MILAGRE ECONÔMICO BRASILEIRO

MILAGRE ECONÔMICO BRASILEIRO

 

De 1967 a 1973 o Brasil alcançou taxas médias de crescimento muito elevadas e sem precedentes, que decorreram em parte da política econômica então implementada principalmente sob a direção do Ministro da Fazenda Antônio Delfim Neto mas também de uma conjuntura econômica internacional muito favorável. Esse período (e por vezes de forma mais restrita os anos 1968-1973) passou a ser conhecido como o do “milagre econômico brasileiro”, uma terminologia anteriormente aplicada a fases de rápido crescimento econômico no Japão e em outros países. Esse “milagre econômico” foi também, em certa medida, o desdobramento de diagnósticos e políticas adotados entre 1964 e 1966 por Otávio Gouveia de Bulhões e Roberto de Oliveira Campos, respectivamente ministros da Fazenda e do Planejamento do governo Castelo Branco, e consubstanciados no Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG).

Quanto às principais personalidades envolvidas com a política econômica no período, cabe recordar que, no início de 1967, Castelo Branco foi sucedido por Costa e Silva na presidência da República. Delfim Neto foi então nomeado ministro da Fazenda e Hélio Beltrão recebeu a pasta do Planejamento. Em 1969, com a doença e morte de Costa e Silva, após o breve período de transição da junta militar, Garrastazu Médici assumiu a presidência e João Paulo dos Reis Veloso o cargo de ministro do Planejamento.

De 15/3/1967 a 15/3/1974, Delfim Neto permaneceu à frente do Ministério da Fazenda, mantendo uma orientação para a condução da economia inalterada em suas linhas gerais, o que justifica a abordagem dos sete anos (de 1967 a 1973) como um único período do ponto de vista da política econômica. A ele coube a escolha dos presidentes do Banco Central, inicialmente Rui Leme e depois Ernâni Galveias, e sua influência foi determinante para a definição dos rumos da economia.

A nova equipe econômica que assumiu em 1967 e que em parte tinha origens acadêmicas dificilmente poderia negar os progressos alcançados pela administração anterior em várias frentes e, quanto ao diagnóstico da crise, não discordaria da hipótese de que, nos anos anteriores, o processo inflacionário brasileiro poderia ser caracterizado como resultante de uma “inflação de demanda”. Esta, no entanto, já parecia em boa medida enfrentada, pelo menos em suas causas básicas.

O novo governo logo anunciaria uma estratégia bastante semelhante à do governo anterior: a busca do crescimento econômico promovido pelo aumento de investimentos em setores diversificados; uma diminuição do papel do setor público e o estímulo a um maior crescimento do setor privado; incentivos à expansão do comércio exterior e, finalmente, uma elevada prioridade para o aumento da oferta de emprego e outros objetivos sociais. No entanto, esses objetivos claramente não tinham sido alcançados no governo Castelo Branco e essa constatação levou a um novo diagnóstico de certos problemas da economia e, em particular, das causas da inflação remanescente.

Necessidades de ordem política também pareciam exigir uma retomada do crescimento, para legitimar o regime. Esta somente poderia ocorrer no contexto de um programa de redução da inflação que não resultasse em uma contenção “indevida” da demanda. A existência de significativa capacidade ociosa no setor industrial sugeria que a produção poderia reagir a estímulos adequados. Por outro lado, a nova equipe estava convencida de que a pressão sobre o nível dos preços era principalmente oriunda da área de custos (notadamente o custo do crédito). A ação sobre os preços através de controles diretos passaria logo a merecer maior atenção do governo e permitiria compatibilizar uma queda do ritmo de aumento dos preços (de caráter mais gradual do que aquele que a administração anterior pretendera), com taxas de crescimento da produção e do emprego mais elevadas.

Essa mudança de ênfase foi explicitada nas Diretrizes de Governo e no resumo do Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED) dados a público em julho de 1967 pelo Ministério do Planejamento. O diagnóstico coordenado pelo EPEA (Escritório de Pesquisa Econômica Aplicada, depois transformado em instituto, o IPEA) identificava como dois problemas básicos a debilitação do setor privado e a pressão excessiva exercida pelo setor público, e propunha linhas de ação e o uso de instrumentos específicos para corrigir as distorções da economia.

Apresentaram-se a seguir alguns dos aspectos básicos da política econômica implementada a partir desse diagnóstico de 1967 e do PED, que seriam complementados por diversas manifestações públicas das autoridades econômicas nos anos seguintes e, já no governo Médici, pelo documento Metas e bases para a ação do governo (de setembro de 1970), ao qual se seguiria o I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) para 1972-1974, publicado em 1972, com metas por setores de atividade econômica.

Um maior estímulo à demanda foi dado, já a partir de 1967, através de políticas monetária, creditícia e fiscal mais flexíveis, que se tornariam nos anos seguintes gradualmente expansionistas. Foi particularmente notável a expansão do crédito, especialmente do crédito ao consumidor e à agricultura. A concessão de isenções fiscais e de juros favorecidos ao setor agrícola, aliada a um maior volume de crédito, tinha entre outros objetivos o de assegurar uma oferta adequada de alimentos (cujo impacto sobre os índices de inflação era significativo), estimular as exportações de produtos primários e, talvez sem a mesma ênfase, aumentar a renda agrícola e conseqüentemente corrigir desequilíbrios regionais e reduzir o êxodo rural.

