MOURÃO FILHO, OLÍMPIO

MOURÃO FILHO, Olímpio

*militar; mov. integralista; rev. 1964; min. STM 1964-1969.

 

Olímpio Mourão Filho nasceu em Diamantina (MG) no dia 9 de maio de 1900, filho de Olímpio Júlio de Oliveira Mourão e de Mariana Correia Rabelo Mourão. Seu pai, advogado, foi deputado e senador estadual em Minas Gerais durante a República Velha. Sua mãe era professora catedrática da Escola Normal de Diamantina.

Foi encaminhado pelo pai ao Colégio Diocesano de sua cidade natal, mas acabou sendo expulso desse estabelecimento de ensino. Iniciou um curso de engenharia em Belo Horizonte, interrompendo-o para se matricular, em abril de 1918, na Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, então Distrito Federal. Concluiu o curso em abril de 1921, quando foi declarado aspirante-a-oficial da arma de infantaria e designado para o 12º Regimento de Infantaria (12º RI), em Belo Horizonte. Promovido a segundo-tenente no mês seguinte, em 1922 passou a servir no 14º Batalhão de Caçadores, (14º BC), em Florianópolis, retornando depois ao 12º RI. Em outubro do mesmo ano passou a primeiro-tenente e, de 1923 a 1925, serviu novamente no 14º BC. Nesse período, participou em São Paulo da repressão à Revolta de 5 de Julho de 1924, movimento tenentista deflagrado também em Sergipe e no Amazonas, mas rapidamente debelado nesses dois estados. Em São Paulo, os rebeldes, sob o comando do general Isidoro Dias Lopes, ocuparam a capital paulista por três semanas após o que se deslocaram para o interior.

Aluno da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, no Rio de Janeiro, em 1926, Mourão Filho voltou a servir no 14º BC em 1927 e 1928. De volta ao Rio, cursou, entre 1928 e 1930, a Escola de Estado-Maior, encontrando-se na capital federal quando foi deflagrada a Revolução de 1930. Após a deposição de Washington Luís, em 24 de outubro, a junta governativa provisória que assumiu o poder — composta pelos generais Tasso Fragoso e Mena Barreto e pelo contra-almirante Isaías de Noronha — enviou-o a Belo Horizonte para assegurar a Olegário Maciel, presidente de Minas Gerais, que o governo seria entregue a Getúlio Vargas tão logo este chegasse ao Rio de Janeiro. De fato, no dia 3 de novembro Vargas foi empossado na chefia do Governo Provisório. Promovido a capitão em agosto de 1931, Mourão Filho iniciou no mesmo ano estágio no estado-maior da 1ª Região Militar (1ª RM), no Rio de Janeiro. Entre julho e setembro de 1932, participou da repressão à Revolução Constitucionalista, movimento armado de oposição ao Governo Provisório deflagrado em São Paulo.

No final de 1932 ingressou na Ação Integralista Brasileira (AIB), movimento de inspiração fascista fundado por Plínio Salgado em outubro daquele ano. Segundo o próprio Mourão, sua adesão à AIB foi motivada pela infiltração comunista no Exército, que teria constatado ao servir em Florianópolis. Em dezembro de 1933, quando o integralismo já começava a alcançar projeção nacional, integrou um grupo de propaganda da AIB que percorreu Minas Gerais acompanhando Plínio Salgado, chefe nacional da organização, Olbiano de Melo e Gustavo Barroso. Ainda em 1933, permanecendo ligado à 1ª RM, foi designado para servir na Estrada de Ferro Central do Brasil como comissário de ligação entre os ministérios da Guerra e da Viação, função que exerceria até 1936.

A estrutura organizativa da AIB foi estabelecida em fevereiro de 1934, no I Congresso Integralista realizado em Vitória. Um dos setores então constituídos foi o departamento nacional de milícia, confiado a Gustavo Barroso, ficando Mourão Filho na chefia de seu estado-maior. Com os conhecimentos adquiridos na Escola de Estado-Maior, organizou a milícia integralista nos moldes do Exército, imprimindo-lhe uma estrutura paramilitar. Em março de 1936, no II Congresso Integralista realizado em Petrópolis (RJ), a AIB sofreu uma reestruturação objetivando organizar-se como partido político para disputar as eleições presidenciais fixadas para janeiro de 1938. Na ocasião, Plínio Salgado foi lançado oficialmente candidato dos integralistas à sucessão de Vargas e, com os departamentos convertidos em secretarias, o da milícia passou a chamar-se Secretaria de Educação Moral, Cívica e Física.

