RIBEIRO, Darcy

*reitor UnB 1961-1962; min. Educ. 1962-1963; ch. Gab. Civ. Pres. Rep. 1963-1964; sen. RJ 1991-1997.

 

Darcy Ribeiro nasceu na cidade de Montes Claros (MG) no dia 26 de outubro de 1922, filho do pequeno industrial Reginaldo Ribeiro dos Santos e da professora primária Josefina Augusta da Silveira Ribeiro, cujo trabalho como alfabetizadora marcou época na cidade. Em 1925, com a morte de seu pai, Darcy foi morar com a mãe na casa de seus avós maternos, também em Montes Claros.

Em 1939 mudou-se para Belo Horizonte, onde ingressou na Faculdade de Medicina. No início da década de 1940 iniciou militância no Partido Comunista Brasileiro (PCB), então Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Sem vocação para a carreira médica, abandonou a faculdade em 1943, retornando a Montes Claros. No ano seguinte, transferiu-se para a capital paulista e matriculou-se na Escola de Sociologia e Política de São Paulo, por onde se graduou em 1946, com especialização em etnologia.

Em 1947 ingressou no Serviço de Proteção ao Índio (SPI), travando contato com o marechal Cândido Mariano Rondon, então presidente do Conselho Nacional de Proteção ao Índio. Nos anos seguintes, seus estudos etnológicos levaram-no a viver longos períodos entre comunidades indígenas, como a dos cadiuéus, no sul do Mato Grosso, e a dos urubu-caapor, na floresta amazônica.

Em 1950, a partir dos resultados de suas pesquisas etnológicas entre os cadiuéus, publicou o seu primeiro livro — Religião e mitologia Kadiweu — que lhe valeu na ocasião o Prêmio Fábio Prado, concedido pela União de Literatura de São Paulo. Dois anos mais tarde, com o apoio do marechal Rondon, assumiu a direção da seção de estudos do SPI. Dedicou-se então à intensa atividade, tanto no âmbito dos estudos científicos como no de assessoramento na formulação da política indigenista oficial. Empenhou-se na elaboração de um projeto de lei que procurava garantir aos índios a posse coletiva e inalienável de suas terras – proposta que, sob forte oposição, sequer chegou a ser apreciada pelo Congresso.

Por sua iniciativa foi inaugurado em 1953, no Rio de Janeiro, o Museu do Índio, apontado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) como modelo no setor etnológico, por ser o primeiro do mundo a ser organizado com o objetivo de quebrar o preconceito com relação aos índios e difundir sua cultura. No Museu do Índio organizou, em 1955, o primeiro curso de pós-graduação em antropologia cultural realizado no Brasil. Outro importante momento de seu trabalho no SPI foi a formulação de um projeto para a criação do Parque Indígena do Xingu, que viria ser implantado anos mais tarde sob a direção dos indianistas Orlando e Cláudio Vilas-Boas. Ainda em 1953, ingressou como professor na Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP), da Fundação Getulio Vargas, onde durante dois anos lecionou etnologia brasileira.

Afastado da militância comunista desde o início de seus estudos junto aos índios, Darcy aproximou-se do trabalhismo na época do suicídio do presidente Getúlio Vargas, em 1954. Nesse mesmo ano, a convite da Organização Internacional do Trabalho (OIT), realizou a sua primeira viagem à Europa, permanecendo dois meses na cidade suíça de Genebra, onde colaborou com os estudos ali desenvolvidos sobre os povos indígenas de todo o mundo.

Com a eleição de Juscelino Kubitschek em outubro de 1955 para a presidência da República, Darcy Ribeiro foi convidado a colaborar na elaboração das diretrizes para o setor educacional do novo governo. Trabalhou então com o pedagogo Anísio Teixeira, que exerceria forte influência sobre a sua formação. Nessa época, deixou a direção da seção de estudos do SPI e passou a integrar o corpo docente da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (atual Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro), ficando responsável pelas cadeiras de etnologia brasileira e língua tupi-guarani.

Designado por Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro passou a dirigir em 1957 a divisão de estudos sociais do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), vinculado ao Ministério da Educação. Ali orientou pesquisas socioantropológicas sobre os efeitos sociais dos processos de industrialização e urbanização no Brasil. Sob sua direção, o CBPE passou a publicar a Revista de Educação e Ciências Sociais. Na mesma época participou ativamente, junto com Anísio Teixeira, da campanha em defesa da escola pública, procurando interferir no processo de elaboração da Lei de Diretrizes e Bases para a Educação, em discussão no Congresso.