Destinaram-se também significativos recursos para a construção de residências e aquisição de moradias através do Sistema Financeiro de Habitação (SFH). Criaram-se subsídios adicionais, facilidades creditícias e reduziram-se os entraves burocráticos para aumentar as exportações e diversificar mercados especialmente de produtos manufaturados, que também foram muito beneficiados pela adoção do regime de minidesvalorizações cambiais a partir de 1968. Criava-se assim, também, um clima favorável para o investimento estrangeiro e para um acesso mais fácil do país a empréstimos externos.

Com as finanças públicas “saneadas” pela administração anterior e recorrendo crescentemente à emissão de títulos para o financiamento das suas necessidades de recursos, o governo pode manter elevado o nível de dispêndio, especialmente em novos investimentos de infra-estrutura, com importantes efeitos sobre o setor privado. Não ocorreu, no entanto, um inchaço relativo das administrações públicas nos seus vários níveis no período, pois estas, apesar de apresentarem uma poupança líquida, diminuíram a sua participação no investimento total e mantiveram aproximadamente estável ou em ligeiro declínio a participação do seu consumo final no Produto Interno Bruto (PIB). Por outro lado, cresceu significativamente o investimento das empresas estatais, observando-se um aumento da sua participação no PIB e no total da formação bruta de capital. Essas empresas recorreram também, de forma crescente, a empréstimos externos, o que era bem visto pelas autoridades econômicas, inicialmente preocupadas em garantir certa acumulação de reservas cambiais. Nesse contexto, diante do maior equilíbrio das contas públicas, o governo não hesitou em lançar mão de um amplo esquema de subsídios e incentivos fiscais para promover setores e regiões específicas, e que passaram a fazer parte da política industrial do governo. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) manteve o seu importante papel de financiador de investimentos do setor público, mas passou a conceder uma proporção crescente dos seus empréstimos ao setor privado, que após 1968 passou a receber mais da metade do total dos financiamentos.

Preocupada com custos, a nova equipe manteve a política salarial anterior, ainda que atenuando os seus efeitos negativos sobre o salário real e, portanto, sobre a demanda. Concentrou um esforço especial na contenção das taxas de juros pagas pelos tomadores do setor privado, inclusive através de incentivos ao setor bancário (compulsório remunerado), da fixação temporária de tetos de juros e através do estímulo à concentração bancária. A contenção de custos deveria incluir, numa segunda etapa, o controle de preços dos insumos e de produtos selecionados que se iniciara no governo anterior com a Conep (com caráter voluntário) e depois passou a ser implementado compulsoriamente pelo Conselho Interministerial de Preços (CIP), a partir de 1968. A nova equipe considerou basicamente encerrado o período de “inflação corretiva”, que envolveu o realinhamento de preços e tarifas do setor público entre 1964 e 1967 e que passaria a dar um maior equilíbrio à conta de subsídios diretos do governo federal.

Manteve-se a correção monetária, estabelecida em 1964 para as Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTNs) e posteriormente para a captação e aplicação de recursos no setor habitacional. Gradualmente aquela foi também estendida aos vários instrumentos financeiros da economia. Foi redefinido o papel do redesconto e dos depósitos compulsórios como instrumentos da política monetária. As operações de mercado aberto, que tiveram efeito de contenção da expansão monetária, passaram a ter uma importância crescente no contexto desta política, facilitada a partir de 1970 pela criação das Letras do Tesouro Nacional (LTNs). Com a queda da inflação, ocorreria um forte aumento dos haveres financeiros monetários e não-monetários, a taxas superiores à do PIB, bem como a sua diversificação.

Por outro lado, a adoção de incentivos fiscais (Decreto-Lei nº 157) para o desenvolvimento do mercado de capitais resultou em um boom inicial no mercado de ações, que foi no entanto seguido pela crise das bolsas em 1971, com efeitos duradouros. Falhou assim a tentativa de criar uma ampla base de captação de recursos não-creditícios para as empresas nacionais. Paralelamente tinham sido estimuladas as fusões e incorporações no setor financeiro, mas a evidência disponível não permite afirmar que a concentração bancária observada no período tenha efetivamente resultado em um aumento da eficiência dos bancos remanescentes.

De qualquer forma, a equipe de Delfim Neto aproveitou o espaço criado pela administração anterior e utilizou os instrumentos de política econômica disponíveis para estimular abertamente o crescimento econômico. Mas todas as declarações em favor do desenvolvimento do setor privado e da livre operação do mercado contrastavam com a proliferação de incentivos, novos subsídios ou isenções, intervenção no mercado de trabalho, entre outras iniciativas, que tornavam o papel do governo extremamente importante para viabilizar certas operações do setor privado.

Resultados da política do milagre

O “objetivo básico” definido pelo governo Costa e Silva nas Diretrizes do governo de 1967 e no PED era o desenvolvimento econômico e social; e os “objetivos fundamentais” da política econômica, a aceleração do desenvolvimento e a contenção da inflação.

