CONSTITUIÇÃO DE 1934

CONSTITUIÇÃO DE 1934

 

A Revolução de 1930 trouxe em seu bojo o propósito de modificar o regime instituído pela Constituição de 1891. Muito embora não possam ser negados os méritos da Constituição de 1891, adotando o federalismo e o presidencialismo, ela se deteriorara na prática do regime eleitoral, nas eleições “de bico de pena”, nas atas falsas e no reconhecimento pelo Congresso da representação parlamentar, o que foi chamado de “terceiro escrutínio”.

A crítica à Constituição de 1891 era antiga, podendo-se apontar em 1915 o livro de Alberto Torres, A organização nacional, que defendia a adoção de um programa orgânico e de reconstrução nacional atento ao desenvolvimento das riquezas nacionais, o melhor funcionamento da máquina governamental e a existência de um poder coordenador. Em 1922, Oliveira Viana, em idéias que retomaria em 1927, escrevia sobre O idealismo da Constituição, verberando com veemência o que ele chamava de idealismo utópico, desligado das realidades nacionais e inadequado à estrutura social e econômica do Brasil. Em 1922, um jurista de mérito, Castro Nunes, arrolava em A jornada revisionista os princípios tópicos de uma reforma constitucional. Esta, finalmente, surgiu em 1926, com o esforço dos poderes da União, e nela se estabeleceu um novo regime para a propriedade das minas e das águas. Entretanto, essa reforma se revelou incompleta.

 

O período 1930-1933

O programa da Aliança Liberal, que se tornaria vitorioso com a Revolução de 1930, incluía a idéia de “representação e justiça” com um elenco indefinido de proposições, correspondendo no plano político à livre manifestação da vontade e da soberania popular, com a liberdade do voto, a garantia da autonomia dos estados e a organização em bases novas do Poder Executivo da União e dos estados. Vitoriosa a revolução e empossado pela Junta Governativa em 3 de novembro o presidente Getúlio Vargas, em 11 de novembro era expedido o Decreto nº 19.398, que já foi definido como “uma lei constitucional provisória oriunda de um poder de fato”. O decreto dava ao Governo Provisório em toda a sua plenitude as funções e atribuições dos poderes Executivo e Legislativo, confirmava a dissolução do Congresso Nacional, suspendia as garantias constitucionais, determinava a nomeação de um interventor federal para cada estado e excluía da apreciação judicial os atos do Governo Provisório.

Em 11 de fevereiro de 1931, foram baixadas as disposições disciplinares da Comissão Legislativa destinada a rever a legislação existente e apresentar novas codificações e projetos de lei que o Governo Provisório adaptaria ou enviaria mais tarde ao Poder Legislativo. Em 28 de agosto de 1931 foi promulgado o Código dos Interventores, pelo qual o governo baixou normas sobre a organização administrativa dos estados. Dos trabalhos da comissão legislativa, resultou o projeto de Código Eleitoral posto em vigor por decreto de 24 de fevereiro de 1932, o qual viria a presidir ao novo alistamento e à eleição dos membros da Assembléia Nacional Constituinte. Em 14 de maio de 1932 o Governo Provisório baixou o Decreto nº 21.402, fixando a data das eleições para a Assembléia Nacional Constituinte em 3 de maio de 1933, e criando uma comissão encarregada de elaborar o projeto de Constituição que seria encaminhado à Assembléia Constituinte.

O movimento deflagrado pela Revolução Paulista retardou de certa forma o processo de legalização do país e só em 19 de novembro de 1932, pelo Decreto nº 22.040, foi regulado o funcionamento da Comissão Constitucional, realizando-se na mesma data a primeira reunião. Compunham a comissão Afrânio de Melo Franco, seu presidente; Carlos Maximiliano, relator, e os ministros Osvaldo Aranha e José Américo, Góis Monteiro, Assis Brasil, Antônio Carlos, Prudente de Morais Filho, João Mangabeira, Artur Ribeiro, Agenor de Roure, Oliveira Viana, Temístocles Cavalcanti, e, mais tarde, Castro Nunes e Carneiro da Cunha.