Em 1959, através de um decreto presidencial, Darcy foi encarregado de planejar a montagem da Universidade de Brasília (UnB), tarefa para a qual convocou um grupo de cientistas e pesquisadores, a maioria pertencentes à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Em 1961, com a inauguração da UnB, Darcy foi nomeado seu primeiro reitor.

A renúncia do presidente Jânio Quadros, ocorrida em agosto de 1961, abriu no país um intenso debate em torno da questão sucessória, uma vez que a posse do vice-presidente João Goulart era contestada por diversos setores do governo e das forças armadas, devido às suas estreitas ligações com o trabalhismo. Vetado pelos três ministros militares de Jânio — o marechal Odílio Denis, da Guerra, o almirante Sílvio Heck, da Marinha, e o brigadeiro Gabriel Grün Moss, da Aeronáutica — Goulart acabou sendo empossado no dia 7 de setembro graças à aprovação, no dia 2, da Emenda Constitucional nº 4, que implantou no país o regime parlamentarista, reduzindo os poderes do Executivo e ampliando os do Congresso.

 

No Ministério da Educação e no Gabinete Civil

Em agosto de 1962, Darcy Ribeiro assumiu o Ministério da Educação e Cultura em substituição a Roberto Lira, compondo o gabinete chefiado pelo primeiro-ministro Hermes Lima. Deixou então a reitoria da UnB, onde foi substituído por Anísio Teixeira. Como ministro da Educação, criou o Fundo Nacional de Ensino e determinou a aplicação de 12% da receita da União no aperfeiçoamento e desenvolvimento do ensino, o que, embora constitucionalmente previsto, só ocorreu de fato durante sua gestão.

Em janeiro de 1963, por ocasião do retorno do país ao regime presidencialista, Darcy Ribeiro deixou o Ministério da Educação e Cultura, onde foi substituído por Teotônio Monteiro de Barros Filho, para assumir a chefia do Gabinete Civil da Presidência da República, em substituição a Evandro Lins e Silva.

O período presidencialista do governo Goulart transcorreu sob crescente insatisfação de setores civis e militares, que acusavam o presidente de favorecer a atuação de esquerdistas no governo, fator que, segundo esses mesmos setores, se constituía em ameaça à segurança nacional. O descontentamento tornou-se mais agudo quando no dia 13 de março de 1964, em comício que reuniu milhares de trabalhadores na estação da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, Goulart reafirmou seu propósito de implantar as chamadas reformas de base — agrária, administrativa, bancária e fiscal. O agravamento da crise político-institucional nos dias que se seguiram culminou com a deflagração do movimento político-militar que depôs o presidente em 31 de março. Nessa ocasião Darcy foi um dos poucos membros do governo a tentar organizar uma resistência em defesa do regime democrático. Diante, porém, da quase total ausência de disposição dos aliados de Goulart para resistir aos militares, Darcy deixou o país nos primeiros dias de abril e exilou-se no Uruguai. No dia 10 de abril foi destituído de seus direitos políticos pelo Ato Institucional nº 1 (AI-1), editado na véspera pelo Comando Supremo da Revolução, integrado pelo general Artur da Costa e Silva, o almirante Augusto Rademaker e o brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo. Também com base no AI-1, foi demitido de seus cargos de professor da Universidade do Brasil e de etnólogo do SPI.

 

No exílio

No exílio, lecionou antropologia na Universidade da República Oriental do Uruguai, em Montevidéu, e desenvolveu uma série de trabalhos relacionados com o sistema universitário, entre os quais a organização e direção do Seminário de Reforma da Universidade da República e a organização da Enciclopédia de Cultura do Uruguai. Por essa época começou a escrever os seus Estudos de antropologia da civilização, obra constituída por cinco volumes publicados ao longo de vários anos, na qual procurou estabelecer uma interpretação global do processo de formação dos povos americanos, particularmente o brasileiro, e das causas de seu desenvolvimento desigual. O primeiro volume da série, O processo civilizatório, foi publicado em 1968, vindo em seguida: As Américas e a civilização, O dilema da América Latina, Os brasileiros e Os índios e a civilização.