Paralelamente à atuação política que desenvolvia na AIB, Mourão Filho, em sua carreira militar, foi subcomandante do 14º BC, em Florianópolis, de 1936 a abril de 1937. Em julho desse ano passou a integrar a Câmara dos Quatrocentos, órgão consultivo da chefia nacional da AIB, que procurava incorporar personalidades das diversas “províncias” integralistas.

 

O Plano Cohen

Em meados de 1937, quando chefiava o serviço secreto da AIB e servia no Estado-Maior do Exército, elaborou um documento, que ficaria conhecido como Plano Cohen, redigido após uma conversa mantida com Plínio Salgado no início de agosto. O candidato da AIB à presidência da República temia que a movimentação em torno de sua campanha afastasse os integralistas da verdadeira luta, a de deter o avanço comunista. Julgava, portanto, que os boletins informativos internos da organização — elaborados por Mourão e outros integralistas — deveriam ser utilizados para reconduzir seus membros à luta central. Mourão Filho incumbiu-se da elaboração do Boletim de Informações nº 4, cujo capítulo II deveria conter dados sobre táticas de guerrilha e revolução dos comunistas. Em depoimento transcrito no jornal O Globo, Mourão declarou que, para tornar o texto mais interessante, resolvera simular um plano de ação, o que daria maior realismo ao tema. Seu escrito inspirou-se num artigo da publicação francesa Revue des Deux Mondes, que descrevia o processo da efêmera tomada do poder pelos comunistas, liderados por Bela Kun, na Hungria, logo após o término da Primeira Guerra Mundial. Em sua transposição desse artigo para o boletim da AIB, descrevera, numa primeira parte, como se daria o suposto golpe comunista, dedicando uma segunda ao contra-ataque a ser realizado pelos integralistas. No mesmo depoimento, afirmou que escrevera o texto na sede da AIB, tendo vários datilógrafos se ocupado de sua preparação. Ao final do escrito assinara o nome Bela Kun, mas depois, lembrando-se que um dos líderes integralistas chamava Bela Kun de Bela Cohen, riscou o sobrenome Kun e escreveu adiante Cohen. Não entendendo a emenda, o datilógrafo conservou apenas o nome Cohen.

No final de agosto o texto foi submetido a Plínio Salgado, que o desaprovou, julgando-o demasiadamente fantasioso. Mourão Filho guardou uma cópia e, posteriormente, mostrou-a ao general Álvaro Guilherme Mariante, seu padrinho de casamento, então ministro do Superior (na época Supremo) Tribunal Militar (STM). Recebendo de Mariante a sugestão de mostrar o texto ao general Pedro Aurélio de Góis Monteiro, chefe do Estado-Maior do Exército (EME), recusou-se a fazê-lo, ponderando que este não tinha qualquer ligação com os integralistas, para quem o documento fora produzido. Mas deixou a cópia com o general Mariante e só a recobrou dias depois, após ter solicitado a devolução.

Em meados de setembro, Francisco Campos — secretário de Educação da Prefeitura do Distrito Federal — revelou a Plínio Salgado que o governo estava de posse de um plano comunista para a tomada do poder e solicitou a colaboração dos integralistas na preparação de um golpe de Estado. Informado dos acontecimentos, Mourão Filho suspeitou que o plano em questão era o de sua autoria, e que estaria sendo utilizado pela cúpula governamental como pretexto para a concretização do referido golpe. No dia 29 de setembro, foi informado pelo major Aguinaldo Caiado de Castro da existência de um plano comunista que fora liberado pelo EME ao conhecimento dos oficiais. Reconhecendo o seu documento, procurou o general Mariante, que negou ter emprestado a cópia a Góis Monteiro. Dirigiu-se então ao gabinete deste último que, segundo seu depoimento, ordenou-lhe que se mantivesse calado.

O documento, cuja autoria foi atribuída pelo governo ao Komintern — a III Internacional Comunista, organismo dirigido pelo Partido Comunista da União Soviética (PCUS) com o propósito de promover a revolução em escala mundial — foi lido durante vários dias na emissão radiofônica oficial Hora do Brasil. Embora tivesse reconhecido o texto, Plínio Salgado não desmentiu a notícia referente ao plano divulgada pelo EME, alegando não poder desmoralizar a única força organizada capaz de combater o comunismo. No dia 1º de outubro, o presidente Getúlio Vargas pediu ao Congresso a decretação do estado de guerra com base em exposição de motivos feita pelo ministro da Justiça, José Carlos de Macedo Soares. Este, por sua vez, baseara-se em informações fornecidas pelos ministros da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, e da Marinha, almirante Aristides Guilhem. Apesar do protesto dos oposicionistas, o Congresso acatou o pedido de decretação do estado de guerra, sem exigir do Executivo as provas que dizia possuir da iminente ameaça comunista.