Entendendo-se desenvolvimento no sentido mais restrito de crescimento econômico, a meta de desenvolvimento com “um crescimento do produto de, no mínimo, 6% ao ano” estabelecida em 1967 foi amplamente ultrapassada, já que a taxa média de crescimento do PIB de 1967 a 1973 foi de cerca de 10,2% e de quase 12,5% entre 1971 e 1973, diante de uma média de cerca de 7% no pós-guerra até o início dos anos 1960. Foi também excedida, portanto, uma das “grandes metas” estabelecidas nas Metas e bases para a ação do governo divulgadas em 1970 pela Presidência da República para o período 1970 a 1973, que era de um crescimento do PIB da ordem “de 7 a 9% ao ano evoluindo para 10%”, com uma média de 9%. Diante de um crescimento da população de cerca de 2,9% ao ano, a segunda grande meta, de aumento do PIB per capita à taxa de cerca de 6%, também foi amplamente alcançada. Entre 1967 e 1973, enquanto a população aumentou de 85,1 milhões para 99,8 milhões de habitantes, o produto per capita cresceu à taxa média de 7,2%.

Quanto ao nível de emprego, não se dispõe de dados abrangentes, mas a meta de crescimento anual, passando “de 2,8% a 2,9% para a ordem de 3,3% na altura de 1973”, parece também ter sido claramente excedida, visto que a interpolação dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1968 a 1973 indica um crescimento das pessoas ocupadas à taxa média anual de 4,3% no período (bastante superior à taxa de crescimento demográfico) e a forte expansão do nível de emprego também é confirmada por indicadores setoriais.

Portanto, não é de surpreender que as taxas de desemprego aberto computadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o período (percentagem de pessoas desempregadas na População Economicamente Ativa–PEA) tenham sido bastante baixas e da ordem de 3% a 4,9% no setor urbano, segundo as regiões, em 1973, e de 0,4% a 2,3% no setor rural, no mesmo ano (PNAD, 1973). Essas taxas encobrem a existência de desemprego disfarçado, para o qual não há estimativas confiáveis para o período, mas parece razoável supor que este se reduziu com a oferta de ocupações mais bem remuneradas no setor formal da economia.

Outra “grande meta” era um aumento do nível real de investimento fixo bruto da ordem de 58% de 1969 para 1973. A idéia básica era elevar progressivamente o investimento “da média recente de 15% a 16% [do PIB] para mais de 18%, até 1975” (a preços constantes). Entre 1971 e 1973, a preços constantes de 1980, a formação bruta de capital fixo correspondeu em média a 21% do PIB, alcançando 22,4% em 1973. Apenas no período 1970 a 1973, o aumento real do nível de investimento foi da ordem de 62,9%, novamente ultrapassando a meta estabelecida em 1970. Não parece, porém, ter ocorrido uma clara diminuição da contribuição do investimento público para o investimento total, que fora um dos objetivos explicitados em 1967, visto que houve um forte aumento dos investimentos das estatais no período (20% ao ano em termos reais entre 1967 e 1973), mantendo possivelmente a participação do setor público como um todo em cerca de 50% do investimento total ou ligeiramente abaixo desse percentual.

Enquanto os investimentos do governo em infra-estrutura representaram uma demanda que contribuiu para a consolidação da indústria doméstica de bens de capital, foi particularmente notável o aumento de demanda e da produção de bens de consumo durável. Esse forte aumento tem sido associado com o processo de concentração da renda pessoal que teria ocorrido durante o período em estudo, mas na realidade deveu-se também, em grande parte, à forte expansão do crédito ao consumidor a partir de fins de 1966. Prazos de financiamento generosos, o controle temporário de juros pelo governo e a existência de consórcios tiveram especial impacto na demanda de automóveis, mas também na de eletrodomésticos, que se tornaram acessíveis para uma parcela muito maior da população e cuja produção por empresas do setor privado teve grande expansão.

O processo de formação de capital no período 1967-1973 foi significativamente influenciado pela política industrial iniciada em 1964 e coordenada pelo CDI (Comissão e depois Conselho de Desenvolvimento Industrial). Tal política, entre 1968 e 1973, consistia na concessão bastante indiscriminada de incentivos, na medida em que o CDI aprovava a maioria dos projetos submetidos. Ainda que passível de críticas por certa liberalidade na concessão de incentivos, o CDI, juntamente com o BNDE e especificamente a Agência Especial de Financiamento Industrial (Finame), com programas de empréstimo de até 15 anos, teve papel importante na recuperação da demanda interna e no crescimento do setor de bens de capital.

O financiamento dos investimentos no período 1967-1973, em contraste com o período seguinte, não dependeu fundamentalmente da poupança externa. A formação de capital fixo e a variação de estoques foram em grande parte “financiados” pela poupança nacional bruta. De fato, entre 1967 e 1973 a absorção líquida de recursos do exterior foi de apenas 0,8% do PIB, elevando-se um pouco para 1,2% de 1970 a 1973. Conseqüentemente, o forte crescimento do endividamento externo no período após 1969 seria claramente excessivo em confronto com as necessidades reais de investimento da economia, uma vez recuperado um nível adequado de reservas internacionais em 1967-1968.