Ainda em 1968, os processos que lhe eram movidos no Brasil pelo novo regime foram anulados pelo Supremo Tribunal Federal, o que lhe possibilitou retornar ao país em outubro. Por essa época, no entanto, acirrava-se o clima de polarização política entre o governo e a oposição, culminando com a edição do AI-5 em 13 de dezembro. Logo em seguida à edição do ato, Darcy foi preso e indiciado sob a acusação de infringir a Lei de Segurança Nacional. Permaneceu detido em unidade da Marinha até setembro do ano seguinte, quando foi afinal julgado e absolvido pela Auditoria da Marinha do Rio de Janeiro.

Em seguida, voltou a deixar o país, fixando-se em Caracas, na Venezuela, onde lecionou e organizou o projeto de reforma da Universidade Central da República. Em 1971, convidado pelo presidente chileno Salvador Allende para assessorá-lo, Darcy Ribeiro transferiu-se para aquele país, onde permaneceu até o ano seguinte, tendo trabalhado também como professor pesquisador do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade do Chile. Em seguida, transferiu-se para o Peru, onde colaborou com o governo do general Juan Velasco Alvarado. Dirigiu o programa de integração das universidades peruanas e trabalhou na organização do Centro de Participação Social, patrocinado pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Em dezembro de 1974, vítima de um câncer pulmonar, foi autorizado pelo governo brasileiro a voltar ao país. Foi, então, submetido a uma intervenção cirúrgica para a extração de um dos pulmões. Permaneceu no país durante apenas seis meses, tempo necessário para restabelecer-se. Em maio de 1975 retornou ao Peru. Posteriormente, elaborou estudos para universidades de diversos países latino-americanos e da Argélia.

Em 1976 retornou definitivamente ao Brasil, fixando-se no Rio de Janeiro. No ano seguinte, participou da XXIX Reunião Anual da SBPC, realizada em São Paulo, onde analisou o sistema educacional brasileiro e fez severas críticas ao Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), declarando que as verbas gastas por esse órgão para a alfabetização de adultos deveriam ser concentradas no ensino fundamental, uma vez que milhares de crianças no país continuavam privadas de acesso à escola primária, situação que, segundo Darcy, produziria uma nova geração de adultos analfabetos. Suas declarações repercutiram na imprensa, onde foram contestadas pelo então presidente do Mobral, Arlindo Lopes Correia.

 

Retorno à vida política

Com o gradual processo de redemocratização da vida política nacional, iniciado no governo do general Ernesto Geisel, Darcy Ribeiro passou a realizar sucessivas conferências em universidades brasileiras, ocupando-se particularmente da campanha em defesa dos povos indígenas e denunciando como “falsa” a proposta de emancipação dos índios defendida pelo governo militar. No início de 1979 publicou o seu primeiro romance, Maíra, logo traduzido para outros idiomas e sucessivamente reeditado em português.

Em agosto daquele ano, o general João Batista Figueiredo — empossado em março na presidência da República — assinou lei concedendo anistia a todos os punidos pelo regime instaurado no país em 1964. Favorecido pela medida, Darcy Ribeiro foi em seguida reintegrado ao Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde assumiu o cargo de diretor-adjunto do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais.

Em novembro seguinte foram extintos os partidos políticos existentes no país e traçadas as diretrizes para a instauração do pluripartidarismo, iniciando-se as articulações para a formação de novas agremiações políticas. Ao lado de Leonel Brizola, ex-governador do Rio Grande do Sul, Darcy Ribeiro empenhou-se na reorganização do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), numa tentativa de reviver o trabalhismo anterior a 1964. A sigla do PTB, porém, era também disputada pelo grupo político liderado pela ex-deputada paulista Ivete Vargas. Em maio de 1980, o Tribunal Superior Eleitoral, em polêmica decisão, concedeu ao grupo de Ivete Vargas o controle da histórica legenda trabalhista. A corrente organizada sob a liderança de Brizola adotou então o nome de Partido Democrático Trabalhista (PDT), incorporando-se Darcy Ribeiro aos seus quadros.

Em agosto de 1980, Darcy viajou à Holanda para participar do Tribunal Bertrand Russel sobre crimes cometidos contra os índios na América Latina. Nessa ocasião, teceu fortes críticas à diretoria da Fundação Nacional do Índio (Funai), que sucedeu o SPI, segundo ele entregue a “um grupo de coronéis sem qualquer formação filosófica ou científica”. Por conta dessa declaração, Darcy teve o seu pedido de reintegração aos quadros da Funai indeferido pelo ministro do Interior, Mário Andreazza.