A análise dos trabalhos da Comissão Constitucional, conhecida como Subcomissão do Itamarati, apresenta particular importância, pois nela se refletiram as novas tendências do direito público pela voz de uma nova geração de juristas como Oliveira Viana, Temístocles Cavalcanti, João Mangabeira e Castro Nunes, e especialmente porque constituiu a base de discussão da futura Constituinte, sendo muitos de seus dispositivos integralmente reproduzidos no texto constitucional.

 

A Constituinte

A 15 de novembro de 1933 reuniu-se no palácio Tiradentes, no Rio de Janeiro, a Assembléia Nacional Constituinte, recebendo na ocasião a visita do chefe do Estado, que declarou que se orgulhava de haver presidido o processo de organização dessa Assembléia, conseguindo formá-la como expressão legítima da vontade soberana do povo brasileiro.

A Assembléia era constituída de 214 representantes, eleitos nos termos da lei, entre os quais 40 deputados chamados classistas, representantes de diversas profissões organizadas, 18 empregados, 17 empregadores, três profissionais liberais e dois funcionários públicos. A Constituição de 1934 modificaria esse esquema, considerando a lavoura e a pecuária, a indústria e o comércio, os transportes, as profissões liberais e os funcionários públicos, as três primeiras categorias elegendo número igual de empregados e empregadores. Cabe ainda mencionar a presença na Assembléia de representantes de um pensamento socialista atuante, Acir Medeiros e Vaz de Toledo, deputados classistas representantes dos empregados, e Zoroastro Gouveia e Lacerda Werneck, eleitos pelo Partido Socialista de São Paulo. Havia-se operado também a transformação do Congresso da Primeira República, constituído de partidos estaduais únicos, dependentes do governo, já agora apresentando-se mais de um partido em inúmeros estados.

No dia seguinte à instalação, foi formada a Comissão Constitucional, composta de 26 membros, um por cada unidade da Federação, inclusive o Distrito Federal e o território do Acre, e mais quatro representantes das categorias profissionais. O presidente da Comissão Constitucional foi o deputado gaúcho Carlos Maximiliano, ex-ministro da Justiça, eminente constitucionalista que participara da Subcomissão do Itamarati, o vice-presidente foi Levi Carneiro, e o relator-geral Raul Fernandes, ambos ilustres juristas do estado do Rio. O líder da Assembléia foi a princípio Osvaldo Aranha, que, como ministro, embora não sendo deputado, tinha assento na casa, e, mais tarde, Medeiros Neto. Entre os constituintes havia nomes eminentes, como os três dirigentes da Comissão Constitucional, Antônio Carlos, J. J. Seabra, Alcântara Machado, Sampaio Correia e Cincinato Braga. De uma geração mais jovem, iriam se destacar na política Pedro Aleixo, Soares Filho, Pereira Lira, Gabriel Passos, Daniel de Carvalho, Odilon Braga, Agamenon Magalhães, Virgílio de Melo Franco e Prado Kelly.

Empossada a Comissão Constitucional, foram recebidas as emendas ao anteprojeto da Constituição, sofrendo todas elas exame rigoroso. A votação começou em 7 de maio de 1934, terminando nos primeiros dias de junho. O texto constitucional foi submetido à aprovação final da Assembléia no dia 9 de julho, sendo promulgado na sessão de 16 de julho de 1934.

 

A Constituição

A Constituição de 1934 se incorpora ao movimento das constituições no mundo ocidental do pós-guerra, contendo aquilo que foi chamado do “sentido social de direito” e inspirando-se muito na Constituição alemã de Weimar de 1919 e na Constituição espanhola de 1931.