O crescimento do produto industrial à taxa anual de cerca de 11%, outra meta ambiciosa do governo, também foi excedido, já que de 1971 a 1973 o aumento real da produção industrial foi da ordem de 14,3% ao ano e entre 1967 e 1970, segundo dados não revistos, fora da ordem de 9,8%. No período 1968-1973 a indústria de transformação cresceu à taxa média de 13,3% ao ano (com um máximo de 16,6% em 1973) e a indústria de construção (forte absorvedora de mão-de-obra) à taxa média ainda mais elevada de 15% ao ano. Os serviços industriais de utilidade pública (principalmente a geração de energia elétrica), que em boa parte estavam sob o controle do governo, também apresentaram crescimento anual, da ordem de 12,1%.

O desempenho do setor primário da economia foi muito satisfatório entre 1969 e 1972, mas 1968 e 1973 foram anos de estagnação. Na média, entre 1968 e 1973 o setor cresceu à taxa de 4,5%, superando amplamente a taxa de crescimento da população no período. O setor terciário teve igualmente uma expansão expressiva entre 1967 e 1973, destacando-se o desempenho do comércio, com média de crescimento anual de 11,1%, e o de transportes e comunicações, com média superior a 13%.

Crescentes exportações de produtos manufaturados beneficiadas por novos incentivos contribuíram para o crescimento industrial, especialmente o de ramos tradicionais como têxteis e calçados. No entanto, o dinamismo do setor industrial no período 1967-1973 deveu-se principalmente à demanda interna, estimulada pelas políticas setoriais do governo, notadamente em relação à agricultura e aos bens de consumo duráveis, bem como à indústria de construção, impulsionada pela Política Nacional de Habitação.

Mais uma grande meta, a de um aumento das exportações em dólares de 46% entre 1969 e 1973, passando para 3,322 bilhões, foi até modesta, visto que naquele ano as vendas externas totalizaram 6,199 bilhões. De fato, entre 1967 e 1973 ocorreu um grande aumento das exportações, acompanhado por maior diversificação da pauta e por uma crescente participação dos produtos manufaturados, bem como por uma mudança da importância relativa de certos parceiros comerciais do país (o Mercado Comum Europeu tornou-se o principal mercado comprador em detrimento dos EUA, que passaram para a segunda posição). Observou-se também um forte aumento de importações, notadamente de bens de capital, graças à existência de isenções e incentivos específicos da política industrial. Assim, o comportamento da balança comercial foi muito influenciado pela política econômica do governo.

Efetivamente, a partir de 1967 os incentivos às exportações foram ampliados e em 1968 o Conselho de Comércio Exterior (Concex) definiu como objetivos básicos o aumento da competitividade dos produtos brasileiros em geral, a diversificação de produtos exportados e de mercados e um aprovisionamento interno adequado de bens importados. Para alcançar tais objetivos, a política de exportação passou a incluir os seguintes instrumentos: a) medidas fiscais e creditícias diretas, incluindo isenções e créditos de impostos; b) uma política cambial muito mais flexível, através do sistema de “minidesvalorizações” cambiais periódicas; c) diversas medidas indiretas, incluindo a desburocratização administrativa, promoção de produtos no exterior e melhor infra-estrutura, bem como a formação de empresas comerciais exportadoras (trading companies). Para administrar os novos incentivos à exportação foi criada a Comissão para Concessão de Benefícios Fiscais e Programas Especiais de Exportação (Befiex).

Assim, a taxa média de crescimento do valor corrente das exportações no período 1967-1973 foi da ordem de 24,6%, enquanto o volume das vendas externas crescia 13,1% ao ano. A participação dos produtos manufaturados aumentou para 31,3% do total em 1973, mas a contribuição dos produtos primários continuou crucial para o aumento do valor exportado. O conjunto de produtos de soja aumentou sua participação de menos de 2% em 1967-1968 para 14,8% em 1973, enquanto a do café diminuía de 42% para 27,8%, reduzindo-se definitivamente a histórica dependência das exportações do país com relação a esse produto. No entanto, contribuiu também para o aumento do valor das exportações o crescimento do seu valor unitário, fruto de uma conjuntura internacional favorável entre 1967 e 1973 em que o índice de relações de troca (a relação entre os índices de preços de exportação e de importação) do Brasil aumentou cerca de 15%.

Uma nova tarifa alfandegária, preparada na administração anterior, foi promulgada no primeiro trimestre de 1967, envolvendo uma redução linear de alíquotas, e essa tarifa não sofreu maiores alterações nos anos seguintes. Sob o novo regime tarifário, as isenções de imposto de importação continuaram importantes para certas mercadorias, mas a tarifa fazia uma clara discriminação entre bens produzidos ou não internamente, taxando mais pesadamente também os bens de produção doméstica. A média das tarifas de importação efetivamente realizadas (valor arrecadado sobre valor das importações) baixou de 13% em 1969 para menos de 8% em 1974.

O valor das importações, que consistiam principalmente de petróleo e outras matérias-primas e bens intermediários, também cresceu consideravelmente entre 1967 e 1973 (a uma taxa de 27,5%, superior à das exportações) enquanto o seu volume se expandia à taxa de 18,3% ao ano. Muitas importações se beneficiaram de isenções, como no contexto de projetos aprovados pelo CDI, enquanto as importações de bens de consumo manufaturados se tornaram negligenciáveis. Assim, a balança comercial, que fora fortemente positiva no período de 1964 a 1966, permaneceu positiva entre 1967 e 1970, mas acabou tornando-se negativa em 1971 e 1972, voltando brevemente a um equilíbrio em 1973.

