficialmente do partido. As teses do VII Congresso só foram discutidas em 1984, momento em que a revolução brasileira foi definida como democrática-nacional, e não mais como nacional-democrática. Segundo os congressistas, não se tratava de uma mera inversão formal, e sim de dar prioridade à questão democrática, pois sem democracia não poderia haver avanços na luta da classe operária. A luta pelo socialismo só poderia ser realizada com democracia. E o socialismo seria uma etapa de transição para o comunismo.

Os anos 1980 significaram para o PCB não só a saída de Prestes, mas a de grande número de intelectuais, que passaram a integrar o Partido dos Trabalhadores (PT). Outros militantes se filiaram ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) ou ao Partido Democrático Trabalhista (PDT).

Em 8 de maio de 1985, PCB teve seu programa, estatuto e manifesto publicados no Diário Oficial da União, o que significava reconquistar a legalidade perdida em 1947. Em janeiro anterior, o Colégio Eleitoral elegera Tancredo Neves e José Sarney para a presidência e vice-presidência da República. Foram os primeiros civis eleitos desde o movimento militar de 1964. A partir dessa eleição, ainda indireta, para os cargos supremos da República, teve início a chamada Nova República. Com a doença e morte de Tancredo Neves, porém, José Sarney assumiu a presidência em março e foi efetivado em abril. A partir de então, alguns partidos se manifestaram a favor da diminuição do mandato do presidente. O PCB mostrou-se contrário a essa proposta, defendendo a legitimidade de Sarney e apoiando seu governo. Quando, a partir de maio de 1985, foi deflagrada uma série de greves no país, o PCB, embora de acordo com elas, chamou a atenção para o perigo da radicalização e do confronto.

 Em outubro de 1985, o Executivo apresentou ao Congresso uma emenda que conferia poderes constituintes aos parlamentares que seriam eleitos em novembro de 1986. O PCB, ao lado do PMDB, do Partido da Frente Liberal (PFL), do PCdoB e de setores do Partido Democrático Social (PDS), apoiou a emenda. Em 28 de fevereiro de 1986, ao ser lançado o Plano Cruzado, que congelava os preços com o objetivo de controlar a inflação, o PCB também apoiou a medida. Ainda em 1986 foi lançada a revista Novos Rumos, publicação do Instituto Astrogildo Pereira, um dos centros de estudos do PCB.

Em 17, 18 e 19 de junho de 1987 reuniu-se o VIII Congresso (extraordinário) do PCB. O objetivo era discutir a orientação futura e eleger uma nova direção nacional. Salomão Malina e Roberto Freire foram eleitos respectivamente presidente e vice-presidente do partido. Os debates se travaram em torno da débil inserção do PCB no movimento operário e de questões ligadas à democracia e à luta de classes. Os comunistas declararam que a “luta pela democracia, pela manutenção, ampliação e aprofundamento das conquistas alcançadas no Estado de Direito Democrático é parte integrante da luta pelo socialismo, via democracia de massas”.

 

A crise de 1991 e o PPS

No IX Congresso, realizado em maio/junho de 1991 no Rio de Janeiro, teve início a discussão sobre a dissolução do PCB. A situação dos países comunistas do Leste europeu, aliada às transformações em curso na União Soviética, provocou internamente o debate sobre os rumos do comunismo e do partido. De toda forma, houve grande resistência à proposta de dissolução, e ela não foi posta em pauta para votação. Mas o golpe de Estado que destituiu Mikail Gorbatchev da presidência da República e o consequente fechamento do Partido Comunista da União Soviética, em agosto de 1991, foram decisivos para reverter as posições dentro do PCB. Nos dias 25 e 26 de janeiro de 1992, o PCB realizou seu X Congresso (também extraordinário) no Teatro Zaccaro, na cidade de São Paulo, e ao fim da reunião o PCB foi declarado extinto.