Na parte da organização política, o texto constitucional ampliou os poderes da União, estendendo suas atribuições. No que toca à autonomia municipal, garantiu-se a legitimidade da administração municipal, com exceções especialmente consagradas, aumentou-se a receita dos municípios e instituíram-se mecanismos do controle da administração municipal. Quanto à organização do Poder Legislativo, adotando uma forma de compromisso com os adeptos do sistema unicameral, a nova Carta podou o Senado e suas atribuições, incumbindo-o da coordenação dos poderes federais entre si. A Constituição, dando acolhida ao sentido técnico da administração federal, previa a organização de cada ministério e de um ou mais conselhos técnicos, como órgãos consultivos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. E para estudar as questões da segurança nacional, criava o Conselho Superior de Segurança Nacional, presidido pelo presidente da República e integrado ainda pelos ministros de Estado e os chefes do Estado-Maior do Exército e da Armada.

No capítulo do Poder Judiciário, foi prevista a organização da Justiça Eleitoral, que veio retirar o processo das eleições das mãos dos grupos dominantes. Foi prevista a criação da Justiça do Trabalho, embora fora do âmbito do Poder Judiciário e com organização embrionária, em comparação com a contida na Constituição de 1946.

Mas os pontos mais importantes da Constituição se inserem no quadro da ordem econômica e social, pela primeira vez incluída em texto constitucional brasileiro. Na parte econômica e social, declarava-se que a ordem econômica deveria ser organizada conforme os princípios da justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilitasse a todos uma existência digna. Dentro desses limites era garantida a liberdade econômica.

A Constituição estabelecia os princípios básicos da legislação do trabalho e tratava da família, concedendo-lhe proteção especial baseada no casamento, e consagrando apoio às proles numerosas. Foi incluído um capítulo sobre educação e cultura, por influência dos pioneiros da Escola Nova, aglutinados na Associação Brasileira de Educação. À União competia traçar o Plano Nacional de Educação, cujas leis básicas ficaram desde logo fixadas. A educação foi proclamada como direito social, assim como o trabalho, devendo ser administrada pela família e pelos poderes públicos.

A Constituição continha dispositivos sobre o aproveitamento industrial das minas e das quedas-d’água, facultando a maior ingerência do poder público nesse setor e impondo normas de controle e fiscalização que foram regulamentadas, respectivamente, no Código de Minas e no Código de Águas.

No capítulo dos direitos e garantias individuais, a contribuição mais importante foi a introdução do mandado de segurança, destinado à proteção do direito certo e incontestável ameaçado ou violado por ato manifestamente ilegal de qualquer autoridade. A introdução do instituto originara-se na Subcomissão do Itamarati, por iniciativa de João Mangabeira, e representava a antiga reivindicação, sobretudo depois que a reforma de 1926 restringira a extensão do habeas-corpus.

A existência da Constituição de 1934 foi precária. Contribuíram para tanto, de um lado, o próprio desinteresse do presidente da República em fazê-la respeitar, e, de outro, a radicalização dos movimentos políticos, com agravamento das condições políticas em decorrência do levante comunista de 1935 e do forte movimento integralista. Em 18 de dezembro de 1935, a maioria da Câmara aprovou emenda instituindo a equiparação do estado de guerra à “comoção intestina grave”, figura jurídica obscura, e retirou as garantias de servidores civis e militares. Este foi o início das medidas de exceção que culminaram com o golpe de 10 de novembro de 1937, que instituiu o Estado Novo através de uma Constituição outorgada.

A curta duração da Constituição de 1934 não desmereceu seus grandes méritos nem invalidou a introdução de princípios que desde logo se incorporaram ao direito constitucional positivo e passaram a ser repetidos nas constituições posteriores.

 

Alberto Venâncio Filho

colaboração especial

 

 

FONTES: AZEVEDO, J. Elaborando; CASTRO, A. Nova; FRANCO, A. Curso; MIRANDA, P. Comentários; VENÂNCIO FILHO, A. Análise.