A divulgação do plano — sem o desmentido dos integralistas, cujo chefe estava comprometido com o golpe — foi a justificativa oferecida à nação para a implantação do Estado Novo, no dia 10 de novembro seguinte. O novo regime suprimiu todos os órgãos legislativos do país e suspendeu as eleições presidenciais. No dia 3 de dezembro os partidos políticos foram extintos por decreto e a AIB que, para surpresa dos integralistas, não foi excluída da medida — foi obrigada a assumir outra feição, convertendo-se na Associação Brasileira de Cultura.

Nesse mesmo mês Mourão Filho foi promovido a major, sendo designado adjunto-comissário da rede militar nº 1 da Estrada de Ferro Central do Brasil, cargo que ocuparia até 1938. Apesar das ligações que tivera com a AIB, não participou do levante deflagrado em maio de 1938 sob a liderança dos integralistas, com apoio dos oposicionistas liberais. Sentindo-se traídos por Vargas, os integralistas visavam com o levante à deposição do presidente. O principal episódio da revolta foi o assalto ao palácio Guanabara, residência do presidente da República, no qual, apesar da precária resistência legalista, os rebeldes foram contidos em poucas horas.

 

De 1938 a 1961

Entre 1938 e 1939 Mourão Filho foi subcomandante do 7º Regimento de Infantaria, sediado em Santa Maria (RS). Nesse último ano passou a comandante do 14º BC, em Florianópolis, e de 1939 a 1943 serviu no EME. Promovido a tenente-coronel em abril de 1943, foi designado comandante do 15º BC, sediado em Curitiba, onde permaneceu até ser transferido, em janeiro de 1944, para a chefia do gabinete da Diretoria de Recrutamento, no Rio de Janeiro. Em fevereiro de 1945 partiu para a Itália, integrando o 5º Escalão da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que participou da Segunda Guerra Mundial ao lado das nações aliadas. No teatro de operações, sua unidade, o Depósito de Pessoal, instalou-se em Stafolli, tendo sido ele designado chefe da 3ª Seção. Em maio, terminado o conflito, retornou ao Brasil. Do final desse ano até 1947 chefiou a 16ª Circunscrição de Recrutamento, em Florianópolis. Nesse último ano e no seguinte, serviu no Departamento Geral de Administração, no Rio de Janeiro. Em março de 1948 foi promovido a coronel.

Comandante do 19º RI, sediado em São Leopoldo (RS), entre 1949 e 1950, assumiu neste último ano a chefia do escritório comercial do Brasil em Montevidéu, onde permaneceu até o ano seguinte. De 1951 a 1952 comandou o 11º RI, em São João del Rei (MG), e, em 1953, voltou a servir no Departamento Geral de Administração. Desse ano a 1955 chefiou a 11ª Circunscrição de Recrutamento, em Belo Horizonte.

Ao longo de 1955, o Plano Cohen voltou à cena. O general Góis Monteiro, no livro O general Góis depõe, acusava Mourão Filho formalmente, e pela primeira vez, de ser o autor do documento que provocara a instauração do Estado Novo. Sentindo-se envolvido tendenciosamente pelo general, Mourão Filho requereu ao Exército a formação de um Conselho de Justificação, para se defender da acusação, tendo sido absolvido. Ainda em 1955 serviu na Diretoria Geral do Serviço Militar, no Rio de Janeiro, ali permanecendo até o ano seguinte. Em março de 1956 recebeu a patente de general-de-brigada e comandou a Infantaria Divisionária da 4ª Divisão de Infantaria, em Belo Horizonte, até 1957. Diretor da Assistência Social do Exército desse ano a 1961, acumulou esse cargo com o de presidente da Comissão Técnica de Rádio do Ministério da Viação e Obras Públicas. Nessa função, que exerceu durante o governo de Juscelino Kubitschek, foi o responsável pela execução da proibição de acesso ao rádio e à televisão do deputado Carlos Lacerda, líder da facção oposicionista mais aguerrida. Ainda ocupando esse cargo, presidiu a delegação brasileira à reunião da Comissão de Rádio-Comunicações, realizada em Genebra, na Suíça. Foi exonerado do ministério em fevereiro de 1961, logo após a posse de Jânio Quadros na presidência da República.