Ainda em 1979, foi eleito membro do conselho diretor da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) e recebeu, em Paris, o título de doutor honoris causa da Sorbonne, título que durante sua vida lhe foi concedido também por várias outras instituições, tais como a Universidade de Copenhague, a Universidade da República Oriental do Uruguai, a Universidade Central da Venezuela e a Universidade de Brasília.

 

O Governo Leonel Brizola (1983-1986)

Em março de 1982, Darcy Ribeiro foi lançado candidato a vice-governador do Rio de Janeiro na legenda do PDT, na chapa encabeçada por Leonel Brizola. Realizado o pleito em novembro, a chapa pedetista sagrou-se vencedora com cerca de 34% dos votos válidos, derrotando outros quatro concorrentes, entre os quais Wellington Moreira Franco, do Partido Democrático Social (PDS), apoiado pelo governo federal, e Miro Teixeira, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), apoiado pelo então governador fluminense Chagas Freitas.

Empossado como vice-governador, Darcy acumulou ainda no novo governo o cargo de secretário estadual de Ciência e Cultura, além de coordenar o Programa Especial de Educação, cuja principal meta era a implantação dos centros integrados de Educação Pública (CIEPs). Idealizados por Darcy, os CIEPs eram unidades de ensino básico voltadas prioritariamente para a população de baixa renda e previstas para funcionar em regime de turno integral, onde as crianças, além da educação tradicional, recebiam ainda alimentação e assistência médica, e participavam de atividades de cultura e lazer. O projeto inicial do governo fluminense era o de construir quinhentos CIEPs ao longo de quatro anos, com investimentos superiores a um bilhão de dólares. Ao fim do governo, porém, somente 127 unidades estavam em funcionamento. Segundo seus críticos, a implantação dos CIEPs, além de precária, se dava em detrimento das unidades escolares convencionais pertencentes ao governo do Estado, que sequer recebiam os investimentos necessários à sua manutenção. Os representantes sindicais dos profissionais da educação, por sua vez, criticaram ostensivamente a política salarial adotada pelo governo estadual na área educacional, classificando-a como incompatível com um ensino público de qualidade.

Entre as iniciativas de Darcy Ribeiro neste período, destacam-se também: a criação da Fábrica de Escolas, voltada para a implantação dos CIEPs; a criação da Biblioteca Pública Estadual e da Casa de Cultura Laura Alvim; o apoio à implantação da Casa França-Brasil; a construção do Sambódromo, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer e destinado à realização do desfile oficial das escolas de samba, sendo ainda aproveitado no resto do ano para abrigar escolas de primeiro e segundo graus.

 

A candidatura ao governo fluminense

Em 1986, com a proximidade das eleições para os governos estaduais, o PDT indicou o nome de Darcy Ribeiro à sucessão de Leonel Brizola. Para compor a chapa como vice-governador, o partido apresentou o deputado estadual Cláudio Moacir, oriundo da ala chaguista do PMDB, adversária do PDT na política fluminense. Segundo Darcy, o PDT necessitava realizar alianças para vencer as eleições, devendo mesmo, em sua opinião, atuar como uma frente política empenhada prioritariamente na eleição de Leonel Brizola à presidência da República. A partir daí se tornaria um partido de características marcadamente ideológicas.

Iniciada a campanha eleitoral, logo se verificou a polarização da disputa entre as candidaturas de Darcy Ribeiro e de Moreira Franco, que trocara o PDS pelo PMDB e reunira em torno de seu nome uma ampla coligação partidária. Moreira Franco centrou seu discurso de campanha no combate à violência e nas críticas ao desempenho do governo de Brizola na área de segurança pública, acusando o PDT de ser conivente com o crime organizado. Tais acusações ganharam maior dimensão quando, em 20 de outubro, reunidos numa churrascaria do Rio, os chefes do jogo do bicho da cidade, na presença de Darcy e do candidato do PDT ao Senado, Marcelo Alencar, celebraram um pacto para ajudar o candidato pedetista a vencer as eleições. A adesão foi justificada por um dos chefes da contravenção pelo fato de terem exercido suas atividades com tranqüilidade no governo Brizola. Darcy, por sua vez, nessa e em outras ocasiões, classificou o jogo do bicho como legítima instituição da cultura carioca, ignorando as denúncias que associavam seus dirigentes ao tráfico de armas e entorpecentes.

