MANIFESTO DOS CORONÉIS

MANIFESTO DOS CORONÉIS

 

Documento também conhecido por Memorial dos coronéis, assinado por 42 coronéis e 39 tenentes-coronéis e dirigido em fevereiro de 1954 à alta hierarquia militar, em protesto contra a exigüidade dos recursos destinados ao Exército e a proposta governamental de elevação do salário mínimo em 100%.

O manifesto teve grande repercussão e contribuiu decisivamente para a demissão dos então ministros da Guerra, general Ciro do Espírito Santo Cardoso, e do Trabalho, João Goulart.

 

Lançamento

O Manifesto dos coronéis foi lançado num período crítico das relações do governo Getúlio Vargas com a oposição. Formado na área civil pela União Democrática Nacional (UDN), segundo maior partido político do país, e pela grande imprensa, sobretudo do Rio e de São Paulo, e, na área militar, por oficiais conservadores ligados aos generais Juarez Távora e Osvaldo Cordeiro de Farias e ao brigadeiro Eduardo Gomes, o bloco oposicionista movia cerrada campanha contra a política nacionalista de Vargas e sua aproximação das classes trabalhadoras. No início de 1954, devido aos rumores de que Goulart proporia um aumento de 100% para o salário mínimo, um novo ponto de atrito foi criado entre o governo e a oposição.

Por outro lado, no final de janeiro de 1954, o jornal O Estado de S. Paulo noticiou a existência de um movimento de protesto no interior do Exército reivindicando melhores salários. Com efeito, no dia 8 de fevereiro, um longo memorial assinado por diversos coronéis e tenentes-coronéis do Exército foi encaminhado ao ministro da Guerra. Esses oficiais eram ligados à Cruzada Democrática, agrupamento da ala militar conservadora que dirigia o Clube Militar desde as eleições de 1952. Embora só tenha sido publicado na íntegra no dia 20 de fevereiro, trechos do documento logo apareceram nos jornais.

O manifesto era dirigido ao ministro da Guerra, aos generais Álvaro Fiúza de Castro, chefe do Estado-Maior do Exército, Canrobert Pereira da Costa, chefe do Departamento Técnico e de Produção, e Ângelo Mendes de Morais, chefe do Departamento Geral de Administração, além dos comandantes das zonas militares. Entre seus signatários figuravam os coronéis Orlando Ramagem, Siseno Sarmento, Jurandir de Bizarria Mamede, Antônio Carlos Murici, Alfredo Souto Malan, Amauri Kruel, Ademar de Queirós, Adalberto Pereira dos Santos, e os tenentes-coronéis José Alexínio Bittencourt, Válter de Meneses Pais, Antônio Jorge Correia, Araquém de Oliveira, Sílvio Coelho da Frota, Ednardo Dávila Melo, Fritz Azevedo Manso, Euler Bentes Monteiro, Golberi do Couto e Silva e Geraldo de Meneses Cortes.

O documento argumentava que o Exército se encontrava sob a ameaça de uma “indisfarçável crise de autoridade”, que colocava em risco “a coesão da classe militar, deixando-a inerme às manobras divisionistas dos eternos promotores da desordem e usufrutuários da intranqüilidade pública”. A seguir, assinalava os pontos onde o governo havia negligenciado o Exército, deixando, por exemplo, de reequipar as unidades, mantendo-se indiferente às necessidades de reajuste de salários, e não dando atenção à “disparidade de acesso entre as diversas armas e serviços” motivada pela sensível defasagem entre os escalões da hierarquia e a quota de postos para os diversos setores do Exército. Diante dessa situação, o recrutamento de praças e de oficiais tornava-se problemático, o que comprometia a imagem do Exército.

A questão dos baixos salários ligava-se à “emigração de militares para cargos civis” melhor remunerados, onde, “dissecados dos interesses profissionais e dos problemas de sua classe, nem sempre se podiam conservar imunes às intrigas da política partidária”. Para os coronéis, a crise vivida pelo Exército acabara dividindo a oficialidade, tornando-a mais exposta à “infiltração de perniciosas ideologias antidemocráticas”.

A cisão nos meios militares poderia ser fatal para o Brasil pois, “com o comunismo solerte sempre à espreita, seriam os próprios quadros institucionais da nação ameaçados, talvez, de subversão violenta”.

Na sua parte final, o documento abordava a questão do aumento do salário mínimo, referindo-se especificamente à rápida desagregação das diferenças salariais. Se a majoração do salário mínimo em 100% fosse realmente concedida, afirmava o manifesto, um trabalhador não qualificado passaria a ganhar praticamente o mesmo que alguém com formação universitária. Os coronéis viam esse dado como uma “aberrante subversão de todos os valores profissionais, descartando qualquer possibilidade de recrutamento para o Exército dos seus quadros inferiores”. No Distrito Federal, o salário mínimo passaria a 2.400 cruzeiros antigos por mês, remuneração equivalente à de um segundo-tenente do Exército.

Segundo John W. F. Dulles, uma das razões que motivaram o manifesto foi o temor sentido por um grupo de oficiais membros da Escola Superior de Guerra (ESG), integrado entre outros pelo tenente-coronel Golberi do Couto e Silva, de que se formalizasse uma aliança entre Brasil e Argentina visando à implantação no país de uma república sindicalista nos moldes peronistas.

 

Repercussões

O manifesto provocou grande impacto nos meios políticos e militares. O general Ciro do Espírito Santo Cardoso foi afastado do Ministério da Guerra em 19 de fevereiro por não ter informado Vargas sobre a insatisfação da oficialidade do Exército. Seu substituto foi o general Euclides Zenóbio da Costa. João Goulart foi destituído da pasta do Trabalho em 22 de fevereiro, no dia que apresentou sua exposição de motivos propondo um aumento de 100% para o salário mínimo, aplicável principalmente aos trabalhadores do comércio e indústria urbanos. Embora o Manifesto dos coronéis não mencionasse expressamente Goulart, Getúlio já fora advertido várias vezes por militares de que era imprescindível destituí-lo caso desejasse melhorar suas relações com a oficialidade. Goulart foi substituído interinamente por Hugo de Faria, funcionário do Ministério do Trabalho.

O afastamento de Goulart gerou protestos nas fileiras do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), agremiação à qual pertencia. O deputado petebista Leonel Brizola interpretou a queda do ministro do Trabalho como resultado da pressão do “poder econômico e das forças mais reacionárias”, que exploraram habilmente o pronunciamento de um grupo de militares. Segundo Brizola, a atitude dos oficiais do Exército foi uma reação contra a política do governo “em favor dos trabalhadores”, e sobretudo contra a elevação do salário mínimo.

Sérgio Lamarão

 

 

FONTES: BALDESSARINI, H. Getúlio; BELO, J. História; CARNEIRO, C. História; CÉSAR, A. Política; COUTINHO, L. General; DULLES, J. Getúlio; FERREIRA, O. Forças; Globo (2/54); HENRIQUES, A. Ascensão; Jornal do Brasil (2/54); SILVA, H. 1954; SKIDMORE, T. Brasil.