Porém, de um ponto de vista quantitativo, todas as grandes metas estabelecidas pelo governo Médici em 1970 para o período 1970-1973 foram amplamente alcançadas e a aceleração do crescimento, objetivo básico do governo Costa e Silva, também superou as expectativas.

O segundo “objetivo fundamental” além do crescimento acelerado, a contenção da inflação, foi alcançado durante boa parte do período, embora, na realidade, a inflação já se encontrasse novamente em ascensão em 1973. Porém, a meta de 1970 do governo Médici de “relativa estabilidade de preços [ou seja] um ritmo de inflação inferior a 10% ao ano ainda no mandato” foi frustrada.

Dada a ênfase concedida ao crescimento econômico, a equipe do ministro Delfim Neto admitiu de início o convívio com taxas de inflação ainda relativamente elevadas, inicialmente na faixa de 25% a 30%, e mais tarde em volta ou um pouco abaixo de 20%, e optou por generalizar o controle compulsório de preços através do CIP. Institucionalizaram-se os reajustes de preços com base nas variações de custos, submetendo-se eventuais pedidos de reajustes a uma série de critérios. Os princípios gerais de atuação do CIP permaneceriam inalterados entre 1969 e 1973.

Nos primeiros anos (1967-1968) ocorreu uma redução do ritmo de crescimento dos preços para cerca de 25%. Em 1969, a escassez de produtos agrícolas freou uma queda mais acentuada do custo de vida enquanto o aumento dos preços por atacado não excedia 20%. Já em 1970, a maioria dos indicadores de fim de ano mostrava aumento dos preços ao consumidor inferior a 20%. Após pequeno aumento dos vários índices de inflação em 1971, ocorreu novo recuo em 1972, mas a partir desse momento os índices oficiais, principalmente em 1973, sofreram o forte impacto de preços tabelados que, na prática, eram amplamente desrespeitados. Nesse ano, a variação média do Índice do Custo de Vida (ICV) do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas, de 12,6%, contrastava com a de 26,1% do índice calculado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE). De fato, o controle de preços já não podia encobrir, no final de 1973, o recrudescimento do processo inflacionário associado com o elevado nível de atividade da economia. Mário Henrique Simonsen, ao assumir a pasta da Fazenda em 1974, reestimaria a taxa de variação acumulada do ICV do Rio em 1973 de 13,7% para 26,6% e a do Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI) de 15,7% para 19,3%. As tensões resultantes do tabelamento, inclusive com o surgimento de “mercados paralelos”, iriam se agravar com o primeiro “choque do petróleo”.

Quanto ao balanço de pagamentos, nas metas da Presidência da República pretendia-se em 1970 “uma política nacional, atendendo aos requisitos do desenvolvimento” e uma “ampliação das importações de mercadorias, principalmente de bens de capital e matérias-primas industriais, de 7% a 9% ao ano. Para evitar [um] aumento rápido do endividamento externo e tendo em vista o nível do serviço da dívida já existente, [enfatizava-se] a necessidade de expansão da receita de exportações pelo menos à taxa média de 7% a 10% ao ano, de modo a financiar parcela crescente das importações”. Como já se viu, tanto as exportações como as importações cresceram a taxas bem mais elevadas do que as pretendidas, mas não se evitou o aumento do endividamento externo bem além das necessidades reais do país em termos de reservas internacionais. Assim, juntamente com a inflação, a dívida externa se apresentava em 1973 como uma das áreas da economia com problemas potencialmente crescentes a serem enfrentados pela administração seguinte.

O processo de crescimento da dívida e de acumulação de reservas não resultou diretamente de um planejamento consciente por parte do governo. No início do governo Costa e Silva, em 1967 e 1968, as reservas se encontravam em um nível insuficiente, sendo desejável uma acumulação adicional de reservas. Porém, sem um comportamento favorável da conjuntura internacional, provavelmente muito pouco poderia ter sido feito para garantir esse propósito. Foi, portanto, muito importante que até 1973 o Brasil pudesse contar não somente com uma demanda externa firme e crescente por suas exportações e uma melhora nas suas relações de troca, mas também com uma expansão contínua da liquidez nos mercados financeiros internacionais, recorrendo regularmente a empréstimos de fontes privadas, com prazos mais longos e menores taxas de risco (spreads). Mas o crescente envolvimento de credores privados implicou taxas de juros mais elevadas do que as dos empréstimos de fontes oficiais. Esta mudança de estrutura do endividamento resultou em aumento do “custo médio da dívida externa” e em um ligeiro encurtamento do prazo da dívida de médio e longo prazos.

Assim, o serviço da dívida (pagamentos líquidos de juros mais amortizações líquidas) em relação às exportações de mercadorias passou de 38% em 1967 para 29,2% em 1969 voltando ao nível de 35,3% em 1973. Em fins de 1966, a dívida externa bruta de médio e longo prazos alcançava, em dólares, 3,666 bilhões e a dívida líquida 3,245 bilhões. Já no final de 1973, a dívida bruta passara para 12,572 bilhões e a dívida líquida para 6,156 bilhões, enquanto as reservas líquidas alcançavam 5,994 bilhões de dólares.