Realizado o pleito em 15 de novembro, a vitória coube a Moreira Franco, que obteve uma vantagem de cerca de oitocentos mil votos sobre Darcy Ribeiro, o segundo colocado.

Em maio de 1987, convidado pelo governador Newton Cardoso, do PMDB, Darcy Ribeiro assumiu a secretaria extraordinária de Desenvolvimento Social de Minas Gerais. Ao ser empossado no cargo, declarou que a sua principal meta era a construção de mil CIEPs em todo o estado, ao longo dos quatro anos do governo. Em setembro seguinte, no entanto, Darcy abandonou o cargo, acusando o governo mineiro de não levar a sério o programa de instalação dos CIEPs.

Ainda em setembro Darcy foi convidado pelo governador de São Paulo, Orestes Quércia, do PMDB, para colaborar com Oscar Niemeyer no planejamento cultural do Memorial da América Latina, inaugurado em janeiro de 1989.

Na eleição presidencial de 1989, a primeira a se realizar por via direta no país após quase 30 anos, o PDT apresentou a candidatura de Leonel Brizola, seu principal dirigente. Darcy se empenhou na campanha presidencial do partido, percorrendo todo o Brasil. Sua principal tarefa foi organizar grupos de intelectuais, sindicalistas, professores e técnicos para discutir e elaborar, setor por setor, o programa de governo de Brizola. Realizado o primeiro turno do pleito em novembro, o candidato pedetista obteve a terceira colocação, ficando de fora da disputa do segundo turno, para o qual se habilitaram os dois candidatos mais votados — Fernando Collor de Melo, lançado pelo Partido da Reconstrução Nacional (PRN), e Luís Inácio Lula da Silva, candidato do Partido dos Trabalhadores (PT). O PDT optou no segundo turno pelo apoio a Lula, afinal derrotado por Fernando Collor em disputa marcada por acirrada polarização ideológica. Ainda em 1989, Darcy Ribeiro foi condecorado pelo presidente cubano Fidel Castro com a medalha Haydée Santamaria, em comemoração aos 30 anos da Revolução Cubana e da Casa das Américas, a mais importante editora daquele país.

 

No Senado

Em outubro de 1990, Darcy Ribeiro foi eleito senador pelo estado do Rio de Janeiro na legenda do PDT, no mesmo pleito que reconduziu Leonel Brizola ao comando do Executivo fluminense. Darcy tomou posse no Senado em fevereiro do ano seguinte, para aquele que seria o único mandato legislativo de toda a sua trajetória política.

Sua atividade parlamentar privilegiou temas relacionados à realidade educacional do país, em particular a elaboração da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Outra iniciativa importante de Darcy no Senado foi a apresentação do projeto que deu origem à lei de transplantes de órgãos, segundo a qual todos aqueles que, em vida, não registrassem legalmente a sua condição de não-doadores de órgãos seriam considerados potenciais doadores após a morte. O projeto invertia a legislação vigente, que considerava doadores apenas aqueles que em vida manifestassem esse desejo através de documento registrado em cartório, fator que se constituía em grave obstáculo à realização de transplantes. Darcy apresentou, também, um projeto de lei de controle de substâncias viciantes que, ao estabelecer a obrigatoriedade dos fabricantes de cola industrial de adicionarem em sua fórmula uma substância atóxica, procurava combater o consumo da chamada “cola de sapateiro” pelos menores de rua.

Darcy marcou sua atuação no Senado também por críticas à política de abertura econômica implementada pelo presidente Fernando Collor e condenou o projeto governista de privatização das empresas estatais. Segundo o senador, somente as empresas inoperantes, que não desempenhassem papel social ou econômico relevante, poderiam eventualmente ser privatizadas, estando excluídas desse universo todas aquelas cujo funcionamento sob controle do Estado fosse importante para a autonomia nacional.