 

A conspiração contra Goulart

Em fins de 1961 Mourão Filho foi nomeado comandante da 3ª Divisão de Infantaria, em Santa Maria (RS), em substituição ao general Peri Constant Bevilacqua. Ali entrou em contato com elementos civis e militares que articulavam no estado um movimento para afastar do poder o presidente da República João Goulart, que assumira o cargo sob regime parlamentarista, após a renúncia de Jânio Quadros (25/8/1961).

Em janeiro de 1962 Mourão Filho solicitou ao comandante do III Exército, sediado em Porto Alegre, general Nestor Penha Brasil, um encontro com o fazendeiro Saint Pastous, presidente da Federação de Associações Rurais do Rio Grande do Sul (Farsul). Nesse encontro, foram discutidas as linhas de ação para a luta contra o governo Goulart e foram fixadas as etapas a serem cumpridas. Na primeira, que se estenderia até as eleições parlamentares de outubro de 1962, a meta seria a vitória dos adversários do presidente, de modo a garantir o maior número possível de deputados empenhados na luta por sua deposição.

Considerando que essa fora a primeira reunião civil-militar realizada com tal objetivo, marcando o início da conspiração contra o governo Goulart, Mourão estava a par de que outras forças já vinham operando no mesmo sentido. Segundo René Armand Dreifuss na obra 1964: a conquista do Estado, essas forças eram constituídas, pelos membros do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPÊS) e do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) — primeiro grupo organizado de ação empresarial, fundado em março de 1959 com o propósito de combater a infiltração comunista na sociedade brasileira. Essas duas instituições participaram diretamente, segundo Dreifuss, da maior parte dos planejamentos secretos para a derrubada do governo, inclusive aquele em que Mourão Filho estava incluído. Quando este iniciou “sua conspiração”, a rede IPÊS-IBAD já estava em pleno funcionamento, embora ele pouco soubesse a respeito.

Em fins de janeiro de 1962, Mourão participou de uma reunião em São Paulo com importante grupo de empresários, organizada por dois líderes do IPÊS, Edmundo Monteiro e Oton Barcelos Correia — este último presidente da Fábrica Nacional de Vagões — à qual compareceu o líder do IPÊS, João Batista Leopoldo Figueiredo. Em seguida viajou ao Rio de Janeiro, onde conversou com o ministro da Guerra João Segadas Viana. Entrou também em contato com o almirante Sílvio Heck, com o marechal Odílio Denis, ex-ministro de Jânio, e com o general Osvaldo Cordeiro de Farias, colocando-os a par de seus planos. De volta a Porto Alegre após esses contatos, procurou fortalecer a rede de oficiais favoráveis ao golpe. Enquanto esteve no Rio Grande do Sul, seu estado-maior revolucionário era composto, entre outros, pelo coronel Romão Mena Barreto — chefe de gabinete — do tenente-coronel Atos Teixeira e o tenente-coronel Paulo Braga, irmão do então governador do Paraná, Nei Braga.

Promovido a general-de-divisão em março de 1962, teve em junho seguinte uma reunião com Edmundo Monteiro, do IPÊS, e Francisco de Assis Chateaubriand, proprietário dos Diários Associados, aos quais pediu apoio para as forças políticas de oposição ao governo na campanha para as eleições que se aproximavam. Conversou também com Oton Barcelos Correia, do IPÊS, que prometeu apoio financeiro para ação no Nordeste, que lhe parecia problemática. Através do jornalista Tadeu Onar, ligado aos empresários de Porto Alegre, entrou em contato com o presidente da Federação das Associações Comerciais do Brasil. Articulou-se também com o político e empresário Ildo Meneghetti, candidato ao governo do Rio Grande do Sul na legenda do Partido Social Democrático (PSD) e apoiado pelo complexo IPÊS-IBAD. Apoiando-o, procurava sobretudo impedir que se elegesse um candidato ligado a Leonel Brizola, Egídio Michaelsen, o que viria prejudicar sua ação conspiratória no estado. Articulou-se também com o deputado federal coronel Válter Peracchi Barcelos.

Em março de 1963 após o plebiscito de janeiro pelo qual a nação voltou ao regime presidencialista, Mourão foi transferido para o comando da 2ª Região Militar, em São Paulo, substituindo o general Aurélio de Lira Tavares. Passou então a buscar contatos com os elementos que conspiravam no estado.