As transformações ocorridas nos países socialistas e as modificações programáticas sofridas pelo PCB nos últimos anos haviam sido de tal ordem que não era possível a manutenção da mesma estrutura organizacional e da mesma orientação ideológica. Assim, foi abolido o modelo partidário marxista-leninista, junto com os símbolos tradicionais do comunismo, a foice e o martelo, o nome e a sigla do partido. De acordo com os congressistas, aquele não era um ato de extinção pura e simples, mas de transformação: o novo partido criado no fim do Congresso, denominado Partido Popular Socialista (PPS), deveria ser o herdeiro do velho PCB.

Muitos comunistas, entre os quais Paulo Cavalcanti e Oscar Niemeyer, não aceitaram porém a decisão de extinguir do PCB. Puseram em dúvida a legitimidade do congresso e resolveram recorrer à Justiça. No mesmo dia da extinção, foi realizada uma reunião no Colégio Roosevelt, em São Paulo, e proposta uma Conferência Nacional de Reorganização do PCB. Entre os dias 25 e 28 de março de 1993, o grupo organizou novo congresso, decidido a manter o nome, a sigla e o mesmo símbolo do partido. Em alguns atos políticos ocorridos no período, como a campanha em favor do impeachment do presidente da República Fernando Collor de Melo em 1992, e a campanha eleitoral de 1994, esses comunistas se apresentaram em nome do PCB. Afinal, em maio de 1996, o Partido Comunista Brasileiro conseguiu seu registro definitivo no TSE. Cumpriu a exigência de criar diretórios em 20% dos municípios de pelo menos nove estados da Federação – conseguindo, segundo seus dirigentes, representação em 20 estados – e passou a ser presidido por Zuleide Faria de Melo.

Nas eleições de 1998, o PCB integrou a coligação de partidos de esquerda que apoiou a candidatura de Luís Inácio Lula da Silva, do PT, à presidência da República. Lula obteve 31,71% dos votos, mas foi derrotado no primeiro turno por Fernando Henrique Cardoso, candidato do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), então reeleito. No Rio de Janeiro, a frente integrada pelo PCB conseguiu eleger Anthony Garotinho, do PDT, para o governo do estado. Em São Paulo, porém, a candidata da frente, Marta Suplicy, também do PT, terminou o primeiro turno em terceiro lugar. Nenhum representante foi eleito pelo partido para o Congresso Nacional.

Após apoiar a eleição de Lula para a presidência da República em 2002, o PCB, em seu XIII Congresso, realizado em 2005, rompeu com o governo sob o argumento de que este se caracterizava pela continuação de uma política neoliberal. Ainda em 2005, foi reativada a União da Juventude Comunista (UJC).

Nas eleições de 2006, o PCB participou da Frente de Esquerda, coalizão de visão socialista e classista formada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU), apoiando a candidatura de Heloísa Helena à presidência da República.

Em 2007, o PCB tinha 20 vereadores e dois vice-prefeitos, além de um deputado estadual no Amapá, Jorge Sousa, reeleito em 2006. Porém, nas mesmas eleições de 2006 o PCB não conseguiu eleger representantes no Congresso, obtendo votações abaixo de 0,5% do total de votos válidos no território nacional. Nas eleições municipais de 2008, lançou 43 candidatos a prefeito e setecentos candidatos a vereador em diversas cidades importantes do país. Elegeu 13 vereadores, em nove estados. Em 2009, o secretário-geral do PCB era Ivan Martins Pinheiro, e a presidente nacional do Partido era Zuleide Faria de Melo.

Em 2009 promoveu seu XIV Congresso Nacional no Rio de Janeiro onde aprovou as teses defendendo a necessidade do Brasil construir uma ampla frente anticapitalista e anti-imperialista para a construção da revolução socialista.

No ano seguinte, o PCB lançou seu secretário geral, Ivan Pinheiro como candidato à presidente da República. Ele recebeu 0,04% do total de votos ficando em 8º lugar. O Partido apresentou candidatos na maioria dos estados da federação.

 

 

Alzira Alves de Abreu

 

 

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