A par de sua atividade como senador, Darcy colaborou com a administração de Leonel Brizola no governo do estado do Rio de Janeiro. Amplamente reconhecido como o principal nome do PDT na área educacional, recebeu de Brizola a incumbência de retomar o programa de implantação dos CIEPs e de coordenar a criação da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), no município de Campos, concebida para ser um centro gerador de tecnologia avançada, voltada para o apoio ao desenvolvimento econômico do estado. Em setembro de 1991, Darcy licenciou-se de seu mandato no Senado para assumir a secretaria estadual de Projetos Especiais de Educação do governo fluminense, cujo principal objetivo era promover a retomada da implantação dos CIEPs, bem como colaborar na implantação de sua versão em âmbito federal, os centros integrados de Apoio à Criança (CIACs), criados pelo governo Collor. Sua cadeira no Senado foi então ocupada pelo suplente Abdias do Nascimento, ligado ao movimento negro.

No comando de sua secretaria no governo fluminense, Darcy voltou a receber críticas de entidades sindicais, setores da imprensa e parlamentares da oposição, que denunciaram o desequilíbrio na distribuição das verbas destinadas à educação. Segundo essas críticas, ao privilegiar a secretaria de Projetos Especiais e os CIEPs, o governo condenava ao abandono as demais unidades escolares, que continuavam subordinadas à Secretaria de Educação. O Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (SEPE), por sua vez, insistia na análise de que a implantação de um ensino público de qualidade era incompatível com a realidade salarial imposta aos professores e demais trabalhadores do setor educacional.

Em 1992, já de volta ao Senado, Darcy votou favoravelmente à abertura de um processo de impeachment do presidente Fernando Collor, acusado de envolvimento com um esquema de corrupção na administração federal comandado pelo empresário Paulo César Farias, seu amigo pessoal e ex-tesoureiro da sua campanha eleitoral. Afastado pela Câmara dos Deputados em 29 de setembro, Collor foi julgado e condenado pelo Senado em 29 de dezembro, sendo definitivamente afastado da presidência e tendo seus direitos políticos cassados por oito anos, muito embora tenha renunciado ao cargo horas antes da decisão dos senadores.

Em outubro de 1992, Darcy Ribeiro foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras, passando a ocupar a cadeira nº 11 a partir de abril do ano seguinte.

Em 1994, o PDT lançou novamente a candidatura de Leonel Brizola à presidência da República, tendo Darcy Ribeiro como candidato a vice. Brizola manifestou então a sua intenção de, caso eleito, entregar o Ministério da Educação a Darcy, que ficaria responsável pela implantação da escola de turno integral em todo o território nacional. O pleito presidencial desse ano, porém, foi marcado pela polarização entre as candidaturas de Lula, lançado pelo PT com o apoio de outras seis agremiações de esquerda, e a de Fernando Henrique Cardoso, lançado pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), em aliança com o Partido da Frente Liberal (PFL) e o PTB. Realizado o pleito no mês de outubro, Fernando Henrique sagrou-se vencedor já no primeiro turno da disputa, com mais da metade dos votos válidos. A chapa Brizola-Darcy Ribeiro conquistou apenas a quinta colocação entre os oito concorrentes, recebendo pouco mais de dois milhões de votos (3,2% do total dos votos válidos).

Em dezembro daquele ano, Darcy Ribeiro foi internado em estado grave na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro, para tratar-se de um câncer na próstata que espalhara-se em metástase para outros órgãos. Apesar da gravidade de seu quadro de saúde, Darcy deixou o hospital sem ordem médica após cerca de um mês internado, dirigindo-se para sua casa de praia no município fluminense de Maricá. Justificou sua atitude pela necessidade de concluir o livro O povo brasileiro, obra na qual trabalhou por cerca de 30 anos e com a qual procurou oferecer a sua interpretação global sobre a formação da nação brasileira, projeto esse que já havia resultado na elaboração dos cinco volumes dos Estudos de antropologia da civilização. Em fevereiro seguinte retomou sua cadeira no Senado.