Embora suas concepções divergissem daquelas do chamado complexo IPÊS-IBAD, Mourão era considerado por esse grupo um indivíduo dotado de grande potencial revolucionário, ainda que de temperamento impulsivo. Segundo Dreifuss, “sua energia tinha de ser captada e bem utilizada, da mesma forma que seu novo posto deveria ser aproveitado para o acobertamento das articulações centralizadas pelo IPÊS entre os militares em São Paulo”. A ele seria confiado “um papel conspiratório ativo e eficaz, na medida em que contribuísse para o esforço geral de insuflar sentimentos antigovernistas entre os militares”, e para tanto foi colocado em contato com o general da reserva Sebastião Dalísio Mena Barreto, ligado ao estado-maior dos empresários e militares do IPÊS em São Paulo. A seção dirigida por Mena Barreto era responsável pelo engajamento dos diretórios de partidos políticos do estado de São Paulo e das diretorias de clubes sociais, culturais e esportivos. Assim, enquanto Mourão Filho se transformava no chefe ostensivo da conspiração civil-militar em São Paulo, o general Mena Barreto era seu principal coordenador entre os civis.

Ainda segundo Dreifuss, não concordando com os pontos de vista políticos e socioeconômicos de Mourão, as lideranças do IPÊS viram-se obrigadas a articular formas de conter seus anseios de liderança e restringir suas atividades junto aos militares. Uma das primeiras atitudes do IPÊS foi retirar o apoio que Mourão recebia de ativistas de São Paulo, como o fornecimento de passagens aéreas gratuitas, reduzindo assim a eficácia de suas articulações militares, que exigiam mobilidade e apoio financeiro. Só mais tarde Mourão veio a saber que o responsável por esse boicote fora o tenente-coronel Rubens Restel, do IPÊS, o qual, na condição de assessor militar da unidade de ação liderada pelo jornalista Júlio de Mesquita Filho, de O Estado de S. Paulo, e como articulador militar da instituição entre os oficiais de médio escalão no II Exército, procurara solapar seu prestígio como conspirador militar entre os companheiros oficiais e empresários.

De acordo com as informações fornecidas pela Central Intelligence Agency (CIA), serviço de espionagem norte-americano, ao Departamento de Estado dos EUA, publicadas anos mais tarde no Jornal do Brasil, em abril de 1963 o general Mourão Filho teria afirmado que o golpe contra Goulart ocorreria dentro de 30 dias. A ação apoiada pelo general Nélson de Melo, pelos marechais Eurico Gaspar Dutra e Odílio Denis, pelo almirante Sílvio Heck, e ainda pelos governadores da Guanabara, Carlos Lacerda, e de São Paulo, Ademar de Barros consistiria inicialmente no deslocamento de tropas do II e III exércitos em direção ao Rio de Janeiro, sede do I Exército. A adesão do I Exército ao movimento era duvidosa, o que preocupava os conspiradores na medida em que 56 tanques estavam sob seu controle. Havia suprimento para no máximo 15 dias de combate, após o que seria necessária a ajuda externa. Mourão acreditava que o governo norte-americano forneceria parte do equipamento necessário à rebelião.

Ainda segundo o mesmo relatório da CIA, Mourão contava então com o apoio das seguintes unidades militares: um grupo de artilharia antiaérea em São Paulo, a 3ª Divisão de Infantaria, com sede em Santa Maria, a 5ª Divisão de Infantaria, sediada em Curitiba, a 6ª Divisão de Infantaria, em Porto Alegre, além de duas das três divisões de cavalaria do país. O mesmo relatório informava que o movimento armado teria, na concepção de Mourão, uma série de objetivos. Em primeiro plano estava a derrubada do presidente João Goulart e a posse de um presidente interino, da confiança dos rebeldes. Em seguida, deveriam ser tomadas medidas para afastar do Congresso os extremistas de esquerda e os comunistas. Outro passo importante seria reconduzir a política externa do Brasil à orientação pró-Ocidente. Pretendia ainda a supressão de algumas organizações sindicais e a estrita aplicação da legislação referente às greves; o reforço das cláusulas da Declaração dos Direitos da Constituição de garantia à liberdade do homem; a substituição do regime presidencial por outro que estabelecesse certos limites aos poderes do presidente; o afastamento dos políticos profissionais; a restrição do ingresso de militares na política; a realização de cuidadoso exame das origens dos recursos financeiros usados por certos políticos e, não sendo sua proveniência esclarecida, o imediato confisco de tais fundos. Era também sua idéia promover a justiça social através de uma reforma agrária sensata, regida pela Constituição. Ainda segundo o relatório, no dia 28 de abril Mourão Filho teve um encontro com os almirantes Sílvio Heck e Mário Cavalcanti, que concordaram em cancelar o seu próprio movimento e juntar-se ao dele, aceitando também suspender os ataques terroristas que haviam planejado. Entretanto, por não se encontrarem as articulações amadurecidas e solidificadas, o golpe contra Goulart acabou não ocorrendo dentro do prazo previsto por Mourão.