O desempenho positivo da conta de capital, que apresentou um saldo líquido médio de 1,615 bilhão de dólares, no período 1967-1973, não se deveu apenas ao forte influxo de empréstimos e financiamentos. Ocorreu também uma retomada da entrada de investimentos estrangeiros diretos, que se dirigiam principalmente para o setor industrial. Enquanto, no final de 1966, o estoque de investimentos e reinvestimentos alcançava 1,632 bilhão de dólares, em fins de 1973 esse total passara para 4,579 bilhões, quase triplicando em sete anos em termos nominais e dobrando a preços constantes. Daquele total, 77% estavam investidos na indústria de transformação; 4,2% nos serviços industriais de utilidade pública; 1,7% no setor mineral; 3,5% em bancos e companhias de investimentos e 0,7% no setor agropecuário, cabendo o saldo a serviços diversos. Os principais países investidores eram os Estados Unidos com 37,5% do total; a Alemanha Federal com 11,4%; o Canadá com 7,9%; a Suíça com 7,8%; o Reino Unido com 7,1%; o Japão com 7,0% e a França com 4,5%.

A relação percentual entre as remessas de lucros e dividendos e o estoque de capital entre 1970 e 1973 permaneceu em média em 5,9%, nível relativamente baixo especialmente diante das taxas de lucro bastante elevadas das empresas multinacionais no período e da possibilidade de remessa de até 12% do capital registrado sem adicional de imposto de renda. Conseqüentemente, parece ter ocorrido um forte reinvestimento de capital estrangeiro no país, que se destinou tanto à ampliação e modernização de instalações como à aquisição de empresas existentes, de capital nacional ou estrangeiro. Entre 1967 e 1973, porém, não se observou uma queixa sistemática da indústria nacional contra a desnacionalização, como ocorrera no período 1964-1966.

Os investimentos estrangeiros tiveram papel relevante na expansão da exportação de produtos manufaturados e para o desenvolvimento tecnológico em setores industriais específicos. Foram fatores de grande relevância para a ampliação dos investimentos estrangeiros no Brasil: a) a nova política cambial (favorecendo remessas de lucros e dividendos ou repatriações a taxas de câmbio realistas e uma programação de exportação mais estável por parte das empresas multinacionais); b) a política de incentivo à exportação, que culminou com a criação do Befiex; c) a retomada do crescimento (inclusive com a expansão de setores em que o processo de substituição das importações não se encerrara, como as áreas de bens de capital e insumos básicos); d) a existência de um programa conhecido de investimentos públicos e de uma política industrial favorável, implantada pelo CDI; e) a partir de fins de 1968, com o endurecimento do regime autoritário, a aparentemente maior estabilidade política do país.

Quanto à participação do Estado na economia no início dos anos 1970, cabe observar que em 1973 o governo, nas suas três esferas e nas empresas estatais, segundo dados do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), empregava 3,351 milhões de pessoas, correspondendo a 8,5% da população economicamente ativa e a 19,4% do emprego assalariado urbano (em contraste, por exemplo, com os Estados Unidos, considerado o paradigma da livre empresa, onde o setor público respondia por cerca de 20% dos empregos).

A nova administração empossada em 1967 beneficiou-se das reformas tributária e administrativa implementadas pelo governo anterior e buscou manter uma política de aumento de eficiência da máquina governamental, com uma arrecadação crescente e uma redução relativa dos gastos de custeio visando a redução do déficit público, que foi geralmente bem-sucedida. O Tesouro chegou a ter superávits, na medida em que os juros e a correção monetária da dívida pública e os subsídios ao crédito passaram a ser incluídos somente no orçamento monetário. Foi criado apenas um novo tipo de tributo, o imposto sobre operações financeiras, arrecadado a partir de 1972, e foram mantidos, ao longo do período 1967-1973, importantes incentivos fiscais que representaram uma renúncia de arrecadação dos governos federal e estaduais.

A carga tributária mostrou tendência ascendente no período 1967-1973. Com base em dados de contas nacionais não-revistos, a média da carga tributária bruta teria alcançado 22,4% do PIB em 1965-1969 e os subsídios e transferências teriam totalizado, em média, respectivamente 7,1% e 8,1% do PIB, resultando uma carga líquida de 15,3% no período. De 1970 a 1973, com base nos dados revistos das contas nacionais, a receita tributária bruta foi, em média, cerca de 26% do PIB, enquanto a carga líquida oscilou entre 16,8% e 17,2%. As despesas correntes do governo se reduziram de 8,3% do PIB em 1970 para 7,4% em 1973. De fato, a despesa com pessoal a nível federal se reduziu de 24,6% da despesa total em 1967 para apenas 18% em 1973.

O intervencionismo do governo através da política monetária, creditícia e fiscal foi sem dúvida significativo nos anos 1967-1973, como já se notou com relação ao desenvolvimento do sistema financeiro, do mercado de capitais, à política de juros, à concessão de subsídios e transferências a setores e regiões específicas e na regulamentação da política industrial e, finalmente, através do próprio controle de preços.