Passou, então, a concentrar sua atividade na elaboração da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). O projeto apresentado nesse sentido por Darcy substituiu um outro, preliminarmente aprovado na Câmara em 1993, cuja discussão se iniciara logo após a promulgação da Constituição de 1988 e arrastara-se por vários anos, envolvendo parlamentares e entidades representativas do setor educacional. O substitutivo do senador pedetista foi criticado por entidades como a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), que contestaram sua legitimidade por sobrepor-se ao debate até então travado. Para Darcy, no entanto, a LDB aprovada na Câmara, ao centralizar no âmbito federal as definições normativas sobre a organização educacional e submetê-las a conselhos corporativos, congelava a estrutura da educação brasileira, considerada pelo senador pedetista como sendo de má qualidade e incapaz de atualizar-se para atender às novas demandas sociais e garantir os requisitos necessários ao desenvolvimento nacional autônomo. Na sua avaliação, a LDB deveria assumir a forma de “um diploma legal sucinto, claro e genérico, para dar espaço ao exercício da autonomia tanto pelas escolas e universidades como pelos sistemas estaduais de ensino”. A nova lei abstinha-se de criar conselhos com funções normativas por entender ser essa uma prerrogativa do Poder Executivo, que deveria ficar responsável ainda pelo estabelecimento de critérios para uma avaliação nacional do ensino em todos os níveis.

No ensino fundamental, a principal novidade introduzida pela nova LDB foi a exigência de formação universitária para todos os professores, inclusive os responsáveis pelo chamado curso primário — ou primeiro segmento do primeiro grau — para os quais, até então, era exigido apenas um curso de formação de professores, o curso normal, equivalente aos cursos técnicos de nível secundário. As instituições de ensino universitário, por sua vez, passaram a desfrutar de maior autonomia para estruturarem sua grade curricular, estando porém obrigadas a apresentarem resultados satisfatórios nas avaliações de desempenho a serem regularmente promovidas pelo Ministério da Educação, sob pena de perderem seus registros de funcionamento.

Aplaudida pelo ministro da Educação Paulo Renato Sousa, a nova LDB foi aprovada pelo Congresso em dezembro de 1996 e sancionada no mesmo mês pelo presidente Fernando Henrique que, em homenagem ao senador fluminense, batizou-a de Lei Darcy Ribeiro.

Darcy marcou também seu mandato no Senado pelas freqüentes críticas dirigidas ao governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Apesar de declarar-se amigo pessoal do presidente e admirador de sua trajetória intelectual, condenou sua opção por aliar-se aos partidos políticos situados à direita do espectro político nacional. Criticou especialmente o modelo econômico implantado pelo governo, segundo ele marcado pela submissão aos interesses do grande capital internacional e conduzido por tecnocratas insensíveis à realidade social do país. Apontou a abertura indiscriminada do país ao comércio externo como a principal causa do aumento do desemprego, e denunciou o agravamento da concentração de renda no Brasil como resultado da política econômica adotada pelo governo, comparável segundo ele à vigente no país durante o regime militar. Criticou com veemência as privatizações de empresas estatais, em particular a venda da Companhia Vale do Rio Doce, por ele classificada como uma das mais bem-sucedidas empresas de mineração do mundo. Defendeu a realização da reforma agrária e classificou o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) como um dos mais importantes da história do Brasil.

Nas votações das emendas constitucionais propostas pelo governo, manifestou-se contrário à quebra do monopólio estatal sobre a exploração do petróleo e a distribuição de gás canalizado, à mudança no conceito de empresa nacional e à quebra do monopólio nacional sobre a navegação de cabotagem.

Durante o ano de 1996 manteve uma coluna semanal no jornal Folha de S. Paulo e recebeu inúmeras homenagens. Em julho recebeu das mãos do presidente Fernando Henrique o Prêmio Anísio Teixeira, concedido pelo governo federal àqueles com atuação destacada na área educacional. Em dezembro foi agraciado com o Prêmio Sérgio Buarque de Holanda na categoria ensaio social, concedido pela Biblioteca Nacional, pelo seu livro Diários índios, publicado naquele ano, no qual relata sua experiência junto aos índios urubu-caapor. Ainda em 1996 recebeu o Prêmio Interamericano de Educação Andrés Bello, concedido pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Em janeiro de 1997 foi agraciado com o título de “Homem de Idéias”, concedido pelo Jornal do Brasil.