 

O plano de ação em movimento

No final de agosto de 1963, Mourão Filho foi inesperadamente transferido para o comando da 4ª Região Militar e da 4ª Divisão de Infantaria do I Exército, ambas sediadas em Juiz de Fora (MG). Essa transferência, segundo Dreifuss, foi um golpe para os conspiradores ligados ao complexo IPÊS-IBAD, que temiam que a ida de Mourão para Minas Gerais acarretasse uma perda de controle de suas articulações naquele estado por dois motivos básicos: primeiro, porque Mourão se instalaria num Exército aquartelado a uma distância do Rio de Janeiro que era a metade da que se encontrava na sua base anterior, São Paulo, e com mais tropas sob seu comando, portanto, com mais facilidade de articular autonomamente “seu movimento”; segundo, porque, em Juiz de Fora, Mourão ficaria na esfera de influência do governador José de Magalhães Pinto que, como candidato em potencial à presidência da República em 1965, poderia nele encontrar um aliado fortuito, mas também próximo aos oficiais favoráveis ao general Artur da Costa e Silva, chefe do Departamento Geral de Pessoal do Exército, que não compartilhava inteiramente as posições do grupo IPÊS-ESG.

Em setembro de 1963 Mourão e o general Carlos Luís Guedes — comandante da Infantaria Divisionária (ID-4) da 4ª RM, sediada em Belo Horizonte —, tiveram uma reunião com o governador Magalhães Pinto, na qual foi discutida a formação do estado-maior revolucionário em Minas Gerais. Em seguida, Mourão e Guedes estabeleceram contatos para as operações com o coronel José Geraldo de Oliveira, comandante da Polícia Militar do estado, e com o coronel Afonso Barsante dos Santos, chefe do estado-maior da Polícia Militar. Segundo Dreifuss, o estado-maior de Mourão em Minas foi composto, majoritariamente, por elementos ligados ao general Costa e Silva, com algumas exceções como o major Alencar, ligado ao líder do IPÊS, e Augusto Frederico Schmidt, que tinha a tarefa de solapar o prestígio de Mourão Filho junto aos jovens oficiais. Estabeleceu-se uma situação semelhante à de São Paulo, com os elementos do grupo IPÊS-ESG tentando enfraquecer a autoridade de Mourão, ao mesmo tempo em que tentavam incorporá-lo ao seu movimento.

A partir de 13 de março de 1964 — quando se realizou um grande comício popular na estação da Central do Brasil, no Rio, no qual Goulart assinou dois decretos, o de nacionalização das refinarias de petróleo particulares e o de desapropriação de terras situadas às margens de obras públicas, para efeito de reforma agrária — intensificaram-se os preparativos do golpe. A conspiração contra o presidente passou a contar com maior colaboração dos setores militares mais moderados.

Segundo Thomas Skidmore, a conspiração militar tomou vulto no dia 20 de março, quando o general Humberto de Alencar Castelo Branco, chefe do Estado-Maior do Exército, que desde outubro de 1963 organizava uma conspiração a que atribuía caráter “defensivo”, expediu um memorando aos seus subordinados denunciando a possibilidade de fechamento do Congresso por Goulart e da implantação de um regime de esquerda radical. No dia 28, no aeroporto de Juiz de Fora, Mourão participou de uma reunião com vários militares e civis, entre eles o governador Magalhães Pinto, o marechal Odílio Denis, o coronel José Geraldo de Oliveira e Osvaldo Pieruccetti, com a finalidade de marcar o dia da revolução. Discutiu-se também o conteúdo do manifesto de respaldo do movimento civil-militar, que deveria conter uma frase decisiva para o afastamento do presidente e sua sucessão de acordo com a Constituição de 1946. Fez-se também uma avaliação estratégica do estado de Minas Gerais e de suas forças militares. Ficou resolvido que a data para o início da revolução seria o dia 31 de março e que ficaria a cargo de Magalhães mandar uma cópia do manifesto a Mourão, com menção taxativa à deposição de Goulart.