Quanto ao controle direto de atividades econômicas, porém, o setor público permaneceria nas áreas já definidas em décadas anteriores a 1964, completando-se apenas, entre 1967 e 1973, a consolidação de certas empresas holdings de serviços públicos e o surgimento de empresas em setores de ponta como a indústria aeronáutica. Ou seja, enquanto empresário o Estado supriu insumos e serviços básicos à economia, gerando importantes economias externas em benefício principalmente do setor privado.

Não se poderia, portanto, falar de um agravamento do “grau de estatização” do país no período do “milagre” e sim de um forte centralismo na condução da economia e de uma crescente dependência de parte do setor privado, principalmente os setores exportadores e agrícola, de subsídios e incentivos governamentais.

Impactos sociais

No que diz respeito aos resultados sociais ou qualitativos de política econômica adotada no período 1967-1973, devem ser contrastados com o significativo crescimento do nível de emprego, a trajetória do salário real e a evolução da distribuição da renda. Nessas duas áreas, os indicadores disponíveis mostram uma evolução desfavorável, que contrasta com os números do crescimento, matizando a idéia de um forte “desenvolvimento” no período, pelo menos sob uma ótica social.

Após 1964, o campo para negociações salariais efetivas entre empregadores e empregados foi consideravelmente restringido. Reduziu-se também o poder de barganha dos trabalhadores com relação a outros tipos de reivindicações, em virtude de progressivas limitações legais ao direito de greve. A Lei nº 5.541 (12/6/1968) introduziu uma mudança na fórmula de cálculo dos salários, visando a corrigir a distorção resultante da subestimação, a cada ano, da inflação prevista, ou seja, do resíduo inflacionário, conforme prática adotada pela administração anterior. Porém, feita essa modificação, a base da política salarial não mais seria alterada até novembro de 1974. Em 1970, nova legislação tornara “permanente” a intervenção governamental nos reajustes, que, por lei anterior, estava limitada a um período de três anos. A legislação trabalhista existente, sendo muito restritiva, não permitiu uma reação efetiva dos empregados contra a política salarial e greves como as de Contagem e Osasco (SP) em 1968 foram reprimidas.

É nesse contexto legal e político que se deve examinar a evolução dos salários reais no período 1967-1973. As várias séries de salários e de índices de preços não resultam em uma evolução uniforme do salário real, mesmo abstraindo-se de problemas metodológicos. Mas qualquer que seja o indicador escolhido, no período 1967-1973 ocorreu uma queda ou estagnação do salário mínimo real, apesar do forte crescimento da economia e da produtividade do trabalho. A série de salários mínimos em São Paulo deflacionada pelo índice de custo de vida do DIEESE (que não tem um comportamento anômalo em 1973) indica uma perda contínua de poder aquisitivo de 1964 a 1974, da ordem de 42%. Entre 1967 e 1973, tal perda teria sido da ordem de 15,1%, enquanto a perda maior, da ordem de 25,2%, teria ocorrido de 1964 para 1967.

A magnitude dessa perda, no entanto, não se estendeu ao salário médio por razões que merecem ser examinadas. Enquanto permanece inequívoco que um trabalhador que ganhou salário mínimo durante o período 1967-1973 não teve qualquer ganho de poder aquisitivo, os dados estatísticos disponíveis indicam que houve uma queda relativa do número de trabalhadores que ganhavam apenas um salário mínimo e um aumento do coeficiente entre o salário médio e o salário mínimo legal, notadamente no setor industrial, que apresentou forte crescimento. Por outro lado, certas categorias de trabalhadores, especialmente os empregados mais qualificados, tiveram aumentos de salários bastante superiores aos da média dos trabalhadores, influenciando positivamente a média global.

Em suma, no período 1967-1973 a política salarial e a política de relações trabalhistas do governo tiveram como resultado uma contenção dos níveis de salário real, dentro do espírito de combate à inflação de custos da nova administração, favorecendo a acumulação de capital via manutenção de elevada taxa de lucro, e possibilitando uma política de remuneração seletiva para o pessoal de nível mais elevado.

Na realidade, as informações sobre distribuição funcional de renda não permitem uma avaliação totalmente satisfatória de sua evolução entre 1967 e 1973. Os dados sugerem alguma concentração em favor das rendas do capital e da propriedade, e em detrimento da “remuneração do trabalho” enquanto as informações já citadas sobre salários sugerem também uma concentração no interior do agregado “remuneração do trabalho” em favor do pessoal da administração, gerência e direção de empresas.

Apesar de alguns problemas metodológicos para a comparação dos dados disponíveis, existe consenso de que ocorreu uma deterioração significativa da distribuição pessoal da renda entre 1960 e 1970 e novamente entre 1970 e 1972, que se deveu a diversos fatores. Assim, o índice de Gini limite inferior, que não supõe desigualdades dentro de cada estrato de renda e é um indicador de desigualdade muito utilizado, teria aumentado de 0,497 em 1960 para 0,562 em 1970 (dados censitários) e para 0,622 em 1972 (dados da PNAD).