Manteve por toda a sua trajetória o gosto pela polêmica e pelo combate político. Partidário do trabalhismo desde os anos 1950, exaltou sempre o legado de Getúlio Vargas e o projeto político de João Goulart. Manteve estrita fidelidade política ao principal herdeiro do trabalhismo, o governador Leonel Brizola, a quem costumava referir-se como a “principal cabeça política do país”. Nessa mesma direção, cultivou uma irredutível hostilidade contra todos que se identificavam com o udenismo e com o regime militar. Declarou-se sempre um político de esquerda e alimentou a imagem de intelectual polêmico e irônico. Assumidamente vaidoso, costumava dedicar fartos elogios à sua própria pessoa em entrevistas e artigos de jornais. Entre as idéias centrais de sua obra, estiveram sempre a denúncia da histórica exclusão social no Brasil e a procura de caminhos para levar o país a desenvolver plenamente as potencialidades que acreditava existirem em estado latente na nação, impedidas de se realizarem pelas opressões de origem colonial. Segundo seus críticos, porém, o pensamento de Darcy pecava pela excessiva “condescendência com os proscritos” e por um certo ufanismo ingênuo e generoso ao falar das coisas brasileiras, como demonstraria a sua reiterada tendência a identificar os índios brasileiros com a imagem romântica do bom selvagem rousseauniano.

Darcy Ribeiro faleceu em 17 de fevereiro de 1997, na capital federal. Seu velório, realizado no Salão Negro do Congresso Nacional e, posteriormente, na sede da Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, reuniu as principais lideranças da política brasileira e fluminense. Em atendimento a um desejo manifestado nos últimos tempos de vida, seu corpo foi encomendado pelo teólogo cristão Leonardo Boff, amigo pessoal de Darcy, cujas contribuições à chamada “Teologia da Libertação” valeram-lhe a exclusão dos quadros da Igreja Católica, ordenada pelo Vaticano.

Foi casado com a antropóloga Berta Gleiser Ribeiro, co-autora de alguns de seus trabalhos sobre os indígenas, e posteriormente com Cláudia Zarvos. Não teve filhos.

Além das obras citadas, publicou também Línguas e culturas indígenas no Brasil (1957), Arte plumária dos índios Kaapor (1957), A política indigenista brasileira (1962), Plano orientador da Universidade de Brasília (1962), A universidade necessária (1969), Propuestas (1970), Configurações histórico-culturais dos povos americanos (1970), América Latina: a pátria grande (1972), Université des Sciences Humaines D’Alger (1972), La universidad peruana (1974), UnB — invenção e descaminho (1978), Ensaios insólitos (1979), Sobre o óbvio (1979), Nossa escola é uma calamidade (1984), Aos trancos e barrancos (1985), Suma etnológica brasileira (1986, em colaboração com Berta G. Ribeiro), Testemunho (1990), A fundação do Brasil — 1500/1700 (1992, em colaboração com Carlos de Araújo Moreira Neto), Universidade do terceiro milênio — plano orientador da Universidade Estadual do Norte Fluminense (1993), O Brasil como problema (1995), Noções de coisas (1995, com ilustrações de Ziraldo), e Confissões (1997), além dos romances: O mulo (1981), Utopia selvagem (1982 ) e Migo (1988).

Cláudia Galvão atualização

 

FONTES: ARQ. DEP. PESQ. Jornal do Brasil; Estado de S. Paulo (16/9/62, 21/10/86, 26 e 29/6/95, 24/2, 14/3, 24/7 e 17/8/96, 18/2/97); Folha de S. Paulo (7/12/88, 9/10/92, 4, 9 e 29/5/94, 8/1, 14 e 16/2, 23/6/95, 14/1, 12/2, 25/3, 1 e 10/6, 16, 21 e 23/12/96, 19/2/97); Globo (21/11/85, 25/11/92, 16/4, 5/9/93, 8/4/94, 15/1, 19 e 26/2/95, 9/2 e 18/12/96, 19/1/97); Grande encic. Delta; INF. ASSES. BIOG.; Jornal do Brasil (7/4/74, 12, 15, 16 e 24/7, 19/9/77, 15/6, 9/11/78, 27/7/80, 14/3/81, 6/7/82, 27/1/86, 16/9/87, 8 e 30/8/91, 6/6 e 11/7/93, 30/12/94, 5 e 18/1 e 3/6/95, 15/2, 11/8 e 23/12/96, 25/1 e 19/2/97); MAGALHÃES, L. Segundo; Perfil parlamentar/ IstoÉ (1991); RIBEIRO, D. Confissões; RIBEIRO, D. O Povo; RIBEIRO, D. Testemunho; SEGANFREDO, S. UNE; Tribuna da Imprensa (8/5/95); Veja (22/1 e 25/11/80, 16/2/81, 18/1/95); VÍTOR, M. Cinco.