Às vésperas do início da ação, o general Amauri Kruel, comandante do II Exército, em São Paulo, continuava indeciso quanto à sua adesão ao movimento. Embora tivesse denunciado líderes sindicais esquerdistas no estado, sua íntima amizade pessoal com Goulart e seu sentimento de “legalidade” adiavam sua decisão. No dia 30 de março começaram a ser acionadas as operações Silêncio e Gaiola. À tarde, todas as fronteiras de Minas e todas as principais vias de acesso e comunicação já estavam fechadas e sob o controle da Polícia Militar do estado. Todos os pontos estratégicos, como postos de abastecimento de derivados de petróleo, casas de armas e munições, rádios e televisões, jornais e revistas, prédios públicos, sindicatos e bancos, já se encontravam sob a guarda ostensiva ou velada da Polícia Militar. Esta foi a chamada Operação Silêncio. No dia 31, entre quatro e cinco horas da manhã, Mourão Filho, antecipando-se à hora predeterminada para a ação, deu início ao movimento em Minas Gerais. Ocupou a estação telefônica de Juiz de Fora e iniciou os contatos. Telefonou para o general Carlos Luís Guedes autorizando a mobilização das tropas da ID-4 e da Polícia Militar. Na mesma manhã o general Guedes deu início à Operação Gaiola, aprisionando líderes esquerdistas, estudantes e sindicalistas. De Belo Horizonte e São João del Rei, tropas do 12º e do 11º regimentos de Infantaria deslocaram-se para Juiz de Fora, para se colocarem sob as ordens do general Mourão Filho. Por volta das 18 horas, o ministro da Justiça, Abelardo Jurema, levou até Goulart, que estava reunido com o general Peri Bevilacqua, um bilhete que lhe era dirigido. Ao terminar a leitura, Goulart informou ao general Peri que Mourão havia sublevado a 4ª RM e exigia sua renúncia. Na tarde desse dia o general Kruel ordenou finalmente que seus tanques se deslocassem rumo ao Rio de Janeiro.

Na manhã de 1º de abril Goulart voou para Brasília, onde esperava oferecer resistência, mas a situação na capital também não lhe foi favorável. Os efetivos enviados pelo I Exército para barrar o avanço das forças mineiras haviam aderido aos rebeldes. À noite Goulart partiu para Porto Alegre, e, em Brasília, o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, declarou vaga a presidência da República e empossou no cargo Pascoal Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara dos Deputados. O poder de fato, todavia, passou a ser exercido pelo autodenominado Comando Supremo da Revolução, constituído pelo general Artur da Costa e Silva, o almirante Augusto Rademaker e o brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo.

Na tarde de 2 de abril de 1964, as tropas comandadas por Mourão chegaram à Guanabara.

 

Mourão Filho e o regime militar

Promovido a general-de-exército em abril de 1964, participou da solenidade de posse do marechal Humberto de Alencar Castelo Branco na presidência da República no dia 15 daquele mês. Em 30 de setembro assumiu o posto de ministro do Superior Tribunal Militar (STM). Em pouco tempo, começou a se distanciar do novo governo, descontente com as medidas tomadas por Castelo Branco e sua equipe. Em seu livro Memórias: a verdade de um revolucionário, publicado postumamente, mostrou-se bastante crítico em relação ao novo presidente da República. Numa entrevista concedida em 1965, condenou a prorrogação dos mandatos dos governadores e defendeu as eleições programadas para outubro daquele ano. Estas de fato se realizaram, tendo a oposição conquistado o governo dos estados da Guanabara, com Francisco Negrão de Lima, e de Minas Gerais, com Israel Pinheiro. Em resposta o presidente Castelo Branco editou, no dia 27 de outubro, o Ato Institucional nº 2 (AI-2), que reintroduziu a aplicação de punições extralegais a adversários do regime, cujo julgamento foi transferido para a Justiça Militar, extinguiu os partidos políticos existentes e reinstaurou eleições indiretas para a presidência da República. No dia 12 de janeiro de 1966, numa entrevista concedida à revista Manchete, Mourão Filho e Peri Bevilacqua, ambos juízes do STM, declararam-se favoráveis à anistia aos atingidos pelo que chamaram de “contra-revolução de 31 de março”.