Cabe enfatizar que no período, segundo dados do IBGE, quase todos os membros da PEA tiveram aumentos absolutos de seus rendimentos reais. Com exceção do decil menos favorecido em 1960, todos os demais decis apresentaram ganhos de 1960 a 1970. Mas é particularmente impressionante a concentração de renda nas mãos dos 5% mais ricos e da parcela de 1% mais rica. No primeiro caso, a sua participação na renda passou de 28,3% em 1960 para 34,1% em 1970 e 39,8% em 1972, enquanto no segundo caso o aumento é de 11,9% em 1960 para 14,7% em 1970 e 19,1% em 1972. Em contraste, os 50% mais pobres, que recebiam 17,4% do rendimento total da PEA em 1960, passaram a auferir apenas 14,9% do total em 1970 e 11,3% em 1972.

Essa concentração levou diversos autores a afirmar que o crescimento econômico no período do “milagre” beneficiou apenas uma pequena parcela da população brasileira e que o crescimento da indústria de bens de consumo duráveis foi baseado na demanda de um estrato muito pequeno da população. Dados sobre a distribuição da propriedade de bens duráveis e certos indicadores sociais levariam a qualificar essa apreciação, que leva em consideração apenas os rendimentos monetários da população e que era particularmente válida no caso da indústria automobilística. De fato, observaram-se progressos com relação ao acesso à luz elétrica e eletrodomésticos em geral e melhorias na área de saneamento e saúde bem como na área de educação.

Ocorreu um forte aumento do número de graduados de universidades entre 1961 e 1970, aumentaram as taxas de escolaridade e caiu a taxa de analfabetismo (população de 15 anos e mais) de 39,5% para 33,1%. Por outro lado, o estudo da distribuição da renda entre famílias atenua um pouco o quadro de concentração de renda, na medida em que um maior número de membros das famílias passou a trabalhar com a aceleração do crescimento, aumentando a renda familiar além dos rendimentos do “cabeça de família”, fato associado com a inegável e forte expansão do nível de emprego no período.

Quanto à distribuição regional de renda, as políticas de incentivos fiscais favorecendo os investimentos no Nordeste e no Norte, bem como as obras de infra-estrutura promovidas pelo governo na região Norte, não afetaram radicalmente a predominância da região Sudeste e Sul na renda total nem resultaram em criação apreciável de empregos no Nordeste.

A abertura da Amazônia com o deslocamento de grandes contingentes de nordestinos para essa região foi apresentada como opção para resolver os problemas do Nordeste, sem aparente solução politicamente viável a nível local (por exemplo através da reforma agrária) e agravados pela forte seca de 1970. Foi, portanto, levado adiante o Programa de Integração Nacional (PIN) que, além da irrigação de amplas áreas do Nordeste e da criação de corredores de exportação na região, previa a abertura da região amazônica através de rodovias (a Transamazônica e a Cuiabá-Santarém). Os recursos para essas estradas, que receberam “absoluta prioridade”, foram derivados de recursos federais de incentivos fiscais antes alocados para o Nordeste e não do levantamento de recursos novos. As justificativas econômicas do programa na Amazônia não eram necessariamente convincentes, mas motivos de ordem política e estratégica (militar) também prevaleceram e a construção das rodovias foi empreendida. O programa de colonização da região revelou-se, porém, um fracasso.

Durante os mandatos dos presidentes Costa e Silva e Garrastazu Médici destacou-se, como característica da política econômica, o seu caráter autoritário. Este ficou evidente desde as relações entre o governo central e as administrações estaduais, em termos de condições de acesso ao Fundo de Participação ou de restrições à emissão de títulos estaduais, até a interferência do governo federal nas relações trabalhistas. No período como um todo, os ministérios da Fazenda e do Planejamento tiveram amplo respaldo do Executivo para a implementação de programas na área econômica, com pequena possibilidade de reação efetiva por parte dos poderes Legislativo ou Judiciário ou dos vários segmentos da sociedade. A “facilidade” de adoção das várias medidas de política econômica tem que ser entendida nesse contexto.

Diante do indubitável sucesso da política econômica em termos de promoção do crescimento econômico e de um inegável salto quantitativo e qualitativo da economia brasileira no período 1967-1973, resta destacar brevemente o impacto social da política econômica no período. Parece claro que os trabalhadores, de uma maneira geral, não se beneficiaram do crescimento da renda real do país de forma proporcional à sua evolução e piorou a distribuição da renda pessoal. Os salários, nos casos em que não sofreram declínio real, cresceram, na maioria das categorias, a taxas muito inferiores à da produtividade ou do produto per capita e o rendimento do trabalho não apresentou ganhos como percentagem da renda total. A infra-estrutura social do país melhorou no período apreciavelmente, contrabalançando em parte a evolução dos rendimentos monetários. Mas, ainda que a questão mereça estudo mais detalhado, fica a impressão de que um crescimento muito satisfatório teria também sido possível com uma política salarial menos restritiva, maior liberdade individual e maior participação da massa da população nas decisões e nos frutos do crescimento.

Luís Aranha Correia do Lago colaboração especial

 

FONTES: BATISTA JÚNIOR, P. Mito; GALVEIAS, E. Sistema; LAGO, L. Retomada; MALAN, P. & BONELLI, R. Limites; SKIDMORE, T. Brasil: de Castelo; SYYRUD, D. Foundations; TREBAT, T. Brazil’s.