Segundo Mourão, Castelo Branco deixou, como traço principal de seu governo, uma Constituição mal redigida promulgada em janeiro de 1967 — , que reforçou os poderes do presidente e anulou quase por completo o Legislativo, não somente retirando-lhe atribuições que foram transferidas ao chefe do Executivo, como também submetendo-o à vontade deste. Fez críticas também ao sucessor de Castelo Branco, marechal Artur da Costa e Silva (1967-1969), desaprovando a assinatura, por esse presidente, do Ato Institucional nº 5 (AI-5), datado de dezembro de 1968, bem como algumas cassações que se sucederam à edição do ato. A seu ver, os males da política brasileira, antes ou depois de 1964, não se deveram somente à sucessão de militares no poder ou às suas deficiências pessoais enquanto governantes, mas ao próprio sistema presidencialista que, enfeixando nas mãos do presidente uma grande soma de poderes, “transforma o Executivo em poder maior e anula a independência dos outros dois, perturbando a harmonia”.

Em março de 1969 aposentou-se da presidência do STM, que ocupava desde março de 1967. Dois anos depois, em dezembro de 1971, quando se encontrava em tratamento na casa de saúde Doutor Eiras, teve um encontro com o historiador Hélio Silva, a quem confiou os originais de seu livro de memórias — que tinha por tema os preparativos e o desenrolar do movimento político-militar de março de 1964 — pedindo que o publicasse.

Faleceu no Rio de Janeiro no dia 28 de maio de 1972.

Era casado com Almira Linhares Mourão, com quem teve duas filhas. Em segundas núpcias casou-se com Maria Tavares Bastos, com quem teve três filhos.

Quase seis anos depois de sua morte, em abril de 1978, Hélio Silva anunciou a próxima publicação do manuscrito que Mourão Filho lhe confiara, sob o título Memórias: a verdade de um revolucionário. Alguns jornais, como O Globo e o Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, e o Coojornal, de Porto Alegre, publicaram trechos das memórias, o que deu origem a grande polêmica. O general Augusto César Muniz de Aragão, em artigo publicado em O Globo (23/4/1978) pôs em dúvida a autoria dos textos divulgados e observou que, se realmente os tinha escrito, o general “deveria encontrar-se privado de serenidade e de senso-comum, ou frustrado nos seus interesses com o desfecho que tomou o movimento de março 1964”. Num dos trechos publicados pelo Coojornal, Mourão acusava o brigadeiro João Paulo Moreira Burnier — na época chefe de gabinete do ministro da Aeronáutica, brigadeiro Márcio de Sousa e Melo — de tentar usar tropas do Para-Sar, da Aeronáutica, em ações de violência contra o povo. No capítulo intitulado “A conspiração em São Paulo”, narrou o seqüestro de seu sobrinho-neto e mencionou também a prática de torturas por parte dos militares envolvidos no combate à subversão.

Em agosto de 1978, sua filha, Laurita Lourdes Linhares Mourão Irazabal, residente no exterior, retornou ao Brasil e requereu medida cautelar de busca e apreensão do livro de seu pai, que já estava editado. Pretendia obter a nulidade da doação e da cessão de direitos autorais ao historiador Hélio Silva, com base na incapacidade física do general Mourão para a efetivação daquele ato. Em fevereiro de 1979, após intensa luta na Justiça, amplamente divulgada pela imprensa, o livro teve por fim liberada sua circulação.

Em vida, Mourão Filho publicou Um ano de instrução num corpo de tropa de infantaria e Elementos de teoria de tráfego urbano e sua aplicação na cidade do Rio de Janeiro.

 

 

FONTES: ARQ. GETÚLIO VARGAS; CACHAPUZ, P. Cronologia; CARONE, E. República nova; CONSULT. MAGALHÃES, B.; CORRESP. SUP. TRIB. MILITAR; DREIFUSS, R. Conquista; FIECHTER, G. Regime; Globo (23/4/78 e 9/11/80); Grande encic. Delta; Jornal do Brasil (12/1/66, 19/7/75, 6/11/77, 14 e 21/4, 14, 24 e 27/8/78, 2/2/79 e 4/1/81); MELO, O. Marcha; MOURÃO, L. Genealogia; Rev. Inst. Geog. Hist. Militar do Brasil (1977); SILVA, H. General; SILVA, H. 1935; SILVA, H. 1937; SILVA, H. 1964; SKIDMORE, T. Brasil; TAVARES, J. Radicalização; TRINDADE, H. Integralismo; VÍTOR, M. Cinco.